1. Escrita digital
Uma exploração de sua
constituição e genealogia
Beatriz Cintra Martins
Doutoranda do PPGCOM – ECA/USP
Confibercom - 2011
2. Escrita digital e autoria
colaborativa
Este trabalho se insere na pesquisa de
doutorado intitulada: “Autoria em rede – um
estudo dos processos autorais colaborativos
de escrita nas redes de comunicação”
Neste contexto, interessa saber quais as
características específicas da escrita digital:
− O que remodela de linguagens anteriores
− Quais são seus traços distintivos
3. A lógica da evolução dos
meios
Remediação (Bolter & Grusin):
Remodelagem de mídias anteriores
Opera como uma homenagem e rivalidade
Relação dialética entre as linguagens
5. Lógica da evolução dos meios
Escrita digital reformata elementos da
estrutura do meio impresso como:
− Títulos
− Subtítulos
− Menu
− Programação visual
6. Lógica da evolução dos meios
O impresso, por sua vez, se atualiza
dialeticamente, incorporando elementos do
meio digital
7. A lógica da evolução dos meios
Herança de convenções culturais (Manovich)
Elementos de linguagens já conhecidas
fazem parte do processo de
reconhecimento e apropriação de novas
linguagens
8. Do códice ao impresso
Invenção do códice
por volta de 140 d.
C.
A página desde
então é a superfície
de escrita
Referência cultural
de leitura – do
códice às telas dos
tablets
9. O espaço de escrita do
manuscrito
Características:
− Interatividade
− Criação coletiva
− Texto aberto
10. O espaço de escrita do
manuscrito
Textos bíblicos:
− Um exercício hermenêutico para
interpretar a palavra de Deus
− Realizado por um coletivo formado por
“copista”; “compilador”; “comentador” e
“autor”:
11. O espaço de escrita do
manuscrito
“Um homem pode escrever trabalhos alheios, sem
acrescentar ou mudar nada, neste caso ele é
simplesmente chamado de “copista” (scriptor). Outro
escreve trabalhos alheios com adições que não são
suas; e ele é chamado de “compilador” (compilator).
Outro escreve tanto trabalhos alheios como o seu,
mas com os trabalhos alheios em primeiro plano,
adicionando o seu próprio a título de explanação; e
ele é chamado de “comentador” (comentator)...
Outro escreve tanto o seu trabalho como os alheios,
mas com o seu em primeiro plano adicionando
outros a título de confirmação; e este homem pode
ser chamado de “autor” (auctor)”
12. O espaço de escrita do
manuscrito
Também os textos literários
eram objeto de criação
coletiva.
The Canterbury Tales, obra
do escritor inglês Geoffrey
Chaucer, do século XIV,
teve várias versões
produzidas por leitores, com
cortes e acréscimos, num
processo de autoria aberto e
fluido.
Alguma semelhança com
projetos wiki?
13. A invenção do impresso
Obra fechada e acabada
A leitura também se
individualiza
Produto da
Modernidade, era do
sujeito autônomo
Desenvolvimento das
artes gráficas
Mais recursos de
indexação com a
tipografia
14. Escrita digital
Uma remediação do manuscrito:
− Interatividade
− Criação coletiva
− Abertura do texto
E também do impresso
− Leitura silenciosa
− Elementos das artes gráficas
− Recursos de indexação
15. Genealogia do digital
Marco mais remoto da escrita digital é a invenção do
telégrafo elétrico em 1832 (Kittler), com o objetivo de
dinamizar o fluxo de comandos entre tropas do exército.
Descoberta da eletricidade – o traço mais distintivo do
digital – teve origem em uma elite de escolas de engenharia
e comandantes do exército, tendo como pano de fundo a
guerra de 1809.
Criação da tela do computador esteve ligada ao
desenvolvimento de tecnologias de vigilância, inicialmente
baseadas na fotografia aérea em balões, usada na França já
em 1882, e posteriormente nos radares das aeronaves
usadas durante a II Guerra Mundial.
Origem da Internet também teve motivação militar, na
agência americana ARPA, na época da Guerra Fria.
16. Especificidade do meio digital
Eletricidade:
Para McLuhan, a
eletricidade é tato.
Isto é ela estimula
todos os sentidos,
“exige a participação
e o envolvimento de
todo o ser”.
(McLuhan)
17. Especificidade do meio digital
Outra dimensão perceptiva
e cognitiva
Conectividade
Abrangência das conexões
Velocidade
Favorecimento das
estratégias colaborativas
“Qualquer um que esteja on-line é, de fato,
parte de um hipertexto mundial. [...] A
mente elétrica é verdadeiramente pós-
escrita no sentido que pode dar-se ao luxo
de conhecer sobre si própria e sobre a
mente escrita, ela pode combinar o privado
e o coletivo em uma única entidade, a
conectiva, sem ameaçar uma à outra.” (De
Kerckhove, 2003, p. 9)
18. A escrita autômata
Para Manovich, a cultura digital é marcada
por cinco princípios:
representação numérica
modularidade
automação
variabilidade
transcodificação
19. A escrita autômata
Representação numérica é a base do meio digital, onde
tudo pode ser reduzido à combinação de 0 e 1. Deste modo
todos os signos são quantificáveis e manipuláveis por
algoritmos.
Modularidade, ou estrutura fractal da mídia, é a
manutenção da mesma estrutura em diferentes escalas do
objeto, sejam elas caracteres, pixels ou scripts, que
continuam a manter sua identidade no todo e nas partes.
As duas primeiras tendências possibilitam a terceira: a da
automação, que representa a intervenção direta e
autônoma do computador na produção em meio digital.
20. A escrita autômata
A escrita autômata ocorre
de diversas maneiras
Uma delas é através da
ação de bots, ou robôs, em
edições da Wikipédia
Responsáveis por
significativa parte das
edições – de 10 a 30%
Há atualmente 685 robôs na
versão inglesa e 180 na
lusófona
21. A escrita autômata
As funções dos bots na
Wikipedia são:
Editoriais – criar e apagar
páginas; conferir links etc
De vigilância – detectar,
apagar e denunciar a ação
de spam e vandalismo.
Uma prótese
operacional/cognitiva
Atuação também ligada ao
controle, em consonância
com sua genealogia militar
22. A escrita autômata
Máquina semiótica:
mais do que mero processador e
armazenador de informações
um manipulador de signos, capaz de dar
um sentido inédito à construção textual.
a partir de um campo de virtualidades,
um texto possível, mas não
necessariamente previsível, é criado
24. Finalizando
O método da investigação histórica com base no conceito de
remediação permitiu perceber que:
Características tidas como inéditas do texto eletrônico –
como a intertextualidade, a interatividade, a abertura e a
fluidez, por exemplo – são na verdade remediações de
práticas de escrita mais antigas
Por outro lado, possibilitou também identificar sua
especificidade: a conectividade e a automação
A pesquisa agora segue com a realização de estudos
empíricos – na Wikipédia e no Overmundo – que possam
fornecer mais elementos para a compreensão da produção
textual colaborativa nas redes de comunicação