Este documento apresenta uma edição da revista "Contemporânea", com sete artigos sobre arte, cultura, política e educação. O artigo de abertura discute o filme "Cheyenne - This Must Be The Place" e o papel do rockstar decadente interpretado por Sean Penn. Outro artigo analisa o futebol brasileiro e as expectativas em relação aos Jogos Olímpicos de 2012. Por fim, há um breve texto sobre a importância da educação infantil.
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Contemporânea número 02 - agosto de 2012
1. CONTEMPORÂNEA
NÚMERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
02
AGOSTO
2012
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PROSSEGUINDO COM A quase REVISTA
Em seu segundo número, Contemporânea, nossa quase revista, segue seu propósito de colocar ideias em movimento. São sete os
textos. Em Arte e Crítica podemos ler um comentário de Michelle Gonçalves sobre o filme Cheyenne – This Must Be The Place (Aqui
é o meu lugar), de Paolo Sorrentini, em que Sean Penn incorpora as diabrites de um rockstar anacronicamente gótico a reconstruir
uma memória que ele ainda não conhece.
Em Cultura do Futebol temos duas contribuições. A primeira é de Mozart Maragno, cujo tema é o lugar e as expectativas que o
futebol encontra no imaginário e nas demandas nacionais no contexto dos Jogos Olímpicos. Logo após publicamos a primeira
resenha de Contemporânea, de Carlus Augustus Jourand Correia, sobre o livro O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um
atleta, de Paulo André, zagueiro do atual campeão da Copa Libertadores da América, O Corinthians Paulista. Carlus mostra as
ambiguidades do discurso nativo, apontando também em sua fecundidade como fonte histórica e sociológica.
Política e Sociedade reúne três contribuições, todas sobre os Jogos Olímpicos. A primeira, escrita por mim, é uma reflexão sobre
os Jogos como fenômeno contemporâneo, nascentes junto com os primeiros suspiros do que Eric Hobsbawm chamou de short
century, mas em movimento que se atualiza em tempos em que tudo parece ser imagem. Wagner Camargo comenta o
desempenho brasileiro nos Jogos de Londres, analisando-os nos termos das posições geopolíticas das nações olímpicas, dos
investimentos nacionais e das expectativas que temos sobre o sucesso e o fracasso de nossos atletas. Finalizando esta seção,
Michelle Gonçalves narra uma experiência como espectadora presente nas últimas Olimpíadas, mostrando como o prazer
sensorial corresponde, em certa medida, àquele identificado por Hans Ulrich Gumbrecht, o de fruir a beleza dos esportes.
Educação recebe um breve texto meu sobre a importância da educação infantil para a formação das crianças, em especial no que
se refere, no interesse desta consideração, à formação para a vida pública e ao combate contra todo tipo de obscurantismo.
Contemporânea segue recebendo textos, sempre procurando conversa livre, a boa polêmica, o livre pensamento. Sintam-se
convidados a ler, criticar, escrever.
Ilha de Santa Catarina, 20 de setembro de 2012.
Alexandre Fernandez Vaz
Nesta edição:
Arte e Crítica
CHEYENNE – THIS MUST BE THE PLACE
Michelle Carreirão Gonçalves
Cultura do Futebol
FUTEBOL EM SUA FACETA "GENI"
Mozart Maragno
RESENHA: BENINI, Paulo André Cren. O Jogo da Minha Vida: história e reflexões de um atleta. São Paulo: Leya,
2012
Carlus Augustus Jourand Correia
Política e Sociedade
OLIMPÍADAS
Alexandre Fernandez Vaz
POLÍTICA ESPORTIVA, MEDALHAS E UMA GEOPOLÍTICA À BRASILEIRA
Wagner Xavier de Camargo
LONDRES 2012: UMA EXPERIÊNCIA OLÍMPICA
Michelle Carreirão Gonçalves
Educação
EDUCAÇÃO INFANTIL: CARÁTER PÚBLICO E FORMAÇÃO ILUMINISTA
Alexandre Fernandez Vaz
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2. CONTEMPORÂNEA
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Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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ARTE E CRÍTICA
CHEYENNE – THIS MUST BE THE PLACE
Michelle Carreirão Gonçalves
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação /UFSC
Dia desses assisti ao filme Cheyenne – This Must Be É interessante como o diretor italiano Paolo
The Place (Aqui é o meu lugar, no Brasil) em um Freiluftkino Sorrentino trabalha com um jogo de cores nas diferentes
(cinema a céu a aberto) de Berlim. O título é uma passagens de Cheyenne. Em Dublin, os tons são mais
homenagem à homônima canção dos Talking Heads, no acinzentados, mais escuros, assim como a vida monótona
filme interpretada pelo ex-vocalista da banda, David e depressiva; em Nova York as cores são vivas, agitadas
Byrne, em pequena e especial participação. A experiência como a grande metrópole; no interior estadunidense, mais
de assistir um filme em um parque, sentada numa cadeira no Novo México, as tonalidades passam por colorações
do tipo espreguiçadeira, enrolada num cobertor (sim, amareladas, áridas, secas como a terra; já em Utah é
porque as noites de verão alemão, muitas vezes, são frias), possível ver o branco e o azul gélido, anunciando o que
Sobre a autora em meio a árvores e tendo apenas o céu estrelado sobre está por vir.
