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Era uma vez…
Biblioteca/CRE
EB Dr. João Rocha - Pai
2012/2013 1Biblioteca/CRE
2012/2013 Biblioteca/CRE 2
2012/2013 Biblioteca/CRE 3
Sou um cão já velho e chamo-me Faísca. Este nome deu-mo o
Manuel, pois queria por força que eu corresse muito depressa. Mas este
nome só ligava bem com o meu feitio enquanto eu era novo. Nesse tempo
apetecia-me, realmente, correr e saltar, tão depressa que ninguém me
apanhava. Mais tarde já preferia andar devagarinho em vez de correr, e
agora gosto mais é de estar refastelado, no Verão, a uma sombra fresca
e, no Inverno, ao pé do lume. Acho por isso, que o nome não foi bem
escolhido: um nome não deve servir só enquanto se é novo e tornar-se
ridículo quando se envelheceu. Ainda ontem ouvi uma menina rir-se às
gargalhadas quando a Luísa a informou de que eu me chamava Faísca.
2012/2013 Biblioteca/CRE 4
- Este cão tão molengão chama-se Faísca? - perguntou toda
trocista.
Mas, afinal, vocês não sabem quem são o Manuel e a Luísa. Vou
contar-vos tudo desde o princípio.
Nasci numa aldeiazinha do Minho. Dizem muitas pessoas que o
Minho é a região mais linda de Portugal. Os visitantes olham com muito
interesse para as casas, as igrejas, as escolas e deliciam-se,
demoradamente, com as árvores e as flores. Nós, os cães, não sabemos
bem distinguir entre regiões bonitas e feias e escapa-nos o que tem de
especialmente bonito as árvores e as flores. Gostamos mais é de cheirar a
terra, de enterrar nela o focinho para farejar os bichos que vivem por
baixo.
2012/2013 Biblioteca/CRE 5
Farejamos assim porque conhecemos as coisas, os animais e as pessoas
pelo cheiro. Eu quando era novo até pressentia gente conhecida quando
ela se encontrava ainda bastante longe. O Manuel admirava-se todas as
vezes que eu sentia, com grande antecedência, a mãe dele chegar a
casa, enquanto ele, mesmo pela janela, ainda não a via nem lhe ouvia os
passos. As pessoas só descobrem que alguém se aproxima quando vêem
ou ouvem. Mas muito antes disso nós já o sentimos pelo faro.
2012/2013 Biblioteca/CRE 6
Quase sempre depois da chuva Manuel saía comigo. Era certo e
sabido que, então, dávamos com as minhocas. Não gosto nada desses bichos.
São repugnantemente fininhos e escorregadios. Mas acho engraçados os
caracóis. Andam ainda mais devagarinho do que eu agora, que estou velho, e
levam a casa às costas. Quando eu lhes dava um empurrão com o focinho,
assustavam-se e encolhiam-se logo para dentro de casa. Mas os ouriços,
esses ainda eram mais pândegos. Como se fossem senhoras distintas,
passeavam sossegadinhos na folhagem da mata. Eram gorduchos e tinham um
focinho bicudo e olhos muito pequenos. Mas mal nós nos aproximávamos,
enrolavam-se numa bola, não se lhes via nada: nem focinho, nem olhinhos, nem
pernas.
2012/2013 Biblioteca/CRE 7
Da primeira vez, um ouriço pregou-me um bom susto. Vi-o assim
enrolado e apetecia-me farejá-lo. Mas não foi brincadeira nenhuma!
Aquela bola tão calma estava carregada de picos e fiquei com o focinho a
sangrar. Cheguei mesmo a atirar-me para o chão, tão violenta era a dor.
O Manuel desatou numa grande gargalhada ao ver-me assim atrapalhado.
- Bem feito. Faísca, bem feito! - disse.
Isso aborreceu-me deveras. Por pouco ferrava-lhe na mão. Mas
depois de conhecer as manhas dos ouriços, não voltei a farejá-los e
então comecei a achar-lhes graça quando se enrolavam assim numa bola.
2012/2013 Biblioteca/CRE 8
Apesar de não saber falar muito sobre terras e paisagens, vamos lá
ver se sou capaz de contar-vos um pouco da aldeia em que vivi.
Havia muitas árvores e flores, corria um rio chamado Cávado e a
praia e o mar estendiam-se até longe. Se penso nas casas da aldeia,
parecem-me agora pequenas, porque as de Lisboa são muito maiores. É
verdade, ainda não vos disse que moro agora em Lisboa. Como isso aconteceu
é que vão ficar a saber.
Nasceram comigo dois irmãos. Mas a nossa dona, a mãe do Manuel,
que se chamava Tia Júlia, só queria ficar com um cão e vendeu por isso os
meus irmãos. A minha mãe, uma cadela já muito velha, dormia comigo em
cima de palha, num canto da cozinha. Eu gostava muito da minha mãe, porque
ela lambia-me, com ternura, o pêlo. Mas já não podia correr nem brincar:
tinha idade de mais para isso. Só lhe apetecia descansar e dormitar como
acontece comigo agora.
2012/2013 Biblioteca/CRE 9
A cozinha era escura e tinha uma lareira que deitava muito
fumo. Manuel vivia só com a mãe. O pai estava no Brasil, para onde
partira por ser pobre e por julgar que enriqueceria naquele país que
dizem ser gigantesco. Deve ser muito longe, pelo menos assim ouvia
dizer à Tia Júlia. Mas afinal, apesar de o Brasil ser gigantesco, o pai do
Manuel não estava lá a ganhar dinheiro suficiente pelo que não podia
mandar nenhum à Tia Júlia. As cartas que escrevia eram bem tristes.
Quando chegavam, a Tia Júlia lia-as em voz alta para o Manuel e eu
deitava-me ao lado deles. E ela, enquanto lia, quase sempre chorava.
2012/2013 Biblioteca/CRE 10
O Manuel costumava correr comigo pela mata fora.
Brincávamos muito, éramos bons camaradas e ele gostava de me ensinar
habilidades. Atirava, por exemplo, um pedaço de pau para longe, e eu
corria para o apanhar. Depois levava-lho na boca e ele exclamava:
- Bravo, Faísca! Bravo!
E eu agitava o rabo. Agitar o rabo é a minha maneira de
mostrar contentamento. Nós, os cães, não sabemos rir como as
pessoas.
O Manuel também costumava levantar um pedaço de pau na
mão, tão alto quanto podia. Eu punha-me a dar saltos e, quando
conseguia alcançar o pau com a boca, ouvia outra vez:
2012/2013 Biblioteca/CRE 11
- Bravo, Faísca! Bravo!
Quando o Manuel me atirou pela primeira vez ao rio, eu só
tinha quatro meses. Não o fez por mal. Queria ver se eu era capaz
de voltar para terra sem ajuda nenhuma. E sabem o que aconteceu?
Nadei sem que ninguém mo tivesse ensinado. Não que achasse
grande prazer naquilo, mas era como se o meu próprio corpo me
obrigasse aos movimentos certos e rítmicos que me faziam
atravessar a água sem dificuldade. Não sei por que é que as pessoas
precisam de tanto tempo para aprender a nadar. Lá, na praia e à
beira-rio, até aparecia, no Verão, um professor que ensinava os
movimentos e segurava nos rapazes e nas raparigas. «Um, dois, três,
um, dois, três» - gritava o todo o tempo.
