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INVENTÁRIO DA ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA VILA PINHEIRO
Artesanato: um trem para a estação
Memória e cultura material na antiga Estação Ferroviária daVila Pinheiro [1]
     O presente projeto pretende associar o trabalho de memória sobre a Estrada de ferro Belém-Bragança, Ramal de Icoaraci, antiga Vila Pinheiro, com a produção e
divulgação da cerâmica arqueológica produzida no Distrito. Assim, o projeto será o primeiro passo para um Programa de pesquisa e extensão mais complexo, que




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 Http://haroldobaleixe.blogspot.com/2009/05/blog-post.html
assumirá três dimensões: Pesquisa iconográfica e de depoimentos sobre a memória da Estrada de ferro em Icoaraci ; restauro do prédio da antiga estação, onde hoje
funciona a Cooperativa de Artesãos de Icoaraci (COARTI) e formação de jovens artesãos através do conhecimento das culturas pré-cabralinas e de suas técnicas e
motivos cerâmicos[2]. Nesta primeira etapa, será feita a pesquisa iconográfica, bem como o levantamento da edificação onde funcionou o terminal daVila Pinheiro da
Estrada de Ferro, hoje sede da COARTI[3].
     O interesse em realizar o levantamento desta edificação surgiu através de um trabalho apresentado na Disciplina “Estética das Artes Plásticas” do Curso de
Arquitetura e Urbanismo, por uma equipe de alunos, sob nossa orientação. Este trabalho revelou o interesse dos discentes, e nos levou a visita preliminar a campo,
quando mantivemos contato com a Srª Sinéia Hosana, presidente da Cooperativa, a qual se manifestou positivamente ao presente projeto.
     A antiga estação de trem de Icoaraci situa-se na Rua Padre Júlio Maria, ao lado da Igreja de São João Batista, e funcionou desde 1906 até 1964, inicialmente com
locomotiva a vapor, e depois movida a óleo. A estação era o espaço de chegada e partida do trem em direção a Belém, que percorria o trajeto da atual Rodovia
Augusto Montenegro e Avenida Almirante Barroso. O trem transportava passageiros e mercadorias, porém a estação era mais que entreposto, era o ponto de
encontro da população local. Segundo relato de moradores antigos, a estação simbolizava a integração populacional, pois ao ouvir o apito de chegada do trem, os
moradores saíam de suas casas e iram passar as tardes no entorno da estação.
     O trem trazia consigo a Modernidade que tanto encantava os moradores da Vila, esperar o trem significou durante anos o lazer dos habitantes de um Distrito
composto por sete ruas em que todos se conheciam e o contato com o novo trazia ansiedade.                                                                             Estação da Vila Pinheiro
    A COARTI, fundada em 1978, passou a aproveitar o espaço sem utilidade como sede dos artesãos, onde hoje estes expõem seus produtos, em especial a cerâmica[4]. Sinéia é a atual Presidente da Cooperativa, e dedica-se a produção
da cerâmica arqueológica, resultado de estudo minucioso de exemplares da cultura material das populações pré-cabralinas marajoaras e tapajônicas. Este trabalho é realizado em parceria com o Museu Emílio Goeldi, onde a artesã pode
ter acesso a exemplares das culturas históricas, que servem de base a suas reproduções, que são apreciadas por turistas e estudiosos brasileiros e estrangeiros, com destaque para os italianos, que a convidaram para uma palestra na
Universidade de Nápoles.
    Durante o projeto, foram realizadas visitas ao local, nas quais a equipe pode conhecer o dia-a-dia dos artesãos, bem como percorrer o entorno da edificação, observando os prédios significativos que compõem o entorno histórico,
estético e cultural do bem. Durante a primeira visita, realizada em 26 de janeiro, a equipe conversou com artesãos e pode fazer um levantamento preliminar da situação atual do imóvel, dos danos sofridos bem como dos acréscimos
realizados para o funcionamento da produção da cerâmica.
                                                                                                             Fortunato Neto 2011




                                                                                                                                                                                             Fortunato Neto 2011




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              Fortunato Neto 2011
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Fortunato Neto 2011




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Fortunato Neto 2011
         Fachada principal da Estação da Vila Pinheiro                                                                                                   Vista da estrutura da cobertura                           Visita técnica à COARTI                                                                                                  Vista da estrutura da cobertura do corpo posterior                                                    Vista interna com detalhe
                                                                                                                                                         do corpo fronteiro                                                                                                                                                                                                                                                                       para esquadria

    No dia 15 de abril, o ônibus da UFPA partiu do Estacionamento fronteiro ao Atelier de Arquitetura levando vinte e cinco alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo, além dos professores Cybelle Miranda, Ronaldo Marques de
Carvalho e do Técnico Fortunato Neto, componentes da equipe do Projeto de Extensão, além da Profª Rossana Miranda e da Bacharel em Design Juliane Pantoja. Por volta das 9:30 hs o grupo chegou a Estação, onde já o aguardava Sinéia
Hosana, presidente da COARTI. Os discentes puderam, durante a visita, percorrer o prédio da Estação, acompanhando as informações históricas pronunciadas pela Profª Cybelle, bem como observar os aspectos tecnológicos da
edificação, enfatizados pelo Prof. Ronaldo Carvalho. Sinéia ensinou aos alunos a diferenças entre os vários tipos de cerâmica, o processo de produção da cerâmica arqueológica que ganhou o Selo Verde pela observância dos
procedimentos ambientalmente corretos . Em seguida, o grupo deslocou-se até o Distrito de Outeiro, mais especificamente na Praia da Brasília, onde são coletadas as cerâmicas coloridas que servem a fabricação das peças e a seu
tingimento, sendo todo o processo executado de modo artesanal e sem o emprego de compostos sintéticos.
                                                                                                                                                                                                                                                          Fortunato Neto 2011




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Fortunato Neto 2011




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        Fortunato Neto 2011
                                                                                                                                   Fortunato Neto 2011




                        Visita Técnica com os discentes                                                                                                         Prof. Cybelle orientando a visita                                                                                   Visita à praia da Brasília                                                                              Sinéia Hosana, presidente da COARTI, falando aos discentes
                                                                                    PARÁ, 2004




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            O Ramal de Pinheiro da Estrada de Ferro
                                                                                                         A estratégia para o desenvolvimento ferroviário brasileiro contemplou as ligações das regiões que dispunham da produção dos principais produtos agrícolas do Brasil aos portos
                                                                                                    exportadores e a utilização inicial de empresas privadas no comando das companhias ferroviárias.
                                                                                                         O estado do Pará estava fora desta estratégia nacional, pois não se enquadrava naquele patamar de produção, porém, como meio para o seu progresso e desenvolvimento interno, já vinha
                                                                                                    sendo cogitado pelo Governo provincial a instalação de caminhos de ferro. No entanto, a implantação desse sistema de transporte, como em outros estados brasileiros, também passou por
                                                                                                    várias dificuldades até obter sua concretização.As primeiras movimentações na direção deste objetivo começam por volta de 1870, com a elaboração de legislação, visando a colonização das
                                                                                                    áreas que margeavam a futura via férrea, dando ao governo da província o ônus do transporte dos colonos.
                                                                                                         Até alcançar o aumento da exportação da borracha no período de 1895 a 1905, a implantação da Estrada de Ferro no Pará seguia um processo tortuoso. A pressão provocada pelo
                                                                                                    crescimento da produção agrícola nas colônias vizinhas à capital (com a necessidade do deslocamento dos produtos até o mercado de Belém e a lentidão do transporte fluvial, que onerava o
   Visão posterior da Estação Central da Estrada de Ferro                                           custo final das mercadorias) e a intenção governamental de desenvolver a região bragantina pelo modelo de agrovilas foram responsáveis pela elaboração da primeira concorrência, em 31 de
   de Bragança
                                                                                                    outubro de 1870, visando à construção da via férrea paraense.
                                                                                                         Como não apareceram concorrentes, foi preciso que em 9 de setembro de 1873 o Presidente da Província do Pará, Domingos José da Cunha Júnior, sancionasse a Lei n° 779, dando
                                                                              PARÁ, 2004




                                                                                                    incentivos ao empreendedor, que receberia a quantia de cinco contos de réis por quilômetro de estrada construído e ficaria isento dos impostos por trinta anos. Mesmo com esse recurso,
                                                                                                    não se apresentou nenhum candidato para o investimento, o que fez com que o presidente, através da lei de n° 809, de 6 de abril de 1874, reconsiderasse o prazo de uso da estrada de ferro
                                                                                                    para quarenta anos, confiando à empresa contratada a obrigação de estabelecer colonos nas margens da estrada, pelo qual receberia apoio do governo imperial. O privilégio poderia estender-
                                                                                                    se aos ramais do Pinheiro,Vigia, Cintra, Ourém e São Miguel. Por ano deveriam ser instalados 2.500 colonos, representando no final de quatro anos o assentamento de 10.000 colonos. Desta
                                                                                                    feita, surgiram dois engenheiros interessados (Cícero de Pontes e Antônio Gonçalves da Justa Araújo), que assinaram o contrato no dia 15 de setembro de 1874. O contrato era bastante
                                                                                                    detalhado, especificava o uso de trilhos de ferro vindos da Inglaterra e previa a construção de três estações ao longo do percurso: a de Belém, local de origem; a de Benevides, colônia próxima à
                                                                                                    capital que estava em desenvolvimento; e a de Bragança, o ponto terminal. Caso ao longo do trajeto surgisse a necessidade de paradas secundárias, estas deveriam ser estações menores de
                                                                                                    madeira, porém, sem que se descuidasse do aspecto estético, que deveria transmitir sentimentos de modernidade e progresso. Os dois engenheiros comprometeram-se a começar a obra em
   Vista da Estação Central da Estrada de Ferro de Bragança - Cartão                                30 meses e terminá-la em 1877, no entanto o acordo não foi cumprido[5].
   Postal fotografado por Júlio Siza
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=5




