PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
O cupuaçu na doçaria: descubra suas inúmeras aplicações
1. UNVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
REIKO MIURA
O CUPUAÇU NA DOÇARIA: OS DIFERENTES FAZERES E
SUAS POTENCIALIDADES
São Paulo
2008
2. 2
REIKO MIURA
O CUPUAÇU NA DOÇARIA: OS DIFERENTES FAZERES E
SUAS POTENCIALIDADES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como exigência parcial para a obtenção de título
de Pós-Graduação em Padrões Gastronômicos da
Universidade Anhembi Morumbi
Orientadora: Lucia Helena Soares
São Paulo
2008
3. 3
Miura, Reiko.
O cupuaçu na doçaria: os diferentes fazeres e suas potencialidades - 2004
177 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação em Padrões Gastronômicos) -
Universidade Anhembi Morumbi, 2008.
Bilbiografia: f. 86
1. cupuaçu, 2. Pará, 3. Belém, 4. culinária paraense, 5. fruticultura paraense
4. 4
Dedico este trabalho a todos os pesquisadores e
pesquisadoras que se dedicam a estudar formas
de melhorar a co-existência dos seres humanos
com a natureza.
5. 5
AGRADECIMENTOS
A todos os que responderam aos questionários e aceitaram os pedidos de entrevista: Adriana
Cymes, Alaíde Paez e Silva, Alex Atalla, Amelinha Bichara Ribeiro das Mercês, Ana Folha,
Ana Maneschy, Bianca Pio, Célia dos Santos Lopes, Daniela Martins, Denise Ribeiro
Bacelar, Fábio Federico, Fafá de Belém, Fernando Gonçalves Dias, Graça Peres, Inês de Lima
Cardoso, Iolane Tavares, Iracema de Moraes Vieira, Isa Jinkings, Isabel Vieira Busman,
Ivanise Mesquita, Jerônima Barbosa, Joaceli Contente Tavares, Joana Batista Irinéia
Carvalho, Margarita Maria Aguirre, Maria da Glória Patello de Moraes, Maricilda P. de
Barros Borges, Mércia Reche Fontoura, Ofir Oliveira, Olderina Moreira, Olinda Mendes,
Regina Joele, Rodrigo Oliveira, Rosa Moreira, Sandra Rosa, Suelene Pavão, Vanessa
Mastorillo, Vera Paoloni, Vera Ruth de Carvalho Fidalgo, Veronica Mello, Vilma Célia
Alves.
Às bibliotecárias do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Universidade Federal do Pará e da
Fundação Cultural do Pará, em Belém, que prontamente ofereceram inúmeras sugestões de
leitura dos respectivos acervos, todas orgulhosas em auxiliar na pesquisa de um produto de
sua região.
A Alfredo Homma e Urano de Carvalho, pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental, pelo
fornecimento de todas as informações técnicas sobre o ciclo do cupuaçu e documentos
enviados. A Clóvis Eduardo de Souza Nascimento, pesquisador da Embrapa Semi-Árido, pela
localização e envio de documento fundamental para este trabalho. A Geraldo Tavares, da
Secretaria de Agricultura do Estado do Pará, pelas informações oficiais do Estado.
Aos amigos e amigas que, pacientemente, apóiam minha empolgação com as maravilhas
ainda desconhecidas deste país, em especial, aos paraenses João Cláudio Tupinambá Arroyo,
Betânia Fidalgo e Mira Arroyo.
A Silvestre Silva pela cessão de foto, a Natalina Ribeiro por ceder fotos e oferecer sugestões,
a Thais Costa pela versão para o inglês e pela amizade, a Vilma Bokany, pela ajuda com os
gráficos, a Carmen Garcez pela leitura e inúmeras sugestões.
A Ricardo Maranhão, por compartilhar seu vasto conhecimento, por instigar novas buscas e
pelo apoio constante.
A Lucia Soares, orientadora e incentivadora de minha curiosidade.
E, finalmente, a todos que tornaram possível essa investigação, seja por meio do fornecimento
de contatos, seja pelas inúmeras informações enviadas sobre o cupuaçu.
6. 6
A vida não tem ensaio
mas tem novas chances
Viva a burilação eterna, a possibilidade:
o esmeril dos dissabores!
Abaixo o estéril arrependimento
a duração inútil dos rancores
Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente
e a virgindade dos dias que virão!
(Elisa Lucinda)
7. 7
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de apresentar o cupuaçu, fruta nativa da Amazônia, e
analisar sua utilização no dia-a-dia dos moradores do Pará e suas potencialidades na doçaria
brasileira. A descoberta de propriedades de sua semente igualáveis às do cacau e também
aplicáveis à cosmética fez crescer o interesse de indústrias pela fruta, tanto no Brasil como no
exterior, como atestam as patentes requeridas no Japão, Inglaterra e Estados Unidos. No
presente trabalho serão apresentados os diferentes usos do cupuaçu, um breve receituário
mostrando as distintas formas de aplicação nos mesmos produtos, e, finalmente, a
potencialidade de sua utilização na doçaria.
Palavras-chave: cupuaçu, Pará, Belém, culinária paraense, fruticultura paraense
8. 8
ABSTRACT
This work aims to present cupuaçu, a fruit derived from a tropical rainforest tree of the same
name that is very common in the Amazon, and analyze how it is used by native people in Pará
on a daily basis and its potential use in Brazilian confectionery. The discovery that its seeds
have properties similar to those of cacao, which can also be applied in cosmetics, made
Brazilian and foreign industries more and more interested in the fruit, as it is proven by
patents required in Japan, England, and the United States. This work presents different uses of
cupuaçu, a few recipes showing various ways of application in the same products and, finally,
its potential use in confectionery.
Key words: cupuaçu, State of Pará, Belém, cuisine from Pará, fruit growing in Pará
9. 9
LISTA DE TABELAS
TABELAS
Tabela 1 - Patentes sobre produtos das plantas amazônicas requeridas em diversos países
desenvolvidos
Tabela 2 - Patentes sobre o cupuaçu
Tabela 3 - As frutas comestíveis da Amazônia
Tabela 4 - Produção de frutas tropicais – 2006
Tabela 5 - Crescimento do valor das exportações
Tabela 6 - Fruticultura paraense – Evolução (em 10 anos)
Tabela 7 - Produção de cupuaçu no Pará - Cultivos racionais (em 10 anos)
10. 10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Proporção de açúcar em relação à polpa
Gráfico 2 - Os doces dos paraenses
Gráfico 3 - Com quem aprenderam os paraenses
Gráfico 4 - O cupuaçu pode ser utilizado em novas formulações culinárias/Quantos já
inovaram no uso da fruta
11. 11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 – Frutas comestíveis da Amazônia - no sentido horário: açaí, abricó, jambo rosa,
jenipapo, biribá, castanha-do-pará – Fonte: a autora, 2008.
Foto 2 – Complexo do Ver-o-peso - reflexo da produção paraense, da pesca, da fruticultura e
das tradições – Fonte: a autora, 2008.
Foto 2a: Complexo Ver-o-peso – a herança indígena presente em utensílios como os
paneiros, e nos temperos como as inúmeras pimentas. Fonte: a autora (2008)
Foto 3 – Cupuaçu em seu formato mais comum – Fonte: Silvestre Silva, 2008.
Foto 4 – A casca ferruginosa esconde e protege a polpa e a semente – Fonte: a autora, 2008.
Fotos 5 e 6 – O cupuaçu em seu formato mais comum – Fonte: a autora, 2008.
Fotos 7 e 8 – No interior da casca, encontra-se a polpa compacta, envolvendo de 25 a 30
sementes – Fonte: a autora, 2008.
Fotos 9 e 10 – Caroços despolpados de cupuaçu e a polpa cortada – Fonte: a autora, 2008.
Foto 11 – Reprodução de capas de publicações sobre o cupuaçu – Fonte: a autora, 2008.
Foto 12 – Produtos à base de cupuaçu à venda no mercado paraense – Fonte: Natalina
Ribeiro, 2008.
Foto 13 – Reprodução de páginas da Revista Natura, ciclo setembro 2008 e setembro 2007 –
Fonte: a autora, 2008.
Foto 14 – Cupuaçu aberto – Fonte: a autora, 2008.
Foto 15 – A polpa de cupuaçu congelada é o produto mais facilmente encontrado nos
mercados fora da Amazônia – Fonte: a autora, 2008.
12. 12
LISTA DE TERMOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA
bavaroise – creme doce gelado, feito com gelatina batida e creme de leite
bowl – tigelas de aço inoxidável, bons condutores de calor e do frio
bricelet – biscoito doce
brioche – pão leve, adocicado, de massa levedada, que leva manteiga e ovos
champagne (biscoito) – feitos com um merengue enriquecido com gemas.
chantilly – creme de leite batido com açúcar
charlotte – sobremesa enformada, preparada com camadas de bolachas champagne e creme,
servida gelada.
cheesecake – torta com base de queijo, coberta de creme batido, geléia e outras coberturas
chef - cozinheiro chefe
coulis – purê ou calda espessa, peneirada
cream cheese – queijo cremoso
fondant - espécie de calda de açúcar aromatizada, usada para confeitar
fouet – batedor manual de arame
ganache – mistura cremosa de chocolate
light – preparação com menor teor de algum ingrediente como gordura, caloria, açúcar etc.
macaron – espécie de suspiro achatado, com chocolate e amêndoas em pó misturados à massa
magret – peito de pato
merengue – mistura de claras batidas com açúcar ou calda de açúcar
mil–folhas – doce preparado com massa folhada e recheado
mousse/musse – mistura leve e aerada, preparada com claras em neve e creme de leite
nappé – coberto com molho
parfait – sobremesa gelada à base de creme de leite.
