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Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                            52
           (Corresponde ao décimo-sexto tópico do Capítulo 7,
             intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)




             A falência da forma Estado-nação

A maior parte dos Estados-nações não deu certo

Do ponto de vista do ‘desenvolvimento como liberdade’ – para usar a feliz
expressão de Amartya Sen (2000) –, é forçoso reconhecer que a imensa
maioria dos Estados-nações do mundo não deu muito certo (44).

O chamado mundo desenvolvido restringe-se a uma lista que não chega a
três dezenas de países: quer se considere o desenvolvimento humano
medido pelo IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, quer se
considere o desenvolvimento econômico, medido pelo CGI – Índice de
Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, quer se considere o
desenvolvimento    tecnológico   e    a   sintonia   com    as   inovações
contemporâneas, medido pelo IG – Índice de Globalização, da AT
Kearney/Foreign Policy. Desenvolvidos (nesses três sentidos) são os países
que apresentam IDH igual ou superior a 0,9, CGI maior ou igual a 4,6 e que
figuram nos primeiros vinte ou trinta lugares da lista do IG, daqueles que
têm ambientes mais favoráveis à inovação.

Um cruzamento desses três índices revela a lista – aborrecidamente
previsível – dos países que deram certo. Pasmem, mas são menos de 30!
Em ordem alfabética (em dados do final da década passada): Alemanha,
Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha,
Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Hong Kong, Irlanda, Islândia,
Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino
Unido, Cingapura, Suécia e Suíça. (A essa lista poder-se-ia, com boa
vontade, acrescentar mais alguns, como, por exemplo – e entre outros –, a
República Checa, a Estônia, a Eslovênia e, na América Latina, o único
candidato de sempre: o Chile).

Significativamente, a imensa maioria dos países dessa lista dos mais
desenvolvidos tem regimes democráticos. Significativamente, também, não
figuram nessa lista dos mais desenvolvidos: i) países com regimes
ditatoriais, ainda que apresentem altos índices de crescimento econômico
(como China ou Angola); ii) protoditaduras (como Rússia ou Venezuela); e,
nem mesmo, iii) democracias formais parasitadas por regimes
neopopulistas manipuladores (como Argentina e outros países da América
Latina).

Em outras palavras, do ponto de vista do ‘desenvolvimento como liberdade’,
os Estados-nações existentes no mundo atual, em sua maioria, não são
instâncias benéficas.

Os números são assustadores. Mais da metade (50,5%) dos 193 países do
mundo ainda vive sob regimes ditatoriais ou protoditatoriais. Apenas 80
países (reunindo 49,5% da população mundial) apresentem democracias
formais (um cálculo com boa vontade, incluindo aquelas que são
parasitadas por regimes populistas ou neopopulistas manipuladores). Isso
significa que cerca de 3 bilhões e meio de pessoas não têm experiência de
democracia representativa – sim, a referência aqui é à democracia formal
mesmo – ou têm dessa democracia uma experiência muito limitada. Quase
quatro milhões de seres humanos (a maioria da humanidade) não têm
plena liberdade para criar, para inventar, para inovar, para se desenvolver e
para promover, com alguma autonomia, o desenvolvimento das localidades
onde vivem e trabalham. E não há qualquer processo “natural”, de



                                     2
“evolução”, sempre ‘para frente e para o alto’, como imaginam alguns
crédulos. Em 1975, 30 nações tinham governos eleitos pela população. Em
2005, esse número tinha subido para 119 (45). Mas nos últimos anos o
crescimento da democracia e da liberdade política está sofrendo forte
desaceleração e isso não tem a ver somente com o requisito democrático da
eletividade, mas, sobretudo, com o da rotatividade (ou alternância), para
não falar dos outros princípios (como a liberdade, a publicidade, a
legalidade e a institucionalidade e, como conseqüência de todos esses, a
legitimidade).

O mais recente levantamento sobre o estado da democracia no mundo –
The Economist Intelligence Unit’s Index of Democracy 2010 – abarcando
167 países (Estados-nações), revelou que existem atualmente apenas 26
países com democracia plena (em termos formais), agregando 12,3% da
população mundial. E revelou também que esse número não está
aumentando; pelo contrário, a situação foi descrita como “democracy in
retreat” e “democracy in decline” (46).

