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Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                                     2
                   (Corresponde à introdução ao Capítulo 1,
                   intitulado No “lado de dentro” do abismo)




O Tao flui sem cessar... abismo!
Sun-Tzu em Tao-Te King (IV)



A fonte só pode ser pensada enquanto flui.
(Die Quelle kann nur gedacht werden, insofern sie fließt)

Johann Wolfgang von Goethe em Poesia e Verdade (1811)
Fluzz é o fluxo, que não pode ser aprisionado por qualquer
      mainframe. Porque fluzz é do metabolismo da rede. Ah!, sim, redes
      são fluições.

      Fluzz evoca o curso constante que não se expressa e que não pode
      ser sondado, nem sequer pronunciado do “lado de fora” do abismo:
      onde habitamos. No “lado de dentro” do abismo não há espaço nem
      tempo, ou melhor, há apenas o espaço-tempo dos fluxos. É de lá que
      aquilo (aquele) que flui sem cessar faz brotar todos os mundos.




O erudito Gershom Scholem (que ficou mais conhecido nos meios
acadêmicos – tão laicos quanto pouco ilustrados – em virtude de sua bela
amizade com Walter Benjamin), no seu monumental estudo sobre o
misticismo judaico, Major Trends in Jewish Mysticism (1941) (1),
comentando a formidável abstração que os cabalistas do século 13
denominaram Ein-Sof (o nada primordial do qual emana a “seiva” que
percorre a “árvore” numérica que constitui a estrutura do universo, criando,
formando e produzindo a existência), lança mão de uma metáfora
luminosa: ele “é – diz – o abismo que se torna visível nas fendas da
existência”. E relata em seguida que “alguns cabalistas que desenvolveram
esta idéia, por exemplo, Rabi Iossef ben-Shalom de Barcelona (1300),
sustentam que em toda transformação da realidade, em toda mudança da
forma, ou toda vez que o status de uma coisa é alterado, o abismo do nada
é cruzado e por um fugaz momento místico torna-se visível. Nada pode
mudar sem entrar em contato com esta região do Ser absoluto puro que os
místicos chamam de Nada”.

Realmente impressionante. Sem pretender elaborar alguma teosofia das
redes, podemos fazer agora um paralelo meramente literário e apenas
evocativo de uma imagem para efeitos heurísticos. Esse mundo oculto dos
cabalistas provençais, catalães e castelhanos e, depois, safeditas (o mundo
– ou árvore – das Sefirot) é como se fosse o mundo das fluições (o espaço-




                                     2
tempo dos fluxos) onde as redes sociais existem, o multiverso das conexões
também ocultas que produzem o que chamamos de ‘social’.

Há fendas. Há um abismo que não se deixa ver a menos no instante fugaz
em que uma fenda se abre. E nada pode mudar na estrutura e na dinâmica
do mundo (manifesto, vamos dizer assim – ou produzido) sem que haja
uma mudança correspondente nas configurações daquele mundo oculto, ou
seja, nos fluxos que o caracterizam ou no ritmo da fluição. Seria algo mais
ou menos assim, para lançar mão de uma metáfora menos esotérica – mas
não tanto – usada pelos físicos contemporâneos, como a vibração de uma
corda ou de uma membrana.

Mas, não! Ainda não é bem isso. Há fendas, sim, mas por trás das fendas
não há uma ordem implícita, pré-existente em alguma esfera oculta: a
ordem está sempre sendo criada no presente da interação!

Que fendas seriam essas? Onde estaria esse abismo?

Abismo. Fenda. Quando a fenda se abre, “vemos” fluzz. Mas o que vemos
quando “vemos” fluzz?

Espiar de fora para dentro do abismo nada-revela (e esse, por incrível que
não-pareça, é um dos sentidos daquele nada primordial: porque no princípio
era a rede). Nada se pode ver a não ser que se mergulhe na fluição, como
fez o sufi Mojud, “O homem cuja história era inexplicável” (2); quando
perguntado de que maneira havia alcançado tanta sabedoria, ele não-
explicou dizendo assim: “Eu me atirei num rio... [e] simplesmente deixei”.

Goethe (1821) terminou com o seguinte verso o poema Eins und Alles,
“tudo deve cair no nada, se quiser persistir em ser” (3). Tem que pular
dentro – se abismar – para ver.




