O documento discute a necessidade de uma nova cultura de aprendizado diante das rápidas mudanças no mundo. Ele argumenta que o aprendizado envolve uma dimensão tácita de conhecimento compartilhado socialmente e que ambientes de aprendizagem bem-sucedidos combinam recursos em rede com espaços limitados para experimentação. A nova cultura de aprendizado deve envolver aprender a se tornar de forma contínua através da participação, e não apenas a transferência de conhecimento.
1. A Dimensão Tácita do Conhecimento e Uma Nova Cultura de
Aprendizado
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE
Num mundo em constante mudança, e num ritmo cada vez mais acelerado de transformações,
os próprios conceitos de saber e aprendizado passam por um momento de redefinição e
reformulação. Os sistemas educacionais padronizados se deparam com o grande desafio de ter
que se ajustar a uma época em que tudo em torno do conceito de informação, desde fatos,
conhecimento, pesquisa, métodos, ferramentas, interpretações, e até contextos, se encontra
em expansão e mudança a passos largos. As práticas educacionais baseadas na concepção de
que o aprendizado se dá na medida em que o conhecimento é transferido do instrutor para o
aprendiz simplesmente não conseguem acompanhar o ritmo das mudanças. Ainda que em
melhor posição, as práticas que incorporam adaptação e ajuste a mudanças também se vêem
passadas rapidamente para trás na medida em que o ambiente requer que o conteúdo seja
atualizado praticamente na mesma velocidade em que é ensinado. Ao invés de tentar uma
resistência quixotesca a todo esse contexto fluido e dinâmico, o desafio é encontrar um
conjunto de princípios básicos que dê suporte a uma nova cultura de aprendizado.
Em seu novo livro “A New Culture of Learning: Cultivating the Imagination for a World of
Constant Change” (CreateSpace, Jan 2011), Douglas Thomas e John Seely Brown buscam um
entendimento de como as forças de mudança e as ondas emergentes de interesse associadas a
essas forças podem nos inspirar e nos levar a imaginar um futuro para o aprendizado que seja,
ao mesmo tempo, poderoso e repleto de otimismo. A idéia é que uma melhor compreensão
dos processos de aprendizado que dão suporte às práticas que emergem da participação em
redes digitais pode nos capacitar a conceber ambientes de aprendizagem que possam tirar
proveito do poder da cultura de participação inerente às mídias sociais em prol da educação
no século XXI.
Trata-se de uma perspectiva mais colaborativa da troca de conhecimento realizada no que os
autores chamam de “o coletivo”. Enquanto que o espaço “público” invoca amplitude e
anonimidade, o coletivo é formado por pessoas que compartilham valores e se vêem
engajadas em práticas compartilhadas. Segundo Thomas & Brown, dois elementos compõem a
nova cultura de aprendizado: (i) “uma rede maciça de informações que propicia acesso e
recursos praticamente ilimitados para aprender sobre tudo” e (ii) “um ambiente limitado e
estruturado que dá espaço para atuação ilimitada no sentido de construir e experimentar com
coisas dentro desses limites”.
É fato que a combinação da internet com a telefonia móvel propiciaram tamanho grau de
interconectividade e interatividade a ponto de dar surgimento a um novo sentido de tutoria
propiciada pelo acesso a múltiplos níveis de expertise. Enquanto que no sentido tradicional
tutoria era um meio de passar cultura a membros numa comunidade, tutoria no coletivo está
mais relacionada a aprender e desenvolver relacionamentos entre-pares (“peer-to-peer”)
temporários que são naturalmente fluidos e impermanentes. E nesse caso, a expertise é
2. compartilhada de forma aberta e espontânea, sem qualquer compromisso com uma missão
institucional.
Por outro lado, o estímulo à curiosidade e à experimentação lúdica trazido pelos jogos
eletrônicos, vem se somar a um ambiente propício a uma nova cultura de aprendizado. (É
justamente nesse sentido que John Seely Brown chama os dispositivos móveis da nova geração
– iPods, iPads, smartphones, vídeo games móveis – de “amplificadores da curiosidade”.) Além
de fazer surgir na criança habilidades para lidar com condições novas, inesperadas e mutantes,
o brincar é mais que uma ferramenta para administrar mudanças, pois permite fazer com que
coisas novas se tornem familiares, experimentar com alternativas diferentes, e,
fundamentalmente, assumir a mudança como inerente ao mundo atual—uma característica
chave para o sucesso no século XXI, segundo os autores.
