SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 9
Downloaden Sie, um offline zu lesen
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                      NÚMERO




Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                      02
                                                                                                                                      AGOSTO
                                                                                                                                       2012




                                                                                                                                        1

                                           PROSSEGUINDO COM A quase REVISTA

          Em seu segundo número, Contemporânea, nossa quase revista, segue seu propósito de colocar ideias em movimento. São sete os
          textos. Em Arte e Crítica podemos ler um comentário de Michelle Gonçalves sobre o filme Cheyenne – This Must Be The Place (Aqui
          é o meu lugar), de Paolo Sorrentini, em que Sean Penn incorpora as diabrites de um rockstar anacronicamente gótico a reconstruir
          uma memória que ele ainda não conhece.
          Em Cultura do Futebol temos duas contribuições. A primeira é de Mozart Maragno, cujo tema é o lugar e as expectativas que o
          futebol encontra no imaginário e nas demandas nacionais no contexto dos Jogos Olímpicos. Logo após publicamos a primeira
          resenha de Contemporânea, de Carlus Augustus Jourand Correia, sobre o livro O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um
          atleta, de Paulo André, zagueiro do atual campeão da Copa Libertadores da América, O Corinthians Paulista. Carlus mostra as
          ambiguidades do discurso nativo, apontando também em sua fecundidade como fonte histórica e sociológica.
          Política e Sociedade reúne três contribuições, todas sobre os Jogos Olímpicos. A primeira, escrita por mim, é uma reflexão sobre
          os Jogos como fenômeno contemporâneo, nascentes junto com os primeiros suspiros do que Eric Hobsbawm chamou de short
          century, mas em movimento que se atualiza em tempos em que tudo parece ser imagem. Wagner Camargo comenta o
          desempenho brasileiro nos Jogos de Londres, analisando-os nos termos das posições geopolíticas das nações olímpicas, dos
          investimentos nacionais e das expectativas que temos sobre o sucesso e o fracasso de nossos atletas. Finalizando esta seção,
          Michelle Gonçalves narra uma experiência como espectadora presente nas últimas Olimpíadas, mostrando como o prazer
          sensorial corresponde, em certa medida, àquele identificado por Hans Ulrich Gumbrecht, o de fruir a beleza dos esportes.
          Educação recebe um breve texto meu sobre a importância da educação infantil para a formação das crianças, em especial no que
          se refere, no interesse desta consideração, à formação para a vida pública e ao combate contra todo tipo de obscurantismo.
          Contemporânea segue recebendo textos, sempre procurando conversa livre, a boa polêmica, o livre pensamento. Sintam-se
          convidados a ler, criticar, escrever.


                                                                                                  Ilha de Santa Catarina, 20 de setembro de 2012.
                                                                                                                       Alexandre Fernandez Vaz


          Nesta edição:
          Arte e Crítica
          CHEYENNE – THIS MUST BE THE PLACE
          Michelle Carreirão Gonçalves


          Cultura do Futebol
          FUTEBOL EM SUA FACETA "GENI"
          Mozart Maragno

          RESENHA: BENINI, Paulo André Cren. O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um atleta. São Paulo: Leya,
          2012
          Carlus Augustus Jourand Correia


          Política e Sociedade
          OLIMPÍADAS
          Alexandre Fernandez Vaz

          POLÍTICA ESPORTIVA, MEDALHAS E UMA GEOPOLÍTICA À BRASILEIRA
          Wagner Xavier de Camargo

          LONDRES 2012: UMA EXPERIÊNCIA OLÍMPICA
          Michelle Carreirão Gonçalves


          Educação
          EDUCAÇÃO INFANTIL: CARÁTER PÚBLICO E FORMAÇÃO ILUMINISTA
          Alexandre Fernandez Vaz




                                                  1
                                         http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
                                                           blog d onu cl eo @gma i l. co m                                                     1
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                          NÚMERO




                        Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                           02
                                                                                                                                                           AGOSTO
                                                                                                                                                            2012




                                                                                                                                                            1


                                                                         ARTE E CRÍTICA
                                     CHEYENNE – THIS MUST BE THE PLACE
                                                                                                                        Michelle Carreirão Gonçalves
                                                                                                              Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
                                                                                                                                   em Educação /UFSC



                                              Dia desses assisti ao filme Cheyenne – This Must Be                 É interessante como o diretor italiano Paolo
                                     The Place (Aqui é o meu lugar, no Brasil) em um Freiluftkino        Sorrentino trabalha com um jogo de cores nas diferentes
                                     (cinema a céu a aberto) de Berlim. O título é uma                   passagens de Cheyenne. Em Dublin, os tons são mais
                                     homenagem à homônima canção dos Talking Heads, no                   acinzentados, mais escuros, assim como a vida monótona
                                     filme interpretada pelo ex-vocalista da banda, David                e depressiva; em Nova York as cores são vivas, agitadas
                                     Byrne, em pequena e especial participação. A experiência            como a grande metrópole; no interior estadunidense, mais
                                     de assistir um filme em um parque, sentada numa cadeira             no Novo México, as tonalidades passam por colorações
                                     do tipo espreguiçadeira, enrolada num cobertor (sim,                amareladas, áridas, secas como a terra; já em Utah é
                                     porque as noites de verão alemão, muitas vezes, são frias),         possível ver o branco e o azul gélido, anunciando o que
Sobre a autora                       em meio a árvores e tendo apenas o céu estrelado sobre              está por vir.
                                     minha cabeça, já valeria a viagem. Mas o filme também                        A saga de Cheyenne em busca do algoz de seu pai
Michelle Carreirão Gonçalves é       não decepcionou.                                                    é claramente seu movimento de maturação. Ele sai de
Licenciada      em        Educação            Cheyenne é o personagem principal interpretado             Dublin, da segurança do lar, seu esconderijo de menino,
Física/UFSC;       Mestre       em   por Sean Penn, um roqueiro gótico que parece ter parado             com o andar cabisbaixo e o olhar desprotegido, encarando
Educação/UFSC; Graduanda do          nos anos 1980, com suas roupas pretas, cabelo                       a dureza e a indiferença na cidade grande, as dores e a
curso       de     Filosofia/UFSC;   desarrumado, maquiagem carregadíssima no pó branco,                 insensibilidade no interior, a decadência e a outra versão
Doutoranda do Programa de Pós-       no lápis preto e no batom vermelho. A referência é                  da história no “fim do mundo”. E faz isso com sua roupa,
Graduação em Educação/UFSC;          claramente Robert Smith, vocalista do The Cure, que fez             penteado e maquiagem de adolescente, carregando sua
Bolsista    CNPq    (UFSC/Leibniz    muito sucesso naquela década, com músicas como Boys                 inseparável mala de rodinhas. Por sinal, Cheyenne
Universität Hannover); Membro do     Don’t Cry e Friday I’m in Love. Além disso, há pitadas de           aparece quase todo o filme, puxando algo (antes da mala,
Núcleo de Estudos e Pesquisas        Edward Mãos de Tesoura – interpretado por Johny Deep no             há uma cesta de compras, também com rodas), um
Educação         e       Sociedade   filme homônimo (Edward Scissorhands, 1990) – e do                   apêndice, um peso que saiu de seus ombros
Contemporânea.                       também roqueiro Ozzy Osbourne, que aparecem nos                     (parafraseando o próprio personagem numa das cenas em
                                     trejeitos de Cheyenne, no jeito de andar, de falar e olhar.         que conversa com o inventor da mala com rodas), mas
http://buscatextual.cnpq.br/buscat            Cheyenne é um rockstar decadente que tem em                que o persegue, que dificulta sua caminhada, que o atrasa,
extual/visualizacv.do?id=K4770696    Dublin uma vida chata, cercado por sua mulher-bombeira              que o torna cada vez mais deprimido. Não se sabe se o
U7                                   (Frances MacDormand), um cachorro e uma fã                          que ele carrega é culpa pelo que ocorreu com seus fãs,
                                     inseparável, Mary (Eve Hewson que, por sinal, é filha de            mágoa pelo rompimento com o pai, ou mesmo a
                                     Bono Vox, do U2, mais uma referência ao rock). Seus dias            fragilidade e incapacidade de tomar sua vida nas próprias
Contato:                             são gastos entre ir ao supermercado, isolar-se na solidão           mãos (sua esposa é a figura forte e dominante da casa e,
michelle_carreirao@yahoo.com.br      da casa, ou ainda, tentar mediar o desespero da mãe de              nesse sentido, mais próxima do arquétipo masculino; ela é
                                     Mary, por conta de um mistério que envolve seu filho                pai ao dar segurança, mãe ao consolar, esposa na
                                     Tony. A reviravolta acontece quando Cheyenne tem de                 intimidade da cama). De toda forma, é somente depois de
                                     voltar à Nova York para rever o pai à beira da morte e              sofrer seu tardio e longo rito de passagem, que Cheyenne
                                     com quem não mantinha contato havia trinta anos. Mas                consegue encontrar seu lugar, deixando para trás a
                                     ele chega tarde, por conta de uma das suas                          fantasia de uma vida infanto-juvenil alegre e leve, e
                                     excentricidades, e não consegue se despedir. No                     assumindo, finalmente, os riscos, a responsabilidade, as
                                     momento em que reencontra a família judia, descobre que             dores e as delícias de ser adulto.
                                     o pai passou grande parte da vida procurando o
                                     torturador que o havia supliciado em Auschwitz. É aí que
                                     o filme muda de vez. Cheyenne toma para si a busca do
                                     pai, e sai rodando pelo interior dos EUA, no melhor estilo
                                     road movie.




                                                                      1
                                                               http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
                                                                                 blogd onu cl eo @gma i l. co m                                                       2
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                              NÚMERO




                           Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                              02
                                                                                                                                                              AGOSTO
                                                                                                                                                               2012




                                                                                                                                                                1


                                                              CULTURA DO FUTEBOL
                                        FUTEBOL EM SUA FACETA "GENI"
                                                                                                                                        Mozart Maragno
                                                                                                                  Mestrando do Programa de Pós-Graduação
                                                                                                                                      em Educação /UFSC



                                                 No momento de fechamento olímpico, quando a                O contraste é claro, sedutor para a tradicional acidez
                                        seleção brasileira de futebol masculino foi medalha de              nativa em relação aos bem sucedidos, mas perigoso.
                                        prata - ou seja, um resultado abaixo do que era esperado            Vamos para as obviedades que o leitor está cansado de
                                        pelo grupo, pela imprensa, pelos torcedores –,                      saber: o futebol é o esporte mais popular do planeta, o de
                                        identifiquei um fenômeno interessante nas redes sociais,            maior mercado, de maior mídia, com maior penetração
                                        caixa de ressonância “à quente” do cotidiano: um                    popular. Tudo isso proporciona aos bem sucedidos, como
                                        ressentimento em relação ao futebol masculino, sobretudo            é o caso de Neymar, um status que o boxeador olímpico
                                        quando colocado em contraposição às modalidades                     jamais terá. O garoto de Mogi das Cruzes também não
                                        esportivas com menos visibilidade e apoio. Esse                     teve uma trajetória tranquila. A cobrança e pressão
Sobre o autor                           ressentimento, essas manifestações, em alguns momentos              apareceram desde cedo. Trata-se de um fenômeno
                                        hostis diante de um fracasso futebolístico, não são algo            esportivo como poucos. Raros são os chegam à sua
Mozart Maragno é Licenciado em          recente. Vários dos estudos sócio-culturais dedicados a             condição aos 20 anos de idade. O futebol, por outro lado,
Educação Física UFSC, Mestrando         eventos de futebol já apresentaram interessantes análises           tem um grau de imprevisibilidade muito maior que o
do PPPGE/UFSC e Servidor do             sobre a temática. Não foram poucas as ocasiões em que               voleibol ou o boxe. Outra obviedade: uma equipe de
Instituto Federal de Santa Catarina –   vilões foram eleitos no futebol brasileiro. A derrota na            menor condição técnica pode mais facilmente
Campus Ararangua.                       Copa do Mundo de 1950 é um belo exemplo disso –                     surpreender. Lembro que o futebol brasileiro jamais pode
                                        mesmo que trabalhos acadêmicos, como o de Antonio                   ser menos que o máximo, que campeão. E mesmo quando
http://buscatextual.cnpq.br/buscat      Jorge Soares, em seu doutoramento, não corroborem                   ganha, se não for de uma forma mais próxima das
extual/visualizacv.do?id=T127252        todas as “teses” enfatizadas no discurso popular das                “tradições nacionais”, com o “nosso jeito”, com o “futebol-
                                        últimas décadas. No caso da medalha de prata de                     arte”, pode ser uma conquista com asteriscos (a seleção
Contato:                                Londres, com Neymar, Mano Menezes e companhia,                      campeã de 1994 não seria um exemplo de tensão nesse
                                        aparece um elemento novo, isto é, a crítica de amantes de           sentido?). Diante desse grau de exigência, Londres 2012
mozartmaragno@gmail.com
                                        outras modalidades que denunciam a monocultura                      mais uma vez foi um prato cheio para as comparações e a
                                        esportiva do país, as regalias que os atletas de futebol têm        malhação da Geni, o futebol masculino brasileiro, já
                                        e os demais não, que atrasariam o desenvolvimento                   cobrado na máxima potência seja em Copas do Mundo ou
                                        brasileiro rumo a ser potência olímpica. Isso tudo, claro, é        em qualquer amistoso. Refresco a memória do leitor de
                                        visão de sujeitos que se manifestam no contexto citado.             quando o intelectual Emerson Leão já dizia que “na
                                                 As três medalhas do boxe brasileiro, por exemplo,          seleção, tudo vale tudo”. Dessa forma, no momento em
                                        acenderam o alerta para essa comparação. Justamente o               que o esporte bretão vira parte de um todo muito menos
                                        boxe, cujos protagonistas são profundamente humildes                badalado no dia a dia, como nos Jogos Olímpicos, acaba
                                        em origem e percorreram os caminhos mais tortuosos                  sendo alvo preferencial do ressentimento geral. Nada que
                                        para o sucesso esportivo máximo, que é subir ao pódio               surpreenda em termos de Brasil, onde a oscilação que o
                                        nos Jogos Olímpicos. Os irmãos capixabas Yamaguchi e                futebol provoca entre o “somos os melhores do mundo” e
                                        Esquiva Falcão, com histórias de vida cinematográficas,             a autodepreciação implacável é cotidiana.
                                        conquistaram, nas próprias palavras deles, “mais que o
                                        futebol” em Londres. Isso, não há dúvidas, pode provocar
                                        comoção geral durante as duas sagradas semanas.
                                        Esquiva foi tão medalha de prata quanto a estrela
                                        Neymar, de salário estratosférico, de mil e uma
                                        propagandas na televisão, xodó, ídolo, “queridinho da
                                        mídia”. O sucesso permanente do voleibol e, em outras
                                        Olimpíadas, do futebol feminino, também gerou reações
                                        duras diante de mais um “fracasso” dos rapazes (a
                                        medalha de ouro inédita não veio mais uma vez). Embora
                                        com toda estrutura gerada ao longo de muitos anos, o
                                        voleibol, evidente, não desfruta das mesmas condições
                                        midiáticas do futebol e, com muita luta, encaixa uma final
                                        de liga nacional em emissora aberta. O futebol feminino,
                                        pela própria gestão (?) da CBF, já escancara as diferenças.