minha cabeça, já valeria a viagem. Mas o filme também A saga de Cheyenne em busca do algoz de seu pai
Michelle Carreirão Gonçalves é não decepcionou. é claramente seu movimento de maturação. Ele sai de
Licenciada em Educação Cheyenne é o personagem principal interpretado Dublin, da segurança do lar, seu esconderijo de menino,
Física/UFSC; Mestre em por Sean Penn, um roqueiro gótico que parece ter parado com o andar cabisbaixo e o olhar desprotegido, encarando
Educação/UFSC; Graduanda do nos anos 1980, com suas roupas pretas, cabelo a dureza e a indiferença na cidade grande, as dores e a
curso de Filosofia/UFSC; desarrumado, maquiagem carregadíssima no pó branco, insensibilidade no interior, a decadência e a outra versão
Doutoranda do Programa de Pós- no lápis preto e no batom vermelho. A referência é da história no “fim do mundo”. E faz isso com sua roupa,
Graduação em Educação/UFSC; claramente Robert Smith, vocalista do The Cure, que fez penteado e maquiagem de adolescente, carregando sua
Bolsista CNPq (UFSC/Leibniz muito sucesso naquela década, com músicas como Boys inseparável mala de rodinhas. Por sinal, Cheyenne
Universität Hannover); Membro do Don’t Cry e Friday I’m in Love. Além disso, há pitadas de aparece quase todo o filme, puxando algo (antes da mala,
Núcleo de Estudos e Pesquisas Edward Mãos de Tesoura – interpretado por Johny Deep no há uma cesta de compras, também com rodas), um
Educação e Sociedade filme homônimo (Edward Scissorhands, 1990) – e do apêndice, um peso que saiu de seus ombros
Contemporânea. também roqueiro Ozzy Osbourne, que aparecem nos (parafraseando o próprio personagem numa das cenas em
trejeitos de Cheyenne, no jeito de andar, de falar e olhar. que conversa com o inventor da mala com rodas), mas
http://buscatextual.cnpq.br/buscat Cheyenne é um rockstar decadente que tem em que o persegue, que dificulta sua caminhada, que o atrasa,
extual/visualizacv.do?id=K4770696 Dublin uma vida chata, cercado por sua mulher-bombeira que o torna cada vez mais deprimido. Não se sabe se o
U7 (Frances MacDormand), um cachorro e uma fã que ele carrega é culpa pelo que ocorreu com seus fãs,
inseparável, Mary (Eve Hewson que, por sinal, é filha de mágoa pelo rompimento com o pai, ou mesmo a
Bono Vox, do U2, mais uma referência ao rock). Seus dias fragilidade e incapacidade de tomar sua vida nas próprias
Contato: são gastos entre ir ao supermercado, isolar-se na solidão mãos (sua esposa é a figura forte e dominante da casa e,
michelle_carreirao@yahoo.com.br da casa, ou ainda, tentar mediar o desespero da mãe de nesse sentido, mais próxima do arquétipo masculino; ela é
Mary, por conta de um mistério que envolve seu filho pai ao dar segurança, mãe ao consolar, esposa na
Tony. A reviravolta acontece quando Cheyenne tem de intimidade da cama). De toda forma, é somente depois de
voltar à Nova York para rever o pai à beira da morte e sofrer seu tardio e longo rito de passagem, que Cheyenne
com quem não mantinha contato havia trinta anos. Mas consegue encontrar seu lugar, deixando para trás a
ele chega tarde, por conta de uma das suas fantasia de uma vida infanto-juvenil alegre e leve, e
excentricidades, e não consegue se despedir. No assumindo, finalmente, os riscos, a responsabilidade, as
momento em que reencontra a família judia, descobre que dores e as delícias de ser adulto.
o pai passou grande parte da vida procurando o
torturador que o havia supliciado em Auschwitz. É aí que
o filme muda de vez. Cheyenne toma para si a busca do
pai, e sai rodando pelo interior dos EUA, no melhor estilo
road movie.
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3. CONTEMPORÂNEA
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Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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CULTURA DO FUTEBOL
FUTEBOL EM SUA FACETA "GENI"
Mozart Maragno
Mestrando do Programa de Pós-Graduação
em Educação /UFSC
No momento de fechamento olímpico, quando a O contraste é claro, sedutor para a tradicional acidez
seleção brasileira de futebol masculino foi medalha de nativa em relação aos bem sucedidos, mas perigoso.
prata - ou seja, um resultado abaixo do que era esperado Vamos para as obviedades que o leitor está cansado de
pelo grupo, pela imprensa, pelos torcedores –, saber: o futebol é o esporte mais popular do planeta, o de
identifiquei um fenômeno interessante nas redes sociais, maior mercado, de maior mídia, com maior penetração
caixa de ressonância “à quente” do cotidiano: um popular. Tudo isso proporciona aos bem sucedidos, como
ressentimento em relação ao futebol masculino, sobretudo é o caso de Neymar, um status que o boxeador olímpico
quando colocado em contraposição às modalidades jamais terá. O garoto de Mogi das Cruzes também não
esportivas com menos visibilidade e apoio. Esse teve uma trajetória tranquila. A cobrança e pressão
Sobre o autor ressentimento, essas manifestações, em alguns momentos apareceram desde cedo. Trata-se de um fenômeno
hostis diante de um fracasso futebolístico, não são algo esportivo como poucos. Raros são os chegam à sua
Mozart Maragno é Licenciado em recente. Vários dos estudos sócio-culturais dedicados a condição aos 20 anos de idade. O futebol, por outro lado,
Educação Física UFSC, Mestrando eventos de futebol já apresentaram interessantes análises tem um grau de imprevisibilidade muito maior que o
do PPPGE/UFSC e Servidor do sobre a temática. Não foram poucas as ocasiões em que voleibol ou o boxe. Outra obviedade: uma equipe de
Instituto Federal de Santa Catarina – vilões foram eleitos no futebol brasileiro. A derrota na menor condição técnica pode mais facilmente
Campus Ararangua. Copa do Mundo de 1950 é um belo exemplo disso – surpreender. Lembro que o futebol brasileiro jamais pode
mesmo que trabalhos acadêmicos, como o de Antonio ser menos que o máximo, que campeão. E mesmo quando
http://buscatextual.cnpq.br/buscat Jorge Soares, em seu doutoramento, não corroborem ganha, se não for de uma forma mais próxima das
extual/visualizacv.do?id=T127252 todas as “teses” enfatizadas no discurso popular das “tradições nacionais”, com o “nosso jeito”, com o “futebol-
últimas décadas. No caso da medalha de prata de arte”, pode ser uma conquista com asteriscos (a seleção
Contato: Londres, com Neymar, Mano Menezes e companhia, campeã de 1994 não seria um exemplo de tensão nesse
aparece um elemento novo, isto é, a crítica de amantes de sentido?). Diante desse grau de exigência, Londres 2012
mozartmaragno@gmail.com
outras modalidades que denunciam a monocultura mais uma vez foi um prato cheio para as comparações e a
esportiva do país, as regalias que os atletas de futebol têm malhação da Geni, o futebol masculino brasileiro, já
e os demais não, que atrasariam o desenvolvimento cobrado na máxima potência seja em Copas do Mundo ou
brasileiro rumo a ser potência olímpica. Isso tudo, claro, é em qualquer amistoso. Refresco a memória do leitor de
visão de sujeitos que se manifestam no contexto citado. quando o intelectual Emerson Leão já dizia que “na
As três medalhas do boxe brasileiro, por exemplo, seleção, tudo vale tudo”. Dessa forma, no momento em
acenderam o alerta para essa comparação. Justamente o que o esporte bretão vira parte de um todo muito menos
boxe, cujos protagonistas são profundamente humildes badalado no dia a dia, como nos Jogos Olímpicos, acaba
em origem e percorreram os caminhos mais tortuosos sendo alvo preferencial do ressentimento geral. Nada que
para o sucesso esportivo máximo, que é subir ao pódio surpreenda em termos de Brasil, onde a oscilação que o
nos Jogos Olímpicos. Os irmãos capixabas Yamaguchi e futebol provoca entre o “somos os melhores do mundo” e
Esquiva Falcão, com histórias de vida cinematográficas, a autodepreciação implacável é cotidiana.