2012/2013 Biblioteca/CRE 12
O Manuel ficou tão contente ao ver-me nadar que exclamou:
- És o cão mais esperto do mundo, Faísca!
Mas quando contou à mãe o que tinha acontecido, ela não ficou
nada impressionada.
- Todos os cães sabem nadar. É mesmo próprio deles, disse.
Não me agradou ouvi-la falar assim, porque queria ser um cão
especial, um cão invulgar.
Também o Manuel ficou de cara aborrecida. Não há dúvida
que, tal como eu, desejava que eu fosse diferente de todos os cães.
2012/2013 Biblioteca/CRE 13
A Tia Júlia trabalhava no campo desde manhã até ao
escurecer. O trabalho estafava-a muito, e cada vez mais. Naqueles
dias em que o sol estava tão quente que a mim só me apetecia beber
água, ela voltava para casa com ar cansado. Chegava-me então ao pé
dela para lhe lamber as mãos. Não brincava comigo como o Manuel, nem
dizia que eu era o cão mais esperto do mundo, mas eu bem sabia que
não tinha vagar para estas coisas e se não fosse ela a trabalhar tanto
nós não tínhamos que comer. Por isso gostava muito dela e nunca lhe
levava a mal que não me acarinhasse e não se pusesse a brincar comigo.
2012/2013 Biblioteca/CRE 14
A minha mãe. de tanta velhice e fraqueza, certo dia morreu. O
Manuel e a Tia Júlia enterraram-na no quintal. A Tia Júlia até
chorou. Talvez gostasse mais da minha mãe do que de mim, porque
a minha mãe era ainda do tempo em que o pai do Manuel vivia em
casa. antes de ter abalado para o Brasil.
Chegou o dia em que o Manuel teve de ir para a escola. A
Tia Júlia comprou-lhe uma saca de sarapilheira, uma lousa e um
livro. Todas as manhãs eu o acompanhava à escola. Iam mais outros
meninos e meninas.
2012/2013 Biblioteca/CRE 15
Tínhamos que atravessar campos e bouças e depois caminhávamos pela
estrada fora. A escola ficava bem longe e nos dias de muito sol ou de
chuva eu ficava quase arrependido de ter ido. Mas pensava: O Manuel
também tem que ir e eu sou amigo dele.
De resto, gostava daquele passeio, porque podia saltar nos
campos e rebolar-me na terra. De vez em quando encontrávamos
outros cães. Punha-me logo a brincar com eles, porque é um grande
divertimento para um cão entreter-se com outro cão. Mas o Manuel
ficava zangado:
- Faísca não me faças perder tempo, ouviste?
2012/2013 Biblioteca/CRE 16
Eu metia o rabo entre as pernas, que é a minha maneira de
mostrar que estou atrapalhado ou triste. Nós, os cães, não deitamos
lágrimas pelos olhos quando sofremos algum desgosto. Mas o Manuel
percebia o que significava o meu rabo entre as pernas e, acariciando-
me o pêlo, dizia:
- Vá, vá, não vale a pena chorar.
À tarde fazia os deveres e eu ficava sentado ao pé dele.
A nossa vida corria mais ou menos sempre da mesma maneira.
Às vezes o Manuel adoecia e a Tia Júlia afligia-se ao vê-lo na cama sem
poder brincar. Eu ficava todo o tempo a fazer-lhe companhia e ela
costumava dizer:
- Tens um amigo fiel, meu filho.
2012/2013 Biblioteca/CRE 17
De resto, não aconteciam coisas importantes na nossa casa, nem
havia muita alegria, porque a comida não abundava. Quando as
pessoas e os animais passam fome não conseguem estar todo o dia
satisfeitos. A maior parte das vezes comíamos só caldo e broa. E
confesso, não gostava nada daquilo. Mas, o que havia de fazer? O
meu remédio era engolir aquilo ou ficar de barriga vazia. O Manuel e
a Tia Júlia também comiam e tenho a certeza de que preferiam
coisas melhores. No Verão ficavam mais contentes porque havia
bastante fruta, mas a mim só me agradavam as uvas americanas.
2012/2013 Biblioteca/CRE 18
No fim de lamber a tigela de caldo, ficava sempre com vontade
de mais. O meu sonho eram uns bons ossos, desses grandes, compridos,
que rendem horas a roer. Tornou-se uma mania: cismava sempre com
ossos. Por isso até chegava a confundir certos objectos com ossos e, um
belo dia, pus-me a roer um chinelo do Manuel. Ficou todo esfarrapado e a
Tia Júlia bateu-me. Tinha razão, reconheço-o bem, porque desde então, o
Manuel ficou com um chinelo só. Mas eu não podia resistir a essa vontade
de roer, e uma tarde deitei os dentes às fitas de couro da saca do
Manuel. Viu-me naquilo e retirou-me as fitas a tempo.
- Tem juízo, Faísca! - ralhou.
A Tia Júlia não chegou a saber disso.
2012/2013 Biblioteca/CRE 19
Todos os anos, no Verão, realizava-se uma romaria na aldeia. A
banda da música tocava, os rapazes e as raparigas cantavam e
dançavam. O Manuel gostava de música, mas eu nem por isso. Não deve
haver muitos cães que apreciem música. O que me admira é as pessoas
se encantarem tanto com ela. As raparigas trajavam de vermelho,
amarelo e verde e punham lenços bonitos na cabeça. A primeira vez
que fui a uma dessas festas e quando vi rapazes a dançar com
raparigas, não percebi que estavam a divertir-se e julguei que iam
fazer mal uns aos outros. Desatei então a ladrar como um tolo, saltei
para o meio deles e ferrei algumas raparigas nas pernas.
2012/2013 Biblioteca/CRE 20
O Manuel, aflito, agarrou-me e fugiu comigo para o pinhal. Sentou-
se num tronco de pinheiro, pôs os olhos sérios em mim, de modo que
meti logo o rabo entre as pernas. Falou-me com modos de professor
e fez-me compreender que aquela gente dançava por gostar e por
estar contente.
Na verdade - pensei - as pessoas têm costumes esquisitos a
que um cão tem de se habituar.
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As vezes o Manuel e eu íamos para a beira-mar. Eu gostava mais do rio,
porque não era tão fundo nem barulhento, não tinha água salgada nem ondas.
Mas o Manuel apreciava especialmente as ondas e dava altas gargalhadas
quando nos cobriam, outro divertimento de que não conseguia partilhar.
Depois do banho ele costumava construir castelos de areia e eu a escavar um
buraco fundo, mas nunca descobri na praia minhocas nem caracóis. Lá só
havia bichinhos quase brancos que davam saltinhos curtos e de pouca altura.
Eu achava-os ridículos e o Manuel chamava-lhes pulgas do mar. Mas não se
assemelhavam em nada às pulgas que trago no pêlo, que são mais pequenas
ainda e escuras e que me incomodam todo o tempo com as suas mordeduras.
Não sei por que é que um cão não tem maneira de se livrar delas.
2012/2013 Biblioteca/CRE 22
Muitas vezes víamos chegar os barcos com os pescadores. Os
peixes vinham muito frescos e eu gostava de os farejar, mas os
pescadores não deixavam e atiravam-me com areia aos olhos. De longe a
longe a Tia Júlia aparecia e comprava peixe e eu então banqueteava-me
com as espinhas. Naquela altura, achava-as bem boas.
Quando subíamos às rochas encontrávamos bichos que viviam
dentro de conchas e a que o Manuel chamava «mariscos». Abria-lhes a
concha e comia-os.