                                                                         1
                                                                  http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
                                                                                    blogd onu cl eo @gma i l. co m                                                        3
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                           NÚMERO




                         Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                           02
                                                                                                                                                           AGOSTO
                                                                                                                                                            2012




                                                                                                                                                             1


                                                           CULTURA DO FUTEBOL
                                      RESENHA
                                      BENINI, Paulo André Cren. O Jogo da Minha Vida:
                                      história e reflexões de um atleta. São Paulo: Leya, 2012
                                                                                                                      Carlus Augustus Jourand Correia
                                                                                                                Mestrando em Educação pela Universidade
                                                                                                                               Federal do Rio de Janeiro

                                               O Jogo da Minha Vida: Historias e reflexões de um         profissionalização não elimina as dificuldades enfrentadas
                                      atleta é um livro exemplar em diversos aspectos. O                 no futebol, mas as transforma em outras, principalmente
                                      esporte e mais especificamente o futebol é, há muito               em relação aos cuidados com o corpo, ao enfrentamento
                                      tempo, teorizado, discutido e narrado por historiadores,           das lesões e à convivência com empresários e dirigentes.
                                      antropólogos, sociólogos e diversos outros pensadores              Em contrapartida, são relatas as alegrias de jogar futebol,
                                      das Ciências Humanas. Contudo, esse debate e esses                 principalmente no momento das vitórias, e a possibilidade
                                      estudos ainda carecem muito da participação ativa dos              de obter recursos financeiros para ajudar a família,
                                      nativos do futebol quando se trata de expor suas ideias e          conhecer novos lugares no mundo e aprender sobre novas
Sobre o autor
                                      tomar a palavra para si.                                           culturas. A atuação pelo Corinthians ganha força em
Carlus Augustus Jourand Correia é              Nesse ponto as autobiografias dos atletas ainda           função da conquista do título Brasileiro.
graduado      em     História  pela   são escassas, sendo um dos poucos exemplos a do ex-                         A terceira e última parte traz para os leitores as
Universidade Federal Fluminense       atleta Zé Mario1. O livro de Paulo André vem acrescentar           ideias e questionamentos de um jogador para com seu
(UFF) e mestrando em Educação         muito em nosso conhecimento sobre futebol e nossas                 esporte, ou mais próximo de nossa realidade do
pela Universidade Federal do Rio de   indagações não só sobre o jogo, mas também sobre a                 trabalhador com o seu próprio labor. Paulo André
Janeiro(UFRJ).      Membro       do   estrutura por trás dele.                                           praticamente conversa com o leitor e expõem suas
Laboratório de Estudos do Corpo                Paulo André é atualmente jogador do                       concepções sobre como se comportar como atleta, sobre as
(LABEC) e do Núcleo de Estudos e      Corinthians, atuando como zagueiro, mas também                     mazelas na formação no futebol e como o cuidar do corpo
Pesquisa em Esporte e Sociedade       desempenha as ocupações de escritor e artista plástico.            e da mente, elementos fundamentais para o sucesso e
(NEPESS) desenvolve pesquisas na      Iniciou a carreira aos 15 anos no São Paulo Futebol Clube          desenvolvimento do jogador profissional. Através de suas
área de História, Sociologia e        e passou por diversos clubes no Brasil, tais como Guarani          reflexões, o autor desnuda a estrutura do futebol nacional
Educação com enfoque nas relações     de Campinas e Atlético Paranaense. Além disso, atuou               e dialoga com os vários atores participantes desse
entre esporte, sociedade e educação   três anos na Europa, jogando pelo Le Mans da França,               processo, tais como pais, dirigentes, expectadores e os
no Brasil e no Mundo.                 regressando em 2009 para defender o Corinthians. Paulo             jogadores, estejam eles em formação ou sendo já
                                      André pode ser considerado uma exceção no meio                     profissionais.
http://buscatextual.cnpq.br/buscat    futebolítisco atual, caracterizado pelo tom blasé dos                       O livro O Jogo da Minha vida é, no entanto, muito
extual/visualizacv.do?id=S4332342     discursos. Muito articulado com as palavras e as ideias,           mais que uma biografia, um rico material para pensarmos
                                      busca conciliar ao máximo o futebol e os estudos de                a realidade do futebol brasileiro através dos olhos de um
                                      forma autodidata, para que possa praticar a reconversão            nativo do campo esportivo que possui o devido
Contato:                              profissional ao final de sua carreira, como ele mesmo              distanciamento que nos leva a bem compreender os
cabelovf@hotmail.com                  destaca no livro. Toda essa sua trajetória é o combustível         problemas e a estrutura do futebol nacional,
                                      e o fio condutor da autobiografia.                                 principalmente no que concerne à formação de nossos
                                               A obra está dividida em três partes. A primeira           atletas. O livro é um retrato do futebol nacional e a
                                      intitula-se Futebol amador e nela Paulo André relata desde         história de Paulo André poderia ser, na verdade, a de
                                      o momento em que decidiu se tornar um jogador de                   muitos outros jovens no Brasil, sendo necessário para isso
                                      futebol, na infância, até a assinatura de seu primeiro             que apenas fosse trocado nome do autor.
                                      contrato profissional, com o Guarani de Campinas. Nessa                     Talvez a primeira parte do livro seja a mais
                                      primeira parte são descritas as “veias abertas da formação         interessante por mostrar uma realidade ainda pouco
                                      de atletas”2, ou seja, as dificuldades e o cotidiano das           conhecida ou divulgada na mídia para os espectadores de
                                      categorias de base no futebol brasileiro vivenciadas por           futebol. Nela é evidenciado um esporte sem
                                      ele.                                                               regulamentação ou fiscalização efetiva, que estimula seus
                                               O autor procura desconstruir as ideias divulgadas         jovens a buscar a profissionalização no futebol, mas que
                                      na grande mídia sobre o sucesso da profissão de jogador            quase não oferece amparo para seu desenvolvimento
                                      de futebol e suas facilidades. Com isso, Paulo André               esportivo, e muito menos incentivo para a formação de
                                      relata o caminho percorrido por ele antes de ser                   um cidadão nos bancos escolares. Por isso, no texto são
                                      profissional e as várias dificuldades e incertezas que o           mostradas as dificuldades de conciliação da escola com o
                                      esporte lhe proporcionou, além dos diversos sacrifícios            futebol, produzindo jovens que somente sabem jogar, mas
                                      que precisou enfrentar para alcançar seu objetivo.                 sem possibilidade de reconversão profissional em caso de
                                                                                                         não obterem sucesso na carreira ou quando se retirarem
                                                                                                         dos palcos esportivos.




                                                                  1
                                                            http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
                                                                                                                                                                  4
                                                                              blogd onu cl eo @gma i l. co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                          NÚMERO


                                                                                                                                                                          02
                             Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea                                                        AGOSTO
                                                                                                                                                                           2012




                                                                                                                                                                            1

         Além disso, é posta em análise a quantidade de                 Esse processo foi influenciado pelo processo de
jovens que serão excretados desse circuito futebolístico e     hipermercantilização do esporte mundial verificado a
que, sem escolarização adequada, acabarão ocupando             partir da década de 1970 com o desenvolvimento
postos de trabalho subvalorizados. Nesse ponto devemos         tecnológico, proporcionado pelo avanço dos meios de
lembrar que os relatos de Paulo André, corroboram as           comunicação e transporte, o desenvolvimento da televisão
assertivas de Arlei Damo sobre a formação de                   e a ampliação do número de pessoas interessadas em
futebolísticas à "brasileira"3, ou seja, privilegiando quase   acompanhar as competições. Através disso, ocorreu a
exclusivamente a obtenção de capitais futebolísticos.          multiplicação do público e conseqüentemente, o potencial
         Apesar de Paulo André poder ser caracterizado         mercantil do esporte, fato que traria mudanças na
como um jogador exceção na sua concepção de                    organização dos torneios e nas próprias regras que dão
estruturação sobre o futebol no Brasil e no mundo, em          formato às modalidades esportivas.
determinados elementos esse atleta ainda perpetua em                    Isso ficou bem claro na associação da FIFA com as
seus discursos alguns elementos do senso comum                 grandes empresas multinacionais, como a Adidas e a
                                                                                                                                  1BARROS, José Mario de. Futebol: Porque foi...
futebolístico.                                                 Coca-Cola principalmente a partir do início da década de           Porque não é mais. São Paulo: Sprint
Com isso, é interessante analisar o livro também como um       1980 transformando essa federação esportiva quase que              Editora,1990.
discurso cristalizado do atleta e como a representação de      numa empresa do ramo do entretenimento. Assim a                    2Esse termo é uma paráfrase ao livro de Eduardo
sua visão sobre o esporte e o futebol. Nesse ponto, cabe       exposição cada vez maior desses esportes em um contexto            Galeano intitulado “As veias abertas da América
ressaltar novamente que Paulo André é um nativo desse          televisivo na década de 1980 e sua consolidação na década          Latina”. Nesse livro o autor disserta sobre a
                                                                                                                                  história da América latina expondo eventos de
campo e com isso possui, por dentro dessa estrutura,           de 1990 proporcionou o consumo deles em formas                     grande impacto para a história do continente.
certo conhecimento de seu funcionamento, mas talvez            inéditas e estabeleceu a construção de um esporte-
                                                                                                                                  3Esse denominação de modelo à “brasileira” foi
não consiga observá-la como um maior distanciamento            espetáculo e do jogador-mercadoria.                                cunhado pelo antropólogo Arlei Sander Damo
em determinados pontos.                                                 O jogador não é mais somente um especialista em           (2007) para descrever as especificidades da
                                                                                                                                  formação dos atletas brasileiros mais focados na
                                                               determinado ofício, ele é também uma imagem a ser
                                                                                                                                  obtenção de capitais futebolísticos do que na
                   “os nativos, mestres e aprendizes têm       veiculada a produtos e demandas que só podem ser                   formação educacional básica.
                   um domínio difuso do que sejam as           valorizados se suas performances dentro e fora de campo
                                                                                                                                  4DAMO, Arlei Sander. Do Dom a Profissão:
                   categorias amplas instituídas pelo          estiverem boas. Sendo essas performances fora de campo             formação de futebolistas no Brasil e na França.
                   Estado e pela FIFA, o que não impede                                                                           São Paulo: Aderaldo e Rothschild Editora,
                                                               entendidas como as práticas sociais valorizadas numa
                   que eles as manipulem e observem-                                                                              Anpocs, 2007. Pág 145
                                                               sociedade capitalista, tais como o ascetismo, a disciplina e
                   nas”4
                                                               o profissionalismo em suas atitudes.
         Esse talvez seja o motivo pelo qual ao longo de                O trabalho duro, compromissado e árduo é, dessa
todo o livro ele realize diversas críticas ao futebol          forma, parte do profissionalismo propagandeado pelo
brasileiro, à formação das categorias de base e ao             autor e visto como condição sine qua non para a
comportamento dos atletas, mas sem indicar com precisão        sobrevivência dos mais aptos, como descreve na terceira
a quem as críticas se dirigem. Isso mostra como ele tem o      parte, intitulada de Reflexões. Com isso, mesmo que não
conhecimento dos problemas, consequência direta de             perceba, reitera o discurso do mercado com sua mão
suas experiências cotidianas, mas não consegue                 invisível premiando e selecionando os atletas que mais se
compreender os delineamentos macrossociais desses              encaixam na lógica de comportamento do modelo
processos.                                                     considerado ideal e valorizado nesses novos tempos de
         Nesse ponto o livro procura romper com as             mercantilização do esporte. O atleta-máquina, dócil, mas
representações do jogador apenas como ícone pop da             também consciente de suas funções como atleta.
cultura globalizada e igualmente discutir a própria                     A biografia de Paulo André avança bastante ao
estrutura de formação dos atletas. No entanto, não             “colocar para jogo” bastidores da formação, com
consegue avançar mais em suas análises, pois recai em          indagações e opiniões de alguém que está cotidianamente
discursos pré-formatados sobre o sucesso e sua relação         imerso nesse campo e pode, dessa forma, suscitar debates
direta com o comprometimento nos treinos, na obediência        para além da academia. Mas essa imersão no campo
as hierarquias e ordens dentro do clube e na manutenção        esportivo ao mesmo tempo internaliza discursos e
do condicionamento físico. Dessa forma, reproduz as            posicionamentos que valorizam atitudes, e concepções
concepções dominantes sobre o comportamento esperado           responsáveis pela legitimação das práticas do mercado
dos atletas.                                                   dentro do futebol. Sendo assim a imersão no campo é um
         Toda essa obra é na verdade a narração de uma         elemento importante para compreender questões muitas
trajetória vitoriosa de um atleta que supera as                vezes conhecidas apenas pelos nativos, mas também pode
adversidades e os problemas por meio do trabalho duro,         trazer os perigos de concepções naturalizadas e
da privação e da responsabilidade. A fala de Paulo André       atemporais, como se determinadas práticas realizadas por
é um elogio ao profissionalismo do jogador de futebol,         eles fossem um processo natural, inexorável e realizados
para que ele se torne um atleta e não apenas um jogador,       “desde sempre”.
como destaca o autor.                                                   No mais o livro deve ser visto como um olhar do
         Esse discurso do atleta que começou a jogar a         nativo sobre sua realidade, mas também como uma fonte
partir de 1995 é consequência direta do processo de            histórica e sociológica do futebol nacional, observando-se
transformação pelo qual passa o futebol brasileiro desde o     em seu interior a construção do discurso e o contexto no
final da década de 1990, com uma maior                         qual foi produzido.
profissionalização dos campeonatos e da estrutura dos
clubes de futebol. Nessa questão a profissionalização do
jogador também é requerida e preconizada pelos
instrumentos midiáticos, os investidores e os torcedores.
Isso porque estando o futebol imbricado no sistema
capitalista mundial e sendo dentro dele uma mercadoria,
a obtenção de lucros e manutenção como produto
atraente está diretamente relacionada com a forma de                       1
gestão e atuação dos atores diretamente envolvidos com o
                                                                      http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
jogo.                                                                                                                                                                         5
                                                                                        blogd onu cl eo @gma i l. co m
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                            NÚMERO