conquistaram, nas próprias palavras deles, “mais que o
futebol” em Londres. Isso, não há dúvidas, pode provocar
comoção geral durante as duas sagradas semanas.
Esquiva foi tão medalha de prata quanto a estrela
Neymar, de salário estratosférico, de mil e uma
propagandas na televisão, xodó, ídolo, “queridinho da
mídia”. O sucesso permanente do voleibol e, em outras
Olimpíadas, do futebol feminino, também gerou reações
duras diante de mais um “fracasso” dos rapazes (a
medalha de ouro inédita não veio mais uma vez). Embora
com toda estrutura gerada ao longo de muitos anos, o
voleibol, evidente, não desfruta das mesmas condições
midiáticas do futebol e, com muita luta, encaixa uma final
de liga nacional em emissora aberta. O futebol feminino,
pela própria gestão (?) da CBF, já escancara as diferenças.
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CULTURA DO FUTEBOL
RESENHA
BENINI, Paulo André Cren. O Jogo da Minha Vida:
história e reflexões de um atleta. São Paulo: Leya, 2012
Carlus Augustus Jourand Correia
Mestrando em Educação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro
O Jogo da Minha Vida: Historias e reflexões de um profissionalização não elimina as dificuldades enfrentadas
atleta é um livro exemplar em diversos aspectos. O no futebol, mas as transforma em outras, principalmente
esporte e mais especificamente o futebol é, há muito em relação aos cuidados com o corpo, ao enfrentamento
tempo, teorizado, discutido e narrado por historiadores, das lesões e à convivência com empresários e dirigentes.
antropólogos, sociólogos e diversos outros pensadores Em contrapartida, são relatas as alegrias de jogar futebol,
das Ciências Humanas. Contudo, esse debate e esses principalmente no momento das vitórias, e a possibilidade
estudos ainda carecem muito da participação ativa dos de obter recursos financeiros para ajudar a família,
nativos do futebol quando se trata de expor suas ideias e conhecer novos lugares no mundo e aprender sobre novas
Sobre o autor
tomar a palavra para si. culturas. A atuação pelo Corinthians ganha força em
Carlus Augustus Jourand Correia é Nesse ponto as autobiografias dos atletas ainda função da conquista do título Brasileiro.
graduado em História pela são escassas, sendo um dos poucos exemplos a do ex- A terceira e última parte traz para os leitores as
Universidade Federal Fluminense atleta Zé Mario1. O livro de Paulo André vem acrescentar ideias e questionamentos de um jogador para com seu
(UFF) e mestrando em Educação muito em nosso conhecimento sobre futebol e nossas esporte, ou mais próximo de nossa realidade do
pela Universidade Federal do Rio de indagações não só sobre o jogo, mas também sobre a trabalhador com o seu próprio labor. Paulo André
Janeiro(UFRJ). Membro do estrutura por trás dele. praticamente conversa com o leitor e expõem suas
Laboratório de Estudos do Corpo Paulo André é atualmente jogador do concepções sobre como se comportar como atleta, sobre as
(LABEC) e do Núcleo de Estudos e Corinthians, atuando como zagueiro, mas também mazelas na formação no futebol e como o cuidar do corpo
Pesquisa em Esporte e Sociedade desempenha as ocupações de escritor e artista plástico. e da mente, elementos fundamentais para o sucesso e
(NEPESS) desenvolve pesquisas na Iniciou a carreira aos 15 anos no São Paulo Futebol Clube desenvolvimento do jogador profissional. Através de suas
área de História, Sociologia e e passou por diversos clubes no Brasil, tais como Guarani reflexões, o autor desnuda a estrutura do futebol nacional
Educação com enfoque nas relações de Campinas e Atlético Paranaense. Além disso, atuou e dialoga com os vários atores participantes desse
entre esporte, sociedade e educação três anos na Europa, jogando pelo Le Mans da França, processo, tais como pais, dirigentes, expectadores e os
no Brasil e no Mundo. regressando em 2009 para defender o Corinthians. Paulo jogadores, estejam eles em formação ou sendo já
André pode ser considerado uma exceção no meio profissionais.
http://buscatextual.cnpq.br/buscat futebolítisco atual, caracterizado pelo tom blasé dos O livro O Jogo da Minha vida é, no entanto, muito
extual/visualizacv.do?id=S4332342 discursos. Muito articulado com as palavras e as ideias, mais que uma biografia, um rico material para pensarmos
busca conciliar ao máximo o futebol e os estudos de a realidade do futebol brasileiro através dos olhos de um
forma autodidata, para que possa praticar a reconversão nativo do campo esportivo que possui o devido
Contato: profissional ao final de sua carreira, como ele mesmo distanciamento que nos leva a bem compreender os
cabelovf@hotmail.com destaca no livro. Toda essa sua trajetória é o combustível problemas e a estrutura do futebol nacional,
e o fio condutor da autobiografia. principalmente no que concerne à formação de nossos
A obra está dividida em três partes. A primeira atletas. O livro é um retrato do futebol nacional e a
intitula-se Futebol amador e nela Paulo André relata desde história de Paulo André poderia ser, na verdade, a de
o momento em que decidiu se tornar um jogador de muitos outros jovens no Brasil, sendo necessário para isso
futebol, na infância, até a assinatura de seu primeiro que apenas fosse trocado nome do autor.