Bem mais da metade dessas pessoas vivem em cidades que poderiam “dar
certo”, não fosse pelo fato de estarem subordinadas a Estados-nações que
sufocam seu desenvolvimento. Sim, 87% dos Estados-nações do globo não
podem ser considerados desenvolvidos dos pontos de vista humano, social
e científico-tecnológico. No entanto, nesses 168 países “atrasados” (por
assim dizer) e com poucas chances de se inserir adequadamente na
contemporaneidade, existem milhares de cidades promissoras, que
caminhariam celeremente para alcançar ótimas posições nos rankings da
inovação e da sustentabilidade, bastando para tanto, apenas, que
lograssem se libertar do jugo dos países – das estruturas centralizadoras
dos governos centrais e dos outros aparatos de controle e dominação dos
Estados-nações – que as estrangulam.

O fato é que o Estado-nação não é boa instância – e não é uma boa fórmula
política – do ponto de vista do desenvolvimento.

As cidades, pelo contrário, sempre o foram, pelo menos até agora. E não há
nenhuma razão pela qual as cidades devam continuar mantendo uma
atitude genuflexória em relação ao Estado-nação, a não ser a concentração
de poder nas instâncias nacionais, inclusive o poder de retaliação dos
governos e legislativos centrais. Os prefeitos, como se diz, andam de “pires
na mão” e ajoelham-se perante os executivos nacionais, em parte porque
dependem de recursos que foram centralizados pelas instâncias nacionais e,
em parte, porque têm medo de serem discriminados e perseguidos – o que,
convenha-se, é um motivo odioso e antidemocrático. Mas isso acontece



                                     3
porquanto suas cidades não estão preparadas para enfrentar os desafios de
caminhar com as próprias pernas.




                                   4
Notas

(44) SEN, Amartya (1999).       Desenvolvimento    como    liberdade.   São   Paulo:
Companhia das Letras, 1999.

(45) Cf. FREEDOM HOUSE (2011). Freedom in the World 2011: The authoritarian
challenge to democracy. Disponível em

<http://www.freedomhouse.org/images/File/fiw/FIW_2011_Booklet.pdf>

(46) Democracias plenas (full democracies) são apenas 26 países, correspondendo
a 12,3% da população mundial: Norway, Iceland, Denmark, Sweden, New Zealand,
Australia, Finland, Switzerland, Canada, Netherlands, Luxembourg, Ireland, Austria,
Germany, Malta, Czech Republic, US, Spain, UK, South Korea, Uruguay, Japan,
Belgium, Mauritius, Costa Rica, Portugal. Cf. The Economist Intelligence Unit
(2010). Democracy in retreat. New York: The Economist Group, 2010. Disponível
em <http://www.eiu.com>




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A falência da forma Estado-nação