                          Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                            02
                                                                                                                                                            AGOSTO
                                                                                                                                                             2012




                                                                                                                                                              1


                                                            POLÍTICA E SOCIEDADE
                                       OLIMPÍADAS
                                                                                                                                Alexandre Fernandez Vaz
                                                                                                                                       Professor da UFSC

                                                Os Jogos Olímpicos de Londres atualizaram o          absteve de cantar louvores ao regime nazista que, por sua
                                       mito do encontro esportivo entre nações celebrado a cada      vez, não se furtou de fazer o elogio ao corpo esportivo
                                       quatro anos. Decalcando as Olimpíadas da Antiguidade,         "puro", asséptico, higiênico, sem misturas, máculas ou
                                       os Jogos modernos deveriam reafirmar a paz e a união          história, condição que corresponde ao totalitarismo.
                                       entre os povos, suspendendo as eventuais guerras para                   Apesar das inúmeras e rigorosas regras para a
                                       sua realização, segundo o espírito do ideário do Barão de     captação e divulgação de imagens, os Jogos de Londres
                                       Coubertin. Ele e outros aristocratas, no final do século      foram, sem dúvidas, a edição olímpica em que elas com
                                       dezenove, levaram adiante aquele objetivo que quase           mais velocidade e alcance estiveram disponíveis. De
                                       soava anacrônico em tempos já de sociedade burguesa           atletas e público foi exigida toda uma etiqueta a ser
                                       consolidada: reunir atletas para, sem interesse financeiro,   cumprida nos locais de competição, sendo a preocupação
                                       representarem a si e a seus países em uma contenda            maior a de não ferir os interesses dos patrocinadores. Nas
                                       esportiva. O prazer desinteressado deveria vir antes da       praças esportivas não se podia consumir alimentos que
                                       busca frenética por recordes e vitórias.                      não os oficiais, tampouco estava autoriza a manifestação
                                                Quase que um último suspiro da aristocracia, em      política.
                                       seu impulso neoclássico de restauração de um poder                      De fato, os Jogos já foram lugar de embates
Sobre o autor
                                       ferido de morte cem anos antes, com a Revolução               históricos para além dos campos esportivos, como o gesto
                                       Francesa, os Jogos proibiram durante muito tempo a            de dois velocistas estadunidenses medalhistas no México,
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor
                                       participação de profissionais. Nada mais estranho ao          em 1968, punhos em luvas negras erguidos durante o
pela Leibniz Universität Hannover.
                                       mundo aristocrático do que a democracia e o trabalho          hasteamento da bandeira a execução do hino nacional na
Professor dos Programas de Pós-
                                       para o próprio sustento, de forma que aqueles que             cerimônia de premiação. Ou como os boicotes de países
graduação      em     Educação    e
                                       ganhavam a vida com o próprio corpo deveriam ficar            africanos em 1976, dos Estados Unidos e vários aliados em
Interdisciplinar     em    Ciências
                                       alheios à festa. Em arroubo sexista, inicialmente também      1980, dos soviéticos e sua área de influência em 1984.
Humanas da Universidade Federal
                                       vedavam a participação de mulheres, já presentes, no          Foram também lugar de terrorismo, a exemplo do
de     Santa     Catarina   (UFSC).
                                       entanto, na segunda edição das Olimpíadas.                    sequestro e assassinato de onze atletas israelenses nos
Coordenador do Núcleo de Estudos
                                                Nas Olimpíadas de Londres não vimos nada             Jogos de Munique, em 5 de setembro de1972, por um
e Pesquisas Educação e Sociedade
                                       disso. Lá estavam atletas altamente profissionais a           comando palestino que desejava intercambiá-los por
Contemporânea         (UFSC/CNPq).
                                       disputar medalhas acompanhadas de bônus por vitórias e        presos em Israel. A assepsia política atual não visa a
Pesquisador CNPq.
                                       de uma exposição jamais experimentada. Historicamente,        proteção do ideal aristocrata da paz nesses dias de Jogos,
                                       a presença de profissionais nas competições foi sendo         como faz supor a indústria do entretenimento, mas a
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
                                       paulatinamente tolerada, primeiro no futebol, depois em       proteção do grande negócio que o evento é.
extual/visualizacv.do?id=B295957
                                       outros esportes. A discussão foi inteiramente superada                  Terá sido impossível controlar as milhares de
                                       com o fim da Guerra Fria. Os países que compunham o           pessoas com seus refinados aparatos tecnológicos a captar,
Contato:
                                       Pacto de Varsóvia se orgulhavam de promover o espírito        montar e divulgar imagens e textos de forma quase
alexfvaz@uol.com.br
                                       olímpico, negando o profissionalismo, mas abrigando,          instantânea. Os próprios expectadores foram personagens
                                       sob forte apoio estatal, seus atletas, demarcando um dos      dos enredos que inundam as redes sociais, assim como os
                                       muitos paradoxos do socialismo real, a defesa de um           atletas. Walter Benjamin disse nos anos 1930, que o ator de
                                       modelo esportivo aristocrático. Pensando bem, é enorme        cinema atuava no enfrentamento da câmera; Riefenstahl
                                       a coerência da plutocracia soviética com o esporte            inventou os atletas como atores modernos, assim como
                                       olímpico, em especial no contexto da corrida tecnológica      fizera com os políticos em Triunfo da Vontade,
                                       perpetrada por ela e pelos países da OTAN. Conquista do       documentário sobre um congresso do Partido Nazista. O
                                       espaço, armamentos para os conflitos do Terceiro Mundo        esporte há muito que não é apenas documentado ou
                                       e instrumentalização dos corpos no esporte (em que            transmitido, mas produzido e realizado para ser
                                       pontificava o doping), foram armas importantes na             capturado pelas lentes que cada vez mais são o
                                       batalha sem fronteiras que sucedeu a II Guerra Mundial e      prolongamento do olho. Mercadoria espetacular, os Jogos
                                       que durou até o início dos anos 1990, quando o Império        já não foram apenas em Londres, mas em todos os lugares
                                       Soviético caiu "como um castelo de cartas", segundo a         ao mesmo tempo.
                                       expressão do historiador Eric Hobsbawm.                                 O ideário aristocrata já não está presente nas
                                                O esporte sempre andou pari passu com as             Olimpíadas, o que não deixa de ser uma vantagem.
                                       imagens que o divulgam. Contemporâneo do cinema e da          Espetáculo global de atletas que devemos admirar pelas
                                       grande imprensa, os Jogos Olímpicos foram, em                 proezas, negócio dos mais lucrativos a mobilizar
                                       Berlim/1936, tema de uma das primeiras transmissões           sentimentos difusos em nosso tempo, como o
                                       televisivas experimentais. Aquela Olimpíada inaugurou         nacionalismo e a identificação patriótica. Melhor seria ver
                                       ainda a moderna maneira de filmar e, portanto, de ver         tudo isso como um jogo, que sempre tem algo de gratuito
                                       esportes. Tudo o que se assiste hoje na TV pôde ser           e simplório, de fascinante e grandioso. Aos Jogos
                                       antevisto antevisto no documentário de Leni Riefenstahl,      Olímpicos, a devida importância. E nada mais.
                                       Olympia, na captação de imagens, na montagem ou na
                                                                                                     1
                                       narrativa. Nazista desde sua concepção, o projeto de            Uma versão deste texto foi publicada no Diário Catarinense (DC
                                                                                                     Cultura) em 11 de agosto de 2012, sob o título de Olimpíada da
                                       Riefenstahl não é, no entanto, mostra de uma suposta
                                                                                                     imagem.
                                       "traição" aos ideais olímpicos pelos Jogos organizados
                                       pelo Nacional-socialismo. O Barão de Coubertin não se


                                                                                                                                                                        6
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                              NÚMERO




                          Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                              02
                                                                                                                                                              AGOSTO
                                                                                                                                                               2012




                                                                                                                                                                1


                                                            POLÍTICA E SOCIEDADE
                                       POLÍTICA ESPORTIVA, MEDALHAS E UMA
                                       GEOPOLÍTICA À BRASILEIRA
                                                                                                                            Wagner Xavier de Camargo
                                                                                                           Doutor em Ciências Humanas pela Universidade
                                                                                                                                Federal de Santa Catarina