pâte à choux - massa de bomba, carolina
pâtissier – confeiteiro
pavê – sobremesa que intercala creme com biscoitos umedecidos
quenelle – bolinho de vitela, peixe ou ave, parecido com almôndega
radiccio – verdura
silpat – folha de silicone, utilizado na confeitaria
sorbet – sorvete à base de água ou suco de fruta
soufllé/suflê – prato preparado com claras de ovos em neve para aerar e dar volume
tartelette – torta pequena
13. 13
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................14
1. O contexto amazônico, a culinária e a fruticultura paraense ....................................19
1.1 O “despertar” da Amazônia ...........................................................................................20
1.2. Biodiversidade e biopirataria ........................................................................................23
1.3. O dilema amazônico .....................................................................................................26
1.4. A culinária amazônica e paraense .................................................................................27
1.4.1. A herança indígena ....................................................................................................30
1.4.2. As influências portuguesa e africana .........................................................................33
1.5. A fruticultura na Amazônia ..........................................................................................36
1.5.1. A fruticultura paraense ............................................................................................. 39
2. O cupuaçu - características e aproveitamento.............................................................46
2.1. Características da fruta .................................................................................................48
2.2. Aproveitamento do cupuaçu .........................................................................................52
3 - Os diferentes fazeres do cupuaçu ................................................................................60
3.1. Os fazeres do cupuaçu pelos paraenses ........................................................................62
3.1.1. Técnicas e observações ..............................................................................................63
3.1.2. Os ingredientes mais utilizados .................................................................................64
3.2. Os doces dos paraenses .................................................................................................67
3.3. Com quem aprenderam os paraenses ............................................................................68
3.4. As possibilidades de inovação e aceitação da fruta ......................................................70
3.5. Os novos e diferentes fazeres do cupuaçu ....................................................................72
3.6. As inovações de chefs e doceiras(os) ...........................................................................74
3.7. O paladar nacional a ser conquistado ...........................................................................79
4. Conclusões ......................................................................................................................83
5. Bibliografia .....................................................................................................................86
ANEXOS
ANEXO 1 - Teor da lei 11.675 - Cupuaçu é fruta brasileira ..............................................92
ANEXO 2 - Questionário utilizado para entrevistas com residentes no Pará .....................93
ANEXO 3 - Questionário utilizado para entrevistas com chefs e doceiras/os.....................94
ANEXO 4 - Selo “Cupuaçu” da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos...................95
APÊNDICE
APÊNDICE 1 - Breve receituário do cupuaçu.....................................................................96
14. 14
INTRODUÇÃO
Ao apresentar seu livro Cozinha amazônica, Osvaldo Orico (1972, p. XVI) escreveu:
O que nos move, sobretudo, a escrever esta obra, é o lado sentimental que,
em todo indivíduo, aumenta as marcas deixadas pelas paisagens, costumes e
gulodices da infância: o açaí de depois-do-almoço, a chuva das duas da
tarde, o tacacá das quatro, os sorvetes de cupuaçu e taperebá da terrace do
antigo Grande Hotel e, ainda, os casquinhos, pastéis e unhas de caranguejo
das barracas de palha da festa de N. S. de Nazaré.
São essas lembranças que deixam suas marcas no indivíduo, que por sua vez as carrega por
toda sua vida. Tanto a culinária como as frutas são elementos de uma cultura que marcam
diferentes estágios da vida de cada cidadão.
O Brasil recebeu uma rica herança daqueles que formaram nosso país: os índios, os
portugueses, os escravos africanos e os imigrantes. E muita coisa ainda está para ser
conhecida pelos brasileiros. Uma delas é a farta variedade da fruticultura brasileira, da qual
pouco conhecemos, principalmente aquela nativa da Amazônia. Poucas frutas da região
ganharam notoriedade fora de seu habitat. Ao guaraná e ao açaí, por exemplo, são atribuídas
propriedades energéticas e de força – razão pela qual são largamente consumidos no país e já
demandados no exterior.
E esta é minha principal intenção ao elaborar o presente trabalho: difundir uma fruta nativa da
Amazônia e mostrar que é viável a sua introdução nas mesas brasileiras. O cupuaçu foi a fruta
escolhida por possuir aroma forte e sabor marcante.
Inicialmente, será apresentado o contexto amazônico no qual a fruta se insere, a culinária
regional e suas características, além das frutas nativas da Amazônia e sua importância para a
15. 15
região. Naturalmente aqui não se pretende esgotar o vasto tema da Amazônia, mas sim
contextualizar o cupuaçu dentro de seu universo original.
Num segundo momento, será feito um apanhado geral sobre a fruta. Serão expostos as
características e o ciclo de vida do cupuaçu, aí incluindo o aproveitamento de todas as suas
partes. Também será feito um breve apanhado sobre a utilização da fruta em áreas como a da
indústria cosmética.
As diferentes formas de aplicação do cupuaçu na doçaria, por paraenses que trabalham fora,
são o foco da terceira parte do trabalho. Buscou-se conhecer os hábitos atuais de uso da fruta
no Pará, sobre a manutenção ou não dos “fazeres” tradicionais e as inovações. São registradas
formas de utilização do cupuaçu em cada doce mais comum na mesa paraense e também nas
inovações. A opinião de chefs e doceiras a respeito da potencialidade da fruta também será
abordada aqui. Setenta receitas com diferentes preparos do cupuaçu – recebidas de paraenses,
fornecidas por doceiras/os e captadas em livros publicados e na internet – estão reunidas no
APÊNDICE 1 – Breve receituário do cupuaçu.
E, por fim, as conclusões.
Para a elaboração deste trabalho, foram consultados livros, notícias publicadas em jornais,
teses e dissertações de diversas universidades, revistas, além de sites da internet etc., que se
encontram devidamente identificados ao final. A literatura sobre o cupuaçu resume-se a
artigos e cadernos técnicos de órgãos de pesquisa e de incentivo ao empreendedorismo. Ficou
evidente que ainda é necessária a elaboração de publicações sobre a fruta e seu potencial. Até
mesmo fontes sobre a gastronomia amazônica são escassas. Vale, no entanto, destacar três
obras cujo valor foi inestimável para a elaboração deste trabalho: Panorama da alimentação
indígena − Comidas, bebidas & tóxicos na Amazônia brasileira, do biólogo Nunes Pereira,
16. 16
Cozinha amazônica, do escritor Osvaldo Orico, e História da alimentação no Brasil, do
historiador, antropólogo e folclorista Câmara Cascudo.
A pesquisa de campo partiu da elaboração de dois questionários. O primeiro foi dirigido a
pessoas que vivem no estado do Pará e fazem uso do cupuaçu nos seus doces (ANEXO 2).
Procurou-se conhecer os costumes relacionados à elaboração dos doces, desde as produções
preferidas, o modo de preparo, a origem do aprendizado e a percepção quanto à utilização da
fruta de forma inovadora. Essa escolha recaiu sobre aqueles que trabalham fora porque
inicialmente os questionários eram enviados por correio eletrônico e os que contavam com
esse meio eletrônico o acessavam no trabalho. Posteriormente, as entrevistas foram realizadas
também por telefone, mantendo o quesito trabalho fora de casa e uso do cupuaçu. As
respostas que chegaram por correio eletrônico foram 15, e por telefone foram obtidas 14
entrevistas. Os contatos foram fornecidos por amigos de São Paulo, de Belém e outras
cidades, por pessoas que estiveram presentes à procissão do Cirio de Nazaré realizado em São
Paulo, no dia 12 de outubro de 2008, e por associados do Convivium São Paulo do
movimento Slow food, do qual faço parte.
O segundo questionário foi dirigido aos chefs e às chefs, doceiras e doceiros que usam o
cupuaçu, independentemente do estado brasileiro em que vivem (ANEXO 3). Procurou-se
conhecer a utilização do cupuaçu, a percepção quanto à potencialidade da fruta e as
alternativas para viabilização de sua difusão no país. As respostas foram obtidas por correio
eletrônico e também por entrevistas pessoais e por telefone.
A grande ausência neste trabalho é o chef Paulo Martins, do restaurante Lá em Casa, de
Belém, reconhecidamente um dos maiores divulgadores da cultura paraense, assim como o foi
D. Anna Maria Martins, falecida em dezembro de 2007, orientadora da Apostila do Senac
AR-PA, utilizada aqui. Problemas de saúde impediram o contato telefônico ou pessoal da
17. 17
autora com o chef paraense de julho de 2008 até o momento do fechamento deste trabalho
(novembro de 2008). Foram utilizados para suprir essa ausência o livro Culinária paraense
(Coleção Sabores do Brasil) de sua autoria e as entrevistas dadas a sites especializados.
O presente trabalho está inscrito no Centro de Pesquisas em Gastronomia Brasileira por tratar-
se de investigação sobre fruta nacional e poderá suscitar novos estudos a partir das
informações colhidas e analisadas.
18. 18
“A gente do interior vive mesmo é de
farinha de mandioca e de peixe. Mas
quando a farinha acaba e quando peixe
escasseia, são as frutas que apaziguam a
fome e garantem a sobrevivência das
populações ribeirinhas, particularmente a
das crianças. Cupuaçu, o veludo
perfumado da casca do estojo ovalado
onde se abrigam os bagos carnudos, o
menino fica um tempão chupando o
caroço, o sumo nunca se acaba.” (Thiago
de Mello, 1981)
19. 19
1 O CONTEXTO AMAZÔNICO – OS INTERESSES MULTINACIONAIS E O
DILEMA AMAZÔNICO
O complexo amazônico ou o mundo tropical amazônico, como define Reis (1972, p. 15),
estende-se por seis nações: Brasil, Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela,
constituindo esse mundo típico 2/5 do território sul-americano, com uma
bacia hidrográfica que totaliza seis e meio milhões de quilômetros quadrados
e com uma cobertura florestal que corresponde, nesse particular, à maior
extensão continuada de investimento de toda a terra. [...] No particular do
nosso país, a Amazônia brasileira compreende cerca de 2/3 da área do Brasil,
isto é, 5.030.109 quilômetros quadrados, estando representada nessa área
40% da reserva florestal do Brasil.
A Amazônia desperta diferentes reações no mundo todo. Por um lado ela é curiosa, mítica,
lendária, habitada por seres mitológicos; em seu interior encontrar-se-ia o El Dorado e as
amazonas, mulheres guerreiras, de muita coragem. Por outro lado, ela é rica em
biodiversidade, possui reservas extrativistas de madeira, borracha, pesca, frutas, além das
plantas cujas propriedades fitoterápicas são utilizadas pela indústria farmacêutica e cosmética.
Há, portanto, um mundo a ser explorado e no qual estariam embutidas altas fontes de lucro.
Essa cobiça sobre a região amazônica é registrada por Maranhão & Keating (2008, p. 216):
Franceses, holandeses e ingleses tomaram a dianteira. No começo, era o
fascínio pela lenda do Eldorado que atraía aventureiros desses países; depois,
eles se interessaram também em estabelecer plantations e feitorias: são
exemplos típicos as fazendas de urucum – planta que os indígenas usavam
para pintar o corpo e que servia também como condimento – estabelecidas
pelos britânicos, auxiliados por irlandeses, bem como as feitorias holandesas
de Nassau e Orange, no rio Tapajós, que negociavam ervas e drogas com os
nativos.