                                    3
Notas

(1) SCHOLEM, Gershom (1941). As grandes correntes da mística judaica. São
Paulo: Perspectiva, 1972.

(2) Cf. Histórias da Tradição Sufi. Rio de Janeiro: Edições Dervish, 1993.

       O HOMEM CUJA HISTÓRIA ERA INEXPLICÁVEL

       Era uma vez um homem chamado Mojud. Ele vivia numa cidade onde havia
       conseguido um emprego como pequeno funcionário público, e tudo levava a
       crer que terminaria seus dias como Inspetor de Pesos e Medidas.

       Um dia, quando estava caminhando pelos jardins de uma antiga construção
       próxima à sua casa, Khidr, o misterioso guia dos sufis, apareceu para ele,
       vestido em um verde luminoso. Então Khidr disse:

       - Homem de brilhantes perspectivas! Deixe seu trabalho e se encontre
       comigo na margem do rio dentro de três dias.

       E assim dizendo, desapareceu.

       Excitado, Mojud procurou seu chefe e lhe disse que ia partir. Todos na
       cidade logo souberam desse fato e comentaram:

       - Pobre Mojud. Deve ter ficado louco.

       Mas como havia muitos candidatos a seu posto logo se esqueceram dele.

       No dia marcado Mojud encontrou-se com Khidr, que disse:

       - Rasgue suas roupas e se jogue no rio. Talvez alguém o salve.

       Mojud obedeceu, embora se perguntasse se não estaria louco.

       Como ele sabia nadar, não se afogou, mas ficou boiando à deriva por um
       longo trecho antes que um pescador o recolhesse em seu bote, dizendo:

       - Homem insensato! A corrente aqui é forte. Que está tentando fazer?

       - Na realidade eu não sei - respondeu Mojud.

       - Você está louco - disse o pescador. - Mas o levarei à minha cabana de
       junco próximo ao rio e veremos o que se pode fazer por você.




                                          4
Quando o pescador descobriu que Mojud era bem instruído, passou a
aprender com ele a ler e a escrever. Em troca Mojud recebeu comida e
ajudou o pescador em seu trabalho.

Alguns meses depois Khidr reapareceu, desta vez junto à cama de Mojud, e
disse:

- Levante-se e deixe o pescador. Será provido do necessário.

Vestido como pescador, Mojud imediatamente deixou a cabana e
perambulou sem rumo até encontrar uma estrada. Ao romper da aurora viu
um granjeiro montado num burro.

- Procura trabalho? - perguntou o granjeiro. - Estou precisando de um
homem que me ajude a trazer algumas compras.

Mojud o acompanhou. Trabalhou para o granjeiro durante quase dois anos,
quando aprendeu muito sobre agricultura, mas pouco sobre outras coisas.

Uma tarde, quando estava ensacando lã, Khidr fez nova aparição e disse:

- Deixe esse trabalho, dirija-se à cidade de Mosul e empregue as suas
economias para tornar-se mercador de peles.

Mojud obedeceu.

Em Mosul tornou-se conhecido como mercador de peles, sem voltar a ver
Khidr durante os três anos em que exerceu seu novo ofício. Tinha reunido
uma considerável quantia e estava pensando em comprar uma casa quando
Khidr lhe apareceu e disse:

- Dê-me seu dinheiro, afaste-se desta cidade rumo à distante Samarkanda e
lá passe a trabalhar para um merceeiro.

Foi o que Mojud fez.

Logo começou a demonstrar sinais incontestáveis de iluminação. Curava os
enfermos e servia a seu próximo tanto no armazém como nas horas de
lazer. Seu conhecimento dos mistérios da vida se tornou cada vez mais
profundo.

Sacerdotes, filósofos e outros o visitavam e indagavam:

- Com quem você estudou?

- É difícil dizer - respondia Mojud.

Seus discípulos perguntavam:



                                       5
- Como iniciou sua carreira?

      - Como um pequeno funcionário público - respondia.

      - E você deixou seu emprego para dedicar-se à automortificação?

      - Não. Simplesmente o deixei.

      Eles não podiam compreendê-lo.

      Pessoas o procuravam para escrever a história de sua vida.

      - O que você foi, em sua vida? - perguntavam.