2012/2013 Biblioteca/CRE 23
Queria obrigar-me a comer também, provei uma vez, larguei
logo, enjoado, e nunca mais repeti a experiência. Há coisas que
um cão, por mais fome que tenha, não consegue engolir. Decerto
com as pessoas dá-se o mesmo em relação a outras comidas.
Nunca vi, por exemplo, uma pessoa a roer um osso cru!
De cada vez faltava mais a comida na nossa casa.
Ouvi dizer à Tia Júlia e aos vizinhos que as coisas
estavam muito caras. Realmente deviam estar, porque já nem
comíamos bacalhau aos domingos.
2012/2013 Biblioteca/CRE 24
Foi por esta altura que conhecemos a Luísa. Todos os anos, no
Verão, costumava aparecer gente de fora para passar as férias na praia.
Montavam-se barracas, as crianças brincavam na areia e muita gente
tomava banho. Um dia, estava o Manuel a construir um castelo e eu a cavar
um buraco, ouvimos uma voz de menina:
- Que lindo cão!
Erguemos os olhos e diante de nós estava uma rapariguita de
cabelo escuro em que espetava um laçarote. Ajoelhou-se a fazer-me
festas no pêlo e perguntou:
- Como se chama o cão?
- Faísca - respondeu o Manuel.
- Que nome engraçado! - exclamou ela.
2012/2013 Biblioteca/CRE 25
Realmente nessa altura o meu nome ainda soava bem. porque eu
era novo e forte e corria ligeirinho.
- Chamo-me Luísa. - disse a rapariga.
Parecia estar encantada comigo. Afagava-me o pêlo, encostava a
cabeça à minha e metia-me pedaços de bolo na boca. Foi a primeira vez
que provei bolo e confesso que o achei logo uma maravilha. O que me
contristava era que a Luísa não desse também um bocadinho ao Manuel.
Eu bem lhe queria fazer ver isso. Mas ela não percebia os meus modos e
sinais. Andei à volta do Manuel a ladrar e a ladrar! Ele compreendeu logo
o que eu queria dizer, por isso acalmou-me:
- Deixa lá. Faísca...
2012/2013 Biblioteca/CRE 26
A Luísa, é preciso dizê-lo, não sabia que nós não comíamos
bolos em casa. A mim só mo dava porque achava graça à minha maneira
de mastigar e de levantar as patas para pedir mais. É boa menina, mas
não sabe da vida que pessoas como o Manuel levam e que eu cheguei a
conhecer.
Desde esse dia em diante, a Luísa vinha sempre ter connosco.
Comecei a gostar dela e a agitar o rabo quando a via aproximar-se.
Depois chegou aquela triste manhã em que a ouvi dizer que
voltava para Lisboa com os pais, no dia seguinte. Acariciou-me o pêlo e
choramingou:
2012/2013 Biblioteca/CRE 27
- Manuel, tenho pena de deixar o Faísca. Não mo queres
oferecer?
- Deus me livre! - exclamou o Manuel. Oferecer o Faísca?
Nunca! É meu e gosto muito dele.
Ao ouvi-lo falar assim, pensei que não queria abandonar o
Manuel. A Luísa dava-me pedacinhos de bolo e falava-me com
meiguice. Mas mesmo assim, eu queria ficar com o meu amigo.
2012/2013 Biblioteca/CRE 28
Nós, os cães, habituamo-nos com quem vivemos e com quem é
bom para connosco. Julgo que nisso não somos diferentes das pessoas.
No entanto, à Luísa metera-se na cabeça que me havia de trazer
consigo para Lisboa. Depois de o Manuel lhe ter dito que eu lhe pertencia
e que gostava muito de mim, correu para a barraca onde a vi falar com os
pais. Vi-a também chorar.
Nesse mesmo dia, por volta da hora do jantar, parou um
automóvel à nossa porta. Os vizinhos chegaram-se à janela, porque não
acontecia todos os dias pararem automóveis naquela rua.
2012/2013 Biblioteca/CRE 29
Do carro saíram a Luísa e os pais. Entraram na nossa casa. A
Tia Júlia estava a cozinhar. Quando viu aquela gente desconhecida e
bem-posta, limpou as mãos ao avental e ofereceu-lhes cadeiras. Reparei
que olhavam com estranheza a cozinha e a lareira escura a fumegar. O
pai da Luísa declarou à Tia Júlia que desejava comprar-me, por a sua
filha gostar de mim e por ter chorado, tanto me queria.
- A senhora faça o preço que entender - propôs.
A Tia Júlia olhou para o filho, depois para mim. Foi um momento bem
triste, aquele. Porque, afinal, nós três pertencíamos uns aos outros e
não havia o direito de nos quererem separar.
2012/2013 Biblioteca/CRE 30
Mas a Tia Júlia era uma mulher pobre e as coisas
estavam caras. O Manuel precisava de sapatos novos e de um
casaco para o inverno. Eu sabia isso por ter ouvido a Tia Júlia
dizê-lo à vizinha. Nem sei como hei-de arranjar as coisas para o
meu filho, suspirava. É bem natural que estivesse naquele
momento a pensar nisso e a lembrar-se de que poderia comprar o
que o Manuel precisava, se me vendesse. Deve ter sido por isso
que ela disse:
- Olha, meu filho, também sou amiga do Faísca, mas a
verdade é que o dinheiro fazia-nos agora muito jeito.
2012/2013 Biblioteca/CRE 31
Nem gosto de me recordar! O Manuel olhou para a mãe com
uns olhos carregados de tristeza. Não respondeu nada, mas pôs-se a
chorar e abraçou-se a mim com toda a força. Então meti o rabo
entre as pernas e lambi-lhe as mãos. Eu já expliquei que nós, os
cães, não deitamos lágrimas. Mas o meu coração estava repleto
delas, podem crer. Encolhi-me todo, magoava-me o peso das
lágrimas no coração e fui meter-me num canto da cozinha.
2012/2013 Biblioteca/CRE 32
A Tia Júlia afagou a cara do Manuel e o pai da Luísa disse:
- Minha senhora, se ao rapaz custa tanto separar-se do
cão, desistimos, é evidente.
Mas a Tia Júlia estremeceu ao pensar que o dinheiro,
neste momento, lhe fazia jeito. Por isso indicou um preço. Não sei
quanto pediu, nunca percebi nada de dinheiros e de pagamentos. O
senhor tirou imediatamente uma nota da carteira e deu-a à Tia
Júlia.
Tentei fugir, mas a porta estava fechada. Voltei,
desesperado, para o canto da cozinha.
2012/2013 Biblioteca/CRE 33
Não olhei para a Luísa, nem gostei dela naquele momento.
Afinal era uma menina que queria tudo o que se podia comprar por
dinheiro. O pai era rico e ela só precisava de pedir e de chorar
para que lhe dessem o que desejava. Não pensava no Manuel, que
assim perdia o melhor companheiro e que não tinha culpa de o pai
não ganhar o suficiente no Brasil. Luísa era assim porque nunca
ninguém lhe tinha explicado como muitas outras pessoas vivem. Os
pais faziam-lhe todas as vontades por ela ser a única filha.
2012/2013 Biblioteca/CRE 34
Também o Manuel era o único filho da Tia Júlia; contudo, ela não
podia fazer-lhe muitas vontades, antes pelo contrário, até se via
obrigada a lhe tirar o melhor amigo de que ele tanto gostava, para
lhe poder comprar as roupas de Inverno.