contrato profissional, com o Guarani de Campinas. Nessa Talvez a primeira parte do livro seja a mais
primeira parte são descritas as “veias abertas da formação interessante por mostrar uma realidade ainda pouco
de atletas”2, ou seja, as dificuldades e o cotidiano das conhecida ou divulgada na mídia para os espectadores de
categorias de base no futebol brasileiro vivenciadas por futebol. Nela é evidenciado um esporte sem
ele. regulamentação ou fiscalização efetiva, que estimula seus
O autor procura desconstruir as ideias divulgadas jovens a buscar a profissionalização no futebol, mas que
na grande mídia sobre o sucesso da profissão de jogador quase não oferece amparo para seu desenvolvimento
de futebol e suas facilidades. Com isso, Paulo André esportivo, e muito menos incentivo para a formação de
relata o caminho percorrido por ele antes de ser um cidadão nos bancos escolares. Por isso, no texto são
profissional e as várias dificuldades e incertezas que o mostradas as dificuldades de conciliação da escola com o
esporte lhe proporcionou, além dos diversos sacrifícios futebol, produzindo jovens que somente sabem jogar, mas
que precisou enfrentar para alcançar seu objetivo. sem possibilidade de reconversão profissional em caso de
não obterem sucesso na carreira ou quando se retirarem
dos palcos esportivos.
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Além disso, é posta em análise a quantidade de Esse processo foi influenciado pelo processo de
jovens que serão excretados desse circuito futebolístico e hipermercantilização do esporte mundial verificado a
que, sem escolarização adequada, acabarão ocupando partir da década de 1970 com o desenvolvimento
postos de trabalho subvalorizados. Nesse ponto devemos tecnológico, proporcionado pelo avanço dos meios de
lembrar que os relatos de Paulo André, corroboram as comunicação e transporte, o desenvolvimento da televisão
assertivas de Arlei Damo sobre a formação de e a ampliação do número de pessoas interessadas em
futebolísticas à "brasileira"3, ou seja, privilegiando quase acompanhar as competições. Através disso, ocorreu a
exclusivamente a obtenção de capitais futebolísticos. multiplicação do público e conseqüentemente, o potencial
Apesar de Paulo André poder ser caracterizado mercantil do esporte, fato que traria mudanças na
como um jogador exceção na sua concepção de organização dos torneios e nas próprias regras que dão
estruturação sobre o futebol no Brasil e no mundo, em formato às modalidades esportivas.
determinados elementos esse atleta ainda perpetua em Isso ficou bem claro na associação da FIFA com as
seus discursos alguns elementos do senso comum grandes empresas multinacionais, como a Adidas e a
1BARROS, José Mario de. Futebol: Porque foi...
futebolístico. Coca-Cola principalmente a partir do início da década de Porque não é mais. São Paulo: Sprint
Com isso, é interessante analisar o livro também como um 1980 transformando essa federação esportiva quase que Editora,1990.
discurso cristalizado do atleta e como a representação de numa empresa do ramo do entretenimento. Assim a 2Esse termo é uma paráfrase ao livro de Eduardo
sua visão sobre o esporte e o futebol. Nesse ponto, cabe exposição cada vez maior desses esportes em um contexto Galeano intitulado “As veias abertas da América
ressaltar novamente que Paulo André é um nativo desse televisivo na década de 1980 e sua consolidação na década Latina”. Nesse livro o autor disserta sobre a
história da América latina expondo eventos de
campo e com isso possui, por dentro dessa estrutura, de 1990 proporcionou o consumo deles em formas grande impacto para a história do continente.
certo conhecimento de seu funcionamento, mas talvez inéditas e estabeleceu a construção de um esporte-
3Esse denominação de modelo à “brasileira” foi
não consiga observá-la como um maior distanciamento espetáculo e do jogador-mercadoria. cunhado pelo antropólogo Arlei Sander Damo
em determinados pontos. O jogador não é mais somente um especialista em (2007) para descrever as especificidades da
formação dos atletas brasileiros mais focados na
determinado ofício, ele é também uma imagem a ser
obtenção de capitais futebolísticos do que na
“os nativos, mestres e aprendizes têm veiculada a produtos e demandas que só podem ser formação educacional básica.
um domínio difuso do que sejam as valorizados se suas performances dentro e fora de campo
4DAMO, Arlei Sander. Do Dom a Profissão:
categorias amplas instituídas pelo estiverem boas. Sendo essas performances fora de campo formação de futebolistas no Brasil e na França.
Estado e pela FIFA, o que não impede São Paulo: Aderaldo e Rothschild Editora,
entendidas como as práticas sociais valorizadas numa
que eles as manipulem e observem- Anpocs, 2007. Pág 145
sociedade capitalista, tais como o ascetismo, a disciplina e
nas”4
o profissionalismo em suas atitudes.
Esse talvez seja o motivo pelo qual ao longo de O trabalho duro, compromissado e árduo é, dessa
todo o livro ele realize diversas críticas ao futebol forma, parte do profissionalismo propagandeado pelo
brasileiro, à formação das categorias de base e ao autor e visto como condição sine qua non para a
comportamento dos atletas, mas sem indicar com precisão sobrevivência dos mais aptos, como descreve na terceira
a quem as críticas se dirigem. Isso mostra como ele tem o parte, intitulada de Reflexões. Com isso, mesmo que não
conhecimento dos problemas, consequência direta de perceba, reitera o discurso do mercado com sua mão
suas experiências cotidianas, mas não consegue invisível premiando e selecionando os atletas que mais se
compreender os delineamentos macrossociais desses encaixam na lógica de comportamento do modelo
processos. considerado ideal e valorizado nesses novos tempos de
Nesse ponto o livro procura romper com as mercantilização do esporte. O atleta-máquina, dócil, mas
representações do jogador apenas como ícone pop da também consciente de suas funções como atleta.
cultura globalizada e igualmente discutir a própria A biografia de Paulo André avança bastante ao
estrutura de formação dos atletas. No entanto, não “colocar para jogo” bastidores da formação, com
consegue avançar mais em suas análises, pois recai em indagações e opiniões de alguém que está cotidianamente
discursos pré-formatados sobre o sucesso e sua relação imerso nesse campo e pode, dessa forma, suscitar debates
direta com o comprometimento nos treinos, na obediência para além da academia. Mas essa imersão no campo
as hierarquias e ordens dentro do clube e na manutenção esportivo ao mesmo tempo internaliza discursos e
do condicionamento físico. Dessa forma, reproduz as posicionamentos que valorizam atitudes, e concepções
concepções dominantes sobre o comportamento esperado responsáveis pela legitimação das práticas do mercado
dos atletas. dentro do futebol. Sendo assim a imersão no campo é um
Toda essa obra é na verdade a narração de uma elemento importante para compreender questões muitas
trajetória vitoriosa de um atleta que supera as vezes conhecidas apenas pelos nativos, mas também pode
adversidades e os problemas por meio do trabalho duro, trazer os perigos de concepções naturalizadas e
da privação e da responsabilidade. A fala de Paulo André atemporais, como se determinadas práticas realizadas por
é um elogio ao profissionalismo do jogador de futebol, eles fossem um processo natural, inexorável e realizados
para que ele se torne um atleta e não apenas um jogador, “desde sempre”.