    O Governo então resolveu assumir a instalação das colônias de imigrantes, efetuando a limpeza da estrada, numa extensão de 30 quilômetros, ligando Belém ao núcleo colonial; medindo e
demarcando os lotes de terra destinados aos imigrantes; e nomeando um diretor para colônia[6].Apesar de todas estas providências, ninguém se candidata a ficar a frente do empreendimento.
    Em 1883, foi organizada uma sociedade, entre o Sr. Bernardo Caymari e os representantes de uma empresa denominada “Estrada de Ferro de Bragança”, objetivando a construção da
ferrovia. Com o contrato assinado, em 16 de junho, as obras têm início solenemente as 8:30 horas, do dia 24 de junho do mesmo ano, com o assentamento dos primeiros trilhos e com a
presença das autoridades locais.
    O primeiro trecho correspondente a 29 quilômetros, entre São Braz e Benevides, foi inaugurado um ano depois, em 24 de junho de 1884 e o segundo trecho, de 13 quilômetros, entre
Benevides e Santa Isabel, em 17 de novembro de 1885[7].
    Aproximadamente dez anos depois, o projeto de lei N° 108, de 26 de agosto de 1892 [8] foi enviado ao governador Augusto Montenegro, autorizando-o à construção de outra estrada de                                                                                                                                                                                                                                      Estação Central da Estrada de Ferro de Bragança.

ferro que ligasse a cidade de Belém à Vila de Pinheiro (atual distrito de Icoaracy).Após a regulamentação dos procedimentos legais, teve início a construção do novo Ramal, desenvolvendo-se a
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             PARÁ, 2004.




partir da Estação Entroncamento, onde foi estabelecida a conexão com a Estrada de Ferro Belém-Bragança, em direção aVila Pinheiro.
    O Ramal do Pinheiro tinha 27 quilômetros de extensão, seus trilhos vieram da Europa, sua construção ficou sob a responsabilidade do Banco Norte do Brasil, possuía quatro paradas para
depósito de cargas e embarque/desembarque de passageiros:Tenoné,Tapanã, Bengui, Una e Entroncamento. Contava também com uma ponte metálica, francesa, com o formato de T, apoiada
em colunas maciças de aço, com 133 metros de cumprimento, com a finalidade de servir de desembarque para o carvão, ligada a um galpão de ferro de 14m x 25m, onde este material era
estocado.
Para o funcionamento do Ramal foram requisitados:

                                                                                                 * duas locomotivas para passageiros, tipo MOGUL, velocidade 60km/h;                                                                                                                                                                                                                                                                   Antiga Av.Tito Franco, atual Av.Almirante Barroso,
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       em destaque o momento da passagem da locomotiva
                                                                                                 * quatro carros de passageiros de 1° classe;                                                                                                                                                                                                                                                                                          da Estrada de Ferro Belém Bragança.
                                                                                                 * quatro ditos de 2° classe;
                                                                                                 * um carro para bagagem;
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       PARÁ, 2004.




                                                                                                 * seis gôndolas de aço para condução de carvão;
                                                                                                 * seis wagonetes para condução de carvão na Ponte do Pinheiro;
                                                                                                 * seis trollys[9]
    A importância que representava a construção da Estação Pinheiro se refletiu na escolha de sua localização, na Praça Paes de Carvalho, em frente à Rua 8 de Outubro (atual Padre Júlio Maria),
no lugar onde ficava situada a igreja, para esta cessão foi negociado o valor de 5 contos de réis e mais materiais para a construção da nova Igreja.
    Os novos valores introduzidos na sociedade daquela época, impulsionados pela ânsia do progresso e modernidade advindos com a industrialização, estabeleceram uma nova hierarquia na
ocupação do espaço urbano: as linhas férreas ocupavam os lugares das velhas catedrais. Neste caso, estabelecidas as proporções devidas, repetem-se situações semelhantes àquelas vivenciadas
anteriormente na Europa.                                                                                                                                                                             Cartão Postal do Asilo de Mendicidade no
    Outro aspecto desta influência europeia, desta feita especificamente francesa, se deve à semelhança das intervenções de Haussmann em Paris, quando determinava locais estratégicos para qual em sua extremidade direita observa-se
                                                                                                                                                                                                     um abrigo para a parada da Estrada de
disposição dos grandes monumentos. Assim acontece com a Estação Pinheiro, cuja visualização se descortina por toda a extensão da Rua Padre Julio Maria. Nesta implantação, percebe-se Ferro de Bragança, concessão obtida
claramente o modo como o estilo eclético interagia com o cenário da cidade.                                                                                                                          por solicitação do Intendente Antonio Lemos
    A obra foi inaugurada em 7 de janeiro de 1906, com a presença do Governador Augusto Montenegro e sua comitiva, ao som da “Philarmônica Delícias Pinheirense”[10]. Suaserventia para a junto ao Governador do Estado, Dr.Augusto Montenegro.
região foi logo confirmada pela crescente movimentação de cargas e passageiros.A princípio, a locomotiva realizava duas viagens com destino a Belém,
a primeira com saída da vila de Pinheiro às 5:00hs, retornando às 11:00hs, e a segunda com saída às 13:00hs, retornando às 18:00hs, pernoitando na vila. O tempo do deslocamento do ponto de saída ao de chegada ficava em torno de 60
minutos. Com o passar do tempo, foi retirada a viagem do período intermediário, restando apenas um percurso diário, com ida às 5 hs e retorno às 17hs.
    A partir do século XX dificuldades foram sentidas para a manutenção do transporte férreo, pois a produção escoada não cobria os gastos efetuados. Em 1921 a estrada de ferro é encampada pelo Governo Federal, sendo necessário
que o Governo Estadual fizesse o arrendamento e ficasse responsável por sua administração.
    Outro aspecto que contribuiu para a decadência deste meio de transporte foi a falta de investimento em tecnologia. Enquanto nos Estados Unidos na década de 40 eram criados trens mais rápidos, econômicos, com maior capacidade e
movidos a diesel, o Brasil, na década de 60, ainda apresentava o maior número de locomotivas movidas a vapor. Era o caso do Pará, que possuía poucas locomotivas a diesel.
    As políticas do Governo Federal dos presidentes Juscelino Kubitschek (1956 a 1961) e Jânio Quadros (1961) sinalizavam como prioridades a construção de estradas e fabricação de veículos, consequência da pressão dos interesses
estrangeiros em trazer montadoras como a Ford, a General Motors,Willys e Volkswagen para o Brasil, começa a se evidenciar de forma crescente a intenção da extinção, em nível nacional, das linhas de trem. Cada região brasileira tem a
própria história de resistência para contar, no Pará, o protesto popular, aliado ao interesse de políticos influentes, conseguiu por um momento adiar as decisões do desmonte da linha férrea paraense.
    Com a revolução de 1964, os militares assumem o comando da nação brasileira. Como Presidente da República estava o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco e como Ministro daViação, o Marechal Juarez Távora, favorável à
extinção das ferrovias. Com a argumentação de que a Estrada de Ferro Belém Bragança era deficitária, decreta sua desativação definitiva, que se deu a partir do dia 1° de janeiro de 1965, quando os trilhos começaram a ser retirados,
encerrando de maneira radical uma etapa importante do desenvolvimento do estado do Pará, de forma insensível ao problema social gerado com esta decisão, deixando à mercê da própria sorte os colonos que foram assentados às
margens da linha férrea em políticas federais anteriores.
    Segundo Philadelpho Cunha, Superintendente da Ferrovia Belém-Bragança no período de abril a agosto de 1961, a ferrovia era deficitária, porque não realizava transporte de carga em grande quantidade, sendo prioritariamente
destinada ao deslocamento de passageiros, bem como as condições de administração e a tecnologia das locomotivas não havia sido atualizada. Contudo, ela era importante instrumento de integração regional.

[1]Projeto contemplado pelo PRÊMIO PROEX DE ARTE E CULTURA 2010, desenvolvido entre janeiro e junho de 2011.                                                                                                                                                                    [7]PARÁ, Secretaria de Cultura do Estado. Belém da Saudade:A memória da Belém do início do Século em cartões-postais. Belém: SECULT, 2004.
[2]Para as demais etapas do Projeto, pretende-se inscrevê-lo no Edital de Patrocínio do Banco da Amazônia 2011, bem como em Editais da Petrobrás e de outras Agências de Fomento.                                                                                               [8]PEREIRA, Glaizi S. Nascimento e COSTA, Simone de Fátima Campos.A Estação do Pinheiro. Belém, 2000.Trabalho de Conclusão de Curso (Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do Pará, 2000.V. 1.Anexo 14.
[3]COARTI- Cooperativa dos artesãos de Icoaraci, fundada em 16/06/78, com apoio do INCRA e SENACOOP.                                                                                                                                                                            [9]CRUZ, Ernesto.As obras Públicas do Pará.Volume II, 1967, p.37.
[4]Entrevista concedida pela Presidente da COARTI Sinéia Hosana, em 31 de julho de 2010.                                                                                                                                                                                        [10]__________, Mensagem dirigida em 7 de Setembro de 1904, pelo Governador do Estado Dr.Augusto Montenegro, p. 72.
[5]PEREIRA, Glaizi S. Nascimento e COSTA, Simone de Fátima Campos.A Estação do Pinheiro. Belém, 2000.Trabalho de Conclusão de Curso (Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do Pará, 2000.V. 1.Anexos 2 e 4.
[6]CRUZ, Ernesto. Colonização do Pará. Conselho Nacional de Pesquisa, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. Belém. 1958 p. 59.