Após a fixação dos portugueses, em 1632, a Amazônia tem seu boom durante o ciclo da
borracha, que levou milhares de brasileiros, principalmente da região Nordeste para trabalhar
na indústria do látex. Eram os “soldados da borracha”, conforme relata Verónica Secreto
20. 20
(2007) que conta a história a partir das cartas das mulheres desses trabalhadores ao então
presidente da República Getúlio Vargas.
1.1 O “despertar” da Amazônia
O “despertar” brasileiro para a questão amazônica teve quatro momentos importantes: a
construção da rodovia Transamazônica; o assassinato do líder sindical Chico Mendes 1; a
realização da Conferência Eco92 no Rio de Janeiro, que decidiu instituir a Agenda 21; e a
instituição do Fórum Social Mundial e realização de quatro edições no país.
A construção da Transamazônica foi definida em 1970, como parte do Programa de
Integração Nacional, que previa também a construção da rodovia Cuiabá-Santarém. “A
Transamazônica ligaria o ponto mais oriental da América do Sul – o Cabo Branco no
Atlântico – à rede rodoviária peruana, chegando-se assim ao Pacífico, após vencer a maior
floresta tropical do mundo, em seu próprio âmago” (Reis, 1972, p. 160). Joel Silveira (1985)
relata que a realidade da selva amazônica se impôs ao projeto faraônico: áreas de difícil
acesso, trabalhadores atacados por doenças, o isolamento, e o ciclo natural da floresta, com
chuvas intermitentes no período do inverno amazônico. Tudo isso contribuiu para a
paralisação do projeto, e deixou em seu rastro inúmeros problemas, e de diversas ordens.
1
O seringueiro Chico Mendes notabilizou-se como líder sindical a partir da fundação do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Brasiléia, em 1975, do Partidos dos Trabalhadores, em 1980, da Central Única dos
Trabalhadores em 1983 e na constituição do Conselho Nacional dos Seringueiros, em 1985, entidades nas quais
teve atuação permanente. Participava dos “empates”, promovidos pelos seringueiros para impedir os
desmatamentos da floresta. A mobilização constante dos trabalhadores rurais da Amazônia, a denúncia no Brasil
e no exterior da situação vivida pelos “povos da floresta”, a defesa da floresta e da criação das reservas
extrativistas, renderam a Chico Mendes processos na justiça, ameaças e perseguições, que culminaram no seu
assassinato em 22 de dezembro de 1988. (*Publicado na Revista "Chico Mendes" pelo STR de Xapuri, CNS e
CUT em janeiro de 1989), disponível em http://www.chicomendes.org/chicomendes01.php Segundo o
Ibama (http://www.ibama.gov.br/resex/amazonia.htm), na Amazônia existem hoje 12 reservas
extrativistas legalizadas e mais 16 estão em fase de estudo para implantação.
21. 21
O assassinato do líder sindical Chico Mendes em Xapuri-AC em 1988, ecoou na floresta
amazônica e fora dela, chamando a atenção do Brasil e do mundo para as idéias defendidas
por ele de preservar os recursos naturais da Amazônia, e de garantir vida digna ao povo que
vivia e trabalhava na floresta por meio da criação das reservas extrativistas. Chico Mendes
dedicou sua vida a conscientizar e alertar tanto moradores da região como a sociedade em
geral sobre os riscos de esgotamento desses recursos e da fonte de sobrevivência para
milhares de moradores da região (FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, 2003).
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED), ou
simplesmente ECO-92, aconteceu em junho de 1992 no Rio de Janeiro e reuniu representantes
de 175 países e de Organizações Não-Governamentais (ONGs). Entre os compromissos
adotados pela ECO-92 estão as convenções sobre Mudança do Clima, sobre Biodiversidade e
uma Declaração sobre Florestas. A Convenção da Biodiversidade foi aprovada por 156
Estados-membros e visava a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus
componentes e a divisão eqüitativa e justa dos benefícios gerados com a utilização de recursos
genéticos. A Agenda 21 foi o principal documento ratificado no encontro e incluiu ações que
os países que a ratificaram (todos os presentes a assinaram) se comprometiam para garantir
um padrão de desenvolvimento ambientalmente racional, sob a ótica da justiça social,
métodos de proteção ambiental e eficiência econômica (UnB, 2007). O pesquisador da
Embrapa Dalmo Catauli Giacometti (1993) ressalta:
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
[...] ao lançar a Convenção sobre a Biodiversidade despertou a consciência
de todos os povos sobre a necessidade urgente e inadiável de se conservarem
para as gerações futuras de 30 a 100 milhões de espécies de organismos,
entre as quais 250.000 de plantas superiores. Destas, 60.000 são nativas do
território brasileiro, incluindo-se entre elas cerca de 500 espécies frutíferas,
castanhas e palmeiras, na maioria pouco estudadas, embora tenham sido
descritas.
22. 22
O Fórum Social Mundial (FSM) 2 incluiu no temário de suas cinco edições, a questão da
sustentabilidade O acesso às riquezas e à sustentabilidade (2001 e 2002, em Porto Alegre);
Desenvolvimento democrático e sustentável, (2003, em Porto Alegre); Democracia,
segurança ecológica e economia (2004, em Mumbai, Índia); Afirmando e defendendo os bens
comuns da Terra e dos povos – Como alternativa à mercantilização e ao controle das
transnacionais (2005, Porto Alegre). O FSM 2009 será Pan-Amazônico e acontecerá em
Belém/PA, tendo também entre seus principais temas a sustentabilidade.
Passados vinte anos da morte de Chico Mendes, muita coisa mudou na Amazônia. Hoje é
considerada “o pulmão do planeta” pela vasta área de floresta em pé, e também pela fonte
abundante de recursos como a água. Desmatamentos, queimadas, degradação do meio
ambiente etc. passam a ser assuntos mundiais e não só nacionais. Mas os interesses de
diferentes países e empresas também são distintos em relação à Amazônia. A rica
biodiversidade que ali existiria e as possibilidades comerciais ainda a explorar fizeram crescer
o interesse de empresas que trataram rapidamente de requerer patente sobre recursos da
Amazônia, seja para utilização na indústria cosmética e na farmacêutica, seja na de alimentos.
O esgotamento dos recursos naturais, juntamente com o aquecimento global e a questão da
fome no planeta, entra na pauta de governos e organizações representativas da sociedade de
todo o mundo. Nessa situação se encontram as fontes de petróleo, de gás, de água, entre
outras. A Amazônia, por sua rica biodiversidade e pela abundância de recursos naturais como
a água, tornou-se o foco de uma parte dos países desenvolvidos que vêem ali alternativas para
suprir as crescentes demandas de consumo. Boaventura de Sousa Santos (2006) aponta a
biodiversidade como um dos cinco temas da atualidade que dizem respeito à cultura política
transnacional.
2
Fórum Social Mundial, site oficial: www.forumsocialmundial.org.br.
23. 23
De modo geral, a biodiversidade está hoje concentrada nos países do Sul
global e predominantemente em territórios que pertencem historicamente aos
povos indígenas. Enquanto os países tecnologicamente avançados procuram
alargar os direitos de propriedade intelectual e o direito das patentes à
biodiversidade, alguns países periféricos, movimentos sociais e organizações
não governamentais têm procurado garantir a conservação e reprodução da
biodiversidade através da atribuição de um estatuto especial de proteção aos
territórios, modos de vida e conhecimentos tradicionais das comunidades
indígenas e camponesas. É cada vez mais evidente que as novas clivagens
entre o Norte e o Sul se centrarão na questão do acesso à biodiversidade à
escala global.
1.2 Biodiversidade e biopirataria
Levantamento realizado em agosto de 2007 pela Embrapa registra 171 patentes requeridas em
diferentes países sobre produtos naturais da Amazônia brasileira. A castanha-do-pará, ou
atualmente nomeada castanha-do-Brasil, é a mais visada, com 73 pedidos, seguida do
Jaborandi, com 20, da vacina de sapo, com 10, do curare, com 9. O cupuaçu e a unha de gato
têm cada uma, 6 pedidos de patente. Até mesmo o jambu teve patente requerida por quatro
países.
24. 24
Tabela 1 – Patentes sobre produtos das plantas amazônicas requeridas em
diversos países desenvolvidos
Produto Número Países
patentes
Castanha-do-pará 73 USA
Andiroba 2 França, Japão, EU, USA
Ayahuasca (Banisteriopsis caapi) 1 USA (1999-2001)
Copaiba 3 França, USA, WIPO
Cunaniol (Clibatium sylvestre) 2 EU, USA
Cupuaçu 6 Japão, Inglaterra, EU
Curare (Espécies de Chondrodendron 9 Inglaterra, USA
Strychnos)
Espinheira santa (Maytenus ilicifolia) 2 Japão, EU
Jaborandi 20 USA, Canadá, Irlanda, WIPO, Bulgária, Rússia,
Coréia do Sul, Inglaterra, Itália
Amapá-doce (Brosimum parinarioides Ducke) 3 Japão
Piquiá [Caryocar villosum (Aubl.) Pers. 1 Japão
Jambu 4 USA, Inglaterra, Japão, EU
Sangue de drago (Croton lechleri) 7 USA, WIPO
Tipir (Octotea radioei) 3 Inglaterra, Canadá
Unha de gato (Uncaria ssp) 6 USA, Polônia
Vacina do sapo (P hyllomedusa bicolor) 10 WIPO, USA, EU, Japão
Fonte: HOMMA, 2007 3.
Em 2002, a empresa japonesa Asahi Foods registrou a patente da marca cupuaçu – perdendo-
a posteriormente, em função de um forte movimento na região Norte de defesa da fruta
amazônica por parte de organizações governamentais e não governamentais como governos
estaduais, Embrapa, Grupo de Trabalho Amazônico, Amazonlink, entre outros. O movimento
classificava a ação da Asahi Foods como biopirataria e deflagrou a campanha “O cupuaçu é
nosso”. Essa movimentação chegou ao Congresso Nacional e, em 19 de maio de 2008, foi
sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 11.675, que institui o cupuaçu
3
HOMMA, A. K., 2007. Extrativismo, biodiversidade e biopirataria: como produzir benefícios para a
Amazônia. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2007. 97 p. (Texto para Discussão, 27), com base em
World Intellectual property Organization (WIPO), United States Patent Trademark Office, Instituto Nacional de
propriedade Industrial. Todos consultados em 5/08/2007.
