1. a guerra do petróleo
insegurança
jurídica
A briga dos royalties no STF não será fácil: se os estados produtores apostam
em que a lei é inconstitucional, há um arsenal de argumentos do outro lado
TEXTO barbara marcolini e manuela andreoni
Parlamentares
do Rio: mandado
de segurança
preventivo no
STF para anular
a sessão do
Congresso que
derrubou o veto
sobre os royalties
ailton de freitas
2. O
momento mais dramático se aproxima. E os dois lados têm
argumentos fortes. Após a promulgação da lei que redistribui os ro-
yalties de petróleo tanto para contratos futuros quanto para os que
estão em vigor — o que deve ocorrer semana que vem —, o palco da
batalha se move alguns metros no Planalto Central: do Congresso
Nacional para o Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador do
Estado do Rio Luís Roberto Barroso prometeu entregar a redação da ação direta
de inconstitucionalidade (Adin) ao governador do Rio, Sérgio Cabral, ainda
hoje, para que tudo esteja preparado para o contra-ataque final. Muitos juristas
concordam que os ministros não devem permitir que os estados produtores
sofram uma perda brusca. Outros acreditam que a pura redistribuição dos
recursos dos royalties não fere a Constituição. No mínimo, os ministros do
Supremo devem pedir um período de transição para que os governadores se
adaptem ao rombo. Ninguém arrisca, no entanto, uma análise completa sobre o
desfecho da briga.
A defesa do Rio cita diversas violações à Constituição. Um dos principais
argumentos é que a lei fere o “ato jurídico perfeito” pois desrespeita acordos
,
firmados pelo Estado do Rio, como o refinanciamento da dívida com a União.
Outra questão é que os royalties não são apenas uma compensação pelo uso
das estruturas do estado para a exploração do petróleo, mas também porque
o estado não recebe o ICMS sobre a produção do óleo — uma exceção na lei
de distribuição da receita de impostos. Do outro lado, pesam as ideias de que
o petróleo está no mar — e este não pertence a estados ou municípios, mas
à União — e que a lei não retira a compensação dos produtores exigida pela
Constituição, apenas a regula.
Não há um histórico, no Supremo, de casos de julgamento de vetos
presidenciais a leis ou de derrubadas destes vetos pelo Congresso, segundo
o ex-ministro do STF Célio Borja. Na verdade, há poucos casos em que os ve-
tos foram de fato votados. Vale lembrar que há mais de três mil aguardando
apreciação no Congresso. Isso torna ainda mais difícil prever como o tribunal
vai se comportar neste caso.
— É difícil prever qual será o resultado do julgamento, mas acredito que,
dada a relevância do tema, ele será rápido — disse Borja, que estima um
desfecho em seis meses.
Apesar das incertezas, Barroso está confiante na ação que o Rio entregará ao
STF. O documento se baseia em três ideias centrais. A primeira é a existência
dos royalties como compensação aos estados produtores pelo ônus ambiental
e estrutural da exploração petroleira (definida no parágrafo 1º do artigo 20 da
Constituição Federal). Depois, ele citará a violação do pacto federativo, que
3. argumentos a favor argumentos contra toque
nos
dos estados produtores os produtores títulos
Estados produtores, como o Rio, já não recebem o ICMS do
petróleo e do gás. Então, já têm uma perda financeira. Se
perderem os royalties, vão ser duplamente prejudicados.
arraste
determina a tributação (ICMS) do petróleo no destino, e não na fonte produtora.
O recebimento dos royalties pelos estados produtores seria uma contrapartida
a isso. A Adin também fala da segurança jurídica, argumento do Direito em que
uma lei não pode afetar situações constituídas — entre elas, os compromissos
firmados pelo Estado do Rio levando em conta os recursos dos royalties.
O procurador lembra que uma parte substancial dos royalties está vinculada
ao pagamento da dívida do estado com a União, e, ao afetar essa verba, o
governo federal violaria a regra do ato jurídico perfeito. O procurador prefere
não fazer previsões sobre a decisão do STF, mas acredita que não há argumentos
contrários sólidos do ponto de vista constitucional. Barroso afirma que, “na
pior das hipóteses” os ministros devem considerar que a lei não se aplica aos
,
contratos já firmados — mas vai buscar a mudança da lei como um todo.
Eduardo Maneira, professor de Direito Tributário da UFRJ, concorda com
Barroso principalmente na questão da violação do pacto federativo. Para ele,
não houve discussão o suficiente do Congresso sobre formas de compensar
os estados produtores pela perda enorme da renda dos royalties, da qual são
dependentes seus compromissos orçamentários e financeiros. Se o royalty for
visto com uma compensação pelo fato de os estados produtores não receberem
nada do ICMS sobre a produção de petróleo e gás, ele não poderia ser redistri-
buído sem uma discussão de outras formas de receita.
— Esse é uma argumento forte. Quando você produz um automóvel em São
Bernardo do Campo, fica 12% de ICMS para São Paulo. Agora, do que a refinaria
de Duque de Caxias produz e vende, não fica nada de ICMS para o Rio. Dentro
desse contexto, de como se reparte a receita de todos os tributos, se vai mexer
nos royalties também tem que mexer no ICMS, ou é injusto — diz Maneira.