                                                                                                                                   EQUIPE:
                                                                                                                                   Profª Cybelle Salvador Miranda (coordenadora)
                                                                                                                                   Profª Ana Léa Nassar Matos
                                                                                                                                   Prof. Ronaldo Marques de Carvalho
                                                                                                                                   Técnico Fortunato Ernesto Neto
                                                                                                                                   Arquiteta e Urbanista, Mestranda PPGAU/UFPA Dinah Reiko Tutiya
                                                                                                                                   Discente em Arquitetura e Urbanismo Samantha Moy Sena
                                                                                                 LAMEMO                            Agradecimentos a discente de Arquitetura e Urbanismo Regina Almeida do Amaral e a Bacharel em Design Juliane Pantoja
INVENTÁRIO DA ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA VILA PINHEIRO
Memória da Antiga Estação
     A extinção do antigo Ramal Ferroviário da Vila Pinheiro deixou muitas lembranças e sentimento de perda na população que desfrutava de um meio de transporte eficiente para a demanda de passageiros e cargas da época. Em meio a
população icoraciense ainda encontra-se aqueles que desfrutaram da Maria fumaça, do “bonde” e carinhosamente rememoram a beleza que um dia tivera a estação em estilo eclético que em toda a sua história apresentou poucas
variações nas suas cores, essas porém, marcantes no imaginário dos sexagenários.
     Através de entrevistas e depoimentos com a população idosa local, foi possível remontar alguns fragmentos que estavam se perdendo da história da singelaVila, a qual nasceu de um entreposto comercial de mel e que passou a abrigar
casas de campo de alguns empresários e políticos da capital belenense, os quais, na busca pelo ar fresco, curavam suas doenças na saudosa Pinheiro[11]. Devido ao caráter bucólico da Vila e também com a oportunidade de guarnecer as
feiras de Belém no fim do século XIX, é estendido um Ramal de São Brás a Pinheiro, realizando o transporte de pessoas e cargas, gerando oportunidade de emprego e renda para colonos vindos de outros municípios.
     Uma das entrevistadas cuja família veio de Capanema afirma “Vim de Capanema pra cá pra Icoaraci e de lá vim até aqui (...) Meu pai era agricultor, ele plantava e vivia de plantação. Fazia farinha, fazia beju, fazia tapioca, vivia de
roçado”[12]. Essa experiência mostra o interesse de desenvolver colônias de agricultores e pequenos produtores no leito da ferrovia, que era viabilizado pela gratuidade do transporte dessas pessoas para estabelecer os locais de
produção de hortifruti, que poderia escoar sua produção para Belém ou vender nas ruas da antiga Pinheiro.
     O trem transportava cargas e pessoas em todas as viagens. Os vagões de passageiros eram divididos em classes com preços distintos, a primeira classe apresentava poltronas acolchoadas, enquanto que a segunda classe apresentava os
bancos de madeira como foi descrito:“A primeira classe era mais cômoda... a segunda classe era de banco corrido no meio. E a primeira era cadeira sofá assim, poltrona”[13].A segunda classe apresentava alguns desconfortos, pois, ia
sempre mais ocupada que a primeira, eram bancos sem acolchoamento e assim aqueles que podiam pagar a diferença escolhiam a viagem mais confortável, “Agente ia sempre na primeira classe, por que era mais cômodo, quando na
segunda classe tinha muita gente ia muito sufoco”[14].
As pessoas que trabalhavam ao longo da ferrovia ou em Belém dependiam do transporte que pontualmente partia de Pinheiro e era o transporte mais confortável e seguro para chegar a vila ou partir para São Brás
                                                                                               Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1




                                                                                                                                                                                                                                                                                           (o trem) ele era aqui pra Vila do Pinheiro, né justamente, tipo um divertimento que nós tínhamos, além do transporte que facilitasse a chegada
                                                                                                                                                                                                                                                                                           a Belém dos que trabalhavam pela estrada(...)É aquela experiência assim daquela viagem, assim, de andar num meio de transporte que trazia
                                                                                                                                                                                                                                                                                           conforto e segurança pra gente,(quanto a Estação) é que na verdade(...) é assim um lugar, um espaço de Icoaraci que atraia pessoas para fazer o
                                                                                                                                                                                                                                                                                           transporte para Belém, e para outras cidade, ou melhor, outros lugarejos que havia na estrada .É pra receber os familiares das pessoas que ia
                                                                                                                                                                                                                                                                                           esperar ali na estação esperar seus familiares e também era uma forma de divertimento entendeu? Era bom ver o trem chegando, o trem
                                                                                                                                                                                                                                                                                           apitava lá pela Agulha e quando as pessoas viam.Tava próximo, a população corria[15].


                                                                                                                                               Em períodos festivos e finais de semana, o trem apresentava mais vagões de passageiros, o planejamento do ramal da Vila Pinheiro incluía acesso a Ilha de Mosqueiro através
                                                                                                                                           de barcos a vapor. Para ter acesso a balneários como Mosqueiro, Cotijuba e Outeiro era necessário cumprir parte do trajeto de trem e deslocar-se ao trapiche que ficava na orla
                                                                                                                                           da praia do Cruzeiro, o chamado Pontão, enquanto que para chegar a Praia do Cruzeiro era necessário apenas chegar a estação e deslocar-se ao longo da rua Padre Júlio Maria
                                                                                                                                           em frente ao Prédio até chegar a praia.
                                                                                                                                                                                                                                                                                           Não ia (gente) em pé, em pé só ia dia de domingo que vinha gente pra toma banho, pra ir pro Cruzeiro, pro Cutijuba, entendeu? (o trem) fazia a
                                                                                                Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1




                                                                                                                                                                                                                                                                                           curva lá na estação de lá de São Brás e voltava, saía cinco horas daqui e saía sete horas de lá. Dava uma viagem e no domingo dava duas viagem,
                                                                                                                                                                                                                                                                                           uma de manhã e uma de tarde. Dia de semana era só uma.[16].
                                                                                                                                                                                                                   Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1




                                                                                                                                                                                                                                                                                                              Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1
Imagens da estação na época da ocupação da feira da farinha nos anos 70
                                                                                                                                                Vista lateral da estação e a feira anos 70                                                                    Praça Matriz, ao lado da estação, S/D.                                                      Delegacia, localizada na Rua Padre Júlio Maria, S/D.                                                                        Chalé do Senador José Porfírio , localizado na Rua
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Padre Júlio Maria, S/D.


       Durante o Círio de Nazaré era solicitado maior número de vagões para levar as congregações e devotos,
                                                                                                                                                                                                                                                                                           Tinha aqui na nossa igreja, tinha a romaria de nossa senhora de Nazaré.Aí o padre ía e encomendava um trem grande assim com muitos vagões,
                                                                                                                                                                                                                                                                                           ía cheio de gente daqui pra Nazaré daqui pra romaria. Era muito bonito iam muitos, quatro, cinco vagões do trem, tudo cheio de gente das
                                                                                                                                                                                                                                                                                           irmandades da igreja. Era muito bonito naquele tempo[17].
    Segundo E. C. C., havia vendedores no entorno da Estação, que comercializavam picolé, rosca de broa e artesanato. Em janeiro de 1965 as linhas foram completamente desativadas e os trilhos, removidos, para chegar a Belém, a
população tinha que se deslocar a pé ou seguir em transportes alternativos com carroça de madeira e bancos desconfortáveis “Depois veio aqueles ônibus pau de arara chamado, era aqueles ônibus de madeira, ai passou pelos ônibus de
madeira ai foi evoluindo, ai veio as lotações, ai(...)se tornou mais caro”[18]. O estado da Rodovia Augusto Montenegro era precário, e sem pavimentação tornando o transporte cansativo e desconfortável.
    Foi possível confirmar as formas que foram preservadas e a espacialidade pouco alterada com o passar do tempo e novos usos da edificação. Quando em funcionamento, a estação apresentava apenas duas salas (ocupadas pela
bilheteria e pela administração e local de ócio dos funcionários), as passarelas laterais que serviam de acesso e o corredor central que era usado principalmente para embarque de passageiros, onde

                                                                                                                                                                                                                                                                                           Naquele meio é que agente entrava comprava a passagem. (...), tinha uma porta larga no meio, a gente entrava passava direto, tinha uma
                                                                                                                                                                                                                                                                                           borboleta no fim dessa entrada que agente fazia dessa primeira sala. (...) tinha uma borboleta lá no meio e agente passava e a eles dava a
                                                                                                                                                                                                                                                                                           passagem. (...) marcava(a passagem) aí agente ía pro trem e sentava no lugar que quisesse[19].

     Outro depoente afirma “A gente comprava o bilhete (...), pra ir que tinha o vigia que tomava conta.Tinha uma roleta, um negócio que entrava. Comprava as passagem, a gente ia no trem, o cobrador vinha e cobrava as passagens da
gente”[20].Os depoimentos possibilitam confirmar a existência de uma catraca para controle de passageiro pois a única evidência que restou de uma possível “borboleta” são furos de pinos no chão, no fim do corredor da entrada
principal.
     Em um período intermediário após a desativação da estação houve a reforma do Mercado Municipal de Icoaraci, quando toda a atividade comercial do Mercado foi transferida para o prédio da estação.A chamada “feira da farinha”, que
se instalou na antiga Estação, ocupou com barracas a área de acesso do trem, enquanto na passarela central os consumidores transitavam.
     Após o término da reforma do mercado municipal, o prédio da estação ficou sem uso e abandonado às intempéries, sujeito a infestação por insetos e infiltração pela umidade até o início da década de 1980, quando a Agência Distrital
de Icoaraci cede o espaço para comportar a cooperativa dos artesãos de Icoaraci (COARTI). Para atender às necessidades do novo uso, foram construídos anexos para a queima de peças cerâmicas, banheiros, um espaço para estoque de
peças novas e argila para a produção de novas peças “então depois fechou e teve a feira de artesanatos, as pessoas usavam os compartimentos para fazer ensaios... até forno já teve ai pra queimar a cerâmica”[21]. Atualmente o
compartimento para queima juntamente com o forno de queima estão desativados, sobrando apenas ruínas.
     Através de falhas nas paredes onde pela ação da umidade a tinta está descascando da parede e alguns detalhes nas esquadrias de uma das salas, foi possível constatar que a estação apresentou quatro cores em épocas distintas: ocre,
azul e branco, cinza e branco.A cor ocre não foi mencionada por nenhum entrevistado, o que permite inferir que foi a primeira pintura e remonta a data mais recuada. Pairou a dúvida entre o branco e o azul; a cor cinza foi a ultima e mais
lembrada pelos entrevistados “parece que era azul, era bem azul e tinha um branco”[22]. em outro depoimento a cor cinza é citada enfaticamente “A estação, ela era um cinza.Acinzentada, não assim claro mais, mais escura”[23]. Uma das
salas da estação apresenta a cor azul em detalhes nas janelas que não receberam novas camadas de pintura, e o cinza foi presente em muitos prédios públicos de Icoaraci
     As características principais do prédio foram preservadas, porém o desgaste provocado pelas intempéries comprometeu esquadrias, estrutura da cobertura e as ferragens que ornamentam portas e janelas:

                                                                                                                                                                                                                                                                                           Tinha o trilho que ia até o colégio das freiras e vinha pra cá desse lado também na delegacia pra fazer a manobra, pra entrar e ficar pronto pra
                                                                                                                                                                                                                                                                                           outra saída, era assim. Então marcou porque era um transporte adequado, como já falei; seguro e confortável por que nós íamos sentados,
                                                                                                                                                                                                                                                                                           conversando.Assim e quando ele foi vendido para Fortaleza nós ficamos assim, não só cheios de saudade mais desprevenidos, né? Então depois
                                                                                                                                                                                                                                                                                           fechou e teve a feira de artesanatos, as pessoas usavam os compartimentos para fazer ensaios... até forno já teve ai pra queimar a cerâmica[24].


