O documento descreve os protocolos clínicos para o tratamento da crise tireotóxica ou tempestade tireoidiana, incluindo suas principais causas, sintomas, diagnóstico e abordagem terapêutica urgente requerida para prevenir complicações e mortalidade. O tratamento envolve medidas de suporte, bloqueio da síntese hormonal, redução da liberação de hormônios e inibição de sua conversão periférica, com monitoramento intensivo devido à gravidade da condição.
O INDIVÍDUO QUE APRESENTA HIPERTIREOIDISMO SUBCLÍNICO RARAMENTE EVOLUI PARA H...
Protocolos clínicos para crise tireotóxica (CT
1. PROTOCOLOS CLÍNICOS DA COOPERCLIM – AM
CRISE TIREOTÓXICA
AUTORA: KETTYUSCIA COELHO E OLIVEIRA
1 – RESUMO
A crise tireotóxica (CT) ou tempestade tireoidiana é uma entidade clínica que
representa a exacerbação grave de um estado hipertireoideano prévio. O principal fator
precipitante são as infecções. O diagnóstico de CT é basicamente clínico. Dentre as
principais manisfestações clínicas , destacam-se: hipertermia, sudorese, taquicardia,
agitação, tremor e delírio. O tratamento deve ser instituído imediatamente após a
suspeita clínica, independente dos resultados laboratoriais, pois a demora no ínicio do
tratamento pode ser fatal. As taxas atuais de mortalidade variam entre 7% a 28%. O
presente artigo propõe uma visão prática no diagnóstico e conduta do paciente com crise
tireotóxica.
2 – INTRODUÇÃO
A crise tireotóxica (CT) é uma entidade clínica rara, responsável por 1% a 2%
das admissões hospitalares por tireotoxicose, representa a exacerbação grave de um
estado hipertireoideano prévio. As taxas atuais de mortalidade variam entre 7% a 28%.
3 – ETIOLOGIA
A principal etiologia da CT é a doença de Graves, mas pode ocorrer, também,
nos casos de bócio uninodular ou multinodular tóxico. Ainda pode ser vista em
indivíduos cujo hipertireoidismo não fora diagnosticado.
4 – PATOGENIA
Condições associadas com o rápido aumento nos níveis dos hormônios tireoideanos
Cirurgia de tireóide
Suspensão do tratamento com drogas antitireoideanas
Iodoterapia radioativa
Palpação vigorosa da tireóide
Traumatismo na região cervical
Uso de contrastes iodados
Uso de doses excessivas de L- tiroxina
2. Condições associadas com doença não-tireoideana aguda ou subaguda
Infecção
Procedimentos cirúrgicos diversos
Acidente vascular cerebral
Tromboembolismo pulmonar
Parto
Cetoacidose diabética
Estresse emocional
Hipoglicemia
Trauma
Insuficiência cardíaca congestiva
Intoxicação por salicilatos
Tab. 1. Fatores Precipitantes de Crise Tireotóxica.
Os mecanismos pelos quais esses fatores levam à descompensação do estado
prévio de hipertireoidismo até a situação clínica grave de tempestade tireoideana ainda
não são bem conhecidos. Um aumento súbito dos níveis de hormônios livres circulantes
poderia ser responsável pelo desencadeamento da CT (diminuição da ligação do T4 com
a globulina ligadora da tiroxina). Há evidências de que na tireotoxicose o número de
sítios ligantes para as catecolaminas está aumentado. Também pode ser explicada pela
liberação de citocinas e distúrbios imunológicos agudos causados pelas condições
precipitantes.
5 – DIAGNÓSTICO
4.1 – Quadro Clínico
Dentre as manifestações clínicas da CT, destacam-se: hipertermia,
sudorese, taquicardia sinusal ou arritmias, graus variáveis de insuficiência
cardíaca, náuseas, vômitos, diarréia, agitação, tremor e delírio (por vezes psicose
franca). Formas clínicas atípicas podem incluir: coma, estado epiléptico, apatia,
estupor, infarto cerebral não-embólico, confusão mental, insuficiência adrenal ou
hepática aguda e abdome agudo.
O diagnóstico é basicamente clínico, porém, o índice de Burch e
Wartfosky (Tab 2) pode se constituir em um guia útil, facilitando o pronto
reconhecimento de um quadro grave de tireotoxicose.
4.1.1 – Critérios Diagnósticos da Tempestade Tireoideana (Tabela 2)
Disfunção termorreguladora Disfunção cardiovascular
Temperatura Taquicardia
37,2-37,7 5 99-109 5
37,8-38.3 10 110-119 10
38,4-38,8 15 120-129 15
38,9-39,4 20 130-139 20
39,5-39,9 25 >140 25
>40 30
3. Efeitos sobre o sistema nervoso central Insuficiência cardíaca congestiva
Ausentes 0 Ausente 0
Leves 10 Leve 5
Agitação Edema Pedioso
Moderados 20 Moderada 10
Delírios Estertores nas bases pulmonares
Psicose Intensa 15
Severos 30 Edema pulmonar
Crise convulsiva
Coma
Disfunção gastrointestinal-hepática Fibrilação atrial
Ausente 0 Ausente 0
Moderada 10 Presente 10
Diarréia
Náuseas e vômitos História desencadeante
Dor abdominal Negativa
Grave 20 Positiva 10
Icterícia inexplicável
Tab. 2. Escores: > 44: altamente sugestivo de tempestade tireoideana;
25-44: sugestivo de tempestade iminente;
<25: dificilmente será tempestade tireoideana.