como destaca o autor. No mais o livro deve ser visto como um olhar do
Esse discurso do atleta que começou a jogar a nativo sobre sua realidade, mas também como uma fonte
partir de 1995 é consequência direta do processo de histórica e sociológica do futebol nacional, observando-se
transformação pelo qual passa o futebol brasileiro desde o em seu interior a construção do discurso e o contexto no
final da década de 1990, com uma maior qual foi produzido.
profissionalização dos campeonatos e da estrutura dos
clubes de futebol. Nessa questão a profissionalização do
jogador também é requerida e preconizada pelos
instrumentos midiáticos, os investidores e os torcedores.
Isso porque estando o futebol imbricado no sistema
capitalista mundial e sendo dentro dele uma mercadoria,
a obtenção de lucros e manutenção como produto
atraente está diretamente relacionada com a forma de 1
gestão e atuação dos atores diretamente envolvidos com o
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POLÍTICA E SOCIEDADE
OLIMPÍADAS
Alexandre Fernandez Vaz
Professor da UFSC
Os Jogos Olímpicos de Londres atualizaram o absteve de cantar louvores ao regime nazista que, por sua
mito do encontro esportivo entre nações celebrado a cada vez, não se furtou de fazer o elogio ao corpo esportivo
quatro anos. Decalcando as Olimpíadas da Antiguidade, "puro", asséptico, higiênico, sem misturas, máculas ou
os Jogos modernos deveriam reafirmar a paz e a união história, condição que corresponde ao totalitarismo.
entre os povos, suspendendo as eventuais guerras para Apesar das inúmeras e rigorosas regras para a
sua realização, segundo o espírito do ideário do Barão de captação e divulgação de imagens, os Jogos de Londres
Coubertin. Ele e outros aristocratas, no final do século foram, sem dúvidas, a edição olímpica em que elas com
dezenove, levaram adiante aquele objetivo que quase mais velocidade e alcance estiveram disponíveis. De
soava anacrônico em tempos já de sociedade burguesa atletas e público foi exigida toda uma etiqueta a ser
consolidada: reunir atletas para, sem interesse financeiro, cumprida nos locais de competição, sendo a preocupação
representarem a si e a seus países em uma contenda maior a de não ferir os interesses dos patrocinadores. Nas
esportiva. O prazer desinteressado deveria vir antes da praças esportivas não se podia consumir alimentos que
busca frenética por recordes e vitórias. não os oficiais, tampouco estava autoriza a manifestação
Quase que um último suspiro da aristocracia, em política.
seu impulso neoclássico de restauração de um poder De fato, os Jogos já foram lugar de embates
Sobre o autor
ferido de morte cem anos antes, com a Revolução históricos para além dos campos esportivos, como o gesto
Francesa, os Jogos proibiram durante muito tempo a de dois velocistas estadunidenses medalhistas no México,
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor
participação de profissionais. Nada mais estranho ao em 1968, punhos em luvas negras erguidos durante o
pela Leibniz Universität Hannover.
mundo aristocrático do que a democracia e o trabalho hasteamento da bandeira a execução do hino nacional na
Professor dos Programas de Pós-
para o próprio sustento, de forma que aqueles que cerimônia de premiação. Ou como os boicotes de países
graduação em Educação e
ganhavam a vida com o próprio corpo deveriam ficar africanos em 1976, dos Estados Unidos e vários aliados em
Interdisciplinar em Ciências
alheios à festa. Em arroubo sexista, inicialmente também 1980, dos soviéticos e sua área de influência em 1984.
Humanas da Universidade Federal
vedavam a participação de mulheres, já presentes, no Foram também lugar de terrorismo, a exemplo do
de Santa Catarina (UFSC).
entanto, na segunda edição das Olimpíadas. sequestro e assassinato de onze atletas israelenses nos
Coordenador do Núcleo de Estudos
Nas Olimpíadas de Londres não vimos nada Jogos de Munique, em 5 de setembro de1972, por um
e Pesquisas Educação e Sociedade
disso. Lá estavam atletas altamente profissionais a comando palestino que desejava intercambiá-los por
Contemporânea (UFSC/CNPq).
disputar medalhas acompanhadas de bônus por vitórias e presos em Israel. A assepsia política atual não visa a
Pesquisador CNPq.
de uma exposição jamais experimentada. Historicamente, proteção do ideal aristocrata da paz nesses dias de Jogos,
a presença de profissionais nas competições foi sendo como faz supor a indústria do entretenimento, mas a
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
paulatinamente tolerada, primeiro no futebol, depois em proteção do grande negócio que o evento é.
extual/visualizacv.do?id=B295957
outros esportes. A discussão foi inteiramente superada Terá sido impossível controlar as milhares de
com o fim da Guerra Fria. Os países que compunham o pessoas com seus refinados aparatos tecnológicos a captar,
Contato:
Pacto de Varsóvia se orgulhavam de promover o espírito montar e divulgar imagens e textos de forma quase
alexfvaz@uol.com.br
olímpico, negando o profissionalismo, mas abrigando, instantânea. Os próprios expectadores foram personagens
sob forte apoio estatal, seus atletas, demarcando um dos dos enredos que inundam as redes sociais, assim como os
muitos paradoxos do socialismo real, a defesa de um atletas. Walter Benjamin disse nos anos 1930, que o ator de
modelo esportivo aristocrático. Pensando bem, é enorme cinema atuava no enfrentamento da câmera; Riefenstahl
a coerência da plutocracia soviética com o esporte inventou os atletas como atores modernos, assim como
olímpico, em especial no contexto da corrida tecnológica fizera com os políticos em Triunfo da Vontade,
perpetrada por ela e pelos países da OTAN. Conquista do documentário sobre um congresso do Partido Nazista. O
espaço, armamentos para os conflitos do Terceiro Mundo esporte há muito que não é apenas documentado ou
e instrumentalização dos corpos no esporte (em que transmitido, mas produzido e realizado para ser
pontificava o doping), foram armas importantes na capturado pelas lentes que cada vez mais são o
batalha sem fronteiras que sucedeu a II Guerra Mundial e prolongamento do olho. Mercadoria espetacular, os Jogos
que durou até o início dos anos 1990, quando o Império já não foram apenas em Londres, mas em todos os lugares
Soviético caiu "como um castelo de cartas", segundo a ao mesmo tempo.