Arte e Cultura na Amazônia: os novos caminhos
    Hoje, as peças cerâmicas de procedência indígena adquirem um valor simbólico, de conotação cultural, que substitui o seu valor anterior, que era associado ao culto. Conforme
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Fortunato Neto




Benjamin, na sociedade moderna o valor de culto de uma obra é substituído pelo valor de exposição, quando a obra deixa de se inscrever no contexto da tradição e passa a se inscrever na
política. Os artefatos únicos, vinculados ao caráter teológico, assumem hoje, pela reprodutibilidade técnica, um valor de exposição que possui caráter estético e social.
    A arqueóloga norte-americana Ana C. Rosevelt afirma que a cerâmica do Pará tem sete mil anos, e não quatro mil, como se acreditava até então.A pesquisadora garante, ainda, que a
cerâmica feita pelos povos que habitaram a ilha de Marajó é original da região, e não oriunda de uma produção colombiana dos Andes, conforme se sustentou durante muito tempo.
Divergências à parte, os pesquisadores são unânimes ao afirmar que a cerâmica Marajoara está classificada entre as mais belas e elaboradas do mundo.
    No período que antecedeu a descoberta do Brasil, em 1500, muitas civilizações habitaram a região amazônica.A origem desses povos remonta ao ano 980 antes de Cristo. Eles viviam
na região de Santarém, no Rio Tapajós e na Ilha de Marajó, faixas que cobriam uma extensão de mais de 50 mil quilômetros quadrados.Até o ano 1350 d.C., quando entraram em processo
de extinção, esses povos produziram peças de inigualável criatividade e beleza[25].
Os estudos falam das diferentes culturas. Mas, de todas elas, a marajoara foi aquela que mais se destacou entre as cinco fases distintas classificadas por arqueólogos:Ananatuba, Mangueiras,
Formiga, Marajoara e Aruã.
Na fase Marajoara (400 a 1650 d.C.), além de se destacarem como produtores de uma cerâmica altamente elaborada, os marajoaras tornaram-se conhecidos pelas obras de engenharias.                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Cerâmica Marajoara, exposta no Liceu Raimundo Cardoso,
Durante boa parte do ano, os terrenos da ilha eram cobertos por água e, para sobreviver no local, eles criaram elevações denominadas teso, em cima das quais construíram suas casas,                                                                                                                                                                                                                                                                                                produzida em ofinas dos artesãos.
cemitérios e oficinas de cerâmica. Esses aterros artificiais, em alguns casos, chegavam a atingir até 200 metros de comprimento por 30 metros de largura e 10 metros de altura. Os tesos
são hoje objetos de estudo de arqueólogos, na medida em que, muitas vezes, guardam grande quantidade de peças de cerâmica.
    Os marajoaras criaram e desenvolveram a técnica de excisão (relevo), empregada na produção de peças de cerâmica, tanto para uso doméstico como ritualístico. Entre suas peças, nas
quais aplicavam desenhos altamente elaborados e sofisticados, sobressaem as tangas, urnas funerárias, vasos e estatuetas. O povo marajoara desapareceu em 1350 d.C, somente 150 anos
antes do descobrimento do Brasil, deixando um legado inestimável de sua parte. Mas para Mestre Cardoso, "a cultura marajoara será eternizada através de sua cultura cerâmica.
    A fase Aruã (1350 a 1820 d.C.) coincide com a chegada dos portugueses ao Brasil. O colonizador encontrou na Ilha de Marajó uma cerâmica pobre, sem qualquer resquício da beleza
que caracterizara as peças da fase Marajoara. Os aruãs produziram uma cerâmica simples, quase sempre utilitária, desprovida de formas ou características próprias. Foram encontrados
vasos aruã associados a pequenas contas de vidros de procedência européia, o que veio confirmar o contato daquele povo com os portugueses.
    A cerâmica Marajoara foi - e ainda é - altamente disputada pelos pesquisadores e colecionadores de todo o mundo. O Distrito de Icoaraci, é o maior centro produtor e divulgador da
cerâmica indígena amazônica. No centro do distrito fica o bairro do Paracuri, onde se concentram cerca de 90% da comunidade de ceramistas. São inúmeras oficinas e olariasalinhadas
uma ao lado da outra, por toda a extensão do bairro.
    No distrito e arredores existem grandes quantidades e variedades de argila em cores e texturas diferenciadas, o que provavelmente, explica a milenar tradição da cerâmica local. Uma                                                                                                                                                                                                                                                                                            Cerâmica Tapajônica, produzida pelos artesãos da COARTI.
tradição que, aliás, se reporta, em alguns aspectos, à cultura indígena, que, na origem, se transmitia de mãe para filha e, contemporaneamente, é passada de pai para filho. Mas a importância
da mulher no processo de produção de cerâmica se mantém: enquanto os homens cuidam da fabricação de peças no torno, elas se encarregam da modelagem manual e acabamento, com
texturas diferenciadas.Algumas vezes, participam da queima das peças.
    Até os anos 60, em Icoaraci se produziu a cerâmica de olaria - telhas, tijolos, alguidares, potes e filtros, entre outras peças.Antes, havia apenas dois ou três ceramistas fazendo trabalhos
artísticos. Entre eles, o "Cabeludo", que retratava pessoas no cotidiano.
    Ao chegar a Icoaraci, portanto, Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara, a qual apenas muito mais tarde os artistas da região iriam aderir. Quando começou sua pesquisa no Museu
Paraense Emílio Goeldi, despertou nos artistas locais o interesse pelo resgate das culturas cerâmicas amazônicas - marajoara, tapajônica, santarena, etc. Mestre Cardoso atraiu a atenção
dos moradores de Icoaraci pela reação positiva dos turistas e conseqüentemente retorno financeiro. anos 70, finalmente, verificou-se em Icoaraci o começo de uma fase de grande
produção de réplicas imitando o estilo das obras pertencentes ao Museu Goeldi.As obras mais reproduzidas foram as marajoaras e tapajônicas, por serem ricamente ornamentadas com
cores, incisões e excisões próprias dessas culturas.
    Hoje, existe uma cerâmica tipicamente icoraciense, altamente consumida pela população local, que junta os traços indígenas milenares os motivos florais estampados em vasos
modelados com as formas tradicionais da cerâmica amazônica. Os desenhos retratam o Sol, a Lua, montanhas, rios e outros elementos que o indígena, embora em contato direto com a
natureza, jamis reproduziu em seus trabalhos.
     No acabamento das peças agora produzidas, curiosamente, entretanto, se mantêm as bordas típicas das genuínas peças marajoaras. O resultado final é um híbrido, que nada tem a ver          .
nem com a arte indígena nem com a cerâmica artística que hoje se produz no país. Isso, para uns, representa a descaracterização da cultura original; para outros, enseja o surgimento de
uma nova escola de arte cerâmica - a cerâmica icoraciense ou Paracuri.
     Surge também uma outra vertente, que seria de se aperfeiçoar o trabalho de reprodução das peças cópias Marajoara,Tapajônica e Maracá. Essa área requeria pesquisa. Encontramos                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Peças cerâmicas produzidas na COARTI

nela o grande Mestre Cardoso, considerado por muitos "nosso maior pesquisador" e Raimundo Ademar Zaranza Dias, que pesquisava junto com o Mestre Cardoso no Museu Emílio
Goeldi. Em seguida surgem as reproduções do Mestre Cardoso com sua equipe:Ademar, Gaia, Inês Cardoso e Levy Cardoso.Várias pessoas também trabalhavam na olaria do "Mestre" e
foram aprendendo e desenvolvendo o trabalho, mais tarde formaram suas próprias olarias. Nesse contexto surge em 1978 a COARTI- Cooperativa dos artesãos de Icoaraci, fundada com
apoio do INCRA e SENACOOP. O Estatuto social da entidade abrange todo o Estado do Pará, voltada a todos os tipos de artesanato e outras artes.Atualmente possui 35 cooperados
atuantes, junto com seus familiares.
    O carro chefe dos trabalhos são as cerâmicas: réplicas, marajoara, tapajônica, maracá, kondury, kunani, paracury e peças com grafismos e pinturas rupestres, além do Novo Design.Atua
na formação de artesãos, com atividades voltadas a inclusão de jovens em situação de risco, bem como na divulgação do artesanato paraense.



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Peças cerâmicas produzidas na COARTI

[11]ALENCAR, Edna Ferreira. Gente de todas as paragens. Retratos da imigração no Pará In: CANCELA, Cristina & CHAMBOULEYRON, Rafael (orgs.). Migrações na Amazônia. Belém:Açaí/Centro de Memória da Amazônia/PPGA, 2010. 148 p. (Coleção Fronteiras                                                                                                      [19]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC,68 anos, em 07 fevereiro de 2011.
impertinentes v. 2).                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     [20]Entrevista concedida a Samantha Sena por RPM em 08 de fevereiro de 2011.
[12]Surgiu do povoado denominado Ponta do Mel, em 1656 (Ver Meira Filho,Augusto. Evolução Histórica de Belém do Grão Pará, v. 2, 1976). O local foi propriedade dos frades Carmelitas Calçados: Fazenda Pinheiro, na Ponta do Mel e Fazenda do Livramento, no                                                                                            [21]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC, 68 anos, em 07 fevereiro de 2011.
século XVIII, sendo adquirido pelo Presidente da Província General Francisco D' Andrea em 1834, que a entregou a Santa Casa que lá pretendia instalar um Lazareto, devolvendo-a ao governo cinco anos depois. O governo transformou a fazenda em povoado de                                                                                              [22]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC, 68 anos, em 07 fevereiro de 2011.
Santa Izabel de Pinheiro em 8 de outubro de 1869. Em 1883 passou ao nome de São João de Pinheiro e Vila Pinheiro em 1895.A atual denominação foi sancionada pelo governador Magalhães Barata em 1943, em função de possuir vários igarapés e riachos, tomou a                                                                                            [23] Entrevista concedida a Samantha Sena por I... anos, em 07 fevereiro de 2011.
toponímia tupi que significa “Mãe de todas as águas”.                                                                                                                                                                                                                                                                                                    [24]Entrevista concedida a Samantha Sena por RPM anos, em 08 de fevereiro de 2011.
[13]Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM, 87 anos, em 2 de fevereiro de 2011.                                                                                                                                                                                                                                                                   [24]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC, 68 anos, em 07 fevereiro de 2011.
[14] Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM, 87 anos, em 2 de fevereiro de 2011.                                                                                                                                                                                                                                                                  [25]Disponível em: http://icoaraci.com.br.Acesso em 14 abr. 2011.
[15]Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM, 87 anos, em 2 de fevereiro de 2011.
[16]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC,68 anos, em 07 fevereiro de 2011.
[17]Extraído do depoimento de RNPM, em 02 de fevereiro de 2011.
[18]Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM,87 anos, em 02 de fevereiro de 2011.