Em seguida o pai da Luísa e a Tia Júlia empurraram-me
para dentro do automóvel.
2012/2013 Biblioteca/CRE 35
Ainda fiz uma tentativa para resistir, mas não me serviu de nada,
pois apareceu um vizinho a ajudar a empurrar-me.
Dentro do carro, deitei as patas ao vidro da janela,
ladrei, uivei. Mas tive de partir.
O carro ia-se afastando e ainda vi o Manuel chorar e a
Tia Júlia a passar-lhe as mãos pela cabeça. Ainda ouvi gritar o
meu amigo:
- Faísca! Meu Faísca!
Depois, o automóvel virou uma esquina e não vi mais nada.
2012/2013 Biblioteca/CRE 36
A Luísa estava sentada junto de mim a dizer-me palavras
meigas e a acariciar-me com as suas mãozinhas brancas. Não lhe
liguei importância. Estava mesmo disposto a nunca gostar dela, mas,
afinal, fui-me habituando depressa, porque era muito minha amiga.
Ao princípio não apreciei nada o interior de um automóvel. O
espaço apertado, o ar quente, o cheiro esquisito, tudo isso quase que
me abafava. Mais tarde comecei a acostumar-me. Mas ainda não há
nada para um cão como um passeio a pé.
2012/2013 Biblioteca/CRE 37
O pai da Luísa parou em frente duma loja; comprou-me
uma coleira de metal e uma correia de couro. Quando parávamos
no caminho e saíamos do carro, a Luísa segurava-me. Parecia ter
medo que lhe fugisse. E daí, talvez me tivesse posto a caminho
para a aldeia do Minho se ela não se acautelasse tanto.
Comemos o almoço num restaurante que ficava a caminho
de Lisboa. Fiquei espantado com tanta gente a mastigar e com os
senhores de fato preto, todos esticadinhos, a servir. Naquela
altura ainda não sabia que eram criados. Tive de deitar-me por
baixo da mesa. A Luísa deu-me bons ossos, peixe, pedaços de pão
de trigo e uma bolacha.
2012/2013 Biblioteca/CRE 38
Os meus sonhos pareciam realizar-se. Sempre tinha desejado
uma comida assim. Eu disse que não fugi por a Luísa ter tido muito
cuidado em segurar-me. Mas não gosto de mentir. Porque a verdade é
que, com um pouco de jeito, podia ter-me escapado daquela sala de
jantar. Se não o fiz foi unicamente por causa dos ossos e do peixe que
me sabiam bem. Talvez fiquem a pensar mal de mim e achem que fui
guloso e pouco amigo do Manuel. Mas creiam que não era bem assim.
Tinha rapado tanta fome!
2012/2013 Biblioteca/CRE 39
Chegámos a Lisboa. Embora nós, os cães, como já expliquei,
não saibamos apreciar as terras, fiquei bastante impressionado ao
ver Lisboa pela primeira vez. As ruas eram largas e as casas altas.
Uma espécie de caixas enormes, amarelas e cheias de gente que
faziam tim, tim, tim, passavam por nós e eu, naquela altura, não sabia
que eram carros eléctricos, onde mandam condutores de farda que
não deixam entrar cães. Automóveis seguiam em filas sem fim. O
barulho entontecia-me a cabeça.
Já se vê, um cão não pode gostar tanto de uma cidade como
de uma aldeia.
2012/2013 Biblioteca/CRE 40
Na aldeia goza de mais liberdade, pode saltar, brincar,
tomar banho e rebolar-se na terra. Na cidade a vida das pessoas e
dos bichos parece obedecer a regras e quando me permitiam andar
pelas ruas sozinho, metiam-me o focinho num açaimo. Ora isso
estragava-me o prazer do passeio. Sentia-me envergonhado e
humilhado. Era, por acaso, um cão feroz?
Quando entrei em casa da Luísa, fiquei deveras admirado. O
chão era mais fofo do que o relvado dos campos e dava ganas a um
cão de se estender. As mobílias da sala cheiravam a coisas doces. E
os candeeiros espalhavam uma luz tão clara como o Sol.
2012/2013 Biblioteca/CRE 41
Na sala da Tia Júlia e do Manuel só havia um candeeiro de
petróleo. E em dada altura nem sequer se arranjava petróleo. Dizia-
se na aldeia que se travava uma guerra em qualquer parte do mundo
e que, por isso, não havia petróleo para a gente pobre. Não sei o que
uma coisa tinha com a outra, mas a verdade é que a Tia Júlia só
dispunha de uma vela. Coitada da vela! Dava uma luz trémula e tão
pouca que se espalhava somente sobre a mesa, de modo que o chão
ficava escuro na mesma e eu quase que não via nada.
2012/2013 Biblioteca/CRE 42
Aqui, em casa da Luísa, com os candeeiros coloridos e as
lâmpadas eléctricas dependuradas no tecto, tudo me quis então
parecer brilho e festa. Farejei todos os recantos, o que me levou
bastante tempo, porque a casa é bem grande.
Desde aquele memorável dia a vida começou a ser
diferente para mim. Logo depois de as pessoas da casa se
levantarem, dão-me uma tigela de leite. De dia estendo-me na
sala sobre o tapete, e de noite, durmo numa cama só para mim.
Toda a gente me trata bem, até as visitas me afagam o pêlo e me
metem petiscos na boca.
2012/2013 Biblioteca/CRE 43
Dou passeios pelas ruas, sempre preso à trela, o que, durante
muitos anos, me aborrecia e me fazia saudades da vida livre que
levava no Minho junto do Manuel. Lembrava-me dos campos, da
relva, da praia e até dos caracóis e dos ouriços e de todos os
bichos que lá farejava.
Agora já não me importo com a trela. Sou velho e não
posso saltar nem correr. O que mais me apetece é estar em casa
junto do fogão, nos dias de frio e à sombra, quando o calor aperta.
2012/2013 Biblioteca/CRE 44
Embora tenhamos ido todos os anos passar férias à beira-
mar, nunca mais voltámos à minha terra. Gostava tanto de voltar!
Queria ver, mais uma vez, o meu amigo Manuel. Deve estar um
rapagão. A Luísa pôs-se uma menina alta e linda. Estuda no liceu e
toca piano. Mas nisso, de ela tocar piano, não vejo vantagem. Já
vos disse que nós, os cães, não damos valor à música. O Manuel,
com certeza, já não anda na escola; a mãe deve precisar dele para
os trabalhos no campo. Se calhar ele nunca teve ocasião de sair da
aldeia e não chegou ainda a conhecer uma cidade grande. Devia
gostar de ver Lisboa com as casas altas, os carros eléctricos, os
autocarros e as iluminações coloridas, à noite.
2012/2013 Biblioteca/CRE 45
Pobre Manuel! Penso muitas vezes em ti. Um cão que se
preze não se esquece nunca de quem foi bom e amigo sincero.
Mas tenho a certeza de que um dia havemos de ir à
tua aldeia do Minho e que poderei ver-te de novo. Há-de ser a
maior alegria da minha vida e, só de pensar nisso, sinto o meu
coração estremecer.
FIM
2012/2013 46Biblioteca/CRE
Propostas de trabalho
(escrita)
• Imagina que o Faísca tinha mesmo fugido
do restaurante e tinha conseguido voltar
à aldeia: descreve o seu reencontro com
o Manuel.