expressão do historiador Eric Hobsbawm. O ideário aristocrata já não está presente nas
O esporte sempre andou pari passu com as Olimpíadas, o que não deixa de ser uma vantagem.
imagens que o divulgam. Contemporâneo do cinema e da Espetáculo global de atletas que devemos admirar pelas
grande imprensa, os Jogos Olímpicos foram, em proezas, negócio dos mais lucrativos a mobilizar
Berlim/1936, tema de uma das primeiras transmissões sentimentos difusos em nosso tempo, como o
televisivas experimentais. Aquela Olimpíada inaugurou nacionalismo e a identificação patriótica. Melhor seria ver
ainda a moderna maneira de filmar e, portanto, de ver tudo isso como um jogo, que sempre tem algo de gratuito
esportes. Tudo o que se assiste hoje na TV pôde ser e simplório, de fascinante e grandioso. Aos Jogos
antevisto antevisto no documentário de Leni Riefenstahl, Olímpicos, a devida importância. E nada mais.
Olympia, na captação de imagens, na montagem ou na
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narrativa. Nazista desde sua concepção, o projeto de Uma versão deste texto foi publicada no Diário Catarinense (DC
Cultura) em 11 de agosto de 2012, sob o título de Olimpíada da
Riefenstahl não é, no entanto, mostra de uma suposta
imagem.
"traição" aos ideais olímpicos pelos Jogos organizados
pelo Nacional-socialismo. O Barão de Coubertin não se
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7. CONTEMPORÂNEA
NÚMERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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AGOSTO
2012
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POLÍTICA E SOCIEDADE
POLÍTICA ESPORTIVA, MEDALHAS E UMA
GEOPOLÍTICA À BRASILEIRA
Wagner Xavier de Camargo
Doutor em Ciências Humanas pela Universidade
Federal de Santa Catarina
Os jornais televisivos e virtuais noticiaram no é exemplo similar. O jovem país participou pela primeira
último dia das Olimpíadas de Londres, que o Comitê vez das Olimpíadas em Londres-1948 e durante quase
Olímpico Brasileiro (COB) anunciou ter cumprido a meta quarenta anos manteve-se nas últimas posições do
esportiva planejada para o Brasil nos Jogos. Segundo famigerado quadro. A ascensão como Tigre Asiático e o
consta, com R$ 100 milhões a mais para o esporte em redimensionamento da economia traduziram-se em
relação ao que fora repassado pelas loterias no ciclo investimento em educação com reflexos claros no esporte,
olímpico chinês (à época, R$ 231 milhões), o país cumpriu como se tem constatado. Se somadas as desta versão
sua “missão”. olímpica de verão, o país totaliza 244 medalhas em sua
Que geopolítica esportiva é essa, que com esse história.
plus de milhões, só garantiu duas medalhas a mais em Estes dois países são exemplos a serem seguidos.
Sobre o autor relação ao resultado de 2008? Como se pode avaliar a Terminam estas Olimpíadas em colocações
campanha do país no conjunto dos resultados obtidos inquestionáveis: a Grã-Bretanha em 3º lugar, com 29
Wagner Xavier de Camargo é nestes Jogos Olímpicos? As marcas e medalhas ouros, e a Coréia do Sul em 5º lugar, com 13 ouros.
cientista social com mestrado em aguardadas na natação não vieram a contento. Nas classes Muitos dirão que tais efeitos foram possíveis
Educação Física. Doutor em Ciências da vela, outras decepções: o "feijão com arroz básico" não porque tais países sediaram Olimpíadas – isto é, o
Humanas pela Universidade Federal garantiu o que o potencial da modalidade predizia. O planejamento governamental refletiu-se em méritos
de Santa Catarina (UFSC), foi atletismo só flertou com possibilidades e nada trouxe. No esportivos. Eu não apostaria tantas fichas neste
bolsista da Deutscher Akademischer hipismo, diz-se que faltaram cavalos adequados. E teve argumento. E mais: os resultados concretos (e
Austausch-Dienst (DAAD) em até algoz do lado das forças (sobre)naturais, como ventos sistematicamente melhorados em termos de número de
estágio internacional na Freie demoníacos e usurpadores de chances. O boxe é caso medalhas) são sintomas de, no mínimo, forte investimento
Universität Berlin (FU Berlin), excepcional e merece ser considerado à parte. No no esporte de base e clara política de detecção de talentos,
Alemanha. Insere-se no campo dos alvorecer de sábado, penúltimo dia de competições na além de investimentos permanentes na manutenção de
estudos antropológicos das práticas capital londrina, os meios de comunicação destacavam – jovens no meio esportivo. Não é preciso ir muito longe
esportivas e dedica-se, com especial alguns de modo modesto, outros mais enfáticos – que a para colher um exemplo disso: se na Colômbia o grande
destaque, à investigação das campanha brasileira foi “a melhor dos últimos vinte capital de fomento ao esporte vem da esfera pública
relações de gênero entre anos”. Atente-se para o detalhe: desde Barcelona-92 não (como acontece em nosso país), distintamente daqui, lá se
masculinidades nos esportes de íamos tão bem no quesito “total de medalhas”! mantém um programa de incentivo a milhares de crianças
competição. Ou seja, mesmo não entrando no mérito da com aptidão esportiva que necessitam do desempenho
distribuição de ouros, pratas e bronzes, depois das 15 escolar para obterem o auxílio. Aqui os oficiais Comitês
http://buscatextual.cnpq.br/buscat medalhas em Atlanta-96, 12 em Sydney-2000, 10 em Olímpico e Paralímpico investem unidirecionalmente no
extual/visualizacv.do?id=B195056 Atenas-04, 15 em Pequim-08, agora foram as incríveis 17 alto nível e algumas ONGs que se propõem a inserir e
medalhas conquistadas! Realmente um feito estimular crianças e adolescentes carentes em programas
Contato: surpreendente! Sozinho nesta versão olímpica, Michael esportivos, acabam suspeitas de corrupção e desvio de
wxcamargo@gmail.com Phelps conseguiu mais ouros que os/as atletas/as verbas públicas.