Para o tributarista Ives Gandra Martins, a lei de distribuição dos royalties violenta
a Constituição e o pacto federativo. Martins acredita que o STF considerará o
4. projeto inconstitucional, uma vez que ele interfere na relação estabelecida entre o
recebimento dos royalties em detrimento do ICMS. O tributarista lembra que, com
a Constituição de 1988, foi definida a tributação de mercadorias e serviços no local
de origem. Com o pacto federativo, os estados produtores de energia, como Rio e
Espírito Santo, que exploram petróleo, e Minas e Pará, com a mineração, abriram
mão do imposto, que passou a ser cobrado no destino desses bens, por já receberem
compensações — os royalties. Martins argumenta que, com a nova lei, os estados
produtores perdem duas vezes, enquanto os não produtores ganham em dobro, por
ficarem tanto com o ICMS quanto com os royalties.
Um desfecho possível, opina Maneira, é o STF conceder uma liminar
para provocar uma discussão política negociada, já que, até agora, o debate
foi marcado pela radicalização dos dois lados. O jurista defende que é
inconstitucional não haver uma fase de transição para a implementação das
novas regras, já que isso causa instabilidade e insegurança jurídica nos estados e
municípios produtores.
Por outro lado, se o Rio apostar no argumento de que merece recompensa pela
exploração petroleira como está dito no artigo 20 da Constituição, Maneira acredita
que não deve alcançar sucesso. Segundo ele, os conceitos de “mar territorial”
e “plataforma continental” contidos no artigo não podem ser considerados
pertencentes a um estado ou município, mas ao país como um todo. Este é
exatamente o argumento dos estados não produtores: o mar é “federalizado” .
— A pergunta que vale bilhões de reais é como vai ser interpretado o artigo 20
— brinca o advogado Cláudio Pinho, autor do livro “Pré-sal — História, doutrina
e comentários à lei”
.
O que dificulta mais a previsão sobre o desfecho do julgamento é o fato de não
haver jurisprudência sobre o tema. Mas Tânia Rangel, pesquisadora do Centro de
Justiça e Sociedade da FGV, lembra que o STF já julgou a favor do recebimento
de compensações pela exploração petroleira em um mandato de segurança
em 2003. A professora argumenta que o Supremo tende a agir de modo a evitar
conflitos entre os estados e a União, especialmente em casos como este, quando
uma decisão pode levar ao colapso econômico de uma região. Ela lembra que a
Constituição diz que os estados produtores devem ser compensados, mas não diz
que os não produtores devem ficar fora, o que pode favorecê-los no julgamento.
Por outro lado, a pesquisadora lembra que a corte pode votar a favor da lei,
mas decidir que ela só comece a valer a partir de uma determinada data. Isso
evitaria que os estados e municípios prejudicados sofressem imediatamente
com cortes drásticos em suas receitas e permitiria que eles se preparassem para
um futuro menos farto.
5. — Apesar de a lei orçamentária ser de um ano, temos o Plano Plurianual,
que prevê verbas para os próximos quatro anos. O Rio tem o agravamento de
receber a Copa no ano que vem e as Olimpíadas em 2016. Quando o estado se
empenhou na realização desses eventos, estava contando com uma receita, seja
pela realização de obras, seja para cobrir outras despesas — explica a pesqui-
sadora. — Quando corre o risco de causar um desequilíbrio financeiro, a ponto
de levar à quebra do estado, o Supremo tem o histórico de modular o efeito, ou
seja, a decisão só começa a ser efetiva a partir de um tempo.
O ex-ministro do STF Carlos Velloso explica que, apesar de os argumentos dos
estado produtores serem sólidos, a lei de redistribuição dos royalties não fere a
Constituição, no sentido em que as compensações pela exploração petroleira
não seriam eliminadas, mas reguladas. Velloso não acredita que o STF vá aceitar
uma medida cautelar, visto que o julgamento do caso é considerado urgente.
Para ele, os estados e municípios não vivem — ou não deveriam viver —
dependendo de repasses, e poderiam sobrevivem sem os recursos do petróleo
até que a decisão final da corte seja divulgada. O ex-ministro argumenta ainda
que o Supremo é um tribunal independente, e pressões externas, como a
suspensão de pagamentos do Estado do Rio — considerada uma jogada do
governador Sérgio Cabral para pressionar o STF — não surtiriam efeito.
Em agosto passado, os procuradores do Espírito Santo tentaram adiantar o
assunto dos royalties junto ao Supremo para gerar jurisprudência. O estado
entrou com uma Adin questionando a divisão de recursos do petróleo que o
próprio governo estadual faz entre os municípios capixabas. Se o Supremo
decidisse que as cidades sem qualquer relação com a produção de petróleo não
deveriam receber royalties, estaria criando uma jurisprudência forte para os
estados produtores. A ação, segundo Cláudio Pinho, “caiu nas calendas gregas”,
já que o ministro Ricardo Lewandowski negou a liminar pedida pelo governador
do Espírito Santo, Renato Casagrande, que pedia urgência.
Hoje, parlamentares do Rio e do Espírito Santo já entraram no clima judicial
da batalha: apresentaram um mandado de segurança preventivo no STF
para anular a sessão do Congresso de anteontem, quando os vetos foram
derrubados. Assinado por 27 deputados e senadores fluminenses e capixabas, o
documento aponta que houve ilegalidade na votação, já que não foi observado
o prazo regimental de 30 dias para analisar a republicação parcial dos vetos
presidenciais, feita na terça-feira. Nessa briga, todo argumento é válido. •
barbara.marcolini@infoglobo.com.br
manuela.andreoni@oglobo.com.br
Colaborou Danielle Nogueira (danielle.nogueira@oglobo.com.br)