• Supõe que o Faísca, já em Lisboa,
consegue mandar uma carta ao Manuel:
imagina o que lhe diria e escreve essa
possível carta.
2012/2013 Biblioteca/CRE 47

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Faisca

  • 1. Era uma vez… Biblioteca/CRE EB Dr. João Rocha - Pai 2012/2013 1Biblioteca/CRE
  • 3. 2012/2013 Biblioteca/CRE 3 Sou um cão já velho e chamo-me Faísca. Este nome deu-mo o Manuel, pois queria por força que eu corresse muito depressa. Mas este nome só ligava bem com o meu feitio enquanto eu era novo. Nesse tempo apetecia-me, realmente, correr e saltar, tão depressa que ninguém me apanhava. Mais tarde já preferia andar devagarinho em vez de correr, e agora gosto mais é de estar refastelado, no Verão, a uma sombra fresca e, no Inverno, ao pé do lume. Acho por isso, que o nome não foi bem escolhido: um nome não deve servir só enquanto se é novo e tornar-se ridículo quando se envelheceu. Ainda ontem ouvi uma menina rir-se às gargalhadas quando a Luísa a informou de que eu me chamava Faísca.
  • 4. 2012/2013 Biblioteca/CRE 4 - Este cão tão molengão chama-se Faísca? - perguntou toda trocista. Mas, afinal, vocês não sabem quem são o Manuel e a Luísa. Vou contar-vos tudo desde o princípio. Nasci numa aldeiazinha do Minho. Dizem muitas pessoas que o Minho é a região mais linda de Portugal. Os visitantes olham com muito interesse para as casas, as igrejas, as escolas e deliciam-se, demoradamente, com as árvores e as flores. Nós, os cães, não sabemos bem distinguir entre regiões bonitas e feias e escapa-nos o que tem de especialmente bonito as árvores e as flores. Gostamos mais é de cheirar a terra, de enterrar nela o focinho para farejar os bichos que vivem por baixo.
  • 5. 2012/2013 Biblioteca/CRE 5 Farejamos assim porque conhecemos as coisas, os animais e as pessoas pelo cheiro. Eu quando era novo até pressentia gente conhecida quando ela se encontrava ainda bastante longe. O Manuel admirava-se todas as vezes que eu sentia, com grande antecedência, a mãe dele chegar a casa, enquanto ele, mesmo pela janela, ainda não a via nem lhe ouvia os passos. As pessoas só descobrem que alguém se aproxima quando vêem ou ouvem. Mas muito antes disso nós já o sentimos pelo faro.
  • 6. 2012/2013 Biblioteca/CRE 6 Quase sempre depois da chuva Manuel saía comigo. Era certo e sabido que, então, dávamos com as minhocas. Não gosto nada desses bichos. São repugnantemente fininhos e escorregadios. Mas acho engraçados os caracóis. Andam ainda mais devagarinho do que eu agora, que estou velho, e levam a casa às costas. Quando eu lhes dava um empurrão com o focinho, assustavam-se e encolhiam-se logo para dentro de casa. Mas os ouriços, esses ainda eram mais pândegos. Como se fossem senhoras distintas, passeavam sossegadinhos na folhagem da mata. Eram gorduchos e tinham um focinho bicudo e olhos muito pequenos. Mas mal nós nos aproximávamos, enrolavam-se numa bola, não se lhes via nada: nem focinho, nem olhinhos, nem pernas.
  • 7. 2012/2013 Biblioteca/CRE 7 Da primeira vez, um ouriço pregou-me um bom susto. Vi-o assim enrolado e apetecia-me farejá-lo. Mas não foi brincadeira nenhuma! Aquela bola tão calma estava carregada de picos e fiquei com o focinho a sangrar. Cheguei mesmo a atirar-me para o chão, tão violenta era a dor. O Manuel desatou numa grande gargalhada ao ver-me assim atrapalhado. - Bem feito. Faísca, bem feito! - disse. Isso aborreceu-me deveras. Por pouco ferrava-lhe na mão. Mas depois de conhecer as manhas dos ouriços, não voltei a farejá-los e então comecei a achar-lhes graça quando se enrolavam assim numa bola.
  • 8. 2012/2013 Biblioteca/CRE 8 Apesar de não saber falar muito sobre terras e paisagens, vamos lá ver se sou capaz de contar-vos um pouco da aldeia em que vivi. Havia muitas árvores e flores, corria um rio chamado Cávado e a praia e o mar estendiam-se até longe. Se penso nas casas da aldeia, parecem-me agora pequenas, porque as de Lisboa são muito maiores. É verdade, ainda não vos disse que moro agora em Lisboa. Como isso aconteceu é que vão ficar a saber. Nasceram comigo dois irmãos. Mas a nossa dona, a mãe do Manuel, que se chamava Tia Júlia, só queria ficar com um cão e vendeu por isso os meus irmãos. A minha mãe, uma cadela já muito velha, dormia comigo em cima de palha, num canto da cozinha. Eu gostava muito da minha mãe, porque ela lambia-me, com ternura, o pêlo. Mas já não podia correr nem brincar: tinha idade de mais para isso. Só lhe apetecia descansar e dormitar como acontece comigo agora.
  • 9. 2012/2013 Biblioteca/CRE 9 A cozinha era escura e tinha uma lareira que deitava muito fumo. Manuel vivia só com a mãe. O pai estava no Brasil, para onde partira por ser pobre e por julgar que enriqueceria naquele país que dizem ser gigantesco. Deve ser muito longe, pelo menos assim ouvia dizer à Tia Júlia. Mas afinal, apesar de o Brasil ser gigantesco, o pai do Manuel não estava lá a ganhar dinheiro suficiente pelo que não podia mandar nenhum à Tia Júlia. As cartas que escrevia eram bem tristes. Quando chegavam, a Tia Júlia lia-as em voz alta para o Manuel e eu deitava-me ao lado deles. E ela, enquanto lia, quase sempre chorava.
  • 10. 2012/2013 Biblioteca/CRE 10 O Manuel costumava correr comigo pela mata fora. Brincávamos muito, éramos bons camaradas e ele gostava de me ensinar habilidades. Atirava, por exemplo, um pedaço de pau para longe, e eu corria para o apanhar. Depois levava-lho na boca e ele exclamava: - Bravo, Faísca! Bravo! E eu agitava o rabo. Agitar o rabo é a minha maneira de mostrar contentamento. Nós, os cães, não sabemos rir como as pessoas. O Manuel também costumava levantar um pedaço de pau na mão, tão alto quanto podia. Eu punha-me a dar saltos e, quando conseguia alcançar o pau com a boca, ouvia outra vez:
  • 11. 2012/2013 Biblioteca/CRE 11 - Bravo, Faísca! Bravo! Quando o Manuel me atirou pela primeira vez ao rio, eu só tinha quatro meses. Não o fez por mal. Queria ver se eu era capaz de voltar para terra sem ajuda nenhuma. E sabem o que aconteceu? Nadei sem que ninguém mo tivesse ensinado. Não que achasse grande prazer naquilo, mas era como se o meu próprio corpo me obrigasse aos movimentos certos e rítmicos que me faziam atravessar a água sem dificuldade. Não sei por que é que as pessoas precisam de tanto tempo para aprender a nadar. Lá, na praia e à beira-rio, até aparecia, no Verão, um professor que ensinava os movimentos e segurava nos rapazes e nas raparigas. «Um, dois, três, um, dois, três» - gritava o todo o tempo.