                                                Os jornais televisivos e virtuais noticiaram no            é exemplo similar. O jovem país participou pela primeira
                                       último dia das Olimpíadas de Londres, que o Comitê                  vez das Olimpíadas em Londres-1948 e durante quase
                                       Olímpico Brasileiro (COB) anunciou ter cumprido a meta              quarenta anos manteve-se nas últimas posições do
                                       esportiva planejada para o Brasil nos Jogos. Segundo                famigerado quadro. A ascensão como Tigre Asiático e o
                                       consta, com R$ 100 milhões a mais para o esporte em                 redimensionamento da economia traduziram-se em
                                       relação ao que fora repassado pelas loterias no ciclo               investimento em educação com reflexos claros no esporte,
                                       olímpico chinês (à época, R$ 231 milhões), o país cumpriu           como se tem constatado. Se somadas as desta versão
                                       sua “missão”.                                                       olímpica de verão, o país totaliza 244 medalhas em sua
                                                Que geopolítica esportiva é essa, que com esse             história.
                                       plus de milhões, só garantiu duas medalhas a mais em                         Estes dois países são exemplos a serem seguidos.
Sobre o autor                          relação ao resultado de 2008? Como se pode avaliar a                Terminam        estas    Olimpíadas      em      colocações
                                       campanha do país no conjunto dos resultados obtidos                 inquestionáveis: a Grã-Bretanha em 3º lugar, com 29
Wagner Xavier de Camargo é             nestes Jogos Olímpicos? As marcas e medalhas                        ouros, e a Coréia do Sul em 5º lugar, com 13 ouros.
cientista social com mestrado em       aguardadas na natação não vieram a contento. Nas classes                     Muitos dirão que tais efeitos foram possíveis
Educação Física. Doutor em Ciências    da vela, outras decepções: o "feijão com arroz básico" não          porque tais países sediaram Olimpíadas – isto é, o
Humanas pela Universidade Federal      garantiu o que o potencial da modalidade predizia. O                planejamento governamental refletiu-se em méritos
de Santa Catarina (UFSC), foi          atletismo só flertou com possibilidades e nada trouxe. No           esportivos. Eu não apostaria tantas fichas neste
bolsista da Deutscher Akademischer     hipismo, diz-se que faltaram cavalos adequados. E teve              argumento. E mais: os resultados concretos (e
Austausch-Dienst     (DAAD)      em    até algoz do lado das forças (sobre)naturais, como ventos           sistematicamente melhorados em termos de número de
estágio internacional na Freie         demoníacos e usurpadores de chances. O boxe é caso                  medalhas) são sintomas de, no mínimo, forte investimento
Universität Berlin (FU Berlin),        excepcional e merece ser considerado à parte. No                    no esporte de base e clara política de detecção de talentos,
Alemanha. Insere-se no campo dos       alvorecer de sábado, penúltimo dia de competições na                além de investimentos permanentes na manutenção de
estudos antropológicos das práticas    capital londrina, os meios de comunicação destacavam –              jovens no meio esportivo. Não é preciso ir muito longe
esportivas e dedica-se, com especial   alguns de modo modesto, outros mais enfáticos – que a               para colher um exemplo disso: se na Colômbia o grande
destaque,    à   investigação   das    campanha brasileira foi “a melhor dos últimos vinte                 capital de fomento ao esporte vem da esfera pública
relações     de     gênero     entre   anos”. Atente-se para o detalhe: desde Barcelona-92 não             (como acontece em nosso país), distintamente daqui, lá se
masculinidades nos esportes de         íamos tão bem no quesito “total de medalhas”!                       mantém um programa de incentivo a milhares de crianças
competição.                                     Ou seja, mesmo não entrando no mérito da                   com aptidão esportiva que necessitam do desempenho
                                       distribuição de ouros, pratas e bronzes, depois das 15              escolar para obterem o auxílio. Aqui os oficiais Comitês
http://buscatextual.cnpq.br/buscat     medalhas em Atlanta-96, 12 em Sydney-2000, 10 em                    Olímpico e Paralímpico investem unidirecionalmente no
extual/visualizacv.do?id=B195056       Atenas-04, 15 em Pequim-08, agora foram as incríveis 17             alto nível e algumas ONGs que se propõem a inserir e
                                       medalhas       conquistadas!    Realmente      um     feito         estimular crianças e adolescentes carentes em programas
Contato:                               surpreendente! Sozinho nesta versão olímpica, Michael               esportivos, acabam suspeitas de corrupção e desvio de
wxcamargo@gmail.com                    Phelps conseguiu mais ouros que os/as atletas/as                    verbas públicas.
                                       brasileiros/as (e mesmo que todas as modalidades em                          A reincidência à pergunta é para fazer pensar: que
                                       que o país esteve presente) lá nos Jogos. Sabe-se,                  geopolítica é esta em que um resultado de 17 medalhas é
                                       igualmente, que ele conquistou, em sua jovem carreira               ovacionado? Só se for à moda brasileira mesmo. Aliás,
                                       esportiva, mais ouros do que a Argentina em toda a sua              como já disse certa vez o inigualável Nelson Rodrigues:
                                       história olímpica.                                                  "O brasileiro não está preparado para ser 'o maior do
                                                Mas não pensem que apenas o Brasil tem este                mundo' em coisa nenhuma. Ser 'o maior do mundo' em
                                       histórico de resultados parcos, quase insignificantes.              qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma
                                       Depois dos promissores anos do início do século XX, a               grave, pesada e sufocante responsabilidade." Por essas
                                       Grã-Bretanha amargou desempenhos relativamente                      lógicas ilógicas é que continuamos fadados a vestir a
                                       fracos no quadro geral de medalhas, o que a levou a uma             fantasia de “sempre brasileiros”: fazemos festa por duas
                                       política de remodelamento do sistema e replanejamento a             anacrônicas medalhas a mais no quadro geral, bebemos
                                       médio e longo prazos após o fiasco de Atlanta-96 (quando            nossa cerveja, amamos nossas mulheres (mulatas,
                                       os britânicos conquistaram, no total, apenas 15 medalhas).          obviamente, porque vivemos de estereótipos) e na
                                                Nas versões sucessivas foram 28 (Sydney-2000),             segunda-feira de trabalho já esquecemos tudo o que
                                       30 (Atenas-04) e 47 medalhas (Pequim-08). O principal               aconteceu. E que venha a festa apoteótica “Rio-2016”!
                                       foco foi incentivar esportes até então nacionalmente
                                       pouco desenvolvidos, como o ciclismo. A Coréia do Sul é




                                                                       1
                                                              htt p:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
                                                                                blogd onu cl eo @gma i l. co m                                                            7
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                            NÚMERO




                        Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                            02
                                                                                                                                                            AGOSTO
                                                                                                                                                             2012




                                                                                                                                                              1


                                                             POLÍTICA E SOCIEDADE
                                     LONDRES 2012: UMA EXPERIÊNCIA OLÍMPICA
                                                                                                                        Michelle Carreirão Gonçalves
                                                                                                              Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
                                                                                                                                   em Educação /UFSC



                                             Sou fã de esportes. Adoro assistir as mais                  Atletas misturavam-se com ex-atletas e não atletas. Os
                                     diversas competições. E em tempos de Jogos Olímpicos,               pontos turísticos estavam abarrotados de curiosos com
                                     fico completamente fora do ar, curtindo na frente da TV             suas máquinas fotográficas, câmeras, celulares e tablets nas
                                     as duas semanas em que ocorre o maior evento esportivo              mãos, querendo registrar o momento, os lugares, captar
                                     mundial. Neste ano, por conta da proximidade                        aquela atmosfera em que os heróis olímpicos descem e se
                                     geográfica, tive a oportunidade de estar na cidade sede             misturam aos homens comuns. Já nas arenas, o
                                     dos Jogos durante os últimos dias da Olimpíada.                     movimento era outro: as ordinary people procuravam se
                                             Londres estava incrivelmente organizada e                   diferenciar por meio de pinturas, de fantasias, de gritos,
                                     preparada para receber os milhares de visitantes vindos             enfim, das diversas formas de chamar a atenção da
Sobre a autora                       de todos os cantos do mundo para prestigiar, ver, torcer,           câmera de TV. Ali, nada parecia mais importante do que
                                     sofrer e se alegrar com os Jogos. A cada esquina era                ser filmado e ter a imagem projetada no telão da arena.
Michelle Carreirão Gonçalves é       possível encontrar duplas de policiais fazendo a                    Nem mesmo a torcida pela seleção preferida parecia ser
Licenciada      em        Educação   segurança, mas também dando informações, auxiliando                 mais importante.
Física/UFSC;       Mestre       em   no que fosse preciso. Nas estações do Underground (o                        Nesse lugar cheio de deuses disfarçados de mortais,
Educação/UFSC; Graduanda do          metrô londrino), muitos voluntários dando dicas,                    e de mortais tentando ter seu momento estrelar, também
curso       de     Filosofia/UFSC;   mostrando as direções e caminhos para os mais variados              não contive a emoção ao me deparar com alguns atletas
Doutoranda do Programa de Pós-       locais de competição. Eles também podiam ser vistos nos             conhecidos do Brasil: Flavio Canto (ex-judoca,
Graduação em Educação/UFSC;          parques e em diferentes lugares da cidade, com suas                 comentarista de uma emissora de TV), Fabiano Peçanha
Bolsista    CNPq    (UFSC/Leibniz    camisetas rosa e sua boa vontade, sempre prontos para               (corredor de 1500m e 800m, prova que disputou), Virna
Universität Hannover); Membro do     ajudar. Muitos falavam outros idiomas, algo inclusive               (ex-jogadora de vôlei, também comentarista) e Dani Lins
Núcleo de Estudos e Pesquisas        sinalizado nas respectivas camisetas (encontrei um desses           (levantadora da seleção de vôlei, medalhista de ouro).
Educação         e       Sociedade   Staffs que tinha um pequeno botton dizendo “Ich spreche                     Mas foi o encontro fortuito com um campeão
Contemporânea.                       Deutsch” – “Falo alemão” – e fiquei muito feliz, apesar de          olímpico que me emocionou de um jeito inimaginável.
                                     estar me virando em inglês). E havia ainda as pessoas               Quando aquele sujeito muito alto passou na direção
http://buscatextual.cnpq.br/buscat   comuns, moradores da cidade, que foram também muito                 contrária a minha, entrando na estação de metrô,
extual/visualizacv.do?id=K4770696    receptivos. Numa manhã, um senhor que saía de um                    reconheci seu rosto. Para confirmar, li em seu crachá:
U7                                   prédio, ao ver eu e minha companheira de viagem,                    Joaquim Cruz. Eu e minha parceira de aventura olímpica
                                     Viviane Silveira, perdidas com um mapa na mão,                      não acreditamos no que vimos. Pensamos: “com ele
                                     atravessou a rua, mudou sua rota e veio nos perguntar,              precisamos tirar uma foto”. E o chamamos de Joaquim,
Contato:                             “What are you looking for?”                                         assim, como se fôssemos íntimas. Ele se virou e pareceu
michelle_carreirao@yahoo.com.br              Para quem não tinha ingressos para assistir suas            um pouco assustado, um tanto surpreso talvez, porque
                                     modalidades preferidas, era possível ir até algum grande            não esperava ser parado ali, ainda mais por duas fãs que
                                     parque, como o Hyde ou o Victoria, e assistir, numa                 não são da geração que o viu correr e brilhar nas pistas do
                                     imponente estrutura montada com telões, praça de                    mundo (ele foi campeão olímpico em 1984, quando eu
                                     alimentação, banheiros e atividades de lazer, o que                 tinha apenas 1 ano de idade). Mas foi incrivelmente
                                     estivesse sendo transmitido por lá, geralmente disputas             simpático e atencioso. Aquele foi meu momento olímpico,
                                     com participação de equipes da Grã-Bretanha ou as finais            completamente mágico, quando Joaquim Cruz, um dos
                                     das modalidades.                                                    meus ídolos do atletismo, dedicou um breve instante do
                                             Fiquei impressionada com a quantidade de “sem               seu tempo para oferecer uma imagem sorridente para a
                                     ingressos” pela cidade. Havia bastante gente tentando               fotografia, capturada pela objetiva e retida de modo
                                     descolar algo em frente aos estádios e ginásios, horas              singular na minha memória. E é a ele e a todos os atletas
                                     antes das partidas. Muitos brasileiros, inclusive. Por sinal,       que me fizeram e ainda me fazem emocionar, me
                                     a presença brasileira também me impressionou, com suas              surpreender e me fascinar ao ver esportes, que agradeço.
                                     fantasias verde-e-amarelas, suas bandeiras enchendo a               Nisso concordo com Gumbrecht: não há nada mais
                                     cidade. Nada como viver em tempos de economia                       importante a agradecer ao esporte do que o prazer que ele
                                     aquecida em terras tupiniquins.                                     nos proporciona.
                                             Pelas ruas da cidade, por todos os cantos, gente,
                                     muita gente, com as mais diversas caras, línguas e cores.
                                     Vestindo uniformes, camisetas, trazendo bandeiras.
                                     Atletas




                                                                      1
                                                               http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/
                                                                                  blogd onu cl eo @gma i l. co m                                                        8
CONTEMPORÂNEA
                                                                                                                                                                   NÚMERO




                          Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
                                                                                                                                                                   02
                                                                                                                                                                   AGOSTO
                                                                                                                                                                    2012




                                                                                                                                                                     1


                                                                                     EDUCAÇÃO
                                       EDUCAÇÃO INFANTIL:
                                       CARÁTER PÚBLICO E FORMAÇÃO ILUMINISTA
                                                                                                                                         Alexandre Fernandez Vaz
                                                                                                                                                Professor da UFSC


                                                A educação infantil é direito das famílias, em                     Da mesma forma, a pauta da educação infantil
                                       especial das crianças, e, como tal, obrigação do Estado.            não pode ser a do calendário do comércio e do consumo.
                                       Meninos e meninas frequentam as instituições de                     Para ser formativa, ela deve apresentar às crianças formas
                                       educação infantil não só porque os pais trabalham, mas              de interpretar o mundo que não equiparem poder de
                                       porque lá podem e devem ter experiências educativas                 compra e fascinação pela mercadoria a sucesso e
                                       singulares. Professoras com formação especializada e                felicidade. Os pequenos são expostos a todo tipo de
                                       outros profissionais cuidam dos pequenos, colocando-os              demanda do mercado, em especial neste país, em que a
                                       em contato mais próximo com o mundo elaborado pela                  televisão como alternativa de entretenimento, tem uma
                                       ciência e pela arte, com o quê já existia antes de eles             onipresença brutal na vida de cada um de nós. A presença
                                       nascerem e é constantemente renovado. Brincar é                     agressiva da propaganda, com ofertas em cores e formas
                                       atividade própria das crianças, ainda que não                       com personagens e brinquedos que parecem exigir um
Sobre o autor
                                       exclusivamente delas. Na educação infantil encontram                gozo sem limites, exige a disposição para o combate
                                       espaço, tempo, materiais e mediações de pares e de                  pedagógico. Oferecer outros modelos de interpretação do
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor
                                       adultos para isso. Com as brincadeiras e outras                     mundo, distintos da indústria do entretenimento, é algo
pela Leibniz Universität Hannover.
                                       atividades, propostas ou espontâneas, elas aprendem                 que a educação não deve prescindir.
Professor dos Programas de Pós-
                                       conceitos, desenvolvem o senso estético e a moralidade.                     A educação infantil é essencial para a formação
graduação      em     Educação    e
                                       As brincadeiras são experimentações lúdicas que não                 das crianças. Mas, para que sua promessa se cumpra,
Interdisciplinar     em    Ciências
                                       prescindem de um movimento que é similar ao da                      precisamos levar muito a sério, e em sentido extenso, o
Humanas da Universidade Federal
                                       composição da obra de arte, combinando a abertura dos               caráter público da educação. Pequenos iluministas,
de     Santa     Catarina   (UFSC).
                                       sentidos com o esforço intelectual.                                 sensíveis e não conformistas, para que possam se tornar
Coordenador do Núcleo de Estudos
                                                Assim como depois fará a escola, a educação                pessoas críticas e autônomas, é o que queremos que as
e Pesquisas Educação e Sociedade
                                       infantil deve preparar as crianças para a vida pública,             crianças sejam.
Contemporânea         (UFSC/CNPq).
Pesquisador CNPq.                      para no futuro atuarem criticamente em sociedade. Como
                                       bem destacou Hannah Arendt, cabe aos adultos                        1 O texto é devedor de contribuições de Ana Cristina Richter,
                                       mostrarem a elas o mundo que as recebe, ao mesmo                    Gisele Carreirão Gonçalves, Josiana Piccolli e Michelle Carreirão
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
                                                                                                           Gonçalves, sem que isso as torne responsáveis por qualquer dos
extual/visualizacv.do?id=B295957       tempo em que devem protegê-las, desencarregando-as de
                                                                                                           equívocos nele presentes. Uma versão mais resumida foi
                                       tarefas e expectativas que são daqueles que já cresceram.
                                                                                                           publicada na coluna Opinião, do Diário Catarinense, n. 9649, em
Contato:                               O imenso desafio que se coloca para a educação é o de
                                                                                                           19.ix.2012, p. 18, sob o título de Por uma educação infantil.
                                       efetivar a formação dos pequenos frente a este mundo,
alexfvaz@uol.com.br
                                       sem deixar que neles se perca a possibilidade de
                                       transformação deste mesmo mundo.
                                                Como espaço de formação, a educação infantil
                                       diferencia-se da família em concepção, organização e
                                       práticas. Não há dúvidas sobre a importância da presença
                                       da família nas instituições de educação infantil, mas elas
                                       devem ter calendários distintos porque atuam na
                                       formação de forma diversa. Os eventos nas instituições,
                                       por exemplo, devem ser distintos das celebrações
                                       domésticas. É preciso diferenciar espaço público de vida
                                       privada.
                                                A educação pública não pode, por exemplo, fazer
                                       proselitismo religioso, mas reforçar o próprio caráter
                                       laico, inclusive por respeito à pluralidade de crianças que
                                       recebe. É bom que no interior da instituição os adultos
                                       coloquem entre parênteses suas crenças e que ajam sob os
                                       desígnios da razão pública. Professoras que expõem as
                                       crianças a canções e filmes religiosos, que as ensinam a
                                       rezar e as ameaçam com castigos "divinos", ou com
                                       quaisquer outros, devem rever sua prática.