Fincada na idéia de que o aprendizado consiste na aquisição de habilidades ou na transmissão
da informação, a concepção predominante no século XX seria definida como “aprender sobre”
(“learning about”). Já no final do século passado começou a se consolidar a concepção
denominada de “aprender a ser” (“learning to be”) caracterizada pela inserção do aprendizado
num contexto situado que leva em conta, além da transmissão da informação, os aspectos
relativos a sistemas e identidade. Dada a fluidez com a qual as mudanças estão ocorrendo nos
dias de hoje, os autores propõem a adoção de uma perspectiva mais apropriada a esses novos
tempos: a abordagem “aprender a vir a ser” (“learning to become”). A idéia é que, enquanto
que as teorias do aprendizado consideram o “vir a ser” como um estado de transição, essa
nova abordagem vê o aprendizado como uma prática do vir a ser recorrente, e que pressupõe
participação e engajamento.
Se, por um lado, a velha mídia assume que o aprendizado consistia na absorção ou
interpretação de uma mensagem transmitida, por outro lado, a nova mídia parte do princípio
de que o aprendizado é um processo de engajamento com a informação e seu uso num
contexto social mais amplo como um componente fundamental da chamada “inquirição
produtiva”, noção originalmente concebida no pragmatismo de John Dewey, que, aliás, se
aplica também à velha mídia. A diferença, segundo Thomas & Brown, é que o arcabouço social
da nova mídia começa a desvendar um aspecto da inquirição produtiva que nunca havia sido
pensado nem sequer estava disponível antes do advento das mídias sociais: a capacidade de
engajar a imaginação. Permitindo a fusão da tecnologia de redes, de comunidades de interesse
e de um sentido compartilhado de presença mútua, a infraestrutura da nova mídia deu origem
ao que os autores chamam de “imaginação em rede”. Dado que o paradigma para o
aprendizado na velha mídia é a noção de transferência direta do conhecimento, como se este
fosse uma substância, Thomson & Brown estão mais interessados em descobrir como seria
uma teoria do aprendizado para as mídias coletivas, sociais e participatórias.
Em artigo intitulado “Learning for a World of Constant Change: Homo Sapiens, Homo Faber &
Homo Ludens revisited”, apresentado por John Seely Brown no “7th Glion Colloquium”
realizado em 2009, Thomas & Brown examinam o aprendizado no contexto de três pilares:
saber, fazer e brincar. Com a intenção de argumentar que não é por transferência de
conhecimento que o aprendizado funciona, os autores vão buscar no trabalho de Michael
Polyani (“The Tacit Dimension”, 1967) a base para suas convicções de que o conhecimento tem
3. uma dimensão essencialmente social: trata-se da dimensão tácita, que, segundo Polyani,
complementa a dimensão explícita do conhecimento.
Ao observar a dimensão social da nova mídia, afirmam Thomas & Brown, é possível começar a
ver que contextos sociais nos quais o saber, o fazer e o brincar surgem como elementos
centrais do aprendizado e que a estrutura do aprendizado nesses novos contextos estão
diretamente relacionados à interação entre esses três elementos. E, concluem, esses três
domínios do aprendizado também correspondem a três componentes mais amplos: Homo
Sapiens (humano como aquele que sabe), Homo Faber (humano como aquele que faz) e Homo
Ludens (humano como aquele que brinca/joga).
Por fim, como recomendação para que floresça uma nova cultura de aprendizado, será
preciso: (1) pensar sobre o problema como uma crise no aprendizado ao invés de no ensino;
(2) prestar atenção ao poder das novas culturas do aprendizado que já estão acontecendo e
entender o que as torna bem sucedidas; (3) lançar mão de novos recursos: aprendizado entre-
pares, amplificado pelo poder do coletivo; (4) entender como otimizar os recursos (e a
liberdade) de grandes redes, e ao mesmo tempo proporcionar atuação pessoal e individual
dentro dos limites de um espaço de problemas criado por um ambiente de aprendizado
limitado.