  • 12. 2012/2013 Biblioteca/CRE 12 O Manuel ficou tão contente ao ver-me nadar que exclamou: - És o cão mais esperto do mundo, Faísca! Mas quando contou à mãe o que tinha acontecido, ela não ficou nada impressionada. - Todos os cães sabem nadar. É mesmo próprio deles, disse. Não me agradou ouvi-la falar assim, porque queria ser um cão especial, um cão invulgar. Também o Manuel ficou de cara aborrecida. Não há dúvida que, tal como eu, desejava que eu fosse diferente de todos os cães.
  • 13. 2012/2013 Biblioteca/CRE 13 A Tia Júlia trabalhava no campo desde manhã até ao escurecer. O trabalho estafava-a muito, e cada vez mais. Naqueles dias em que o sol estava tão quente que a mim só me apetecia beber água, ela voltava para casa com ar cansado. Chegava-me então ao pé dela para lhe lamber as mãos. Não brincava comigo como o Manuel, nem dizia que eu era o cão mais esperto do mundo, mas eu bem sabia que não tinha vagar para estas coisas e se não fosse ela a trabalhar tanto nós não tínhamos que comer. Por isso gostava muito dela e nunca lhe levava a mal que não me acarinhasse e não se pusesse a brincar comigo.
  • 14. 2012/2013 Biblioteca/CRE 14 A minha mãe. de tanta velhice e fraqueza, certo dia morreu. O Manuel e a Tia Júlia enterraram-na no quintal. A Tia Júlia até chorou. Talvez gostasse mais da minha mãe do que de mim, porque a minha mãe era ainda do tempo em que o pai do Manuel vivia em casa. antes de ter abalado para o Brasil. Chegou o dia em que o Manuel teve de ir para a escola. A Tia Júlia comprou-lhe uma saca de sarapilheira, uma lousa e um livro. Todas as manhãs eu o acompanhava à escola. Iam mais outros meninos e meninas.
  • 15. 2012/2013 Biblioteca/CRE 15 Tínhamos que atravessar campos e bouças e depois caminhávamos pela estrada fora. A escola ficava bem longe e nos dias de muito sol ou de chuva eu ficava quase arrependido de ter ido. Mas pensava: O Manuel também tem que ir e eu sou amigo dele. De resto, gostava daquele passeio, porque podia saltar nos campos e rebolar-me na terra. De vez em quando encontrávamos outros cães. Punha-me logo a brincar com eles, porque é um grande divertimento para um cão entreter-se com outro cão. Mas o Manuel ficava zangado: - Faísca não me faças perder tempo, ouviste?
  • 16. 2012/2013 Biblioteca/CRE 16 Eu metia o rabo entre as pernas, que é a minha maneira de mostrar que estou atrapalhado ou triste. Nós, os cães, não deitamos lágrimas pelos olhos quando sofremos algum desgosto. Mas o Manuel percebia o que significava o meu rabo entre as pernas e, acariciando- me o pêlo, dizia: - Vá, vá, não vale a pena chorar. À tarde fazia os deveres e eu ficava sentado ao pé dele. A nossa vida corria mais ou menos sempre da mesma maneira. Às vezes o Manuel adoecia e a Tia Júlia afligia-se ao vê-lo na cama sem poder brincar. Eu ficava todo o tempo a fazer-lhe companhia e ela costumava dizer: - Tens um amigo fiel, meu filho.
  • 17. 2012/2013 Biblioteca/CRE 17 De resto, não aconteciam coisas importantes na nossa casa, nem havia muita alegria, porque a comida não abundava. Quando as pessoas e os animais passam fome não conseguem estar todo o dia satisfeitos. A maior parte das vezes comíamos só caldo e broa. E confesso, não gostava nada daquilo. Mas, o que havia de fazer? O meu remédio era engolir aquilo ou ficar de barriga vazia. O Manuel e a Tia Júlia também comiam e tenho a certeza de que preferiam coisas melhores. No Verão ficavam mais contentes porque havia bastante fruta, mas a mim só me agradavam as uvas americanas.
  • 18. 2012/2013 Biblioteca/CRE 18 No fim de lamber a tigela de caldo, ficava sempre com vontade de mais. O meu sonho eram uns bons ossos, desses grandes, compridos, que rendem horas a roer. Tornou-se uma mania: cismava sempre com ossos. Por isso até chegava a confundir certos objectos com ossos e, um belo dia, pus-me a roer um chinelo do Manuel. Ficou todo esfarrapado e a Tia Júlia bateu-me. Tinha razão, reconheço-o bem, porque desde então, o Manuel ficou com um chinelo só. Mas eu não podia resistir a essa vontade de roer, e uma tarde deitei os dentes às fitas de couro da saca do Manuel. Viu-me naquilo e retirou-me as fitas a tempo. - Tem juízo, Faísca! - ralhou. A Tia Júlia não chegou a saber disso.
  • 19. 2012/2013 Biblioteca/CRE 19 Todos os anos, no Verão, realizava-se uma romaria na aldeia. A banda da música tocava, os rapazes e as raparigas cantavam e dançavam. O Manuel gostava de música, mas eu nem por isso. Não deve haver muitos cães que apreciem música. O que me admira é as pessoas se encantarem tanto com ela. As raparigas trajavam de vermelho, amarelo e verde e punham lenços bonitos na cabeça. A primeira vez que fui a uma dessas festas e quando vi rapazes a dançar com raparigas, não percebi que estavam a divertir-se e julguei que iam fazer mal uns aos outros. Desatei então a ladrar como um tolo, saltei para o meio deles e ferrei algumas raparigas nas pernas.
  • 20. 2012/2013 Biblioteca/CRE 20 O Manuel, aflito, agarrou-me e fugiu comigo para o pinhal. Sentou- se num tronco de pinheiro, pôs os olhos sérios em mim, de modo que meti logo o rabo entre as pernas. Falou-me com modos de professor e fez-me compreender que aquela gente dançava por gostar e por estar contente. Na verdade - pensei - as pessoas têm costumes esquisitos a que um cão tem de se habituar.
  • 21. 2012/2013 Biblioteca/CRE 21 As vezes o Manuel e eu íamos para a beira-mar. Eu gostava mais do rio, porque não era tão fundo nem barulhento, não tinha água salgada nem ondas. Mas o Manuel apreciava especialmente as ondas e dava altas gargalhadas quando nos cobriam, outro divertimento de que não conseguia partilhar. Depois do banho ele costumava construir castelos de areia e eu a escavar um buraco fundo, mas nunca descobri na praia minhocas nem caracóis. Lá só havia bichinhos quase brancos que davam saltinhos curtos e de pouca altura. Eu achava-os ridículos e o Manuel chamava-lhes pulgas do mar. Mas não se assemelhavam em nada às pulgas que trago no pêlo, que são mais pequenas ainda e escuras e que me incomodam todo o tempo com as suas mordeduras. Não sei por que é que um cão não tem maneira de se livrar delas.
  • 22. 2012/2013 Biblioteca/CRE 22 Muitas vezes víamos chegar os barcos com os pescadores. Os peixes vinham muito frescos e eu gostava de os farejar, mas os pescadores não deixavam e atiravam-me com areia aos olhos. De longe a longe a Tia Júlia aparecia e comprava peixe e eu então banqueteava-me com as espinhas. Naquela altura, achava-as bem boas. Quando subíamos às rochas encontrávamos bichos que viviam dentro de conchas e a que o Manuel chamava «mariscos». Abria-lhes a concha e comia-os.