                                                                                                                                            EQUIPE:
                                                                                                                                            Profª Cybelle Salvador Miranda (coordenadora)
                                                                                                                                            Profª Ana Léa Nassar Matos
                                                                                                                                            Prof. Ronaldo Marques de Carvalho
                                                                                                                                            Técnico Fortunato Ernesto Neto
                                                                                                                                            Arquiteta e Urbanista, Mestranda PPGAU/UFPA Dinah Reiko Tutiya
                                                                                     LAMEMO                                                 Discente em Arquitetura e Urbanismo Samantha Moy Sena
                                                                                                                                            Agradecimentos a discente de Arquitetura e Urbanismo Regina Almeida do Amaral e a Bacharel em Design Juliane Pantoja
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  • 1. INVENTÁRIO DA ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA VILA PINHEIRO Artesanato: um trem para a estação Memória e cultura material na antiga Estação Ferroviária daVila Pinheiro [1] O presente projeto pretende associar o trabalho de memória sobre a Estrada de ferro Belém-Bragança, Ramal de Icoaraci, antiga Vila Pinheiro, com a produção e divulgação da cerâmica arqueológica produzida no Distrito. Assim, o projeto será o primeiro passo para um Programa de pesquisa e extensão mais complexo, que Http://haroldobaleixe.blogspot.com/2009/05/blog-post.html assumirá três dimensões: Pesquisa iconográfica e de depoimentos sobre a memória da Estrada de ferro em Icoaraci ; restauro do prédio da antiga estação, onde hoje funciona a Cooperativa de Artesãos de Icoaraci (COARTI) e formação de jovens artesãos através do conhecimento das culturas pré-cabralinas e de suas técnicas e motivos cerâmicos[2]. Nesta primeira etapa, será feita a pesquisa iconográfica, bem como o levantamento da edificação onde funcionou o terminal daVila Pinheiro da Estrada de Ferro, hoje sede da COARTI[3]. O interesse em realizar o levantamento desta edificação surgiu através de um trabalho apresentado na Disciplina “Estética das Artes Plásticas” do Curso de Arquitetura e Urbanismo, por uma equipe de alunos, sob nossa orientação. Este trabalho revelou o interesse dos discentes, e nos levou a visita preliminar a campo, quando mantivemos contato com a Srª Sinéia Hosana, presidente da Cooperativa, a qual se manifestou positivamente ao presente projeto. A antiga estação de trem de Icoaraci situa-se na Rua Padre Júlio Maria, ao lado da Igreja de São João Batista, e funcionou desde 1906 até 1964, inicialmente com locomotiva a vapor, e depois movida a óleo. A estação era o espaço de chegada e partida do trem em direção a Belém, que percorria o trajeto da atual Rodovia Augusto Montenegro e Avenida Almirante Barroso. O trem transportava passageiros e mercadorias, porém a estação era mais que entreposto, era o ponto de encontro da população local. Segundo relato de moradores antigos, a estação simbolizava a integração populacional, pois ao ouvir o apito de chegada do trem, os moradores saíam de suas casas e iram passar as tardes no entorno da estação. O trem trazia consigo a Modernidade que tanto encantava os moradores da Vila, esperar o trem significou durante anos o lazer dos habitantes de um Distrito composto por sete ruas em que todos se conheciam e o contato com o novo trazia ansiedade. Estação da Vila Pinheiro A COARTI, fundada em 1978, passou a aproveitar o espaço sem utilidade como sede dos artesãos, onde hoje estes expõem seus produtos, em especial a cerâmica[4]. Sinéia é a atual Presidente da Cooperativa, e dedica-se a produção da cerâmica arqueológica, resultado de estudo minucioso de exemplares da cultura material das populações pré-cabralinas marajoaras e tapajônicas. Este trabalho é realizado em parceria com o Museu Emílio Goeldi, onde a artesã pode ter acesso a exemplares das culturas históricas, que servem de base a suas reproduções, que são apreciadas por turistas e estudiosos brasileiros e estrangeiros, com destaque para os italianos, que a convidaram para uma palestra na Universidade de Nápoles. Durante o projeto, foram realizadas visitas ao local, nas quais a equipe pode conhecer o dia-a-dia dos artesãos, bem como percorrer o entorno da edificação, observando os prédios significativos que compõem o entorno histórico, estético e cultural do bem. Durante a primeira visita, realizada em 26 de janeiro, a equipe conversou com artesãos e pode fazer um levantamento preliminar da situação atual do imóvel, dos danos sofridos bem como dos acréscimos realizados para o funcionamento da produção da cerâmica. Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Fachada principal da Estação da Vila Pinheiro Vista da estrutura da cobertura Visita técnica à COARTI Vista da estrutura da cobertura do corpo posterior Vista interna com detalhe do corpo fronteiro para esquadria No dia 15 de abril, o ônibus da UFPA partiu do Estacionamento fronteiro ao Atelier de Arquitetura levando vinte e cinco alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo, além dos professores Cybelle Miranda, Ronaldo Marques de Carvalho e do Técnico Fortunato Neto, componentes da equipe do Projeto de Extensão, além da Profª Rossana Miranda e da Bacharel em Design Juliane Pantoja. Por volta das 9:30 hs o grupo chegou a Estação, onde já o aguardava Sinéia Hosana, presidente da COARTI. Os discentes puderam, durante a visita, percorrer o prédio da Estação, acompanhando as informações históricas pronunciadas pela Profª Cybelle, bem como observar os aspectos tecnológicos da edificação, enfatizados pelo Prof. Ronaldo Carvalho. Sinéia ensinou aos alunos a diferenças entre os vários tipos de cerâmica, o processo de produção da cerâmica arqueológica que ganhou o Selo Verde pela observância dos procedimentos ambientalmente corretos . Em seguida, o grupo deslocou-se até o Distrito de Outeiro, mais especificamente na Praia da Brasília, onde são coletadas as cerâmicas coloridas que servem a fabricação das peças e a seu tingimento, sendo todo o processo executado de modo artesanal e sem o emprego de compostos sintéticos. Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Fortunato Neto 2011 Visita Técnica com os discentes Prof. Cybelle orientando a visita Visita à praia da Brasília Sinéia Hosana, presidente da COARTI, falando aos discentes PARÁ, 2004 O Ramal de Pinheiro da Estrada de Ferro A estratégia para o desenvolvimento ferroviário brasileiro contemplou as ligações das regiões que dispunham da produção dos principais produtos agrícolas do Brasil aos portos exportadores e a utilização inicial de empresas privadas no comando das companhias ferroviárias. O estado do Pará estava fora desta estratégia nacional, pois não se enquadrava naquele patamar de produção, porém, como meio para o seu progresso e desenvolvimento interno, já vinha sendo cogitado pelo Governo provincial a instalação de caminhos de ferro. No entanto, a implantação desse sistema de transporte, como em outros estados brasileiros, também passou por várias dificuldades até obter sua concretização.As primeiras movimentações na direção deste objetivo começam por volta de 1870, com a elaboração de legislação, visando a colonização das áreas que margeavam a futura via férrea, dando ao governo da província o ônus do transporte dos colonos. Até alcançar o aumento da exportação da borracha no período de 1895 a 1905, a implantação da Estrada de Ferro no Pará seguia um processo tortuoso. A pressão provocada pelo crescimento da produção agrícola nas colônias vizinhas à capital (com a necessidade do deslocamento dos produtos até o mercado de Belém e a lentidão do transporte fluvial, que onerava o Visão posterior da Estação Central da Estrada de Ferro custo final das mercadorias) e a intenção governamental de desenvolver a região bragantina pelo modelo de agrovilas foram responsáveis pela elaboração da primeira concorrência, em 31 de de Bragança outubro de 1870, visando à construção da via férrea paraense. Como não apareceram concorrentes, foi preciso que em 9 de setembro de 1873 o Presidente da Província do Pará, Domingos José da Cunha Júnior, sancionasse a Lei n° 779, dando PARÁ, 2004 incentivos ao empreendedor, que receberia a quantia de cinco contos de réis por quilômetro de estrada construído e ficaria isento dos impostos por trinta anos. Mesmo com esse recurso, não se apresentou nenhum candidato para o investimento, o que fez com que o presidente, através da lei de n° 809, de 6 de abril de 1874, reconsiderasse o prazo de uso da estrada de ferro para quarenta anos, confiando à empresa contratada a obrigação de estabelecer colonos nas margens da estrada, pelo qual receberia apoio do governo imperial. O privilégio poderia estender- se aos ramais do Pinheiro,Vigia, Cintra, Ourém e São Miguel. Por ano deveriam ser instalados 2.500 colonos, representando no final de quatro anos o assentamento de 10.000 colonos. Desta feita, surgiram dois engenheiros interessados (Cícero de Pontes e Antônio Gonçalves da Justa Araújo), que assinaram o contrato no dia 15 de setembro de 1874. O contrato era bastante detalhado, especificava o uso de trilhos de ferro vindos da Inglaterra e previa a construção de três estações ao longo do percurso: a de Belém, local de origem; a de Benevides, colônia próxima à capital que estava em desenvolvimento; e a de Bragança, o ponto terminal. Caso ao longo do trajeto