                                                                        1
                                                                 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. co m .b r/
                                                                                   blogd onu cl eo @gma i l. co m                                                              9

Weitere ähnliche Inhalte

Empfohlen

2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by Hubspot2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by HubspotMarius Sescu
 
Everything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPTEverything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPTExpeed Software
 
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsProduct Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsPixeldarts
 
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthHow Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthThinkNow
 
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfAI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfmarketingartwork
 
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024Neil Kimberley
 
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)contently
 
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024Albert Qian
 
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsSocial Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsKurio // The Social Media Age(ncy)
 
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Search Engine Journal
 
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summarySpeakerHub
 
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd Clark Boyd
 
Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Tessa Mero
 
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentGoogle's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentLily Ray
 
Time Management & Productivity - Best Practices
Time Management & Productivity -  Best PracticesTime Management & Productivity -  Best Practices
Time Management & Productivity - Best PracticesVit Horky
 
The six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementThe six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementMindGenius
 
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...RachelPearson36
 

Empfohlen (20)

2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by Hubspot2024 State of Marketing Report – by Hubspot
2024 State of Marketing Report – by Hubspot
 
Everything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPTEverything You Need To Know About ChatGPT
Everything You Need To Know About ChatGPT
 
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage EngineeringsProduct Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
Product Design Trends in 2024 | Teenage Engineerings
 
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental HealthHow Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
How Race, Age and Gender Shape Attitudes Towards Mental Health
 
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdfAI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
AI Trends in Creative Operations 2024 by Artwork Flow.pdf
 
Skeleton Culture Code
Skeleton Culture CodeSkeleton Culture Code
Skeleton Culture Code
 
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
PEPSICO Presentation to CAGNY Conference Feb 2024
 
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
Content Methodology: A Best Practices Report (Webinar)
 
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
How to Prepare For a Successful Job Search for 2024
 
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie InsightsSocial Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
Social Media Marketing Trends 2024 // The Global Indie Insights
 
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
Trends In Paid Search: Navigating The Digital Landscape In 2024
 
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
5 Public speaking tips from TED - Visualized summary
 
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
ChatGPT and the Future of Work - Clark Boyd
 
Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next Getting into the tech field. what next
Getting into the tech field. what next
 
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search IntentGoogle's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
Google's Just Not That Into You: Understanding Core Updates & Search Intent
 
How to have difficult conversations
How to have difficult conversations How to have difficult conversations
How to have difficult conversations
 
Introduction to Data Science
Introduction to Data ScienceIntroduction to Data Science
Introduction to Data Science
 
Time Management & Productivity - Best Practices
Time Management & Productivity -  Best PracticesTime Management & Productivity -  Best Practices
Time Management & Productivity - Best Practices
 
The six step guide to practical project management
The six step guide to practical project managementThe six step guide to practical project management
The six step guide to practical project management
 
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
Beginners Guide to TikTok for Search - Rachel Pearson - We are Tilt __ Bright...
 