  • 23. 2012/2013 Biblioteca/CRE 23 Queria obrigar-me a comer também, provei uma vez, larguei logo, enjoado, e nunca mais repeti a experiência. Há coisas que um cão, por mais fome que tenha, não consegue engolir. Decerto com as pessoas dá-se o mesmo em relação a outras comidas. Nunca vi, por exemplo, uma pessoa a roer um osso cru! De cada vez faltava mais a comida na nossa casa. Ouvi dizer à Tia Júlia e aos vizinhos que as coisas estavam muito caras. Realmente deviam estar, porque já nem comíamos bacalhau aos domingos.
  • 24. 2012/2013 Biblioteca/CRE 24 Foi por esta altura que conhecemos a Luísa. Todos os anos, no Verão, costumava aparecer gente de fora para passar as férias na praia. Montavam-se barracas, as crianças brincavam na areia e muita gente tomava banho. Um dia, estava o Manuel a construir um castelo e eu a cavar um buraco, ouvimos uma voz de menina: - Que lindo cão! Erguemos os olhos e diante de nós estava uma rapariguita de cabelo escuro em que espetava um laçarote. Ajoelhou-se a fazer-me festas no pêlo e perguntou: - Como se chama o cão? - Faísca - respondeu o Manuel. - Que nome engraçado! - exclamou ela.
  • 25. 2012/2013 Biblioteca/CRE 25 Realmente nessa altura o meu nome ainda soava bem. porque eu era novo e forte e corria ligeirinho. - Chamo-me Luísa. - disse a rapariga. Parecia estar encantada comigo. Afagava-me o pêlo, encostava a cabeça à minha e metia-me pedaços de bolo na boca. Foi a primeira vez que provei bolo e confesso que o achei logo uma maravilha. O que me contristava era que a Luísa não desse também um bocadinho ao Manuel. Eu bem lhe queria fazer ver isso. Mas ela não percebia os meus modos e sinais. Andei à volta do Manuel a ladrar e a ladrar! Ele compreendeu logo o que eu queria dizer, por isso acalmou-me: - Deixa lá. Faísca...
  • 26. 2012/2013 Biblioteca/CRE 26 A Luísa, é preciso dizê-lo, não sabia que nós não comíamos bolos em casa. A mim só mo dava porque achava graça à minha maneira de mastigar e de levantar as patas para pedir mais. É boa menina, mas não sabe da vida que pessoas como o Manuel levam e que eu cheguei a conhecer. Desde esse dia em diante, a Luísa vinha sempre ter connosco. Comecei a gostar dela e a agitar o rabo quando a via aproximar-se. Depois chegou aquela triste manhã em que a ouvi dizer que voltava para Lisboa com os pais, no dia seguinte. Acariciou-me o pêlo e choramingou:
  • 27. 2012/2013 Biblioteca/CRE 27 - Manuel, tenho pena de deixar o Faísca. Não mo queres oferecer? - Deus me livre! - exclamou o Manuel. Oferecer o Faísca? Nunca! É meu e gosto muito dele. Ao ouvi-lo falar assim, pensei que não queria abandonar o Manuel. A Luísa dava-me pedacinhos de bolo e falava-me com meiguice. Mas mesmo assim, eu queria ficar com o meu amigo.
  • 28. 2012/2013 Biblioteca/CRE 28 Nós, os cães, habituamo-nos com quem vivemos e com quem é bom para connosco. Julgo que nisso não somos diferentes das pessoas. No entanto, à Luísa metera-se na cabeça que me havia de trazer consigo para Lisboa. Depois de o Manuel lhe ter dito que eu lhe pertencia e que gostava muito de mim, correu para a barraca onde a vi falar com os pais. Vi-a também chorar. Nesse mesmo dia, por volta da hora do jantar, parou um automóvel à nossa porta. Os vizinhos chegaram-se à janela, porque não acontecia todos os dias pararem automóveis naquela rua.
  • 29. 2012/2013 Biblioteca/CRE 29 Do carro saíram a Luísa e os pais. Entraram na nossa casa. A Tia Júlia estava a cozinhar. Quando viu aquela gente desconhecida e bem-posta, limpou as mãos ao avental e ofereceu-lhes cadeiras. Reparei que olhavam com estranheza a cozinha e a lareira escura a fumegar. O pai da Luísa declarou à Tia Júlia que desejava comprar-me, por a sua filha gostar de mim e por ter chorado, tanto me queria. - A senhora faça o preço que entender - propôs. A Tia Júlia olhou para o filho, depois para mim. Foi um momento bem triste, aquele. Porque, afinal, nós três pertencíamos uns aos outros e não havia o direito de nos quererem separar.
  • 30. 2012/2013 Biblioteca/CRE 30 Mas a Tia Júlia era uma mulher pobre e as coisas estavam caras. O Manuel precisava de sapatos novos e de um casaco para o inverno. Eu sabia isso por ter ouvido a Tia Júlia dizê-lo à vizinha. Nem sei como hei-de arranjar as coisas para o meu filho, suspirava. É bem natural que estivesse naquele momento a pensar nisso e a lembrar-se de que poderia comprar o que o Manuel precisava, se me vendesse. Deve ter sido por isso que ela disse: - Olha, meu filho, também sou amiga do Faísca, mas a verdade é que o dinheiro fazia-nos agora muito jeito.
  • 31. 2012/2013 Biblioteca/CRE 31 Nem gosto de me recordar! O Manuel olhou para a mãe com uns olhos carregados de tristeza. Não respondeu nada, mas pôs-se a chorar e abraçou-se a mim com toda a força. Então meti o rabo entre as pernas e lambi-lhe as mãos. Eu já expliquei que nós, os cães, não deitamos lágrimas. Mas o meu coração estava repleto delas, podem crer. Encolhi-me todo, magoava-me o peso das lágrimas no coração e fui meter-me num canto da cozinha.
  • 32. 2012/2013 Biblioteca/CRE 32 A Tia Júlia afagou a cara do Manuel e o pai da Luísa disse: - Minha senhora, se ao rapaz custa tanto separar-se do cão, desistimos, é evidente. Mas a Tia Júlia estremeceu ao pensar que o dinheiro, neste momento, lhe fazia jeito. Por isso indicou um preço. Não sei quanto pediu, nunca percebi nada de dinheiros e de pagamentos. O senhor tirou imediatamente uma nota da carteira e deu-a à Tia Júlia. Tentei fugir, mas a porta estava fechada. Voltei, desesperado, para o canto da cozinha.
  • 33. 2012/2013 Biblioteca/CRE 33 Não olhei para a Luísa, nem gostei dela naquele momento. Afinal era uma menina que queria tudo o que se podia comprar por dinheiro. O pai era rico e ela só precisava de pedir e de chorar para que lhe dessem o que desejava. Não pensava no Manuel, que assim perdia o melhor companheiro e que não tinha culpa de o pai não ganhar o suficiente no Brasil. Luísa era assim porque nunca ninguém lhe tinha explicado como muitas outras pessoas vivem. Os pais faziam-lhe todas as vontades por ela ser a única filha.
  • 34. 2012/2013 Biblioteca/CRE 34 Também o Manuel era o único filho da Tia Júlia; contudo, ela não podia fazer-lhe muitas vontades, antes pelo contrário, até se via obrigada a lhe tirar o melhor amigo de que ele tanto gostava, para lhe poder comprar as roupas de Inverno. Em seguida o pai da Luísa e a Tia Júlia empurraram-me para dentro do automóvel.