surgisse a necessidade de paradas secundárias, estas deveriam ser estações menores de madeira, porém, sem que se descuidasse do aspecto estético, que deveria transmitir sentimentos de modernidade e progresso. Os dois engenheiros comprometeram-se a começar a obra em Vista da Estação Central da Estrada de Ferro de Bragança - Cartão 30 meses e terminá-la em 1877, no entanto o acordo não foi cumprido[5]. Postal fotografado por Júlio Siza Http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=5 O Governo então resolveu assumir a instalação das colônias de imigrantes, efetuando a limpeza da estrada, numa extensão de 30 quilômetros, ligando Belém ao núcleo colonial; medindo e demarcando os lotes de terra destinados aos imigrantes; e nomeando um diretor para colônia[6].Apesar de todas estas providências, ninguém se candidata a ficar a frente do empreendimento. Em 1883, foi organizada uma sociedade, entre o Sr. Bernardo Caymari e os representantes de uma empresa denominada “Estrada de Ferro de Bragança”, objetivando a construção da ferrovia. Com o contrato assinado, em 16 de junho, as obras têm início solenemente as 8:30 horas, do dia 24 de junho do mesmo ano, com o assentamento dos primeiros trilhos e com a presença das autoridades locais. O primeiro trecho correspondente a 29 quilômetros, entre São Braz e Benevides, foi inaugurado um ano depois, em 24 de junho de 1884 e o segundo trecho, de 13 quilômetros, entre Benevides e Santa Isabel, em 17 de novembro de 1885[7]. Aproximadamente dez anos depois, o projeto de lei N° 108, de 26 de agosto de 1892 [8] foi enviado ao governador Augusto Montenegro, autorizando-o à construção de outra estrada de Estação Central da Estrada de Ferro de Bragança. ferro que ligasse a cidade de Belém à Vila de Pinheiro (atual distrito de Icoaracy).Após a regulamentação dos procedimentos legais, teve início a construção do novo Ramal, desenvolvendo-se a PARÁ, 2004. partir da Estação Entroncamento, onde foi estabelecida a conexão com a Estrada de Ferro Belém-Bragança, em direção aVila Pinheiro. O Ramal do Pinheiro tinha 27 quilômetros de extensão, seus trilhos vieram da Europa, sua construção ficou sob a responsabilidade do Banco Norte do Brasil, possuía quatro paradas para depósito de cargas e embarque/desembarque de passageiros:Tenoné,Tapanã, Bengui, Una e Entroncamento. Contava também com uma ponte metálica, francesa, com o formato de T, apoiada em colunas maciças de aço, com 133 metros de cumprimento, com a finalidade de servir de desembarque para o carvão, ligada a um galpão de ferro de 14m x 25m, onde este material era estocado. Para o funcionamento do Ramal foram requisitados: * duas locomotivas para passageiros, tipo MOGUL, velocidade 60km/h; Antiga Av.Tito Franco, atual Av.Almirante Barroso, em destaque o momento da passagem da locomotiva * quatro carros de passageiros de 1° classe; da Estrada de Ferro Belém Bragança. * quatro ditos de 2° classe; * um carro para bagagem; PARÁ, 2004. * seis gôndolas de aço para condução de carvão; * seis wagonetes para condução de carvão na Ponte do Pinheiro; * seis trollys[9] A importância que representava a construção da Estação Pinheiro se refletiu na escolha de sua localização, na Praça Paes de Carvalho, em frente à Rua 8 de Outubro (atual Padre Júlio Maria), no lugar onde ficava situada a igreja, para esta cessão foi negociado o valor de 5 contos de réis e mais materiais para a construção da nova Igreja. Os novos valores introduzidos na sociedade daquela época, impulsionados pela ânsia do progresso e modernidade advindos com a industrialização, estabeleceram uma nova hierarquia na ocupação do espaço urbano: as linhas férreas ocupavam os lugares das velhas catedrais. Neste caso, estabelecidas as proporções devidas, repetem-se situações semelhantes àquelas vivenciadas anteriormente na Europa. Cartão Postal do Asilo de Mendicidade no Outro aspecto desta influência europeia, desta feita especificamente francesa, se deve à semelhança das intervenções de Haussmann em Paris, quando determinava locais estratégicos para qual em sua extremidade direita observa-se um abrigo para a parada da Estrada de disposição dos grandes monumentos. Assim acontece com a Estação Pinheiro, cuja visualização se descortina por toda a extensão da Rua Padre Julio Maria. Nesta implantação, percebe-se Ferro de Bragança, concessão obtida claramente o modo como o estilo eclético interagia com o cenário da cidade. por solicitação do Intendente Antonio Lemos A obra foi inaugurada em 7 de janeiro de 1906, com a presença do Governador Augusto Montenegro e sua comitiva, ao som da “Philarmônica Delícias Pinheirense”[10]. Suaserventia para a junto ao Governador do Estado, Dr.Augusto Montenegro. região foi logo confirmada pela crescente movimentação de cargas e passageiros.A princípio, a locomotiva realizava duas viagens com destino a Belém, a primeira com saída da vila de Pinheiro às 5:00hs, retornando às 11:00hs, e a segunda com saída às 13:00hs, retornando às 18:00hs, pernoitando na vila. O tempo do deslocamento do ponto de saída ao de chegada ficava em torno de 60 minutos. Com o passar do tempo, foi retirada a viagem do período intermediário, restando apenas um percurso diário, com ida às 5 hs e retorno às 17hs. A partir do século XX dificuldades foram sentidas para a manutenção do transporte férreo, pois a produção escoada não cobria os gastos efetuados. Em 1921 a estrada de ferro é encampada pelo Governo Federal, sendo necessário que o Governo Estadual fizesse o arrendamento e ficasse responsável por sua administração. Outro aspecto que contribuiu para a decadência deste meio de transporte foi a falta de investimento em tecnologia. Enquanto nos Estados Unidos na década de 40 eram criados trens mais rápidos, econômicos, com maior capacidade e movidos a diesel, o Brasil, na década de 60, ainda apresentava o maior número de locomotivas movidas a vapor. Era o caso do Pará, que possuía poucas locomotivas a diesel. As políticas do Governo Federal dos presidentes Juscelino Kubitschek (1956 a 1961) e Jânio Quadros (1961) sinalizavam como prioridades a construção de estradas e fabricação de veículos, consequência da pressão dos interesses estrangeiros em trazer montadoras como a Ford, a General Motors,Willys e Volkswagen para o Brasil, começa a se evidenciar de forma crescente a intenção da extinção, em nível nacional, das linhas de trem. Cada região brasileira tem a própria história de resistência para contar, no Pará, o protesto popular, aliado ao interesse de políticos influentes, conseguiu por um momento adiar as decisões do desmonte da linha férrea paraense. Com a revolução de 1964, os militares assumem o comando da nação brasileira. Como Presidente da República estava o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco e como Ministro daViação, o Marechal Juarez Távora, favorável à extinção das ferrovias. Com a argumentação de que a Estrada de Ferro Belém Bragança era deficitária, decreta sua desativação definitiva, que se deu a partir do dia 1° de janeiro de 1965, quando os trilhos começaram a ser retirados, encerrando de maneira radical uma etapa importante do desenvolvimento do estado do Pará, de forma insensível ao problema social gerado com esta decisão, deixando à mercê da própria sorte os colonos que foram assentados às margens da linha férrea em políticas federais anteriores. Segundo Philadelpho Cunha, Superintendente da Ferrovia Belém-Bragança no período de abril a agosto de 1961, a ferrovia era deficitária, porque não realizava transporte de carga em grande quantidade, sendo prioritariamente destinada ao deslocamento de passageiros, bem como as condições de administração e a tecnologia das locomotivas não havia sido atualizada. Contudo, ela era importante instrumento de integração regional. [1]Projeto contemplado pelo PRÊMIO PROEX DE ARTE E CULTURA 2010, desenvolvido entre janeiro e junho de 2011. [7]PARÁ, Secretaria de Cultura do Estado. Belém da Saudade:A memória da Belém do início do Século em cartões-postais. Belém: SECULT, 2004. [2]Para as demais etapas do Projeto, pretende-se inscrevê-lo no Edital de Patrocínio do Banco da Amazônia 2011, bem como em Editais da Petrobrás e de outras Agências de Fomento. [8]PEREIRA, Glaizi S. Nascimento e COSTA, Simone de Fátima Campos.A Estação do Pinheiro. Belém, 2000.Trabalho de Conclusão de Curso (Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do Pará, 2000.V. 1.Anexo 14. [3]COARTI- Cooperativa dos artesãos de Icoaraci, fundada em 16/06/78, com apoio do INCRA e SENACOOP. [9]CRUZ, Ernesto.As obras Públicas do Pará.Volume II, 1967, p.37. [4]Entrevista concedida pela Presidente da COARTI Sinéia Hosana, em 31 de julho de 2010. [10]__________, Mensagem dirigida em 7 de Setembro de 1904, pelo Governador do Estado Dr.Augusto Montenegro, p. 72. [5]PEREIRA, Glaizi S. Nascimento e COSTA, Simone de Fátima Campos.A Estação do Pinheiro. Belém, 2000.Trabalho de Conclusão de Curso (Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do Pará, 2000.V. 1.Anexos 2 e 4. [6]CRUZ, Ernesto. Colonização do Pará. Conselho Nacional de Pesquisa, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. Belém. 1958 p. 59. EQUIPE: Profª Cybelle Salvador Miranda (coordenadora) Profª Ana Léa Nassar Matos Prof. Ronaldo Marques de Carvalho Técnico Fortunato Ernesto Neto Arquiteta e Urbanista, Mestranda PPGAU/UFPA Dinah Reiko Tutiya Discente em Arquitetura e Urbanismo Samantha Moy Sena LAMEMO Agradecimentos a discente de Arquitetura e Urbanismo Regina Almeida do Amaral e a Bacharel em Design Juliane Pantoja