Contemporânea número 02 - agosto de 2012

  • 1. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 PROSSEGUINDO COM A quase REVISTA Em seu segundo número, Contemporânea, nossa quase revista, segue seu propósito de colocar ideias em movimento. São sete os textos. Em Arte e Crítica podemos ler um comentário de Michelle Gonçalves sobre o filme Cheyenne – This Must Be The Place (Aqui é o meu lugar), de Paolo Sorrentini, em que Sean Penn incorpora as diabrites de um rockstar anacronicamente gótico a reconstruir uma memória que ele ainda não conhece. Em Cultura do Futebol temos duas contribuições. A primeira é de Mozart Maragno, cujo tema é o lugar e as expectativas que o futebol encontra no imaginário e nas demandas nacionais no contexto dos Jogos Olímpicos. Logo após publicamos a primeira resenha de Contemporânea, de Carlus Augustus Jourand Correia, sobre o livro O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um atleta, de Paulo André, zagueiro do atual campeão da Copa Libertadores da América, O Corinthians Paulista. Carlus mostra as ambiguidades do discurso nativo, apontando também em sua fecundidade como fonte histórica e sociológica. Política e Sociedade reúne três contribuições, todas sobre os Jogos Olímpicos. A primeira, escrita por mim, é uma reflexão sobre os Jogos como fenômeno contemporâneo, nascentes junto com os primeiros suspiros do que Eric Hobsbawm chamou de short century, mas em movimento que se atualiza em tempos em que tudo parece ser imagem. Wagner Camargo comenta o desempenho brasileiro nos Jogos de Londres, analisando-os nos termos das posições geopolíticas das nações olímpicas, dos investimentos nacionais e das expectativas que temos sobre o sucesso e o fracasso de nossos atletas. Finalizando esta seção, Michelle Gonçalves narra uma experiência como espectadora presente nas últimas Olimpíadas, mostrando como o prazer sensorial corresponde, em certa medida, àquele identificado por Hans Ulrich Gumbrecht, o de fruir a beleza dos esportes. Educação recebe um breve texto meu sobre a importância da educação infantil para a formação das crianças, em especial no que se refere, no interesse desta consideração, à formação para a vida pública e ao combate contra todo tipo de obscurantismo. Contemporânea segue recebendo textos, sempre procurando conversa livre, a boa polêmica, o livre pensamento. Sintam-se convidados a ler, criticar, escrever. Ilha de Santa Catarina, 20 de setembro de 2012. Alexandre Fernandez Vaz Nesta edição: Arte e Crítica CHEYENNE – THIS MUST BE THE PLACE Michelle Carreirão Gonçalves Cultura do Futebol FUTEBOL EM SUA FACETA "GENI" Mozart Maragno RESENHA: BENINI, Paulo André Cren. O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um atleta. São Paulo: Leya, 2012 Carlus Augustus Jourand Correia Política e Sociedade OLIMPÍADAS Alexandre Fernandez Vaz POLÍTICA ESPORTIVA, MEDALHAS E UMA GEOPOLÍTICA À BRASILEIRA Wagner Xavier de Camargo LONDRES 2012: UMA EXPERIÊNCIA OLÍMPICA Michelle Carreirão Gonçalves Educação EDUCAÇÃO INFANTIL: CARÁTER PÚBLICO E FORMAÇÃO ILUMINISTA Alexandre Fernandez Vaz 1 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ blog d onu cl eo @gma i l. co m 1
  • 2. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 ARTE E CRÍTICA CHEYENNE – THIS MUST BE THE PLACE Michelle Carreirão Gonçalves Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação /UFSC Dia desses assisti ao filme Cheyenne – This Must Be É interessante como o diretor italiano Paolo The Place (Aqui é o meu lugar, no Brasil) em um Freiluftkino Sorrentino trabalha com um jogo de cores nas diferentes (cinema a céu a aberto) de Berlim. O título é uma passagens de Cheyenne. Em Dublin, os tons são mais homenagem à homônima canção dos Talking Heads, no acinzentados, mais escuros, assim como a vida monótona filme interpretada pelo ex-vocalista da banda, David e depressiva; em Nova York as cores são vivas, agitadas Byrne, em pequena e especial participação. A experiência como a grande metrópole; no interior estadunidense, mais de assistir um filme em um parque, sentada numa cadeira no Novo México, as tonalidades passam por colorações do tipo espreguiçadeira, enrolada num cobertor (sim, amareladas, áridas, secas como a terra; já em Utah é porque as noites de verão alemão, muitas vezes, são frias), possível ver o branco e o azul gélido, anunciando o que Sobre a autora em meio a árvores e tendo apenas o céu estrelado sobre está por vir. minha cabeça, já valeria a viagem. Mas o filme também A saga de Cheyenne em busca do algoz de seu pai Michelle Carreirão Gonçalves é não decepcionou. é claramente seu movimento de maturação. Ele sai de Licenciada em Educação Cheyenne é o personagem principal interpretado Dublin, da segurança do lar, seu esconderijo de menino, Física/UFSC; Mestre em por Sean Penn, um roqueiro gótico que parece ter parado com o andar cabisbaixo e o olhar desprotegido, encarando Educação/UFSC; Graduanda do nos anos 1980, com suas roupas pretas, cabelo a dureza e a indiferença na cidade grande, as dores e a curso de Filosofia/UFSC; desarrumado, maquiagem carregadíssima no pó branco, insensibilidade no interior, a decadência e a outra versão Doutoranda do Programa de Pós- no lápis preto e no batom vermelho. A referência é da história no “fim do mundo”. E faz isso com sua roupa, Graduação em Educação/UFSC; claramente Robert Smith, vocalista do The Cure, que fez penteado e maquiagem de adolescente, carregando sua Bolsista CNPq (UFSC/Leibniz muito sucesso naquela década, com músicas como Boys inseparável mala de rodinhas. Por sinal, Cheyenne Universität Hannover); Membro do Don’t Cry e Friday I’m in Love. Além disso, há pitadas de aparece quase todo o filme, puxando algo (antes da mala, Núcleo de Estudos e Pesquisas Edward Mãos de Tesoura – interpretado por Johny Deep no há uma cesta de compras, também com rodas), um Educação e Sociedade filme homônimo (Edward Scissorhands, 1990) – e do apêndice, um peso que saiu de seus ombros Contemporânea. também roqueiro Ozzy Osbourne, que aparecem nos (parafraseando o próprio personagem numa das cenas em trejeitos de Cheyenne, no jeito de andar, de falar e olhar. que conversa com o inventor da mala com rodas), mas http://buscatextual.cnpq.br/buscat Cheyenne é um rockstar decadente que tem em que o persegue, que dificulta sua caminhada, que o atrasa, extual/visualizacv.do?id=K4770696 Dublin uma vida chata, cercado por sua mulher-bombeira que o torna cada vez mais deprimido. Não se sabe se o U7 (Frances MacDormand), um cachorro e uma fã que ele carrega é culpa pelo que ocorreu com seus fãs, inseparável, Mary (Eve Hewson que, por sinal, é filha de mágoa pelo rompimento com o pai, ou mesmo a Bono Vox, do U2, mais uma referência ao rock). Seus dias fragilidade e incapacidade de tomar sua vida nas próprias Contato: são gastos entre ir ao supermercado, isolar-se na solidão mãos (sua esposa é a figura forte e dominante da casa e, michelle_carreirao@yahoo.com.br da casa, ou ainda, tentar mediar o desespero da mãe de nesse sentido, mais próxima do arquétipo masculino; ela é Mary, por conta de um mistério que envolve seu filho pai ao dar segurança, mãe ao consolar, esposa na Tony. A reviravolta acontece quando Cheyenne tem de intimidade da cama). De toda forma, é somente depois de voltar à Nova York para rever o pai à beira da morte e sofrer seu tardio e longo rito de passagem, que Cheyenne com quem não mantinha contato havia trinta anos. Mas consegue encontrar seu lugar, deixando para trás a ele chega tarde, por conta de uma das suas fantasia de uma vida infanto-juvenil alegre e leve, e excentricidades, e não consegue se despedir. No assumindo, finalmente, os riscos, a responsabilidade, as momento em que reencontra a família judia, descobre que dores e as delícias de ser adulto. o pai passou grande parte da vida procurando o torturador que o havia supliciado em Auschwitz. É aí que o filme muda de vez. Cheyenne toma para si a busca do pai, e sai rodando pelo interior dos EUA, no melhor estilo road movie. 1 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ blogd onu cl eo @gma i l. co m 2
  • 3. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 CULTURA DO FUTEBOL FUTEBOL EM SUA FACETA "GENI" Mozart Maragno Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação /UFSC No momento de fechamento olímpico, quando a O contraste é claro, sedutor para a tradicional acidez seleção brasileira de futebol masculino foi medalha de nativa em relação aos bem sucedidos, mas perigoso. prata - ou seja, um resultado abaixo do que era esperado Vamos para as obviedades que o leitor está cansado de pelo grupo, pela imprensa, pelos torcedores –, saber: o futebol é o esporte mais popular do planeta, o de identifiquei um fenômeno interessante nas redes sociais, maior mercado, de maior mídia, com maior penetração caixa de ressonância “à quente” do cotidiano: um popular. Tudo isso proporciona aos bem sucedidos, como ressentimento em relação ao futebol masculino, sobretudo é o caso de Neymar, um status que o boxeador olímpico quando colocado em contraposição às modalidades jamais terá. O garoto de Mogi das Cruzes também não esportivas com menos visibilidade e apoio. Esse teve uma trajetória tranquila. A cobrança e pressão Sobre o autor ressentimento, essas manifestações, em alguns momentos apareceram desde cedo. Trata-se de um fenômeno hostis diante de um fracasso futebolístico, não são algo esportivo como poucos. Raros são os chegam à sua Mozart Maragno é Licenciado em recente. Vários dos estudos sócio-culturais dedicados a condição aos 20 anos de idade. O futebol, por outro lado, Educação Física UFSC, Mestrando eventos de futebol já apresentaram interessantes análises tem um grau de imprevisibilidade muito maior que o do PPPGE/UFSC e Servidor do sobre a temática. Não foram poucas as ocasiões em que voleibol ou o boxe. Outra obviedade: uma equipe de Instituto Federal de Santa Catarina – vilões foram eleitos no futebol brasileiro. A derrota na menor condição técnica pode mais facilmente Campus Ararangua. Copa do Mundo de 1950 é um belo exemplo disso – surpreender. Lembro que o futebol brasileiro jamais pode mesmo que trabalhos acadêmicos, como o de Antonio ser menos que o máximo, que campeão. E mesmo quando http://buscatextual.cnpq.br/buscat Jorge Soares, em seu doutoramento, não corroborem ganha, se não for de uma forma mais próxima das extual/visualizacv.do?id=T127252 todas as “teses” enfatizadas no discurso popular das “tradições nacionais”, com o “nosso jeito”, com o “futebol- últimas décadas. No caso da medalha de prata de arte”, pode ser uma conquista com asteriscos (a seleção Contato: Londres, com Neymar, Mano Menezes e companhia, campeã de 1994 não seria um exemplo de tensão nesse aparece um elemento novo, isto é, a crítica de amantes de sentido?). Diante desse grau de exigência, Londres 2012 mozartmaragno@gmail.com outras modalidades que denunciam a monocultura mais uma vez foi um prato cheio para as comparações e a esportiva do país, as regalias que os atletas de futebol têm malhação da Geni, o futebol masculino brasileiro, já e os demais não, que atrasariam o desenvolvimento cobrado na máxima potência seja em Copas do Mundo ou brasileiro rumo a ser potência olímpica. Isso tudo, claro, é em qualquer amistoso. Refresco a memória do leitor de visão de sujeitos que se manifestam no contexto citado. quando o intelectual Emerson Leão já dizia que “na As três medalhas do boxe brasileiro, por exemplo, seleção, tudo vale tudo”. Dessa forma, no momento em acenderam o alerta para essa comparação. Justamente o que o esporte bretão vira parte de um todo muito menos boxe, cujos protagonistas são profundamente humildes badalado no dia a dia, como nos Jogos Olímpicos, acaba em origem e percorreram os caminhos mais tortuosos sendo alvo preferencial do ressentimento geral. Nada que para o sucesso esportivo máximo, que é subir ao pódio surpreenda em termos de Brasil, onde a oscilação que o nos Jogos Olímpicos. Os irmãos capixabas Yamaguchi e futebol provoca entre o “somos os melhores do mundo” e Esquiva Falcão, com histórias de vida cinematográficas, a autodepreciação implacável é cotidiana. conquistaram, nas próprias palavras deles, “mais que o futebol” em Londres. Isso, não há dúvidas, pode provocar comoção geral durante as duas sagradas semanas. Esquiva foi tão medalha de prata quanto a estrela Neymar, de salário estratosférico, de mil e uma propagandas na televisão, xodó, ídolo, “queridinho da mídia”. O sucesso permanente do voleibol e, em outras Olimpíadas, do futebol feminino, também gerou reações duras diante de mais um “fracasso” dos rapazes (a medalha de ouro inédita não veio mais uma vez). Embora com toda estrutura gerada ao longo de muitos anos, o voleibol, evidente, não desfruta das mesmas condições midiáticas do futebol e, com muita luta, encaixa uma final de liga nacional em emissora aberta. O futebol feminino, pela própria gestão (?) da CBF, já escancara as diferenças. 1 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ blogd onu cl eo @gma i l. co m 3
  • 4. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 CULTURA DO FUTEBOL RESENHA BENINI, Paulo André Cren. O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um atleta. São Paulo: Leya, 2012 Carlus Augustus Jourand Correia Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro O Jogo da Minha Vida: Historias e reflexões de um profissionalização não elimina as dificuldades enfrentadas atleta é um livro exemplar em diversos aspectos. O no futebol, mas as transforma em outras, principalmente esporte e mais especificamente o futebol é, há muito em relação aos cuidados com o corpo, ao enfrentamento tempo, teorizado, discutido e narrado por historiadores, das lesões e à convivência com empresários e dirigentes. antropólogos, sociólogos e diversos outros pensadores Em contrapartida, são relatas as alegrias de jogar futebol, das Ciências Humanas. Contudo, esse debate e esses principalmente no momento das vitórias, e a possibilidade estudos ainda carecem muito da participação ativa dos de obter recursos financeiros para ajudar a família, nativos do futebol quando se trata de expor suas ideias e conhecer novos lugares no mundo e aprender sobre novas Sobre o autor tomar a palavra para si. culturas. A atuação pelo Corinthians ganha força em Carlus Augustus Jourand Correia é Nesse ponto as autobiografias dos atletas ainda função da conquista do título Brasileiro. graduado em História pela são escassas, sendo um dos poucos exemplos a do ex- A terceira e última parte traz para os leitores as Universidade Federal Fluminense atleta Zé Mario1. O livro de Paulo André vem acrescentar ideias e questionamentos de um jogador para com seu (UFF) e mestrando em Educação muito em nosso conhecimento sobre futebol e nossas esporte, ou mais próximo de nossa realidade do pela Universidade Federal do Rio de indagações não só sobre o jogo, mas também sobre a trabalhador com o seu próprio labor. Paulo André Janeiro(UFRJ). Membro do estrutura por trás dele. praticamente conversa com o leitor e expõem suas Laboratório de Estudos do Corpo Paulo André é atualmente jogador do concepções sobre como se comportar como atleta, sobre as (LABEC) e do Núcleo de Estudos e Corinthians, atuando como zagueiro, mas também mazelas na formação no futebol e como o cuidar do corpo Pesquisa em Esporte e Sociedade desempenha as ocupações de escritor e artista plástico. e da mente, elementos fundamentais para o sucesso e (NEPESS) desenvolve pesquisas na Iniciou a carreira aos 15 anos no São Paulo Futebol Clube desenvolvimento do jogador profissional. Através de suas área de História, Sociologia e e passou por diversos clubes no Brasil, tais como Guarani reflexões, o autor desnuda a estrutura do futebol nacional Educação com enfoque nas relações de Campinas e Atlético Paranaense. Além disso, atuou e dialoga com os vários atores participantes desse entre esporte, sociedade e educação três anos na Europa, jogando pelo Le Mans da França, processo, tais como pais, dirigentes, expectadores e os no Brasil e no Mundo. regressando em 2009 para defender o Corinthians. Paulo jogadores, estejam eles em formação ou sendo já André pode ser considerado uma exceção no meio profissionais. http://buscatextual.cnpq.br/buscat futebolítisco atual, caracterizado pelo tom blasé dos O livro O Jogo da Minha vida é, no entanto, muito extual/visualizacv.do?id=S4332342 discursos. Muito articulado com as palavras e as ideias, mais que uma biografia, um rico material para pensarmos busca conciliar ao máximo o futebol e os estudos de a realidade do futebol brasileiro através dos olhos de um forma autodidata, para que possa praticar a reconversão nativo do campo esportivo que possui o devido Contato: profissional ao final de sua carreira, como ele mesmo distanciamento que nos leva a bem compreender os cabelovf@hotmail.com destaca no livro. Toda essa sua trajetória é o combustível problemas e a estrutura do futebol nacional, e o fio condutor da autobiografia. principalmente no que concerne à formação de nossos A obra está dividida em três partes. A primeira atletas. O livro é um retrato do futebol nacional e a intitula-se Futebol amador e nela Paulo André relata desde história de Paulo André poderia ser, na verdade, a de o momento em que decidiu se tornar um jogador de muitos outros jovens no Brasil, sendo necessário para isso futebol, na infância, até a assinatura de seu primeiro que apenas fosse trocado nome do autor. contrato profissional, com o Guarani de Campinas. Nessa Talvez a primeira parte do livro seja a mais primeira parte são descritas as “veias abertas da formação interessante por mostrar uma realidade ainda pouco de atletas”2, ou seja, as dificuldades e o cotidiano das conhecida ou divulgada na mídia para os espectadores de categorias de base no futebol brasileiro vivenciadas por futebol. Nela é evidenciado um esporte sem ele. regulamentação ou fiscalização efetiva, que estimula seus O autor procura desconstruir as ideias divulgadas jovens a buscar a profissionalização no futebol, mas que na grande mídia sobre o sucesso da profissão de jogador quase não oferece amparo para seu desenvolvimento de futebol e suas facilidades. Com isso, Paulo André esportivo, e muito menos incentivo para a formação de relata o caminho percorrido por ele antes de ser um cidadão nos bancos escolares. Por isso, no texto são profissional e as várias dificuldades e incertezas que o mostradas as dificuldades de conciliação da escola com o esporte lhe proporcionou, além dos diversos sacrifícios futebol, produzindo jovens que somente sabem jogar, mas que precisou enfrentar para alcançar seu objetivo. sem possibilidade de reconversão profissional em caso de não obterem sucesso na carreira ou quando se retirarem dos palcos esportivos. 