25. 25
como fruta brasileira (ANEXO 1). Paralelamente foi necessária uma representação do
governo brasileiro à Organização Mundial de Comércio (OMC) para garantir ao país o direito
de uso do nome cupuaçu.
Mas disputas como a da propriedade da marca de frutas como o cupuaçu mostram o interesse
internacional pela fruta e suas potencialidades para utilização na indústria cosmética e
alimentícia. E essa disputa pelas patentes está longe de terminar. A Amazonlink publica em
seu site os pedidos de patentes existentes sobre o cupuaçu registradas nos mais diferentes
países.
Tabela 2 – Patentes sobre o cupuaçu
Número
Data de
Registrado (informação
Registrado por publi- Título
onde fornecida pela
cação
esp@cenet)
Cosmetic composition comprising cupuacu
The Body Shop 05/08/19
Reino Unido extract - (Composição cosmética incluindo GB 2321644A
International Pic* 98
extrato de Cupuaçu)
Lipids originating from cupuaçu, Method of
Asahi Foods Co., 30/10/20
Japão producing the same and use thereof - (Gordura JP 2001299278
Ltd* 01
do Cupuaçu – método para produzir e uso)
Oil and fat derived from cupuacu – Theobroma
grandiflorum seed, Method for producing the
Asahi Foods Co., 18/12/20
Japão same and its use - (Óleo e gordura derivados da JP2001348593
Ltd* 01
semente do cupuaçu – theobroma grandiflorum,
método para produzi-lo )
Fat originating in cupuassu seed, process for
Asahi Foods Co., União 03/07/20
producing the same and use thereof - (Produção EP 1219698A1
Ltd* Européia 02
e uso da gordura da semente do Cupuaçu)
Fat originating in cupuassu seed, process for
Asahi Foods Co., OMPI – 03/07/20
producing the same and use thereof - (Produção WO0125377
Ltd* mundial 02
e uso da gordura da semente do Cupuaçu)
Fat originating in cupuassu seed, process for
Cupuacu OMPI – 17/10/20
producing the same and use thereof - (Produção WO02081606
International Inc* mundial 02
e uso da gordura da semente do Cupuaçu)
Fonte: Elaborado e publicado por Amazonlink (2008). O site alerta que não identifica se as patentes requeridas
envolvem biopirataria.
26. 26
1.3 O dilema amazônico
A Amazônia vive hoje o dilema extrativismo x cultivos racionais, que coloca de um lado os
chamados “povos da floresta” moradores que vivem do extrativismo, ou seja, daquilo que a
floresta oferece em seus ciclos naturais, seja na fruticultura, seja na extração da madeira; e de
outro, aqueles que defendem a exploração racional dos recursos da floresta, mantendo o
máximo possível da floresta em pé. Há ainda uma terceira categoria que são os exploradores
puramente mercantis, que não têm nenhuma preocupação com a preservação desses recursos.
Nessa categoria enquadram-se parte dos madeireiros, dos garimpeiros, dos pecuaristas etc.
O geólogo Ab’Sáber (apud BORELLI, 2005) vê com preocupação o interesse internacional
sobre a biodiversidade existente na Amazônia e há muito vem alertando a sociedade para os
cuidados com nossos recursos.
Existe um enorme problema dos olhares do mundo em relação à Amazônia.
Há duas maneiras de se observar a Amazônia de fora: uma é a exigência da
preservação da biodiversidade em termos do possível, que se trata do
máximo de desenvolvimento com a floresta em pé – hoje eu diria com um
máximo de biodiversidade integrada no interior das matas remanescentes,
através de projetos ecologicamente auto-sustentáveis nas poucas áreas que já
sofreram devastação, como é o caso do projeto Reca e das flonas –, e a outra
é uma maneira insidiosa de separar a Amazônia do resto do Brasil em pleno
início do terceiro milênio para favorecer a dominação externa. Esse olhar
maldoso contra a soberania brasileira é que nos preocupa, porque depois da
invasão do Iraque por causa do petróleo, a tentativa de enquadrar a
Amazônia por processos indiretos é muito séria, é muito grave. Porque está
na ótica desses especuladores da pseudoglobalização o plano de ter recursos
hídricos que estão faltando. Depois dos recursos hídricos, os recursos
minerais que já foram comprovados com a questão da Serra do Navio e da
Serra dos Carajás, as quais receberam privatizações absurdas.
Em 1992, ano de realização da Conferência internacional Eco92, Ab’Sáber enfatizava que “o
mundo havia se conscientizado de que a Amazônia não se estragou demais e mantém uma
biodiversidade que, cada vez mais, representa riqueza, porque tem uma imensa potencialidade
27. 27
de recursos de interesse para o mundo inteiro.” Ab’Sáber cita entre os recursos naturais,
aqueles que podem ser utilizados pela indústria farmacêutica, por exemplo, o jaborandi.
(Ab’Sáber, 1992) 4.
Ainda sobre esse dilema vivido pela Amazônia, o pesquisador da Embrapa Amazônia
Oriental e professor visitante da Universidade Federal do Pará Alfredo Homma destaca que o
ciclo atual vivido pela região dificilmente se resolverá enquanto não forem tomadas decisões
mais globais. Se a decisão for a de promover somente o extrativismo, torna-se necessário
adotar medidas como a interrupção das pesquisas para domesticação5 das plantas, para
beneficiamento de recursos naturais; o plantio de espécies amazônicas em outros estados
brasileiros para atender demanda de madeira do mercado; e, principalmente, resolver a
questão da fome do Nordeste, no sentido de evitar as migrações internas.
Sobre esse “avanço” sobre a Amazônia e seus recursos, Alfredo Homma (2005) é incisivo:
A potencialidade da riqueza da região amazônica em biodiversidade (flora e
fauna) só tem utilidade se for efetivada a sua identificação, domesticação e o
seu plantio ou criação em bases racionais. Do contrário não adianta ser um
imenso almoxarifado de recursos genéticos e servir apenas para serem
carreados para outras áreas do país e do mundo, como já aconteceu para a
seringueira, cinchona, cacau, guaraná, cupuaçu, pupunha e dezenas de outros
produtos e depois ter que importar esses produtos beneficiados ou de apenas
compor alguns genes específicos para as culturas de países temperados. Com
o progresso da biotecnologia essas ameaças são cada vez mais passíveis de
serem efetivadas, pela vastidão territorial, pela falta de domínio tecnológico,
pela acessibilidade das populações interioranas, pela ignorância, tanto das
populações e muitas vezes das próprias autoridades competentes. É
4
Entrevista à Revista . Amazônia e desenvolvimento. Entrevista a Ricardo Azevedo e Paulo Vannuchi. in
REVISTA TEORIA E DEBATE, nº 18, maio, junho, julho 1992.
5
Domesticação, segundo Homma (2008, enviado à autora em 30/09/2008 por e-mail -
homma@cpatu.embrapa.br) “consiste em efetuar trabalhos de melhoramento genético, procurando privilegiar
tópicos de interesse econômico de uma planta como maior produtividade, plantas resistentes a doenças e pragas,
mais polpa, etc. No caso de cupuaçuzeiro, primeiro é a sua possibilidade de efetuar plantios racionais, outra a de
resistência a doenças, maior produtividade de polpa e de frutos/pé, etc.” Giacometti (1992) também destaca entre
os resultados que se procura alcançar com a domesticação: “melhorar o aspecto externo, principalmente
superfície e coloração; aumentar a percentagem de polpa pela redução do tamanho e número de sementes e
diminuição da espessura da casca; eliminar odores indesejáveis e diminuir a percentagem de látex (mangada,
abiu); melhorar a textura da polpa com eventual aumento da percentagem de suco; resistência ao transporte e
armazenamento e melhorar características industriais”.
28. 28
necessário que esses recursos sejam cultivados, beneficiados e
industrializados na própria região. O capital estrangeiro na Amazônia deve
ser estimulado no caso do aproveitamento dos recursos genéticos desde que
sejam investidos em pesquisas para transformá-lo em recursos econômicos,
desenvolvendo plantios e a sua industrialização na região. Há necessidade da
verticalização dos produtos da biodiversidade regional e não como mera
fonte de matéria prima. A redução do risco da biopirataria vai depender da
formação de um ativo parque produtivo da biodiversidade na região.
1.4 A culinária amazônica e paraense
A culinária paraense preserva os modos e os fazeres tradicionais dos indígenas, utilizando
ingredientes fornecidos pelos rios e matas da região. Até hoje os peixes são usados frescos e
moqueados (defumados), as frutas são consumidas frescas, os condimentos são retirados de
plantas nativas como a mandioca. O tucupi é um exemplo disso. Essa culinária está inserida
num contexto maior, que é a Amazônia. O escritor amazonense Márcio de Souza, autor de
livros cujo cenário é a Amazônia, afirma:
A cozinha amazônica evoca paladares ancestrais, quando o mundo era jovem
e os povos do grande vale construíam suas civilizações sem a presença dos
brancos. Um naco de tucunaré, uma garfada de paxicá de peixe-boi ou um
bocado de sarapatel de tartaruga, remetem à velha morada dos deuses dessas
terras do sem fim. É claro que hoje os novos deuses selvagens foram banidos
da terra, o status ontológico da Amazônia passou a ser traduzido pelo
potencial de energia elétrica de uma cachoeira ou na viabilidade econômica
de uma mina de manganês. Tartarugas e peixe-boi estão em processo de
extinção, graças a esta ideologia míope de progresso que nos chega truncada
e mal assimilada por tecnocratas de pouca imaginação e políticos
conformistas. (Souza, 2002, p. 10).