  • 2. INVENTÁRIO DA ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DA VILA PINHEIRO Memória da Antiga Estação A extinção do antigo Ramal Ferroviário da Vila Pinheiro deixou muitas lembranças e sentimento de perda na população que desfrutava de um meio de transporte eficiente para a demanda de passageiros e cargas da época. Em meio a população icoraciense ainda encontra-se aqueles que desfrutaram da Maria fumaça, do “bonde” e carinhosamente rememoram a beleza que um dia tivera a estação em estilo eclético que em toda a sua história apresentou poucas variações nas suas cores, essas porém, marcantes no imaginário dos sexagenários. Através de entrevistas e depoimentos com a população idosa local, foi possível remontar alguns fragmentos que estavam se perdendo da história da singelaVila, a qual nasceu de um entreposto comercial de mel e que passou a abrigar casas de campo de alguns empresários e políticos da capital belenense, os quais, na busca pelo ar fresco, curavam suas doenças na saudosa Pinheiro[11]. Devido ao caráter bucólico da Vila e também com a oportunidade de guarnecer as feiras de Belém no fim do século XIX, é estendido um Ramal de São Brás a Pinheiro, realizando o transporte de pessoas e cargas, gerando oportunidade de emprego e renda para colonos vindos de outros municípios. Uma das entrevistadas cuja família veio de Capanema afirma “Vim de Capanema pra cá pra Icoaraci e de lá vim até aqui (...) Meu pai era agricultor, ele plantava e vivia de plantação. Fazia farinha, fazia beju, fazia tapioca, vivia de roçado”[12]. Essa experiência mostra o interesse de desenvolver colônias de agricultores e pequenos produtores no leito da ferrovia, que era viabilizado pela gratuidade do transporte dessas pessoas para estabelecer os locais de produção de hortifruti, que poderia escoar sua produção para Belém ou vender nas ruas da antiga Pinheiro. O trem transportava cargas e pessoas em todas as viagens. Os vagões de passageiros eram divididos em classes com preços distintos, a primeira classe apresentava poltronas acolchoadas, enquanto que a segunda classe apresentava os bancos de madeira como foi descrito:“A primeira classe era mais cômoda... a segunda classe era de banco corrido no meio. E a primeira era cadeira sofá assim, poltrona”[13].A segunda classe apresentava alguns desconfortos, pois, ia sempre mais ocupada que a primeira, eram bancos sem acolchoamento e assim aqueles que podiam pagar a diferença escolhiam a viagem mais confortável, “Agente ia sempre na primeira classe, por que era mais cômodo, quando na segunda classe tinha muita gente ia muito sufoco”[14]. As pessoas que trabalhavam ao longo da ferrovia ou em Belém dependiam do transporte que pontualmente partia de Pinheiro e era o transporte mais confortável e seguro para chegar a vila ou partir para São Brás Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1 (o trem) ele era aqui pra Vila do Pinheiro, né justamente, tipo um divertimento que nós tínhamos, além do transporte que facilitasse a chegada a Belém dos que trabalhavam pela estrada(...)É aquela experiência assim daquela viagem, assim, de andar num meio de transporte que trazia conforto e segurança pra gente,(quanto a Estação) é que na verdade(...) é assim um lugar, um espaço de Icoaraci que atraia pessoas para fazer o transporte para Belém, e para outras cidade, ou melhor, outros lugarejos que havia na estrada .É pra receber os familiares das pessoas que ia esperar ali na estação esperar seus familiares e também era uma forma de divertimento entendeu? Era bom ver o trem chegando, o trem apitava lá pela Agulha e quando as pessoas viam.Tava próximo, a população corria[15]. Em períodos festivos e finais de semana, o trem apresentava mais vagões de passageiros, o planejamento do ramal da Vila Pinheiro incluía acesso a Ilha de Mosqueiro através de barcos a vapor. Para ter acesso a balneários como Mosqueiro, Cotijuba e Outeiro era necessário cumprir parte do trajeto de trem e deslocar-se ao trapiche que ficava na orla da praia do Cruzeiro, o chamado Pontão, enquanto que para chegar a Praia do Cruzeiro era necessário apenas chegar a estação e deslocar-se ao longo da rua Padre Júlio Maria em frente ao Prédio até chegar a praia. Não ia (gente) em pé, em pé só ia dia de domingo que vinha gente pra toma banho, pra ir pro Cruzeiro, pro Cutijuba, entendeu? (o trem) fazia a Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1 curva lá na estação de lá de São Brás e voltava, saía cinco horas daqui e saía sete horas de lá. Dava uma viagem e no domingo dava duas viagem, uma de manhã e uma de tarde. Dia de semana era só uma.[16]. Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1 Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1 Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1 Http://www.icoaraci.com.br/icoaraci.htm1 Imagens da estação na época da ocupação da feira da farinha nos anos 70 Vista lateral da estação e a feira anos 70 Praça Matriz, ao lado da estação, S/D. Delegacia, localizada na Rua Padre Júlio Maria, S/D. Chalé do Senador José Porfírio , localizado na Rua Padre Júlio Maria, S/D. Durante o Círio de Nazaré era solicitado maior número de vagões para levar as congregações e devotos, Tinha aqui na nossa igreja, tinha a romaria de nossa senhora de Nazaré.Aí o padre ía e encomendava um trem grande assim com muitos vagões, ía cheio de gente daqui pra Nazaré daqui pra romaria. Era muito bonito iam muitos, quatro, cinco vagões do trem, tudo cheio de gente das irmandades da igreja. Era muito bonito naquele tempo[17]. Segundo E. C. C., havia vendedores no entorno da Estação, que comercializavam picolé, rosca de broa e artesanato. Em janeiro de 1965 as linhas foram completamente desativadas e os trilhos, removidos, para chegar a Belém, a população tinha que se deslocar a pé ou seguir em transportes alternativos com carroça de madeira e bancos desconfortáveis “Depois veio aqueles ônibus pau de arara chamado, era aqueles ônibus de madeira, ai passou pelos ônibus de madeira ai foi evoluindo, ai veio as lotações, ai(...)se tornou mais caro”[18]. O estado da Rodovia Augusto Montenegro era precário, e sem pavimentação tornando o transporte cansativo e desconfortável. Foi possível confirmar as formas que foram preservadas e a espacialidade pouco alterada com o passar do tempo e novos usos da edificação. Quando em funcionamento, a estação apresentava apenas duas salas (ocupadas pela bilheteria e pela administração e local de ócio dos funcionários), as passarelas laterais que serviam de acesso e o corredor central que era usado principalmente para embarque de passageiros, onde Naquele meio é que agente entrava comprava a passagem. (...), tinha uma porta larga no meio, a gente entrava passava direto, tinha uma borboleta no fim dessa entrada que agente fazia dessa primeira sala. (...) tinha uma borboleta lá no meio e agente passava e a eles dava a passagem. (...) marcava(a passagem) aí agente ía pro trem e sentava no lugar que quisesse[19]. Outro depoente afirma “A gente comprava o bilhete (...), pra ir que tinha o vigia que tomava conta.Tinha uma roleta, um negócio que entrava. Comprava as passagem, a gente ia no trem, o cobrador vinha e cobrava as passagens da gente”[20].Os depoimentos possibilitam confirmar a existência de uma catraca para controle de passageiro pois a única evidência que restou de uma possível “borboleta” são furos de pinos no chão, no fim do corredor da entrada principal. Em um período intermediário após a desativação da estação houve a reforma do Mercado Municipal de Icoaraci, quando toda a atividade comercial do Mercado foi transferida para o prédio da estação.A chamada “feira da farinha”, que se instalou na antiga Estação, ocupou com barracas a área de acesso do trem, enquanto na passarela central os consumidores transitavam. Após o término da reforma do mercado municipal, o prédio da estação ficou sem uso e abandonado às intempéries, sujeito a infestação por insetos e infiltração pela umidade até o início da década de 1980, quando a Agência Distrital de Icoaraci cede o espaço para comportar a cooperativa dos artesãos de Icoaraci (COARTI). Para atender às necessidades do novo uso, foram construídos anexos para a queima de peças cerâmicas, banheiros, um espaço para estoque de peças novas e argila para a produção de novas peças “então depois fechou e teve a feira de artesanatos, as pessoas usavam os compartimentos para fazer ensaios... até forno já teve ai pra queimar a cerâmica”[21]. Atualmente o compartimento para queima juntamente com o forno de queima estão desativados, sobrando apenas ruínas. Através de falhas nas paredes onde pela ação da umidade a tinta está descascando da parede e alguns detalhes nas esquadrias de uma das salas, foi possível constatar que a estação apresentou quatro cores em épocas distintas: ocre, azul e branco, cinza e branco.A cor ocre não foi mencionada por nenhum entrevistado, o que permite inferir que foi a primeira pintura e remonta a data mais recuada. Pairou a dúvida entre o branco e o azul; a cor cinza foi a ultima e mais lembrada pelos entrevistados “parece que era azul, era bem azul e tinha um branco”[22]. em outro depoimento a cor cinza é citada enfaticamente “A estação, ela era um cinza.Acinzentada, não assim claro mais, mais escura”[23]. Uma das salas da estação apresenta a cor azul em detalhes nas janelas que não receberam novas camadas de pintura, e o cinza foi presente em muitos prédios públicos de Icoaraci As características principais do prédio foram preservadas, porém o desgaste provocado pelas intempéries comprometeu esquadrias, estrutura da cobertura e as ferragens que ornamentam portas e janelas: Tinha o trilho que ia até o colégio das freiras e vinha pra cá desse lado também na delegacia pra fazer a manobra, pra entrar e ficar pronto pra outra saída, era assim. Então marcou porque era um transporte adequado, como já falei; seguro e confortável por que nós íamos sentados, conversando.Assim e quando ele foi vendido para Fortaleza nós ficamos assim, não só cheios de saudade mais desprevenidos, né? Então depois fechou e teve a feira de artesanatos, as pessoas usavam os compartimentos para fazer ensaios... até forno já teve ai pra queimar a cerâmica[24]. Arte e Cultura na Amazônia: os novos caminhos Hoje, as peças cerâmicas de procedência indígena adquirem um valor simbólico, de conotação cultural, que substitui o seu valor anterior, que era associado ao culto. Conforme Fortunato Neto Benjamin, na sociedade moderna o valor de culto de uma obra é substituído pelo valor de exposição, quando a obra deixa de se inscrever no contexto da