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 52 (Corresponde ao décimo-sexto tópico do Capítulo 7, intitulado Alterando a estrutura das sociosferas) A falência da forma Estado-nação A maior parte dos Estados-nações não deu certo Do ponto de vista do ‘desenvolvimento como liberdade’ – para usar a feliz expressão de Amartya Sen (2000) –, é forçoso reconhecer que a imensa maioria dos Estados-nações do mundo não deu muito certo (44). O chamado mundo desenvolvido restringe-se a uma lista que não chega a três dezenas de países: quer se considere o desenvolvimento humano medido pelo IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, quer se considere o desenvolvimento econômico, medido pelo CGI – Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, quer se considere o
  • 2. desenvolvimento tecnológico e a sintonia com as inovações contemporâneas, medido pelo IG – Índice de Globalização, da AT Kearney/Foreign Policy. Desenvolvidos (nesses três sentidos) são os países que apresentam IDH igual ou superior a 0,9, CGI maior ou igual a 4,6 e que figuram nos primeiros vinte ou trinta lugares da lista do IG, daqueles que têm ambientes mais favoráveis à inovação. Um cruzamento desses três índices revela a lista – aborrecidamente previsível – dos países que deram certo. Pasmem, mas são menos de 30! Em ordem alfabética (em dados do final da década passada): Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Hong Kong, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Cingapura, Suécia e Suíça. (A essa lista poder-se-ia, com boa vontade, acrescentar mais alguns, como, por exemplo – e entre outros –, a República Checa, a Estônia, a Eslovênia e, na América Latina, o único candidato de sempre: o Chile). Significativamente, a imensa maioria dos países dessa lista dos mais desenvolvidos tem regimes democráticos. Significativamente, também, não figuram nessa lista dos mais desenvolvidos: i) países com regimes ditatoriais, ainda que apresentem altos índices de crescimento econômico (como China ou Angola); ii) protoditaduras (como Rússia ou Venezuela); e, nem mesmo, iii) democracias formais parasitadas por regimes neopopulistas manipuladores (como Argentina e outros países da América Latina). Em outras palavras, do ponto de vista do ‘desenvolvimento como liberdade’, os Estados-nações existentes no mundo atual, em sua maioria, não são instâncias benéficas. Os números são assustadores. Mais da metade (50,5%) dos 193 países do mundo ainda vive sob regimes ditatoriais ou protoditatoriais. Apenas 80 países (reunindo 49,5% da população mundial) apresentem democracias formais (um cálculo com boa vontade, incluindo aquelas que são parasitadas por regimes populistas ou neopopulistas manipuladores). Isso significa que cerca de 3 bilhões e meio de pessoas não têm experiência de democracia representativa – sim, a referência aqui é à democracia formal mesmo – ou têm dessa democracia uma experiência muito limitada. Quase quatro milhões de seres humanos (a maioria da humanidade) não têm plena liberdade para criar, para inventar, para inovar, para se desenvolver e para promover, com alguma autonomia, o desenvolvimento das localidades onde vivem e trabalham. E não há qualquer processo “natural”, de 2
  • 3. “evolução”, sempre ‘para frente e para o alto’, como imaginam alguns crédulos. Em 1975, 30 nações tinham governos eleitos pela população. Em 2005, esse número tinha subido para 119 (45). Mas nos últimos anos o crescimento da democracia e da liberdade política está sofrendo forte desaceleração e isso não tem a ver somente com o requisito democrático da eletividade, mas, sobretudo, com o da rotatividade (ou alternância), para não falar dos outros princípios (como a liberdade, a publicidade, a legalidade e a institucionalidade e, como conseqüência de todos esses, a legitimidade). O mais recente levantamento sobre o estado da democracia no mundo – The Economist Intelligence Unit’s Index of Democracy 2010 – abarcando 167 países (Estados-nações), revelou que existem atualmente apenas 26 países com democracia plena (em termos formais), agregando 12,3% da população mundial. E revelou também que esse número não está aumentando; pelo contrário, a situação foi descrita como “democracy in retreat” e “democracy in decline” (46). Bem mais da metade dessas pessoas vivem em cidades que poderiam “dar certo”, não fosse pelo fato de estarem subordinadas a Estados-nações que sufocam seu desenvolvimento. Sim, 87% dos Estados-nações do globo não podem ser considerados desenvolvidos dos pontos de vista humano, social e científico-tecnológico. No entanto, nesses 168 países “atrasados” (por assim dizer) e com poucas chances de se inserir adequadamente na contemporaneidade, existem milhares de cidades promissoras, que caminhariam celeremente para alcançar ótimas posições nos rankings da inovação e da sustentabilidade, bastando para tanto, apenas, que lograssem se libertar do jugo dos países – das estruturas centralizadoras dos governos centrais e dos outros aparatos de controle e dominação dos Estados-nações – que as estrangulam. O fato é que o Estado-nação não é boa instância – e não é uma boa fórmula política – do ponto de vista do desenvolvimento. As cidades, pelo contrário, sempre o foram, pelo menos até agora. E não há nenhuma razão pela qual as cidades devam continuar mantendo uma atitude genuflexória em relação ao Estado-nação, a não ser a concentração de poder nas instâncias nacionais, inclusive o poder de retaliação dos governos e legislativos centrais. Os prefeitos, como se diz, andam de “pires na mão” e ajoelham-se perante os executivos nacionais, em parte porque dependem de recursos que foram centralizados pelas instâncias nacionais e, em parte, porque têm medo de serem discriminados e perseguidos – o que, convenha-se, é um motivo odioso e antidemocrático. Mas isso acontece 3
  • 4. porquanto suas cidades não estão preparadas para enfrentar os desafios de caminhar com as próprias pernas. 4
  • 5. Notas (44) SEN, Amartya (1999). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. (45) Cf. FREEDOM HOUSE (2011). Freedom in the World 2011: The authoritarian challenge to democracy. Disponível em <http://www.freedomhouse.org/images/File/fiw/FIW_2011_Booklet.pdf> (46) Democracias plenas (full democracies) são apenas 26 países, correspondendo a 12,3% da população mundial: Norway, Iceland, Denmark, Sweden, New Zealand, Australia, Finland, Switzerland, Canada, Netherlands, Luxembourg, Ireland, Austria, Germany, Malta, Czech Republic, US, Spain, UK, South Korea, Uruguay, Japan, Belgium, Mauritius, Costa Rica, Portugal. Cf. The Economist Intelligence Unit (2010). Democracy in retreat. New York: The Economist Group, 2010. Disponível em <http://www.eiu.com> 5