DÓRIA & ATALLA (2008) defendem o conceito de terroir amazônico, ou seja, a ligação de
sabor e lugar:
[...] a Amazônia, assim como a Índia, o México, a Tailândia ou o Japão,
também tem o seu sabor típico. De maneira geral entretanto, as pessoas não
sabem qual é. Apesar da universalidade do termo, seu sabor ainda está
encerrado em mistério ou desconhecimento. Portanto, a noção de terroir
amazônico exige, sobretudo, capacidade perceptiva e de síntese para que seja
possível efetivar um transporte para a experiência que se quer socializar
entre comensais. O terroir precisa mobilizar todos os sentidos para levar
alguém, através da degustação, ao universo ao qual está referenciado. [...] O
valor gastronômico é uma força conservacionista. Na medida em que a
Amazônia possa ser vista e apropriada como fonte de uma alimentação única
29. 29
no mundo, encerrando sabores valorizados por toda parte, é que a
gastronomia será mais um elemento na defesa da sua integridade. Um grande
exemplo nessa direção é a própria “domesticação" do cupuaçu, a partir das
variedades precoces desenvolvidas nos últimos tempos. Hoje é possível o
largo consumo do cupuaçu sem comprometer a sua reprodução natural, pois
a pressão por maior produção não recai sobre as florestas e, sim, sobre as
suas plantações extensivas que já se fazem até mesmo em outros estados fora
da região amazônica.
Entre a descoberta da Amazônia e a posse definitiva dos portugueses, costumes foram
incorporados mais pelos conquistadores, do que pelos habitantes locais. A esse respeito, o
escritor Márcio de Souza (2002) sentencia:
Mas a cozinha amazônica é a mais patente prova da superioridade cultural
das civilizações indígenas na Amazônia. Durante mais de duzentos anos,
entre 1530 e 1790, os europeus constataram a sua própria inferioridade. Para
sobreviver tiveram de se adaptar aos costumes da terra, despirem seus trajes
de veludo e suas armaduras pesadas e reencontrarem as roupagens da
primeira criação. É possível que esta superioridade cultural tenha arranhado
seriamente o narcisismo europeu, porque os índios sempre representaram
uma presença inquietante. Para os primeiros colonos portugueses eles eram
os senhores absolutos da região. Eram os índios − representantes de uma
humanidade considerada degradada pelos europeus − os únicos que haviam
conquistado o status de uma cultura que falava em todos os níveis de
linguagem da Amazônia. Apropriando-se dos métodos indígenas, os colonos
ao mesmo tempo fundaram as bases sociais da futura Amazônia,
estabeleceram um conflito. E este conflito preside ainda hoje a cultura da
região. Os índios, no entanto, nunca colocaram em risco a estabilidade do
meio ambiente amazônicos, enquanto a nossa cultura que se considera
superior, nem precisamos comentar as inúmeras agressões.
O historiador Leandro Tocantins (1982) compartilha dessa importância da apropriação dos
conhecimentos ancestrais pelos primeiros colonizadores para a ordem econômica:
O índio veio a ser não só o mais ponderável co-participante do melting pot,
mas também, valiosíssimo agente do processo econômico. Foi ele quem
instruiu o homem branco nas singularidades da terra, nos segredos da
floresta e das águas, ensinou a maneira prática de explorar as riquezas
naturais, maneira que, embora rústica ou primitiva, tinha a sua lógica, a sua
razão de ser, a experiência aprovada em um meio completamente estranho
ao europeu. Transmitindo a sua técnica de trabalho, colaborando nas tarefas
comuns à sociedade, o íncola tornou-se a peça mais importante na
30. 30
colonização amazônica, valorizado pela interferência cultural do
missionário.
1.4.1 A herança indígena
Entre os fazeres que o povo da Amazônia herdou dos índios estão o método de conservação
dos alimentos, por exemplo, por meio do moquém, que consiste na desidratação do peixe ou
da carne pela fumaça. MAUÉS & MOTTA-MAUÉS (1980) apontam o moquém como uma
das práticas mais comuns da comunidade de Itapuá, no interior do Pará, cujos hábitos
alimentares foram largamente analisados durante os anos de 1974 e 1975:
Para se preparar o peixe moqueado, lava-se o mesmo e passa-se um pouco
de sal, sendo em seguida colocadas algumas talas de palmeira sobre o fogo,
estendendo-se o peixe sobre elas com a parte de dentro (carne) voltada para
baixo, para assar através do calor do fogo, sem que o peixe entre em contato
direto com ele [...].
Outra herança é o assamento de carnes num buraco aberto no chão − o biaribi. Nesse método,
o buraco é forrado com folhas, sobre ela é depositada a carne também envolta em folhas. O
buraco é novamente coberto por folhas tampado com terra. Uma fogueira é acesa sobre essa
terra e ali permanece até que a carne esteja assada. Lody (2002, p. 21) explica o método e
alerta para o fato de que outras maneiras de preparar alimentos, mesmo antes da descoberta e
emprego da cerâmica, já eram adotadas por grupos indígenas. A utilização de varetas para
assar peixe ou caça diretamente no fogo é um exemplo disso.
O historiador Menezes (1977, p. 45-70) enriquece a Antologia da Alimentação no Brasil de
Câmara Cascudo ao registrar os pratos, os peixes, as caças, as bebidas e os modos de
abatimento, pesca, coleta e processamento de frutas e o uso dos recursos naturais na culinária
regional. Nos fazeres, Menezes identifica inúmeras características das práticas indígenas.
31. 31
Práticas presentes até a atualidade. Nunes Pereira (1974, p. 131) chama a atenção para a
cuieira, espécie vegetal a partir da qual derivam inúmeros objetos utilizados para beber água e
outras bebidas, guardar sementes e outros apetrechos. Sobre a cuia, Mário de Andrade
escreveu um artigo no qual mostra o caminho percorrido pelos índios até a cuia preta,
desenhada, que é vendida no Pará: “os índios levaram anos, centenas de anos, com a cuia
servindo mal, até que um dia descobriram o verniz de cumatê. E a cuia envernizada
apresentava agora um bonito polido negro e era objeto duradouro, impossível de bicho atacar”
(ANDRADE, 1939). E utensílios para uso diário que desde tempos remotos eram utilizados
pelos índios estão à venda no mercado Ver-o-peso, em Belém – cuias, peneiras de palha para
selecionar a farinha, o tipiti, usado para prensar a mandioca brava ralada e extrair o líquido do
tubérculo que depois de cozido dará origem ao tucupi, e os inúmeros paneiros (cestos nos
quais se transporta frutas, camarão seco, legumes e verduras).
Orico (1972, p. XIII) afirma que alguns historiadores e sociólogos como Gilberto Freyre
dividem o Brasil em três regiões ao considerar a fisiologia do gosto, ou seja, a culinária
brasileira seria representada pelas cozinhas nordestina, baiana e mineira. O historiador Orico
contesta Freyre quanto a essa classificação. Ele apresenta a diferenciação entre as três
cozinhas com a Amazônica, apontando, principalmente, as suas origens: enquanto a cozinha
nordestina e a baiana nascem e se enriquecem a partir das contribuições portuguesa e africana,
a amazônica é baseada na herança ameríndia ou ameraba. A culinária da Amazônia “é a única
mesmo que resiste a qualquer investigação sobre a natureza e identidade de seus pratos, dada
a circunstância de estar associada à terra e às águas da região, como parte integrante de sua
fisiografia” (ORICO, 1972, p. XV-XIV).
Tocantins (1982, p. 99) concorda com Orico (1972) e discorda de Freyre:
32. 32
No entanto, deve-se reabilitar a cozinha amazônica, pondo-a em pé de
igualdade às outras, tais os seus valores culinários e a variedade de alimentos
que proporciona à mesa e à sobremesa regionais. Uma coisa é certa: a
culinária amazônica está superior à mineira, em profusão de pratos, doces e
mingaus, bebidas, ritos, costumes, e imediatamente inferior à baiana e à
nordestina, das quais herdou muitas tradições de forno e fogão,
popularizadas pelos baianos, alagoanos, sergipanos, pernambucanos, rio-
grandenses do norte, paraibanos, cearenses, principalmente no Acre, onde é
maior a influência do Nordeste, em virtude das causas históricas e sociais de
sua conquista.
Essa identificação da culinária brasileira – nordestina, baiana e mineira -, segundo Orico, teria
se dado porque houve propaganda acentuada de determinadas culinárias, partindo de
personalidades ilustres que tinham o hábito de receber em suas casas e enaltecer a cozinha do
lugar, como por exemplo, Afranio Peixoto e Sodré Viana.
Escritores e artistas famosos também contribuíram para essa difusão. As frutas e os doces
foram perpetuados, por exemplo, por Jorge Amado, autor que ultrapassou as fronteiras da
Bahia e do Brasil. Apenas para citar alguns exemplos, o doce de mangaba aparece em Tereza
Batista, cansada de guerra; o doce de caju, em Jubiabá, Tereza Batista e Tocaia grande; a
jenipapada, em Tieta do Agreste; e a passa de caju, em Tieta do Agreste e Tocaia grande
(Costa, 1995).
Se os baianos tiveram sua culinária, seus frutos e doces foram perpetuados em prosa e verso,
o mesmo não aconteceu com os paraenses e demais habitantes da amazônica. Na literatura
nacional encontram-se poucos registros de lembranças de personagens que se permitem
alguns momentos de saudosismo, incluindo algum elemento da gastronomia regional. Thiago
de Mello, Márcio de Souza, e mais recentemente Milton Hatoun, são algumas exceções.
33. 33
1.4.2 As influências portuguesa e africana
É comum encontrar referências à culinária paraense como aquela que não teria recebido
nenhuma influência portuguesa ou africana. Porém, percebe-se nos fazeres paraenses,
influências externas que foram incorporadas no dia-a-dia. A salga de peixe e carne para
conservação, a fritura, os cozidos, os doces e outros costumes foram introduzidos, seja pelas
mãos dos portugueses, seja pelas dos escravos trazidos da África, estes em muito menor
proporção se comparado a outros estados brasileiros. Cascudo (2004, p. 147) ao falar sobre o
cardápio indígena, afirma:
O indígena teria feito aproveitamento da lição portuguesa mesmo com a
visão indireta. Utilização de óleos vegetais na comida e conservação de caça,
o leite da castanha-do-pará (Bertholeia excelsa H. B. K.) no cozido e o óleo
para papas, mingaus, farofa. [...].
Os africanos e amerabas, segundo Cascudo, “não empregavam óleos vegetais e menos
gorduras animais para frigir. Não conheciam a fritura. Foi outra revelação portuguesa com o
azeite doce, importado das oliveiras e divulgado pelos mouros”.
A influência africana na culinária foi maior em estados como Bahia e Pernambuco, devido ao
expressivo número de escravos ali instalados. Nunes Pereira (1974, p. 102) enfatiza que a
introdução do elemento negro na Província do Amazonas se deu em proporção insignificante.
A explicação para esse baixo afluxo vem de Prado Jr. (2000, p. 107): o baixo nível econômico
da região não comportava o preço do escravo africano.