tradição e passa a se inscrever na política. Os artefatos únicos, vinculados ao caráter teológico, assumem hoje, pela reprodutibilidade técnica, um valor de exposição que possui caráter estético e social. A arqueóloga norte-americana Ana C. Rosevelt afirma que a cerâmica do Pará tem sete mil anos, e não quatro mil, como se acreditava até então.A pesquisadora garante, ainda, que a cerâmica feita pelos povos que habitaram a ilha de Marajó é original da região, e não oriunda de uma produção colombiana dos Andes, conforme se sustentou durante muito tempo. Divergências à parte, os pesquisadores são unânimes ao afirmar que a cerâmica Marajoara está classificada entre as mais belas e elaboradas do mundo. No período que antecedeu a descoberta do Brasil, em 1500, muitas civilizações habitaram a região amazônica.A origem desses povos remonta ao ano 980 antes de Cristo. Eles viviam na região de Santarém, no Rio Tapajós e na Ilha de Marajó, faixas que cobriam uma extensão de mais de 50 mil quilômetros quadrados.Até o ano 1350 d.C., quando entraram em processo de extinção, esses povos produziram peças de inigualável criatividade e beleza[25]. Os estudos falam das diferentes culturas. Mas, de todas elas, a marajoara foi aquela que mais se destacou entre as cinco fases distintas classificadas por arqueólogos:Ananatuba, Mangueiras, Formiga, Marajoara e Aruã. Na fase Marajoara (400 a 1650 d.C.), além de se destacarem como produtores de uma cerâmica altamente elaborada, os marajoaras tornaram-se conhecidos pelas obras de engenharias. Cerâmica Marajoara, exposta no Liceu Raimundo Cardoso, Durante boa parte do ano, os terrenos da ilha eram cobertos por água e, para sobreviver no local, eles criaram elevações denominadas teso, em cima das quais construíram suas casas, produzida em ofinas dos artesãos. cemitérios e oficinas de cerâmica. Esses aterros artificiais, em alguns casos, chegavam a atingir até 200 metros de comprimento por 30 metros de largura e 10 metros de altura. Os tesos são hoje objetos de estudo de arqueólogos, na medida em que, muitas vezes, guardam grande quantidade de peças de cerâmica. Os marajoaras criaram e desenvolveram a técnica de excisão (relevo), empregada na produção de peças de cerâmica, tanto para uso doméstico como ritualístico. Entre suas peças, nas quais aplicavam desenhos altamente elaborados e sofisticados, sobressaem as tangas, urnas funerárias, vasos e estatuetas. O povo marajoara desapareceu em 1350 d.C, somente 150 anos antes do descobrimento do Brasil, deixando um legado inestimável de sua parte. Mas para Mestre Cardoso, "a cultura marajoara será eternizada através de sua cultura cerâmica. A fase Aruã (1350 a 1820 d.C.) coincide com a chegada dos portugueses ao Brasil. O colonizador encontrou na Ilha de Marajó uma cerâmica pobre, sem qualquer resquício da beleza que caracterizara as peças da fase Marajoara. Os aruãs produziram uma cerâmica simples, quase sempre utilitária, desprovida de formas ou características próprias. Foram encontrados vasos aruã associados a pequenas contas de vidros de procedência européia, o que veio confirmar o contato daquele povo com os portugueses. A cerâmica Marajoara foi - e ainda é - altamente disputada pelos pesquisadores e colecionadores de todo o mundo. O Distrito de Icoaraci, é o maior centro produtor e divulgador da cerâmica indígena amazônica. No centro do distrito fica o bairro do Paracuri, onde se concentram cerca de 90% da comunidade de ceramistas. São inúmeras oficinas e olariasalinhadas uma ao lado da outra, por toda a extensão do bairro. No distrito e arredores existem grandes quantidades e variedades de argila em cores e texturas diferenciadas, o que provavelmente, explica a milenar tradição da cerâmica local. Uma Cerâmica Tapajônica, produzida pelos artesãos da COARTI. tradição que, aliás, se reporta, em alguns aspectos, à cultura indígena, que, na origem, se transmitia de mãe para filha e, contemporaneamente, é passada de pai para filho. Mas a importância da mulher no processo de produção de cerâmica se mantém: enquanto os homens cuidam da fabricação de peças no torno, elas se encarregam da modelagem manual e acabamento, com texturas diferenciadas.Algumas vezes, participam da queima das peças. Até os anos 60, em Icoaraci se produziu a cerâmica de olaria - telhas, tijolos, alguidares, potes e filtros, entre outras peças.Antes, havia apenas dois ou três ceramistas fazendo trabalhos artísticos. Entre eles, o "Cabeludo", que retratava pessoas no cotidiano. Ao chegar a Icoaraci, portanto, Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara, a qual apenas muito mais tarde os artistas da região iriam aderir. Quando começou sua pesquisa no Museu Paraense Emílio Goeldi, despertou nos artistas locais o interesse pelo resgate das culturas cerâmicas amazônicas - marajoara, tapajônica, santarena, etc. Mestre Cardoso atraiu a atenção dos moradores de Icoaraci pela reação positiva dos turistas e conseqüentemente retorno financeiro. anos 70, finalmente, verificou-se em Icoaraci o começo de uma fase de grande produção de réplicas imitando o estilo das obras pertencentes ao Museu Goeldi.As obras mais reproduzidas foram as marajoaras e tapajônicas, por serem ricamente ornamentadas com cores, incisões e excisões próprias dessas culturas. Hoje, existe uma cerâmica tipicamente icoraciense, altamente consumida pela população local, que junta os traços indígenas milenares os motivos florais estampados em vasos modelados com as formas tradicionais da cerâmica amazônica. Os desenhos retratam o Sol, a Lua, montanhas, rios e outros elementos que o indígena, embora em contato direto com a natureza, jamis reproduziu em seus trabalhos. No acabamento das peças agora produzidas, curiosamente, entretanto, se mantêm as bordas típicas das genuínas peças marajoaras. O resultado final é um híbrido, que nada tem a ver . nem com a arte indígena nem com a cerâmica artística que hoje se produz no país. Isso, para uns, representa a descaracterização da cultura original; para outros, enseja o surgimento de uma nova escola de arte cerâmica - a cerâmica icoraciense ou Paracuri. Surge também uma outra vertente, que seria de se aperfeiçoar o trabalho de reprodução das peças cópias Marajoara,Tapajônica e Maracá. Essa área requeria pesquisa. Encontramos Peças cerâmicas produzidas na COARTI nela o grande Mestre Cardoso, considerado por muitos "nosso maior pesquisador" e Raimundo Ademar Zaranza Dias, que pesquisava junto com o Mestre Cardoso no Museu Emílio Goeldi. Em seguida surgem as reproduções do Mestre Cardoso com sua equipe:Ademar, Gaia, Inês Cardoso e Levy Cardoso.Várias pessoas também trabalhavam na olaria do "Mestre" e foram aprendendo e desenvolvendo o trabalho, mais tarde formaram suas próprias olarias. Nesse contexto surge em 1978 a COARTI- Cooperativa dos artesãos de Icoaraci, fundada com apoio do INCRA e SENACOOP. O Estatuto social da entidade abrange todo o Estado do Pará, voltada a todos os tipos de artesanato e outras artes.Atualmente possui 35 cooperados atuantes, junto com seus familiares. O carro chefe dos trabalhos são as cerâmicas: réplicas, marajoara, tapajônica, maracá, kondury, kunani, paracury e peças com grafismos e pinturas rupestres, além do Novo Design.Atua na formação de artesãos, com atividades voltadas a inclusão de jovens em situação de risco, bem como na divulgação do artesanato paraense. Peças cerâmicas produzidas na COARTI [11]ALENCAR, Edna Ferreira. Gente de todas as paragens. Retratos da imigração no Pará In: CANCELA, Cristina & CHAMBOULEYRON, Rafael (orgs.). Migrações na Amazônia. Belém:Açaí/Centro de Memória da Amazônia/PPGA, 2010. 148 p. (Coleção Fronteiras [19]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC,68 anos, em 07 fevereiro de 2011. impertinentes v. 2). [20]Entrevista concedida a Samantha Sena por RPM em 08 de fevereiro de 2011. [12]Surgiu do povoado denominado Ponta do Mel, em 1656 (Ver Meira Filho,Augusto. Evolução Histórica de Belém do Grão Pará, v. 2, 1976). O local foi propriedade dos frades Carmelitas Calçados: Fazenda Pinheiro, na Ponta do Mel e Fazenda do Livramento, no [21]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC, 68 anos, em 07 fevereiro de 2011. século XVIII, sendo adquirido pelo Presidente da Província General Francisco D' Andrea em 1834, que a entregou a Santa Casa que lá pretendia instalar um Lazareto, devolvendo-a ao governo cinco anos depois. O governo transformou a fazenda em povoado de [22]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC, 68 anos, em 07 fevereiro de 2011. Santa Izabel de Pinheiro em 8 de outubro de 1869. Em 1883 passou ao nome de São João de Pinheiro e Vila Pinheiro em 1895.A atual denominação foi sancionada pelo governador Magalhães Barata em 1943, em função de possuir vários igarapés e riachos, tomou a [23] Entrevista concedida a Samantha Sena por I... anos, em 07 fevereiro de 2011. toponímia tupi que significa “Mãe de todas as águas”. [24]Entrevista concedida a Samantha Sena por RPM anos, em 08 de fevereiro de 2011. [13]Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM, 87 anos, em 2 de fevereiro de 2011. [24]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC, 68 anos, em 07 fevereiro de 2011. [14] Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM, 87 anos, em 2 de fevereiro de 2011. [25]Disponível em: http://icoaraci.com.br.Acesso em 14 abr. 2011. [15]Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM, 87 anos, em 2 de fevereiro de 2011. [16]Entrevista concedida a Samantha Sena por ECC,68 anos, em 07 fevereiro de 2011. [17]Extraído do depoimento de RNPM, em 02 de fevereiro de 2011. [18]Entrevista concedida a Samantha Sena por RIPM,87 anos, em 02 de fevereiro de 2011. EQUIPE: Profª Cybelle Salvador Miranda (coordenadora) Profª Ana Léa Nassar Matos Prof. Ronaldo Marques de Carvalho Técnico Fortunato Ernesto Neto Arquiteta e Urbanista, Mestranda PPGAU/UFPA Dinah Reiko Tutiya LAMEMO Discente em Arquitetura e Urbanismo Samantha Moy Sena Agradecimentos a discente de Arquitetura e Urbanismo Regina Almeida do Amaral e a Bacharel em Design Juliane Pantoja