brasileiros/as (e mesmo que todas as modalidades em A reincidência à pergunta é para fazer pensar: que
que o país esteve presente) lá nos Jogos. Sabe-se, geopolítica é esta em que um resultado de 17 medalhas é
igualmente, que ele conquistou, em sua jovem carreira ovacionado? Só se for à moda brasileira mesmo. Aliás,
esportiva, mais ouros do que a Argentina em toda a sua como já disse certa vez o inigualável Nelson Rodrigues:
história olímpica. "O brasileiro não está preparado para ser 'o maior do
Mas não pensem que apenas o Brasil tem este mundo' em coisa nenhuma. Ser 'o maior do mundo' em
histórico de resultados parcos, quase insignificantes. qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma
Depois dos promissores anos do início do século XX, a grave, pesada e sufocante responsabilidade." Por essas
Grã-Bretanha amargou desempenhos relativamente lógicas ilógicas é que continuamos fadados a vestir a
fracos no quadro geral de medalhas, o que a levou a uma fantasia de “sempre brasileiros”: fazemos festa por duas
política de remodelamento do sistema e replanejamento a anacrônicas medalhas a mais no quadro geral, bebemos
médio e longo prazos após o fiasco de Atlanta-96 (quando nossa cerveja, amamos nossas mulheres (mulatas,
os britânicos conquistaram, no total, apenas 15 medalhas). obviamente, porque vivemos de estereótipos) e na
Nas versões sucessivas foram 28 (Sydney-2000), segunda-feira de trabalho já esquecemos tudo o que
30 (Atenas-04) e 47 medalhas (Pequim-08). O principal aconteceu. E que venha a festa apoteótica “Rio-2016”!
foco foi incentivar esportes até então nacionalmente
pouco desenvolvidos, como o ciclismo. A Coréia do Sul é
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8. CONTEMPORÂNEA
NÚMERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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POLÍTICA E SOCIEDADE
LONDRES 2012: UMA EXPERIÊNCIA OLÍMPICA
Michelle Carreirão Gonçalves
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação /UFSC
Sou fã de esportes. Adoro assistir as mais Atletas misturavam-se com ex-atletas e não atletas. Os
diversas competições. E em tempos de Jogos Olímpicos, pontos turísticos estavam abarrotados de curiosos com
fico completamente fora do ar, curtindo na frente da TV suas máquinas fotográficas, câmeras, celulares e tablets nas
as duas semanas em que ocorre o maior evento esportivo mãos, querendo registrar o momento, os lugares, captar
mundial. Neste ano, por conta da proximidade aquela atmosfera em que os heróis olímpicos descem e se
geográfica, tive a oportunidade de estar na cidade sede misturam aos homens comuns. Já nas arenas, o
dos Jogos durante os últimos dias da Olimpíada. movimento era outro: as ordinary people procuravam se
Londres estava incrivelmente organizada e diferenciar por meio de pinturas, de fantasias, de gritos,
preparada para receber os milhares de visitantes vindos enfim, das diversas formas de chamar a atenção da
Sobre a autora de todos os cantos do mundo para prestigiar, ver, torcer, câmera de TV. Ali, nada parecia mais importante do que
sofrer e se alegrar com os Jogos. A cada esquina era ser filmado e ter a imagem projetada no telão da arena.
Michelle Carreirão Gonçalves é possível encontrar duplas de policiais fazendo a Nem mesmo a torcida pela seleção preferida parecia ser
Licenciada em Educação segurança, mas também dando informações, auxiliando mais importante.
Física/UFSC; Mestre em no que fosse preciso. Nas estações do Underground (o Nesse lugar cheio de deuses disfarçados de mortais,
Educação/UFSC; Graduanda do metrô londrino), muitos voluntários dando dicas, e de mortais tentando ter seu momento estrelar, também
curso de Filosofia/UFSC; mostrando as direções e caminhos para os mais variados não contive a emoção ao me deparar com alguns atletas
Doutoranda do Programa de Pós- locais de competição. Eles também podiam ser vistos nos conhecidos do Brasil: Flavio Canto (ex-judoca,
Graduação em Educação/UFSC; parques e em diferentes lugares da cidade, com suas comentarista de uma emissora de TV), Fabiano Peçanha
Bolsista CNPq (UFSC/Leibniz camisetas rosa e sua boa vontade, sempre prontos para (corredor de 1500m e 800m, prova que disputou), Virna
Universität Hannover); Membro do ajudar. Muitos falavam outros idiomas, algo inclusive (ex-jogadora de vôlei, também comentarista) e Dani Lins
Núcleo de Estudos e Pesquisas sinalizado nas respectivas camisetas (encontrei um desses (levantadora da seleção de vôlei, medalhista de ouro).
Educação e Sociedade Staffs que tinha um pequeno botton dizendo “Ich spreche Mas foi o encontro fortuito com um campeão
Contemporânea. Deutsch” – “Falo alemão” – e fiquei muito feliz, apesar de olímpico que me emocionou de um jeito inimaginável.