34. 34
No cardápio paraense, verifica-se essa influência na combinação de ingredientes locais como
a maniva 6, os peixes e a caça, com ingredientes trazidos pelos portugueses. Um exemplo
dessa fusão está presente em um dos pratos mais tradicionais e típicos: a maniçoba 7. Ao
cozido das folhas da mandioca brava, foram acrescidas as carnes introduzidas pelos
portugueses como o bucho de boi, o lombo, o rabo e a costela de porco, a lingüiça, entre
outros. Ou então, no Pirarucu de casaca, que associa o pirarucu a batatas, azeite de oliva,
azeitona, vinagre e outros condimentos. Mas essa mescla está presente também na forma de
preparo dos alimentos. Os doces que hoje são consumidos no Pará, por exemplo, são
elaborados seguindo a fórmula portuguesa. Aí também se dá a combinação de frutas nativas 8
ou exóticas 9 com o açúcar e a forma de preparo das doceiras portuguesas. Esses fazeres estão
presentes nos bolos, nos doces, e demais itens da doçaria que levam além do açúcar, a farinha
de trigo, os ovos, o leite, a manteiga e em alguns casos, a combinação do doce com o salgado.
Cabe observar as combinações encontradas, por exemplo, na torta de cupuaçu com queijo cuia
(ou do reino), no pudim de tapioca, no sorvete de bacuri, no biscoito de castanha, no bolo de
cupuaçu, entre outros.
Pratos hoje incorporados no cardápio paraense como típicos da região, foram herdados dos
africanos. É o caso do vatapá paraense (FREYRE, 2004, p. 543-548). O dendê, utilizado no
vatapá, também comparece no caruru. Os modos de preparo dos africanos também foram
incorporados. Eles assavam, tostavam, cozinhavam. Enquanto os indígenas moqueavam seus
peixes, os africanos assavam ou cozinhavam. O uso do leite de coco também foi incorporado
à culinária brasileira por meio dos escravos africanos e hoje é largamente utilizado em doces e
salgados. Algumas diferenças são notadas no uso dos ingredientes em pratos herdados dos
africanos. Se na receita do vatapá baiano utiliza-se pão dormido e duas xícaras de azeite de
6
Folha da mandioca.
7
Espécie de feijoada, feita com as folhas da mandioca e pertences diversos.
8
Originárias da própria região.
9
Originárias de outros países ou outros ecossistemas.
35. 35
dendê, no paraense, recorre-se à farinha de trigo e somente a duas colheres de dendê.
(COSTA, 1995, p. 17 e SENAC DN, 2002, p. 79). Essa influência do negro africano na
culinária é abordada por RAMOS (1977, p. 85):
O africano trouxe uma cozinha muito mais variada e complexa. Foi o Negro
quem introduziu, no Brasil, o azeite de coco de dendê (Elais guineensis), o
camarão-seco, a pimenta-malagueta, o inhame, as várias folhas para o
preparo dos molhos, condimentos e pratos. E o que é mais: trouxe não só os
seus pratos naturais, de origem africana, como modificou para melhor,
introduzindo os seus condimentos, a cozinha indígena e a portuguesa.
Apesar desse casamento de culturas, a culinária paraense mesmo nos dias atuais, se mantém
tradicional, autêntica e autóctone, principalmente nos seus pratos mais típicos como o tacacá,
o pato no tucupi, a maniçoba. E seus ingredientes como peixes e frutas ainda são os naturais
de seus rios e suas matas.
36. 36
1.5 A fruticultura na Amazônia
O professor Paulo B. Cavalcante (1996), então pesquisador do Museu Paraense Emilio
Goeldi, publicou em 1978 a primeira edição do livro Frutas Comestíveis da Amazônia. Hoje
em sua 6ª edição, a publicação ainda é o mais completo estudo das frutas da região.
Cavalcante teria identificado e catalogado 176 espécies, apresentando sua classificação
botânica, suas características, informações sobre sua floração, propagação, principais usos e
locais de maior incidência, porém no livro são listadas apenas 174. Entre essas espécies, está
o cupuaçu, que está presente também na Colômbia, no México, na Costa Rica, no Panamá e
no Equador, com diferentes nomes. Na Tabela 3, estão listadas 174 frutas relacionadas no
livro de Cavalcante.
Hoje as frutas comestíveis da Amazônia já chegam a 220 (CARVALHO, 2008). Entre as mais
conhecidas, estão açaí, guaraná, bacuri, mangaba, pupunha, castanha-do-Pará e cacau.
Porém não estão sistematizadas.
37. 37
Tabela 3 – As frutas comestíveis da Amazônia
A Cajuí Ingá-de-fogo P
Abacate Cajutim Ingapéua Paiuetu
Abacaxi Camapu Ingá-turi Pajurá
Abiu Camitié Ingá-xixica Pajurá-da-mata
Abiu carambola Camutim Inharé Pajurá-de-Óbidos
Abiurana Carambola Ituá Pama
Abricó Caramuri Pariri
Açaí Caraná J Patauá
Achuá Castanha-de-cutia Jaboti Pepino-do-mato
Ajuru Castanha-de-galinha Jaca Pindaeua
Amapá Castanha-do-pará Jacaiacá Piquiá
Ameixa Castanha de porco Jambo Pirauxi
Ameixa-de-Madagascar Cereja-as-Antilhas Jambo (rosa) Pitomba
Amendoim Ceru Japurá Pitomba-das-Guianas
Apiranga Cidra Jaracatiá Puçá
Araçá Cupuaçu Jenipapo Pupunha
Araçá-boi Cupuaçu-do-mato Jutaí Purui
Araçá-de-anta Cupuí Puruí grande
Araçá pera Cururureçá L Puruí-da-mata
Araticum Cutite Laranja
Araticum do mato Cutite grande Laranja da terra S
Ata Lima Sapota-do-solimões
D Limão Sapoti
B Dão Limãode-caiena Sapucaia
Bacaba Dauicu Limão galego Sorvinha
Bacaba-de-leque Sorva grande
Bacabi F M Sorva
Bacabinha Fruta-pão Maçaranduba
Bacuri Frutinheira Mamão T
Bacuri mirim Fusáia Mamorama Tamarindo
Bacuripari Manga Tangerina
Bacuripari liso G Mangaba Taperebá
Bacurizinho Ginja Mapati Tatajuba
Banana Gogó-de-guariba Maracujá Toronja
Biribá Goiaba Maracujá-açu Tucujá
Graviola maracujá suspiro Tucumã-do-Pará
C Grumixama Marajá Tucumã do Amazonas
Cabeça-de-macaco Guabiraba Marimari
Cabeça-de-urubu Guajaraí Melancia U
Caçari Guaraná Melão Uaimiratipi
Cacau Gulosa Mirauba Uará
Cacauí Gurguri Miriti Uarutama
Cacau Jacaré Moela de mutum Ubaia
Cacau do Peru I Mucajá Ucuqui
Caferana Inajá Muriri Umari
Caiaué Ingá Muruci Umarirana
Cajarana Ingá-açu Muruci da mata Umiri
Caju Ingá-cipó Murici-da-capoeira Uxi
Caju do campo Ingá-costela Muruci rasteiro Uxicuruá
Ingá-cururu Muruci vermelho
O
Oiti
Fonte: Elaborado com base em CAVALCANTE, 1996.
38. 38
A coleta de frutas e raízes era prática comum entre os índios, que juntamente com a pesca e a
caça garantiam sua sobrevivência. Em períodos de escassez da caça e da pesca, as frutas
faziam as vezes de alimento. Pereira (1974, p. 140) registra que a coleta “visa não só os frutos
do mundo vegetal, mas ovos de aves e pássaros, quelônios e outros répteis, bem como bulbos,
rizomas, tubérculos e larvas de insetos, e, até mesmo, moluscos dágua doce, gasterópodes, ali
encontrados como os itãs e aruás.” Mais tarde, as demais populações que passaram a povoar
o território amazônico também passaram a usufruir dos recursos da natureza. De início,
somente para a sobrevivência, mais tarde, também para troca a partir da inserção de novas
necessidades.
A partir da domesticação das frutas, elas passaram a ser plantadas racionalmente, garantindo
escala na sua produção. A fruticultura hoje representa uma das principais divisas econômicas
de estados como o Pará. Segundo a Secretaria de Agricultura do Pará (Sagri-PA), 85% da
produção de frutas processadas no Pará destina-se ao mercado interno (ficando 15% desse
total no Pará), e o restante é exportado. Essa comercialização, seja para o mercado interno,
seja para o externo, é normatizada pela Instrução Normativa nº 1, de 7/01/2000, do Ministério
da Agricultura (publicada no DOU em 10/01/2000), na qual encontra-se a definição das
frutas, composição, características físicas, químicas, microscópicas e organolépticas, aditivos,
resíduos e contaminantes, higiene, pesos e medidas, rotulagem, e amostragem e método de
análise. É identificado este leque de característica de frutas como acerola, cacau, cupuaçu,
graviola, açaí, maracujá, caju, manga, goiaba, pitanga, uva, mamão, cajá, melão, mangaba, e
para suco das seguintes frutas: maracujá, caju, caju alto teor de polpa, caju clarificado ou
cajuína, abacaxi, uva, pêra, maçã, limão, lima ácida e laranja
Com relação à definição e composição, a Instrução Normativa define que a polpa de fruta
39. 39
é o produto não fermentado, não concentrado, não diluído, obtida de frutos
polposos, através de processo tecnológico adequado, com um teor mínimo
de sólidos totais, proveniente da parte comestível do fruto. [...] A polpa de
fruta será obtida de frutas frescas, sãs e maduras com características físicas,
químicas e organolépticas do fruto.
Em 2005 o PIB do estado do Pará na fruticultura foi estimado em R$ 371,26 milhões. A
cadeia produtiva da fruticultura na Amazônia no ano de 2007 gerou um PIB de US$ 123,18
milhões, exportou US$ 41,75 milhões e ocupou cerca de 124 mil pessoas Deste total o Pará
participou com US$ 32,26 milhões ou seja , mais de 77%, o que representa um aumento de
27,23% em relação ao ano de 2006. Em 2007 a receita com exportação apenas do mix de
polpa e suco de frutas foi de US$ 17,69 milhões. Em 2007 o Pará exportou 11,5 mil toneladas
de polpa de frutas. O Instituto Frutal estima que as exportações de polpa de frutas pelo estado
no corrente ano será da ordem de R$ 20 milhões (SAGRI-PA, 2008).