4.2 – Achados laboratoriais
Os valores de T3 e T4 totais não diferem daqueles encontrados nos
pacientes com hipertireoidismo não-grave, porém, as frações livres desses
hormônios estão geralmente aumentadas. Os níveis de TSH estão suprimidos,
exceto nos raros casos de CT por secreção inadequada de TSH. Não existe um
valor dos hormônios tireoideanos acima do qual a CT invariavelmente ocorra. A
captação de Iodo 131 em duas horas pode ser utilizada para a confirmação de
hiperfunção tireoideana. A hiperglicemia pode ocorrer pelo aumento da
glicogenólise hepática e pela ação inibitória das catecolaminas sobre a liberação
de insulina. O hemograma pode mostrar discreta leucocitose com pequeno
desvio para esquerda. Os eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, fósforo)
apresentam-se, em geral, dentro dos valores normais. Pode ocorrer discreta
hipercalcemia. As provas de função hepática estão geralmente alteradas.
6. TRATAMENTO
O paciente deve ser monitorizado, preferencialmente, na unidade de terapia
intensiva durante as fases iniciais da terapia. O início do tratamento é sempre baseado
no quadro clínico, não se deve esperar a confirmação laboratorial, pois a demora no
início do tratamento pode ser fatal.
6.1 – Medidas Gerais de Suporte
6.1.1 – Redução da febre
A temperatura deve ser mantida <39C, podem ser utilizadas compressas
e toalhas úmidas, paracetamol, acetaminofen e, se necessário, meperidina. NÃO
USAR ASPIRINA, pois esta droga compete com o T3 e o T4 na sua ligação com
as globulinas transportadoras (TBG) , o que elevaria os níveis livres desses
hormônios na circulação.
4. 6.1.2 – Correção dos distúrbios hidroeletrolíticos.
A reposição cuidadosa de fluidos (colóides ou cristalóides) deve ser feita
nos casos de hipotensão. A solução glicosada pode ser utilizada com os
seguintes objetivos: suporte nutricional, redução do catabolismo protéico e
reposição dos estoques de glicogênio hepático.
6.1.3 – Oxigênio (sob cateter nasal)
6.1.4 – Diuréticos e Digitálicos podem ser necessários nos casos de falência
cardíaca.
6.1.4 – Tratamento dos fatores desencadeantes.
Deve-se rastrear focos infecciosos através de culturas de sangue, urina,
escarro e raio X de tórax. O uso de antibioticoterapia empírica é controverso.
Se for necessário sedação, o fenobarbital é a droga de escolha, pois
acelera o metabolismo periférico e inativa o T3 e T4.
6.2 – Controle do Hipertireoidismo
6.2.1 – Bloquear a síntese hormonal intratireoideana
Propiltiouracil (PTU): 200 mg 4/4h ou 6/6h (VO ou SNG) ou
Metimazol: 20 - 30 mg 6/6h ou 8/8h
O PTU é preferível ao metimazol porque possui a ação adicional de inibir
a conversão periférica de T4 em T3.
6.2.2 – Lentificar a liberação de T3 e T4
Iodeto: solução de lugol, 10 gotas 8/8h
Solução saturada de iodeto de potássio 5 gotas 6/6h ou 8/8h
A inibição da proteólise do colóide e consequente não liberação de T3 e
T4 para a corrente sanguínea pode ser obtida com o uso do iodo inorgânico
(efeito de Wolff-Chaikoff), porém, esse efeito paradoxal é transitório, sendo seu
uso restrito à fase aguda grave. É essencial que o tratamento com iodo não
seja iniciado até que um bloqueio efetivo da síntese hormonal tenha sido
estabelecido com o uso dos antitireoideanos (geralmente após 1 a 2 horas
após a sua administração). Pacientes com história de alergia ao iodo podem ser
tratados de forma alternativa com carbonato de lítio: 300 mg 6/6h VO (manter
litemia em 0.1 mEq/L).
6.2.3 - Bloquear os efeitos adrenérgicos
Propranolol VO: 40-80 mg de 4/4 ou 6/6h
EV: inicial 0.5 a 1 mg (em 10 min) – seguido de 1-
3mg a cada 3h, sob monitorização cardíaca contínua. Devem ser evitados nos
casos graves de insuficiência cardíaca. Os - bloqueadores inibem a ação
periférica das catecolaminas e também podem bloquear a conversão periférica
do T4 em T3. O esmolol, agente 1- agonista seletivo de curta ação, tem sido
usado com sucesso na CT, principalmente para aqueles pacientes em que os
agonistas 2 podem ser deletérios (ex. Asma), na dose de 250-500µg/Kg/min e
sucessivamente com infusão contínua de 50-100µg/Kg/min. Outra opção quando
5. o propranolol for contra-indicado, são os bloqueadores dos canais de cálcio
como o Diltiazem.
6.2.4 – Inibir a conversão periférica de T4 em T3
Glicocorticóides: dexametasona, 2mg EV 6/6h ou Hidrocortisona 300 mg
em dose de ataque, seguido de 100 mg 6/6h.
A meia-vida dos glicocorticóides é marcadamente reduzida na
tireotoxicose severa, então o suporte da adrenal pode ser insuficiente. Após
melhora do quadro (geralmente após 1 semana), os glicocorticóides devem ser
retirados gradualmente.
6.2.5 – Reduzir a quantidade de hormônios circulantes
Propranolol, plasmaférese, exsanguineotransfusão, diálise peritoneal.
A colestiramina ou colestipol (20-30g/d) podem ser utilizados, pois se
ligam ao T4 no intestino durante a circulação entero-hepática, e aumentam a sua
excreção.
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