estar me virando em inglês). E havia ainda as pessoas Quando aquele sujeito muito alto passou na direção
http://buscatextual.cnpq.br/buscat comuns, moradores da cidade, que foram também muito contrária a minha, entrando na estação de metrô,
extual/visualizacv.do?id=K4770696 receptivos. Numa manhã, um senhor que saía de um reconheci seu rosto. Para confirmar, li em seu crachá:
U7 prédio, ao ver eu e minha companheira de viagem, Joaquim Cruz. Eu e minha parceira de aventura olímpica
Viviane Silveira, perdidas com um mapa na mão, não acreditamos no que vimos. Pensamos: “com ele
atravessou a rua, mudou sua rota e veio nos perguntar, precisamos tirar uma foto”. E o chamamos de Joaquim,
Contato: “What are you looking for?” assim, como se fôssemos íntimas. Ele se virou e pareceu
michelle_carreirao@yahoo.com.br Para quem não tinha ingressos para assistir suas um pouco assustado, um tanto surpreso talvez, porque
modalidades preferidas, era possível ir até algum grande não esperava ser parado ali, ainda mais por duas fãs que
parque, como o Hyde ou o Victoria, e assistir, numa não são da geração que o viu correr e brilhar nas pistas do
imponente estrutura montada com telões, praça de mundo (ele foi campeão olímpico em 1984, quando eu
alimentação, banheiros e atividades de lazer, o que tinha apenas 1 ano de idade). Mas foi incrivelmente
estivesse sendo transmitido por lá, geralmente disputas simpático e atencioso. Aquele foi meu momento olímpico,
com participação de equipes da Grã-Bretanha ou as finais completamente mágico, quando Joaquim Cruz, um dos
das modalidades. meus ídolos do atletismo, dedicou um breve instante do
Fiquei impressionada com a quantidade de “sem seu tempo para oferecer uma imagem sorridente para a
ingressos” pela cidade. Havia bastante gente tentando fotografia, capturada pela objetiva e retida de modo
descolar algo em frente aos estádios e ginásios, horas singular na minha memória. E é a ele e a todos os atletas
antes das partidas. Muitos brasileiros, inclusive. Por sinal, que me fizeram e ainda me fazem emocionar, me
a presença brasileira também me impressionou, com suas surpreender e me fascinar ao ver esportes, que agradeço.
fantasias verde-e-amarelas, suas bandeiras enchendo a Nisso concordo com Gumbrecht: não há nada mais
cidade. Nada como viver em tempos de economia importante a agradecer ao esporte do que o prazer que ele
aquecida em terras tupiniquins. nos proporciona.
Pelas ruas da cidade, por todos os cantos, gente,
muita gente, com as mais diversas caras, línguas e cores.
Vestindo uniformes, camisetas, trazendo bandeiras.
Atletas
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9. CONTEMPORÂNEA
NÚMERO
Uma quase Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
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EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO INFANTIL:
CARÁTER PÚBLICO E FORMAÇÃO ILUMINISTA
Alexandre Fernandez Vaz
Professor da UFSC
A educação infantil é direito das famílias, em Da mesma forma, a pauta da educação infantil
especial das crianças, e, como tal, obrigação do Estado. não pode ser a do calendário do comércio e do consumo.
Meninos e meninas frequentam as instituições de Para ser formativa, ela deve apresentar às crianças formas
educação infantil não só porque os pais trabalham, mas de interpretar o mundo que não equiparem poder de
porque lá podem e devem ter experiências educativas compra e fascinação pela mercadoria a sucesso e
singulares. Professoras com formação especializada e felicidade. Os pequenos são expostos a todo tipo de
outros profissionais cuidam dos pequenos, colocando-os demanda do mercado, em especial neste país, em que a
em contato mais próximo com o mundo elaborado pela televisão como alternativa de entretenimento, tem uma
ciência e pela arte, com o quê já existia antes de eles onipresença brutal na vida de cada um de nós. A presença
nascerem e é constantemente renovado. Brincar é agressiva da propaganda, com ofertas em cores e formas
atividade própria das crianças, ainda que não com personagens e brinquedos que parecem exigir um
Sobre o autor
exclusivamente delas. Na educação infantil encontram gozo sem limites, exige a disposição para o combate
espaço, tempo, materiais e mediações de pares e de pedagógico. Oferecer outros modelos de interpretação do
Alexandre Fernandez Vaz é Doutor
adultos para isso. Com as brincadeiras e outras mundo, distintos da indústria do entretenimento, é algo
pela Leibniz Universität Hannover.
atividades, propostas ou espontâneas, elas aprendem que a educação não deve prescindir.
Professor dos Programas de Pós-
conceitos, desenvolvem o senso estético e a moralidade. A educação infantil é essencial para a formação
graduação em Educação e
As brincadeiras são experimentações lúdicas que não das crianças. Mas, para que sua promessa se cumpra,
Interdisciplinar em Ciências
prescindem de um movimento que é similar ao da precisamos levar muito a sério, e em sentido extenso, o
Humanas da Universidade Federal
composição da obra de arte, combinando a abertura dos caráter público da educação. Pequenos iluministas,
de Santa Catarina (UFSC).
sentidos com o esforço intelectual. sensíveis e não conformistas, para que possam se tornar
Coordenador do Núcleo de Estudos
Assim como depois fará a escola, a educação pessoas críticas e autônomas, é o que queremos que as
e Pesquisas Educação e Sociedade
infantil deve preparar as crianças para a vida pública, crianças sejam.
Contemporânea (UFSC/CNPq).
Pesquisador CNPq. para no futuro atuarem criticamente em sociedade. Como
bem destacou Hannah Arendt, cabe aos adultos 1 O texto é devedor de contribuições de Ana Cristina Richter,
mostrarem a elas o mundo que as recebe, ao mesmo Gisele Carreirão Gonçalves, Josiana Piccolli e Michelle Carreirão
http://buscatextual.cnpq.br/buscat
Gonçalves, sem que isso as torne responsáveis por qualquer dos
extual/visualizacv.do?id=B295957 tempo em que devem protegê-las, desencarregando-as de
equívocos nele presentes. Uma versão mais resumida foi
tarefas e expectativas que são daqueles que já cresceram.
publicada na coluna Opinião, do Diário Catarinense, n. 9649, em
Contato: O imenso desafio que se coloca para a educação é o de
19.ix.2012, p. 18, sob o título de Por uma educação infantil.
efetivar a formação dos pequenos frente a este mundo,
alexfvaz@uol.com.br
sem deixar que neles se perca a possibilidade de
transformação deste mesmo mundo.
Como espaço de formação, a educação infantil
diferencia-se da família em concepção, organização e
práticas. Não há dúvidas sobre a importância da presença
da família nas instituições de educação infantil, mas elas
devem ter calendários distintos porque atuam na
formação de forma diversa. Os eventos nas instituições,
por exemplo, devem ser distintos das celebrações
domésticas. É preciso diferenciar espaço público de vida
privada.
A educação pública não pode, por exemplo, fazer
proselitismo religioso, mas reforçar o próprio caráter
laico, inclusive por respeito à pluralidade de crianças que
recebe. É bom que no interior da instituição os adultos
coloquem entre parênteses suas crenças e que ajam sob os
desígnios da razão pública. Professoras que expõem as
crianças a canções e filmes religiosos, que as ensinam a
rezar e as ameaçam com castigos "divinos", ou com
quaisquer outros, devem rever sua prática.
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