Tabela 4 – Produção de frutas tropicais – 2006
PIB Pessoas ocupadas Exportações/2006
Brasil US$ 12,30 bilhões 5,8 milhões US$ 1,90 bilhões
Amazônia legal US$ 118,5 milhões 124 mil US$ 32,80 milhões
Fonte: Adaptação da autora com base em HOMMA & SANTANA, 2008.
1.5.1 A fruticultura paraense
A fruticultura tem valor significativo na economia paraense. Sua produção é destinada ao
mercado nacional (85%) e internacional (15%). (Ver tabela 5). “Os Estados Unidos são o
principal destino das exportações da fruticultura paraense. Em 2006 representaram 60% das
vendas; em segundo temos os Países Baixos com destaque para a Holanda com 9% do
montante exportado. Verifica-se o aumento de exportação para os seguintes países: Austrália
(5%); Argentina (3%) e Nova Zelândia (1%)” (CORDEIRO & SANTANA, 2008)
40. 40
Tabela 5 – Crescimento do valor das exportações (2005-2006)
Valores/crescimento 2005 Crescimento em 2006 Crescimento em
relação ao ano relação ao ano
anterior anterior
Valores da exportação de frutas, US$ 33,94 45,73% - -
polpas e sucos de frutas no Pará milhões
Valores da exportação de mix de US$ 10,54 22,86% US$ 12,37 17,36%
polpa e suco de frutas milhões milhões
Fonte: Adaptação da autora com base em HOMMA & SANTANA, 2008
O Pará é o primeiro produtor nacional de açaí (497.593 t) e de abacaxi (389,9 milhões de
frutos), é o segundo produtor nacional de coco (256.726 frutos) e de cacau (amêndoa), com
43.207 t, e é o quarto produtor nacional de banana, com 570.951 t/ano (Sagri-PA e IBGE,
2007).
Os dados disponíveis são do cultivo racional, pois o IBGE não registra a produção oriunda do
extrativismo. Entre as oito principais frutas cultivadas no Pará, verifica-se o declínio da
cadeia produtiva do abacate e da acerola, e o crescimento considerável das culturas de
abacaxi, de açaí e do cupuaçu. No período de 1997 a 2007, enquanto a área plantada do
abacate caía de 782 ha para 34 ha, a do cupuaçu crescia de 2.473 ha para 12.545 ha. Da
mesma forma, enquanto a produção de acerola caía de 7.913 t para 4.426 t, a de açaí crescia
de 120.465 t para 497.593 t no mesmo período de 10 anos (Ver Tabela 6).
Com relação ao cupuaçu, a área plantada passou de 2.473 ha em 1997 para 12.545 em 2007; a
área colhida foi de 2.410 ha em 1997 e passou para 11.460 ha em 2006 (os dados de 2007 não
estavam disponíveis); a produção passou de 12.970 t em 1997 para 39.907 t em 2007.
41. 41
Tabela 6 – Fruticultura paraense – Evolução (em 10 anos)
Área plantada/ Área colhida (ha) Produção (t) Rendimento
destinada colheita médio
(ha) (Kg/ha)
Fruta/ano 1997 2007 1996 2006 1997 2007 1996 2006
Abacate 782 34 320 32 10.537 741 41.450 22.656
Abacaxi 11.028 15.331 6.382 14.052 247.248* 411.799* 20.055 25.209
Açaí 4.261 51.722 1.671 49.455 120.465 497.593 46.838 9.545
Acerola 961 583 1.054 518 7.913 4.426 9.835 7.973
Banana 41.064 44.613 37.480 43.049 57.925** 571.189** 1.458 12.817
Cacau (amêndoa) 50.239 65.204 48.603 57.462 30.826 43.185 662 636
Coco da Bahia 13.887 26.329 17.877 25.877 128.851 256.726 12.213 9.907
Cupuaçu 2.473 12.545 - 11.460 12.970 39.907 - 3.407
* mil frutos ** mil cachos
Elaboração e sistematização: SAGRI-PA/GEEMA/Fonte: IBGE/Produção Agrícola Municipal – PAM – 1994
a 2006 e LSPA Ano 2007
No período de 1998 a 2007, segundo a Sagri-PA, foram celebrados 3.376 contratos do Fundo
Nacional de Desenvolvimento do Norte pelo Banco da Amazônia, no valor de R$
7.250.014,91, para a implantação de 6.588,30 hectares da cultura do cupuaçu.
Tabela 7 – Produção de cupuaçu no Pará – Cultivos racionais (Evolução em 10 anos)
Ano Área plantada/ Área colhida Produção Rendimento
destinada (ha) (t) médio
colheita (ha) (Kg/ha)
1997 2.473 2.410 12.970 5.382
1998 2.983 2.635 9.737 3.695
1999 4.383 3.887 15.891 4.088
2000 5.437 5.011 21.479 4.286
2001 7.002 6.781 26.089 3.847
2002 8.074 7.769 29.733 3.827
2003 9.330 8.895 30.417 3.420
2004 10.104 9.758 32.504 3.331
2005 12.127 11.366 38.488 3.386
2006 12.273 11.460 39.045 3.407
2007 12.545 - 39.907 -
Elaboração e sistematização: SAGRI-PA/GEEMA.
Fonte: IBGE/Produção Agrícola Municipal – PAM – 1994 A 2006 e LSPA Ano 2007.
42. 42
Foto 1 – Frutas comestíveis da Amazônia. No sentido horário: açaí, abricó, jambo rosa,
jenipapo, biribá, castanha-do-pará. Fonte: a autora (2008).
43. 43
Foto 2: Complexo do Ver-o-peso – reflexo da produção paraense, da pesca, da
fruticultura e das tradições. Fonte: a autora (2008).
44. 44
Foto 2a: Complexo Ver-o-peso – a herança indígena presente em utensílios como os
paneiros, e nos temperos como as inúmeras pimentas. Fonte: a autora (2008)
45. 45
[...] Porém me conquistar mesmo a ponto de ficar
doendo no desejo, só Belém me conquistou assim. Meu
único ideal de agora em diante é passar uns meses
morando no Grande Hotel de Belém. O direito de
sentar naquela terrasse em frente das mangueiras
tapando o Teatro da Paz, sentar sem mais nada,
chupitando um sorvete de cupuaçu, de açaí, você que
conhece o mundo, conhece coisa melhor do que isso,
Manu? (trecho de carta de Mário Andrade a Manuel
Bandeira, 1927.)
46. 46
2 O CUPUAÇU − CARACTERÍSTICAS, APROVEITAMENTO, DIFICULDADES
O cupuaçu é fruta nativa da Amazônia. Inicialmente as frutas eram coletadas quando maduras
pelos índios e posteriormente por aqueles que passaram a ocupar a floresta, mas o aumento da
demanda levou à domesticação da fruta e ao seu plantio racional. O cupuaçu é 100%
aproveitável: sua semente já está sendo utilizada para a fabricação de chocolate, substituindo
o cacau, e em produtos da área cosmética em cremes, xampus, sabonetes e outros produtos; a
polpa é utilizada em doces, sorvetes, bombons, tortas, bolos etc.; e a casca, na fabricação de
adubo.
Foto 3: Cupuaçu em seu formato mais comum. Fonte: Silvestre Silva (2007)
A maior incidência da fruta, e conseqüente utilização, está no estado do Pará, que também é
responsável pelo maior volume de exportações. Por essa razão, este trabalho foca os fazeres
daquele estado brasileiro. O Pará tem uma área de 1.247.689,515 km2 e uma população de
7.065.573 (estimativa do IBGE para 2007). As matas e florestas ocupam uma área de
47. 47
10.469.669 hectares. No caso do cupuaçu, a Sagri-PA estima que do total de 28.000 hectares
que é a área plantada na Amazônia brasileira, a produção do estado responda por cerca de
60%. O governo estadual fomenta a distribuição de sementes selecionadas de clones de
cupuaçuzeiros que resistem à vassoura-de-bruxa (Crinipellis pernicosa), praga que ataca as
plantas e que já foi responsável pela queda na produção amazônica do cacau. Hoje, o cultivo
racional do cupuaçu responde por 70% da produção, contra 30% de produção extrativa.
Associados às políticas de incentivo, existem programas do governo federal como o Fundo
Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), o Programa Nacional de Apoio à
Agricultura Familiar e também dos órgãos de financiamento no Estado voltados ao custeio do
cultivo racional de cupuaçu.
A população paraense incorporou o cupuaçu no seu dia-a-dia, nas mais diversas aplicações
que inclui sorvetes, doces, tortas, bombons, sucos etc. Devido à sua acidez, a fruta não é
consumida in natura. Mas fora do Pará, o consumo da fruta apenas começa a ser difundido. O
mesmo não acontece com indústrias nacionais e estrangeiras que vislumbraram um futuro
lucrativo com a utilização da semente do cupuaçu. A substituição da semente do cacau pela
semente do cupuaçu na fabricação de chocolate já é uma realidade; o uso da fruta pela
indústria cosmética também.
A fruta começou a ser conhecida a partir de sua utilização por chefs de cozinha renomados e
pelo lançamento de produtos cosméticos por empresas conhecidas nacionalmente. Os chefs
associaram a fruta ao fato de a mesma ser exótica, promovendo suas potencialidades em
eventos gastronômicos no Brasil e no exterior. A maioria das aparições da fruta é na
preparação de doces, porém, já começam a aparecer receitas salgadas, seja em livros e sites de
culinária, seja em programas de TV. Outro momento de exposição do cupuaçu foi a campanha
deflagrada por organizações não governamentais e governamentais da região Norte contra a
48. 48
patente recebida por uma empresa japonesa em 2002, como apresentado no primeiro capítulo
deste trabalho. Em 2005, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e a Embrapa lançaram
o selo “Cupuaçu – O sabor exótico da Amazônia”. numa emissão especial para filatelia
(ANEXO 4).
Dentro do Brasil esse interesse também tem crescido e isso se pode verificar no aumento da
produção do fruto, em especial no Pará que passou de 12.970 toneladas em 1997 para 39.907
toneladas em 2007, além do plantio em outros estados fora da Amazônia. Verifica-se também
o aumento das vendas para indústrias processadoras de polpa, que já buscam também o
mercado internacional.