1 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ 4 blogd onu cl eo @gma i l. co m
  • 5. CONTEMPORÂNEA NÚMERO 02 Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea AGOSTO 2012 1 Além disso, é posta em análise a quantidade de Esse processo foi influenciado pelo processo de jovens que serão excretados desse circuito futebolístico e hipermercantilização do esporte mundial verificado a que, sem escolarização adequada, acabarão ocupando partir da década de 1970 com o desenvolvimento postos de trabalho subvalorizados. Nesse ponto devemos tecnológico, proporcionado pelo avanço dos meios de lembrar que os relatos de Paulo André, corroboram as comunicação e transporte, o desenvolvimento da televisão assertivas de Arlei Damo sobre a formação de e a ampliação do número de pessoas interessadas em futebolísticas à "brasileira"3, ou seja, privilegiando quase acompanhar as competições. Através disso, ocorreu a exclusivamente a obtenção de capitais futebolísticos. multiplicação do público e conseqüentemente, o potencial Apesar de Paulo André poder ser caracterizado mercantil do esporte, fato que traria mudanças na como um jogador exceção na sua concepção de organização dos torneios e nas próprias regras que dão estruturação sobre o futebol no Brasil e no mundo, em formato às modalidades esportivas. determinados elementos esse atleta ainda perpetua em Isso ficou bem claro na associação da FIFA com as seus discursos alguns elementos do senso comum grandes empresas multinacionais, como a Adidas e a 1BARROS, José Mario de. Futebol: Porque foi... futebolístico. Coca-Cola principalmente a partir do início da década de Porque não é mais. São Paulo: Sprint Com isso, é interessante analisar o livro também como um 1980 transformando essa federação esportiva quase que Editora,1990. discurso cristalizado do atleta e como a representação de numa empresa do ramo do entretenimento. Assim a 2Esse termo é uma paráfrase ao livro de Eduardo sua visão sobre o esporte e o futebol. Nesse ponto, cabe exposição cada vez maior desses esportes em um contexto Galeano intitulado “As veias abertas da América ressaltar novamente que Paulo André é um nativo desse televisivo na década de 1980 e sua consolidação na década Latina”. Nesse livro o autor disserta sobre a história da América latina expondo eventos de campo e com isso possui, por dentro dessa estrutura, de 1990 proporcionou o consumo deles em formas grande impacto para a história do continente. certo conhecimento de seu funcionamento, mas talvez inéditas e estabeleceu a construção de um esporte- 3Esse denominação de modelo à “brasileira” foi não consiga observá-la como um maior distanciamento espetáculo e do jogador-mercadoria. cunhado pelo antropólogo Arlei Sander Damo em determinados pontos. O jogador não é mais somente um especialista em (2007) para descrever as especificidades da formação dos atletas brasileiros mais focados na determinado ofício, ele é também uma imagem a ser obtenção de capitais futebolísticos do que na “os nativos, mestres e aprendizes têm veiculada a produtos e demandas que só podem ser formação educacional básica. um domínio difuso do que sejam as valorizados se suas performances dentro e fora de campo 4DAMO, Arlei Sander. Do Dom a Profissão: categorias amplas instituídas pelo estiverem boas. Sendo essas performances fora de campo formação de futebolistas no Brasil e na França. Estado e pela FIFA, o que não impede São Paulo: Aderaldo e Rothschild Editora, entendidas como as práticas sociais valorizadas numa que eles as manipulem e observem- Anpocs, 2007. Pág 145 sociedade capitalista, tais como o ascetismo, a disciplina e nas”4 o profissionalismo em suas atitudes. Esse talvez seja o motivo pelo qual ao longo de O trabalho duro, compromissado e árduo é, dessa todo o livro ele realize diversas críticas ao futebol forma, parte do profissionalismo propagandeado pelo brasileiro, à formação das categorias de base e ao autor e visto como condição sine qua non para a comportamento dos atletas, mas sem indicar com precisão sobrevivência dos mais aptos, como descreve na terceira a quem as críticas se dirigem. Isso mostra como ele tem o parte, intitulada de Reflexões. Com isso, mesmo que não conhecimento dos problemas, consequência direta de perceba, reitera o discurso do mercado com sua mão suas experiências cotidianas, mas não consegue invisível premiando e selecionando os atletas que mais se compreender os delineamentos macrossociais desses encaixam na lógica de comportamento do modelo processos. considerado ideal e valorizado nesses novos tempos de Nesse ponto o livro procura romper com as mercantilização do esporte. O atleta-máquina, dócil, mas representações do jogador apenas como ícone pop da também consciente de suas funções como atleta. cultura globalizada e igualmente discutir a própria A biografia de Paulo André avança bastante ao estrutura de formação dos atletas. No entanto, não “colocar para jogo” bastidores da formação, com consegue avançar mais em suas análises, pois recai em indagações e opiniões de alguém que está cotidianamente discursos pré-formatados sobre o sucesso e sua relação imerso nesse campo e pode, dessa forma, suscitar debates direta com o comprometimento nos treinos, na obediência para além da academia. Mas essa imersão no campo as hierarquias e ordens dentro do clube e na manutenção esportivo ao mesmo tempo internaliza discursos e do condicionamento físico. Dessa forma, reproduz as posicionamentos que valorizam atitudes, e concepções concepções dominantes sobre o comportamento esperado responsáveis pela legitimação das práticas do mercado dos atletas. dentro do futebol. Sendo assim a imersão no campo é um Toda essa obra é na verdade a narração de uma elemento importante para compreender questões muitas trajetória vitoriosa de um atleta que supera as vezes conhecidas apenas pelos nativos, mas também pode adversidades e os problemas por meio do trabalho duro, trazer os perigos de concepções naturalizadas e da privação e da responsabilidade. A fala de Paulo André atemporais, como se determinadas práticas realizadas por é um elogio ao profissionalismo do jogador de futebol, eles fossem um processo natural, inexorável e realizados para que ele se torne um atleta e não apenas um jogador, “desde sempre”. como destaca o autor. No mais o livro deve ser visto como um olhar do Esse discurso do atleta que começou a jogar a nativo sobre sua realidade, mas também como uma fonte partir de 1995 é consequência direta do processo de histórica e sociológica do futebol nacional, observando-se transformação pelo qual passa o futebol brasileiro desde o em seu interior a construção do discurso e o contexto no final da década de 1990, com uma maior qual foi produzido. profissionalização dos campeonatos e da estrutura dos clubes de futebol. Nessa questão a profissionalização do jogador também é requerida e preconizada pelos instrumentos midiáticos, os investidores e os torcedores. Isso porque estando o futebol imbricado no sistema capitalista mundial e sendo dentro dele uma mercadoria, a obtenção de lucros e manutenção como produto atraente está diretamente relacionada com a forma de 1 gestão e atuação dos atores diretamente envolvidos com o http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ jogo. 5 blogd onu cl eo @gma i l. co m
  • 6. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 POLÍTICA E SOCIEDADE OLIMPÍADAS Alexandre Fernandez Vaz Professor da UFSC Os Jogos Olímpicos de Londres atualizaram o absteve de cantar louvores ao regime nazista que, por sua mito do encontro esportivo entre nações celebrado a cada vez, não se furtou de fazer o elogio ao corpo esportivo quatro anos. Decalcando as Olimpíadas da Antiguidade, "puro", asséptico, higiênico, sem misturas, máculas ou os Jogos modernos deveriam reafirmar a paz e a união história, condição que corresponde ao totalitarismo. entre os povos, suspendendo as eventuais guerras para Apesar das inúmeras e rigorosas regras para a sua realização, segundo o espírito do ideário do Barão de captação e divulgação de imagens, os Jogos de Londres Coubertin. Ele e outros aristocratas, no final do século foram, sem dúvidas, a edição olímpica em que elas com dezenove, levaram adiante aquele objetivo que quase mais velocidade e alcance estiveram disponíveis. De soava anacrônico em tempos já de sociedade burguesa atletas e público foi exigida toda uma etiqueta a ser consolidada: reunir atletas para, sem interesse financeiro, cumprida nos locais de competição, sendo a preocupação representarem a si e a seus países em uma contenda maior a de não ferir os interesses dos patrocinadores. Nas esportiva. O prazer desinteressado deveria vir antes da praças esportivas não se podia consumir alimentos que busca frenética por recordes e vitórias. não os oficiais, tampouco estava autoriza a manifestação Quase que um último suspiro da aristocracia, em política. seu impulso neoclássico de restauração de um poder De fato, os Jogos já foram lugar de embates Sobre o autor ferido de morte cem anos antes, com a Revolução históricos para além dos campos esportivos, como o gesto Francesa, os Jogos proibiram durante muito tempo a de dois velocistas estadunidenses medalhistas no México, Alexandre Fernandez Vaz é Doutor participação de profissionais. Nada mais estranho ao em 1968, punhos em luvas negras erguidos durante o pela Leibniz Universität Hannover. mundo aristocrático do que a democracia e o trabalho hasteamento da bandeira a execução do hino nacional na Professor dos Programas de Pós- para o próprio sustento, de forma que aqueles que cerimônia de premiação. Ou como os boicotes de países graduação em Educação e ganhavam a vida com o próprio corpo deveriam ficar africanos em 1976, dos Estados Unidos e vários aliados em Interdisciplinar em Ciências alheios à festa. Em arroubo sexista, inicialmente também 1980, dos soviéticos e sua área de influência em 1984. Humanas da Universidade Federal vedavam a participação de mulheres, já presentes, no Foram também lugar de terrorismo, a exemplo do de Santa Catarina (UFSC). entanto, na segunda edição das Olimpíadas. sequestro e assassinato de onze atletas israelenses nos Coordenador do Núcleo de Estudos Nas Olimpíadas de Londres não vimos nada Jogos de Munique, em 5 de setembro de1972, por um e Pesquisas Educação e Sociedade disso. Lá estavam atletas altamente profissionais a comando palestino que desejava intercambiá-los por Contemporânea (UFSC/CNPq). disputar medalhas acompanhadas de bônus por vitórias e presos em Israel. A assepsia política atual não visa a Pesquisador CNPq. de uma exposição jamais experimentada. Historicamente, proteção do ideal aristocrata da paz nesses dias de Jogos, a presença de profissionais nas competições foi sendo como faz supor a indústria do entretenimento, mas a http://buscatextual.cnpq.br/buscat paulatinamente tolerada, primeiro no futebol, depois em proteção do grande negócio que o evento é. extual/visualizacv.do?id=B295957 outros esportes. A discussão foi inteiramente superada Terá sido impossível controlar as milhares de com o fim da Guerra Fria. Os países que compunham o pessoas com seus refinados aparatos tecnológicos a captar, Contato: Pacto de Varsóvia se orgulhavam de promover o espírito montar e divulgar imagens e textos de forma quase alexfvaz@uol.com.br olímpico, negando o profissionalismo, mas abrigando, instantânea. Os próprios expectadores foram personagens sob forte apoio estatal, seus atletas, demarcando um dos dos enredos que inundam as redes sociais, assim como os muitos paradoxos do socialismo real, a defesa de um atletas. Walter Benjamin disse nos anos 1930, que o ator de modelo esportivo aristocrático. Pensando bem, é enorme cinema atuava no enfrentamento da câmera; Riefenstahl a coerência da plutocracia soviética com o esporte inventou os atletas como atores modernos, assim como olímpico, em especial no contexto da corrida tecnológica fizera com os políticos em Triunfo da Vontade, perpetrada por ela e pelos países da OTAN. Conquista do documentário sobre um congresso do Partido Nazista. O espaço, armamentos para os conflitos do Terceiro Mundo esporte há muito que não é apenas documentado ou e instrumentalização dos corpos no esporte (em que transmitido, mas produzido e realizado para ser pontificava o doping), foram armas importantes na capturado pelas lentes que cada vez mais são o batalha sem fronteiras que sucedeu a II Guerra Mundial e prolongamento do olho. Mercadoria espetacular, os Jogos que durou até o início dos anos 1990, quando o Império já não foram apenas em Londres, mas em todos os lugares Soviético caiu "como um castelo de cartas", segundo a ao mesmo tempo. expressão do historiador Eric Hobsbawm. O ideário aristocrata já não está presente nas O esporte sempre andou pari passu com as Olimpíadas, o que não deixa de ser uma vantagem. imagens que o divulgam. Contemporâneo do cinema e da Espetáculo global de atletas que devemos admirar pelas grande imprensa, os Jogos Olímpicos foram, em proezas, negócio dos mais lucrativos a mobilizar Berlim/1936, tema de uma das primeiras transmissões sentimentos difusos em nosso tempo, como o televisivas experimentais. Aquela Olimpíada inaugurou nacionalismo e a identificação patriótica. Melhor seria ver ainda a moderna maneira de filmar e, portanto, de ver tudo isso como um jogo, que sempre tem algo de gratuito esportes. Tudo o que se assiste hoje na TV pôde ser e simplório, de fascinante e grandioso. Aos Jogos antevisto antevisto no documentário de Leni Riefenstahl, Olímpicos, a devida importância. E nada mais. Olympia, na captação de imagens, na montagem ou na 1 narrativa. Nazista desde sua concepção, o projeto de Uma versão deste texto foi publicada no Diário Catarinense (DC Cultura) em 11 de agosto de 2012, sob o título de Olimpíada da Riefenstahl não é, no entanto, mostra de uma suposta imagem. "traição" aos ideais olímpicos pelos Jogos organizados pelo Nacional-socialismo. O Barão de Coubertin não se 6