  • 35. 2012/2013 Biblioteca/CRE 35 Ainda fiz uma tentativa para resistir, mas não me serviu de nada, pois apareceu um vizinho a ajudar a empurrar-me. Dentro do carro, deitei as patas ao vidro da janela, ladrei, uivei. Mas tive de partir. O carro ia-se afastando e ainda vi o Manuel chorar e a Tia Júlia a passar-lhe as mãos pela cabeça. Ainda ouvi gritar o meu amigo: - Faísca! Meu Faísca! Depois, o automóvel virou uma esquina e não vi mais nada.
  • 36. 2012/2013 Biblioteca/CRE 36 A Luísa estava sentada junto de mim a dizer-me palavras meigas e a acariciar-me com as suas mãozinhas brancas. Não lhe liguei importância. Estava mesmo disposto a nunca gostar dela, mas, afinal, fui-me habituando depressa, porque era muito minha amiga. Ao princípio não apreciei nada o interior de um automóvel. O espaço apertado, o ar quente, o cheiro esquisito, tudo isso quase que me abafava. Mais tarde comecei a acostumar-me. Mas ainda não há nada para um cão como um passeio a pé.
  • 37. 2012/2013 Biblioteca/CRE 37 O pai da Luísa parou em frente duma loja; comprou-me uma coleira de metal e uma correia de couro. Quando parávamos no caminho e saíamos do carro, a Luísa segurava-me. Parecia ter medo que lhe fugisse. E daí, talvez me tivesse posto a caminho para a aldeia do Minho se ela não se acautelasse tanto. Comemos o almoço num restaurante que ficava a caminho de Lisboa. Fiquei espantado com tanta gente a mastigar e com os senhores de fato preto, todos esticadinhos, a servir. Naquela altura ainda não sabia que eram criados. Tive de deitar-me por baixo da mesa. A Luísa deu-me bons ossos, peixe, pedaços de pão de trigo e uma bolacha.
  • 38. 2012/2013 Biblioteca/CRE 38 Os meus sonhos pareciam realizar-se. Sempre tinha desejado uma comida assim. Eu disse que não fugi por a Luísa ter tido muito cuidado em segurar-me. Mas não gosto de mentir. Porque a verdade é que, com um pouco de jeito, podia ter-me escapado daquela sala de jantar. Se não o fiz foi unicamente por causa dos ossos e do peixe que me sabiam bem. Talvez fiquem a pensar mal de mim e achem que fui guloso e pouco amigo do Manuel. Mas creiam que não era bem assim. Tinha rapado tanta fome!
  • 39. 2012/2013 Biblioteca/CRE 39 Chegámos a Lisboa. Embora nós, os cães, como já expliquei, não saibamos apreciar as terras, fiquei bastante impressionado ao ver Lisboa pela primeira vez. As ruas eram largas e as casas altas. Uma espécie de caixas enormes, amarelas e cheias de gente que faziam tim, tim, tim, passavam por nós e eu, naquela altura, não sabia que eram carros eléctricos, onde mandam condutores de farda que não deixam entrar cães. Automóveis seguiam em filas sem fim. O barulho entontecia-me a cabeça. Já se vê, um cão não pode gostar tanto de uma cidade como de uma aldeia.
  • 40. 2012/2013 Biblioteca/CRE 40 Na aldeia goza de mais liberdade, pode saltar, brincar, tomar banho e rebolar-se na terra. Na cidade a vida das pessoas e dos bichos parece obedecer a regras e quando me permitiam andar pelas ruas sozinho, metiam-me o focinho num açaimo. Ora isso estragava-me o prazer do passeio. Sentia-me envergonhado e humilhado. Era, por acaso, um cão feroz? Quando entrei em casa da Luísa, fiquei deveras admirado. O chão era mais fofo do que o relvado dos campos e dava ganas a um cão de se estender. As mobílias da sala cheiravam a coisas doces. E os candeeiros espalhavam uma luz tão clara como o Sol.
  • 41. 2012/2013 Biblioteca/CRE 41 Na sala da Tia Júlia e do Manuel só havia um candeeiro de petróleo. E em dada altura nem sequer se arranjava petróleo. Dizia- se na aldeia que se travava uma guerra em qualquer parte do mundo e que, por isso, não havia petróleo para a gente pobre. Não sei o que uma coisa tinha com a outra, mas a verdade é que a Tia Júlia só dispunha de uma vela. Coitada da vela! Dava uma luz trémula e tão pouca que se espalhava somente sobre a mesa, de modo que o chão ficava escuro na mesma e eu quase que não via nada.
  • 42. 2012/2013 Biblioteca/CRE 42 Aqui, em casa da Luísa, com os candeeiros coloridos e as lâmpadas eléctricas dependuradas no tecto, tudo me quis então parecer brilho e festa. Farejei todos os recantos, o que me levou bastante tempo, porque a casa é bem grande. Desde aquele memorável dia a vida começou a ser diferente para mim. Logo depois de as pessoas da casa se levantarem, dão-me uma tigela de leite. De dia estendo-me na sala sobre o tapete, e de noite, durmo numa cama só para mim. Toda a gente me trata bem, até as visitas me afagam o pêlo e me metem petiscos na boca.
  • 43. 2012/2013 Biblioteca/CRE 43 Dou passeios pelas ruas, sempre preso à trela, o que, durante muitos anos, me aborrecia e me fazia saudades da vida livre que levava no Minho junto do Manuel. Lembrava-me dos campos, da relva, da praia e até dos caracóis e dos ouriços e de todos os bichos que lá farejava. Agora já não me importo com a trela. Sou velho e não posso saltar nem correr. O que mais me apetece é estar em casa junto do fogão, nos dias de frio e à sombra, quando o calor aperta.
  • 44. 2012/2013 Biblioteca/CRE 44 Embora tenhamos ido todos os anos passar férias à beira- mar, nunca mais voltámos à minha terra. Gostava tanto de voltar! Queria ver, mais uma vez, o meu amigo Manuel. Deve estar um rapagão. A Luísa pôs-se uma menina alta e linda. Estuda no liceu e toca piano. Mas nisso, de ela tocar piano, não vejo vantagem. Já vos disse que nós, os cães, não damos valor à música. O Manuel, com certeza, já não anda na escola; a mãe deve precisar dele para os trabalhos no campo. Se calhar ele nunca teve ocasião de sair da aldeia e não chegou ainda a conhecer uma cidade grande. Devia gostar de ver Lisboa com as casas altas, os carros eléctricos, os autocarros e as iluminações coloridas, à noite.
  • 45. 2012/2013 Biblioteca/CRE 45 Pobre Manuel! Penso muitas vezes em ti. Um cão que se preze não se esquece nunca de quem foi bom e amigo sincero. Mas tenho a certeza de que um dia havemos de ir à tua aldeia do Minho e que poderei ver-te de novo. Há-de ser a maior alegria da minha vida e, só de pensar nisso, sinto o meu coração estremecer.
  • 47. Propostas de trabalho (escrita) • Imagina que o Faísca tinha mesmo fugido do restaurante e tinha conseguido voltar à aldeia: descreve o seu reencontro com o Manuel. • Supõe que o Faísca, já em Lisboa, consegue mandar uma carta ao Manuel: imagina o que lhe diria e escreve essa possível carta. 2012/2013 Biblioteca/CRE 47