A Secretaria de Agricultura do Estado do Pará calcula que 85% da produção de cupuaçu é
consumida no mercado nacional. O gerente de Fruticultura da Sagri-PA Geraldo Tavares
afirma que a dificuldade para a divulgação da fruta reside no fato de a mesma não ser de
consumo in natura como outras frutas da região. O cupuaçu tem sido levado a feiras nacionais
e internacionais e sua degustação é bastante apreciada, segundo Tavares.
O maior aproveitamento ainda é o da polpa do cupuaçu que é aplicada em sua quase
totalidade na doçaria.
2.1. Características da fruta
Na botânica, o cupuaçu é Theobroma grandiflorum (Willd. ex. Spreng.) Schum.
Esterculiácea, e na linguagem popular, é o cupuaçu ou simplesmente cupu. Em outros países
americanos com áreas tropicais também há incidência do cupuaçu. Na Amazônia, a fruta é
produzida em maior escala no Pará, e em menor escala, em Rondônia, no Acre, no Amazonas
49. 49
e no noroeste do Maranhão. Também já se verifica cultivos na Bahia, em Minas Gerais e em
São Paulo, conforme registra o Diccionário das plantas úteis do Brasil (1984, p. 484). Na
Colômbia a fruta é conhecida como bacau; no México, na Costa Rica e no Panamá como
cacao blanco ou pastate, e no Equador, como patas.
Foto 4: A casca ferruginosa esconde e protege a polpa e a semente. Fonte: a autora (2008)
CAVALCANTE (1996) relaciona entre as características da árvore do cupuaçuzeiro
sua altura, que varia entre 4-8m (nos espécimes cultivados), ou até 18m de
altura (nos espécimes silvestres, na mata alta); seu tronco geralmente reto
com a casca marrom-escura; suas folhas, simples, de 25-35cm de
comprimento por 6-10cm de largura. Sobre o fruto, Cavalcante a identifica
como drupáceo ou bacáceo, ou seja, do tipo que tem polpa e semente
formando caroço, de forma oblonga, com as extremidades obtusas ou
arredondadas, variando de l2-25cm de comprimento e 10-12cm de diâmetro,
pesando até 1.500g, com um revestimento cor vermelho-alaranjada da
ferrugem, e parece recoberto de um pó que se desprende com o manuseio do
fruto. Cada semente – em cada fruta existem cerca de 20-50 superpostas em
6 fileiras verticais – é envolvida por polpa fibrosa branco-amarelada, de
sabor acidulado e cheiro característico. Na maturação os frutos caem sem o
pedúnculo, ocasião em que exalam o cheiro característico, o que indica a
perfeita maturação dos mesmos”.
O período de frutificação é no período de inverno amazônico, em especial nos meses de
fevereiro a abril.
50. 50
Na Instrução Normativa nº 1 do Ministério da Agricultura, de 7/01/2000, que regulamenta a
venda de polpas de frutas, o Regulamento técnico para fixação de padrões de identidade e
qualidade para polpa de cupuaçu define a polpa ou purê de cupuaçu como “o produto não
fermentado e não diluído, obtido da parte comestível do cupuaçu (Theobroma grandiflorum),
exceto semente, através de processo tecnológico adequado, com teor mínimo de sólidos totais.
[...]. Na composição da polpa deve-se observar que a polpa ou o purê de cupuaçu, sejam
obedecidas características como a cor branco e branco amarelado, sabor levemente ácido e
aroma próprio. Quanto a composição, ela deve seguir os seguintes parâmetros: Sólidos solúveis
em oBrix, a 20oC , mínimo de 9,00; pH, mínimo de 2,60; Acidez total expressa em ácido cítrico
(g/100g), mínimo de 1,50; Ácido ascóbico (mg/100g), mínimo de 18,00; acúcares totais naturais do
cupuaçu (g/100g), mínimo de 6,00; e Sólidos totais (g/100g), mínimo de 12,00.”
A polpa da fruta natural – e mais recentemente a polpa congelada – é largamente utilizada no
Pará, seja na forma de refresco, vinho, sorvete, bolo, torta, doce, bombons, pudim, balas
recheadas com seu doce, entre outras aplicações. As sementes vêm sendo utilizadas
substituindo o cacau na fabricação de chocolate.
No Pará, parte dos pequenos e médios agricultores que se dedicam à plantação e colheita de
cupuaçu se associaram a cooperativas e dessa forma escoam sua produção, unindo suas
colheitas para produção de produtos como doces, bombons, entre outros, ainda em pequena
escala. Observa-se também, a implantação de cultivo voltado às indústrias de beneficiamento
de polpa para venda em maior escala, já incluindo a exportação para o mercado interno e
externo. E há ainda, agricultores que firmaram parcerias com empresas da área cosmética, por
exemplo, em sistema de exclusividade, sendo pagos pelas frutas entregues e pelo preço
estipulado pelo parceiro.
O interesse pela fruta tem crescido após comprovação de que suas sementes têm propriedades
51. 51
nutritivas comparáveis às do cacau. O rendimento da fruta é registrado por Homma (2008): a
semente fresca representa 17,08% do peso do fruto, enquanto a semente seca representa
45,50% do peso fresco; 1.000 Kg de semente fresca produz 160kg de pó e 135 kg de manteiga
de cupuaçu. Do pó obtido, se acrescido de açúcar, são produzidos 180 kg de cupulate.
Tabela 8 – Composição do cupuaçu (100g)
Calorias 72kcal
Umidade 81.30g
Proteínas 1.70g
Fibra 0.50g
Cálcio 23.00mg
Fósforo 26.00mg
Ferro 2.60mg
Vitam. B1 0.04mg
Vitam. B2 0.04mg
Niacina 0.50mg
Vitam. C 65.00mg
pH 3.70
Brix 17.00%
Acidez 2.50%
Fonte: C.A.M.T.A. – Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu.
O cupuaçu foi domesticado há menos de trinta anos e vem sendo plantado em diversas áreas
da Amazônia e mesmo em outros estados como Bahia e Minas Gerais. Ao analisar a cadeia
produtiva do cupuaçu na cidade de Presidente Figueiredo, no estado do Amazonas,
RODRIGUES (2001) aponta como pontos fortes a crescente participação do produto em
mercados fora da Amazônia, as condições edafloclimáticas adequadas, o domínio do manejo
das culturas pelos pequenos produtores, as possibilidade de agregação de valor ao cupuaçu e a
infra-estrutura de pesquisa e extensão disponível.
52. 52
Entre os pontos fracos o autor relaciona a dificuldade de organizar os produtores; a baixa
capacitação gerencial, de produtores e agroindústria, a inexistência de sistema de classificação
do produto e seus derivados, a instabilidade da qualidade, a limitada capacidade de oferecer
produtos novos no mercado, a dificuldade de comercializar o produto sem ser pelos canais
tradicionais, e a falta de uma legislação nacional e no âmbito da OMC de certificação de
origem.
Mas Rodrigues é otimista. Entre as oportunidades listadas por ele, estão o crescimento do
consumo de sucos, sorvetes etc., o aumento do consumo de produtos ecologicamente corretos,
no Brasil e no mundo, o potencial de segmentação e diferenciação de mercado, a exportação
para países do Mercosul e da Alca, e o crescimento do consumo de produtos do cupuaçu em
Manaus.
Outro estado que responde por parte do cultivo de cupuaçu no país, é Rondônia. A Embrapa
tem promovido pesquisas relacionadas ao cupuaçu em diversas áreas. O pesquisador da
Embrapa/RO Paulo Emílio Kaminski (2006) reassalta que
A exemplo do guaraná, da castanha e do açaí, que são reconhecidos como
produtos típicos da Amazônia, consumidos em todo o Brasil e exportados
para diversos países, o cupuaçu tem o potencial de alcançar status
semelhante. No entanto, a realização desse potencial só será possível com o
avanço das pesquisas sobre a espécie, a transferência dos resultados e
capacitação do produtor, e a adoção de políticas que estimulem o cultivo de
cupuaçu. Através da oferta de materiais mais produtivos e resistentes a
doenças, principalmente à vassoura-de-bruxa; do plantio e manejo seguindo
as recomendações para a cultura; e da existência de uma infraestrutura
adequada para o beneficiamento dos frutos pode-se ampliar a área cultivada,
aumentar a produção, colocar no mercado produtos diferenciados, capazes
de atender a demanda por produtos da Amazônia.
2.2 Aproveitamento do cupuaçu
Atualmente, todas as partes do cupuaçu são utilizadas. As sementes e óleos dela derivados são
utilizados pela indústria de alimentos e podem ser empregados na produção de chocolate, o
53. 53
cupulate, e pelas indústrias farmacêutica, de cosmético e de alimentos, pela presença de
propriedades como ácidos esteáricos e oléico. A polpa já é utilizada pela indústria de
alimentos (massa) e pela cosmética (aroma). Artesanalmente vem sendo utilizada para
elaboração de refrescos, sorvetes, doces, tortas, licores e geléias, pães, bolos, biscoitos, tortas.
E a casca, tem potencial de utilização como adubo, além de servir como carvão vegetal
(ENRIQUEZ, 2003).
Uma das principais iniciativas relacionadas ao uso do cupuaçu está na fabricação do
chocolate, o cupulate, em pó e em tabletes ao leite, meio amargo ou branco, a partir de
amêndoas de cupuaçu. A Embrapa (2008) aponta em seu site, que a semente de cupuaçu
possui 33,44% a mais de proteínas em relação ao cacau; está isento de cafeína e teobromina;
apresenta sabor e textura similares ao chocolate de cacau; além de ser um produto nutritivo e
saudável.
Entre os impactos sociais e econômicos, a Embrapa lista:
Agregação de valor à cultura do cupuaçuzeiro, criando oportunidades de
mercado para a fruta e seus derivados nacional e internacionalmente;
Geração de empregos e renda com a disponibilização de produto de alto
valor agregado; Alternativa para consumidores de chocolates, que possuem
restrição ao uso de produtos com cafeína e teobromina; Pode ser utilizado
como complemento alimentar em creches, escolas e outras instituições.
Estudos vêm sendo realizados em universidades e órgãos/autarquias governamentais para
chegar ao domínio tecnológico para a fabricação do cupulate. A ilustração abaixo é a capa de
caderno do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas empresas em Rondônia e trata de toda a
cadeia produtiva do cupulate.
Outros estudos incluem a identificação de propriedades nutricionais, minerais da fruta; o
aproveitamento da casca do cupuaçu, entre outros. Urano de Carvalho, pesquisador da