  • 7. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 POLÍTICA E SOCIEDADE POLÍTICA ESPORTIVA, MEDALHAS E UMA GEOPOLÍTICA À BRASILEIRA Wagner Xavier de Camargo Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina Os jornais televisivos e virtuais noticiaram no é exemplo similar. O jovem país participou pela primeira último dia das Olimpíadas de Londres, que o Comitê vez das Olimpíadas em Londres-1948 e durante quase Olímpico Brasileiro (COB) anunciou ter cumprido a meta quarenta anos manteve-se nas últimas posições do esportiva planejada para o Brasil nos Jogos. Segundo famigerado quadro. A ascensão como Tigre Asiático e o consta, com R$ 100 milhões a mais para o esporte em redimensionamento da economia traduziram-se em relação ao que fora repassado pelas loterias no ciclo investimento em educação com reflexos claros no esporte, olímpico chinês (à época, R$ 231 milhões), o país cumpriu como se tem constatado. Se somadas as desta versão sua “missão”. olímpica de verão, o país totaliza 244 medalhas em sua Que geopolítica esportiva é essa, que com esse história. plus de milhões, só garantiu duas medalhas a mais em Estes dois países são exemplos a serem seguidos. Sobre o autor relação ao resultado de 2008? Como se pode avaliar a Terminam estas Olimpíadas em colocações campanha do país no conjunto dos resultados obtidos inquestionáveis: a Grã-Bretanha em 3º lugar, com 29 Wagner Xavier de Camargo é nestes Jogos Olímpicos? As marcas e medalhas ouros, e a Coréia do Sul em 5º lugar, com 13 ouros. cientista social com mestrado em aguardadas na natação não vieram a contento. Nas classes Muitos dirão que tais efeitos foram possíveis Educação Física. Doutor em Ciências da vela, outras decepções: o "feijão com arroz básico" não porque tais países sediaram Olimpíadas – isto é, o Humanas pela Universidade Federal garantiu o que o potencial da modalidade predizia. O planejamento governamental refletiu-se em méritos de Santa Catarina (UFSC), foi atletismo só flertou com possibilidades e nada trouxe. No esportivos. Eu não apostaria tantas fichas neste bolsista da Deutscher Akademischer hipismo, diz-se que faltaram cavalos adequados. E teve argumento. E mais: os resultados concretos (e Austausch-Dienst (DAAD) em até algoz do lado das forças (sobre)naturais, como ventos sistematicamente melhorados em termos de número de estágio internacional na Freie demoníacos e usurpadores de chances. O boxe é caso medalhas) são sintomas de, no mínimo, forte investimento Universität Berlin (FU Berlin), excepcional e merece ser considerado à parte. No no esporte de base e clara política de detecção de talentos, Alemanha. Insere-se no campo dos alvorecer de sábado, penúltimo dia de competições na além de investimentos permanentes na manutenção de estudos antropológicos das práticas capital londrina, os meios de comunicação destacavam – jovens no meio esportivo. Não é preciso ir muito longe esportivas e dedica-se, com especial alguns de modo modesto, outros mais enfáticos – que a para colher um exemplo disso: se na Colômbia o grande destaque, à investigação das campanha brasileira foi “a melhor dos últimos vinte capital de fomento ao esporte vem da esfera pública relações de gênero entre anos”. Atente-se para o detalhe: desde Barcelona-92 não (como acontece em nosso país), distintamente daqui, lá se masculinidades nos esportes de íamos tão bem no quesito “total de medalhas”! mantém um programa de incentivo a milhares de crianças competição. Ou seja, mesmo não entrando no mérito da com aptidão esportiva que necessitam do desempenho distribuição de ouros, pratas e bronzes, depois das 15 escolar para obterem o auxílio. Aqui os oficiais Comitês http://buscatextual.cnpq.br/buscat medalhas em Atlanta-96, 12 em Sydney-2000, 10 em Olímpico e Paralímpico investem unidirecionalmente no extual/visualizacv.do?id=B195056 Atenas-04, 15 em Pequim-08, agora foram as incríveis 17 alto nível e algumas ONGs que se propõem a inserir e medalhas conquistadas! Realmente um feito estimular crianças e adolescentes carentes em programas Contato: surpreendente! Sozinho nesta versão olímpica, Michael esportivos, acabam suspeitas de corrupção e desvio de wxcamargo@gmail.com Phelps conseguiu mais ouros que os/as atletas/as verbas públicas. brasileiros/as (e mesmo que todas as modalidades em A reincidência à pergunta é para fazer pensar: que que o país esteve presente) lá nos Jogos. Sabe-se, geopolítica é esta em que um resultado de 17 medalhas é igualmente, que ele conquistou, em sua jovem carreira ovacionado? Só se for à moda brasileira mesmo. Aliás, esportiva, mais ouros do que a Argentina em toda a sua como já disse certa vez o inigualável Nelson Rodrigues: história olímpica. "O brasileiro não está preparado para ser 'o maior do Mas não pensem que apenas o Brasil tem este mundo' em coisa nenhuma. Ser 'o maior do mundo' em histórico de resultados parcos, quase insignificantes. qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma Depois dos promissores anos do início do século XX, a grave, pesada e sufocante responsabilidade." Por essas Grã-Bretanha amargou desempenhos relativamente lógicas ilógicas é que continuamos fadados a vestir a fracos no quadro geral de medalhas, o que a levou a uma fantasia de “sempre brasileiros”: fazemos festa por duas política de remodelamento do sistema e replanejamento a anacrônicas medalhas a mais no quadro geral, bebemos médio e longo prazos após o fiasco de Atlanta-96 (quando nossa cerveja, amamos nossas mulheres (mulatas, os britânicos conquistaram, no total, apenas 15 medalhas). obviamente, porque vivemos de estereótipos) e na Nas versões sucessivas foram 28 (Sydney-2000), segunda-feira de trabalho já esquecemos tudo o que 30 (Atenas-04) e 47 medalhas (Pequim-08). O principal aconteceu. E que venha a festa apoteótica “Rio-2016”! foco foi incentivar esportes até então nacionalmente pouco desenvolvidos, como o ciclismo. A Coréia do Sul é 1 htt p:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ blogd onu cl eo @gma i l. co m 7
  • 8. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 POLÍTICA E SOCIEDADE LONDRES 2012: UMA EXPERIÊNCIA OLÍMPICA Michelle Carreirão Gonçalves Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação /UFSC Sou fã de esportes. Adoro assistir as mais Atletas misturavam-se com ex-atletas e não atletas. Os diversas competições. E em tempos de Jogos Olímpicos, pontos turísticos estavam abarrotados de curiosos com fico completamente fora do ar, curtindo na frente da TV suas máquinas fotográficas, câmeras, celulares e tablets nas as duas semanas em que ocorre o maior evento esportivo mãos, querendo registrar o momento, os lugares, captar mundial. Neste ano, por conta da proximidade aquela atmosfera em que os heróis olímpicos descem e se geográfica, tive a oportunidade de estar na cidade sede misturam aos homens comuns. Já nas arenas, o dos Jogos durante os últimos dias da Olimpíada. movimento era outro: as ordinary people procuravam se Londres estava incrivelmente organizada e diferenciar por meio de pinturas, de fantasias, de gritos, preparada para receber os milhares de visitantes vindos enfim, das diversas formas de chamar a atenção da Sobre a autora de todos os cantos do mundo para prestigiar, ver, torcer, câmera de TV. Ali, nada parecia mais importante do que sofrer e se alegrar com os Jogos. A cada esquina era ser filmado e ter a imagem projetada no telão da arena. Michelle Carreirão Gonçalves é possível encontrar duplas de policiais fazendo a Nem mesmo a torcida pela seleção preferida parecia ser Licenciada em Educação segurança, mas também dando informações, auxiliando mais importante. Física/UFSC; Mestre em no que fosse preciso. Nas estações do Underground (o Nesse lugar cheio de deuses disfarçados de mortais, Educação/UFSC; Graduanda do metrô londrino), muitos voluntários dando dicas, e de mortais tentando ter seu momento estrelar, também curso de Filosofia/UFSC; mostrando as direções e caminhos para os mais variados não contive a emoção ao me deparar com alguns atletas Doutoranda do Programa de Pós- locais de competição. Eles também podiam ser vistos nos conhecidos do Brasil: Flavio Canto (ex-judoca, Graduação em Educação/UFSC; parques e em diferentes lugares da cidade, com suas comentarista de uma emissora de TV), Fabiano Peçanha Bolsista CNPq (UFSC/Leibniz camisetas rosa e sua boa vontade, sempre prontos para (corredor de 1500m e 800m, prova que disputou), Virna Universität Hannover); Membro do ajudar. Muitos falavam outros idiomas, algo inclusive (ex-jogadora de vôlei, também comentarista) e Dani Lins Núcleo de Estudos e Pesquisas sinalizado nas respectivas camisetas (encontrei um desses (levantadora da seleção de vôlei, medalhista de ouro). Educação e Sociedade Staffs que tinha um pequeno botton dizendo “Ich spreche Mas foi o encontro fortuito com um campeão Contemporânea. Deutsch” – “Falo alemão” – e fiquei muito feliz, apesar de olímpico que me emocionou de um jeito inimaginável. estar me virando em inglês). E havia ainda as pessoas Quando aquele sujeito muito alto passou na direção http://buscatextual.cnpq.br/buscat comuns, moradores da cidade, que foram também muito contrária a minha, entrando na estação de metrô, extual/visualizacv.do?id=K4770696 receptivos. Numa manhã, um senhor que saía de um reconheci seu rosto. Para confirmar, li em seu crachá: U7 prédio, ao ver eu e minha companheira de viagem, Joaquim Cruz. Eu e minha parceira de aventura olímpica Viviane Silveira, perdidas com um mapa na mão, não acreditamos no que vimos. Pensamos: “com ele atravessou a rua, mudou sua rota e veio nos perguntar, precisamos tirar uma foto”. E o chamamos de Joaquim, Contato: “What are you looking for?” assim, como se fôssemos íntimas. Ele se virou e pareceu michelle_carreirao@yahoo.com.br Para quem não tinha ingressos para assistir suas um pouco assustado, um tanto surpreso talvez, porque modalidades preferidas, era possível ir até algum grande não esperava ser parado ali, ainda mais por duas fãs que parque, como o Hyde ou o Victoria, e assistir, numa não são da geração que o viu correr e brilhar nas pistas do imponente estrutura montada com telões, praça de mundo (ele foi campeão olímpico em 1984, quando eu alimentação, banheiros e atividades de lazer, o que tinha apenas 1 ano de idade). Mas foi incrivelmente estivesse sendo transmitido por lá, geralmente disputas simpático e atencioso. Aquele foi meu momento olímpico, com participação de equipes da Grã-Bretanha ou as finais completamente mágico, quando Joaquim Cruz, um dos das modalidades. meus ídolos do atletismo, dedicou um breve instante do Fiquei impressionada com a quantidade de “sem seu tempo para oferecer uma imagem sorridente para a ingressos” pela cidade. Havia bastante gente tentando fotografia, capturada pela objetiva e retida de modo descolar algo em frente aos estádios e ginásios, horas singular na minha memória. E é a ele e a todos os atletas antes das partidas. Muitos brasileiros, inclusive. Por sinal, que me fizeram e ainda me fazem emocionar, me a presença brasileira também me impressionou, com suas surpreender e me fascinar ao ver esportes, que agradeço. fantasias verde-e-amarelas, suas bandeiras enchendo a Nisso concordo com Gumbrecht: não há nada mais cidade. Nada como viver em tempos de economia importante a agradecer ao esporte do que o prazer que ele aquecida em terras tupiniquins. nos proporciona. Pelas ruas da cidade, por todos os cantos, gente, muita gente, com as mais diversas caras, línguas e cores. Vestindo uniformes, camisetas, trazendo bandeiras. Atletas 1 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. com .b r/ blogd onu cl eo @gma i l. co m 8
  • 9. CONTEMPORÂNEA NÚMERO Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea 02 AGOSTO 2012 1 EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO INFANTIL: CARÁTER PÚBLICO E FORMAÇÃO ILUMINISTA Alexandre Fernandez Vaz Professor da UFSC A educação infantil é direito das famílias, em Da mesma forma, a pauta da educação infantil especial das crianças, e, como tal, obrigação do Estado. não pode ser a do calendário do comércio e do consumo. Meninos e meninas frequentam as instituições de Para ser formativa, ela deve apresentar às crianças formas educação infantil não só porque os pais trabalham, mas de interpretar o mundo que não equiparem poder de porque lá podem e devem ter experiências educativas compra e fascinação pela mercadoria a sucesso e singulares. Professoras com formação especializada e felicidade. Os pequenos são expostos a todo tipo de outros profissionais cuidam dos pequenos, colocando-os demanda do mercado, em especial neste país, em que a em contato mais próximo com o mundo elaborado pela televisão como alternativa de entretenimento, tem uma ciência e pela arte, com o quê já existia antes de eles onipresença brutal na vida de cada um de nós. A presença nascerem e é constantemente renovado. Brincar é agressiva da propaganda, com ofertas em cores e formas atividade própria das crianças, ainda que não com personagens e brinquedos que parecem exigir um Sobre o autor exclusivamente delas. Na educação infantil encontram gozo sem limites, exige a disposição para o combate espaço, tempo, materiais e mediações de pares e de pedagógico. Oferecer outros modelos de interpretação do Alexandre Fernandez Vaz é Doutor adultos para isso. Com as brincadeiras e outras mundo, distintos da indústria do entretenimento, é algo pela Leibniz Universität Hannover. atividades, propostas ou espontâneas, elas aprendem que a educação não deve prescindir. Professor dos Programas de Pós- conceitos, desenvolvem o senso estético e a moralidade. A educação infantil é essencial para a formação graduação em Educação e As brincadeiras são experimentações lúdicas que não das crianças. Mas, para que sua promessa se cumpra, Interdisciplinar em Ciências prescindem de um movimento que é similar ao da precisamos levar muito a sério, e em sentido extenso, o Humanas da Universidade Federal composição da obra de arte, combinando a abertura dos caráter público da educação. Pequenos iluministas, de Santa Catarina (UFSC). sentidos com o esforço intelectual. sensíveis e não conformistas, para que possam se tornar Coordenador do Núcleo de Estudos Assim como depois fará a escola, a educação pessoas críticas e autônomas, é o que queremos que as e Pesquisas Educação e Sociedade infantil deve preparar as crianças para a vida pública, crianças sejam. Contemporânea (UFSC/CNPq). Pesquisador CNPq. para no futuro atuarem criticamente em sociedade. Como bem destacou Hannah Arendt, cabe aos adultos 1 O texto é devedor de contribuições de Ana Cristina Richter, mostrarem a elas o mundo que as recebe, ao mesmo Gisele Carreirão Gonçalves, Josiana Piccolli e Michelle Carreirão http://buscatextual.cnpq.br/buscat Gonçalves, sem que isso as torne responsáveis por qualquer dos extual/visualizacv.do?id=B295957 tempo em que devem protegê-las, desencarregando-as de equívocos nele presentes. Uma versão mais resumida foi tarefas e expectativas que são daqueles que já cresceram. publicada na coluna Opinião, do Diário Catarinense, n. 9649, em Contato: O imenso desafio que se coloca para a educação é o de 19.ix.2012, p. 18, sob o título de Por uma educação infantil. efetivar a formação dos pequenos frente a este mundo, alexfvaz@uol.com.br sem deixar que neles se perca a possibilidade de transformação deste mesmo mundo. Como espaço de formação, a educação infantil diferencia-se da família em concepção, organização e práticas. Não há dúvidas sobre a importância da presença da família nas instituições de educação infantil, mas elas devem ter calendários distintos porque atuam na formação de forma diversa. Os eventos nas instituições, por exemplo, devem ser distintos das celebrações domésticas. É preciso diferenciar espaço público de vida privada. A educação pública não pode, por exemplo, fazer proselitismo religioso, mas reforçar o próprio caráter laico, inclusive por respeito à pluralidade de crianças que recebe. É bom que no interior da instituição os adultos coloquem entre parênteses suas crenças e que ajam sob os desígnios da razão pública. Professoras que expõem as crianças a canções e filmes religiosos, que as ensinam a rezar e as ameaçam com castigos "divinos", ou com quaisquer outros, devem rever sua prática. 1 http:/ / nu cle o de e stu do se pe squi sa s. blo gs pot. co m .b r/ blogd onu cl eo @gma i l. co m 9