      - Eu me atirei num rio, me tornei pescador e, no meio de uma noite,
      abandonei uma cabana de junco. Depois disso me converti em ajudante de
      um granjeiro. Enquanto estava ensacando lã, mudei de idéia e fui para
      Mosul, onde me tornei vendedor de peles. Lá economizei algum dinheiro,
      mas o dei. Caminhei para Samarkanda, onde trabalhei para um merceeiro. E
      aqui estou agora.

      - Mas esse comportamento inexplicável não esclarece de modo algum seus
      estranhos dons e maravilhosos exemplos - diziam seus biógrafos.

      - Assim é - dizia Mojud.

      Então os biógrafos teceram uma história maravilhosa e excitante em torno
      da figura de Mojud, porque todos os santos devem ter suas histórias, e a
      história deve estar de acordo com a curiosidade do ouvinte, não com as
      realidades da vida.

      E a ninguém é permitido falar de Khidr diretamente. É por isso que esta
      história não é verídica. É a representação de uma vida. A vida real de um
      dos maiores santos sufis.

(3) GOETHE, Johann Wolfgang von (1811). Memórias: Poesia e Verdade. Brasília:
Hucitec, 1986.




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Resumo em 92 tópicos sobre o livro FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 2 (Corresponde à introdução ao Capítulo 1, intitulado No “lado de dentro” do abismo) O Tao flui sem cessar... abismo! Sun-Tzu em Tao-Te King (IV) A fonte só pode ser pensada enquanto flui. (Die Quelle kann nur gedacht werden, insofern sie fließt) Johann Wolfgang von Goethe em Poesia e Verdade (1811)
  • 2. Fluzz é o fluxo, que não pode ser aprisionado por qualquer mainframe. Porque fluzz é do metabolismo da rede. Ah!, sim, redes são fluições. Fluzz evoca o curso constante que não se expressa e que não pode ser sondado, nem sequer pronunciado do “lado de fora” do abismo: onde habitamos. No “lado de dentro” do abismo não há espaço nem tempo, ou melhor, há apenas o espaço-tempo dos fluxos. É de lá que aquilo (aquele) que flui sem cessar faz brotar todos os mundos. O erudito Gershom Scholem (que ficou mais conhecido nos meios acadêmicos – tão laicos quanto pouco ilustrados – em virtude de sua bela amizade com Walter Benjamin), no seu monumental estudo sobre o misticismo judaico, Major Trends in Jewish Mysticism (1941) (1), comentando a formidável abstração que os cabalistas do século 13 denominaram Ein-Sof (o nada primordial do qual emana a “seiva” que percorre a “árvore” numérica que constitui a estrutura do universo, criando, formando e produzindo a existência), lança mão de uma metáfora luminosa: ele “é – diz – o abismo que se torna visível nas fendas da existência”. E relata em seguida que “alguns cabalistas que desenvolveram esta idéia, por exemplo, Rabi Iossef ben-Shalom de Barcelona (1300), sustentam que em toda transformação da realidade, em toda mudança da forma, ou toda vez que o status de uma coisa é alterado, o abismo do nada é cruzado e por um fugaz momento místico torna-se visível. Nada pode mudar sem entrar em contato com esta região do Ser absoluto puro que os místicos chamam de Nada”. Realmente impressionante. Sem pretender elaborar alguma teosofia das redes, podemos fazer agora um paralelo meramente literário e apenas evocativo de uma imagem para efeitos heurísticos. Esse mundo oculto dos cabalistas provençais, catalães e castelhanos e, depois, safeditas (o mundo – ou árvore – das Sefirot) é como se fosse o mundo das fluições (o espaço- 2
  • 3. tempo dos fluxos) onde as redes sociais existem, o multiverso das conexões também ocultas que produzem o que chamamos de ‘social’. Há fendas. Há um abismo que não se deixa ver a menos no instante fugaz em que uma fenda se abre. E nada pode mudar na estrutura e na dinâmica do mundo (manifesto, vamos dizer assim – ou produzido) sem que haja uma mudança correspondente nas configurações daquele mundo oculto, ou seja, nos fluxos que o caracterizam ou no ritmo da fluição. Seria algo mais ou menos assim, para lançar mão de uma metáfora menos esotérica – mas não tanto – usada pelos físicos contemporâneos, como a vibração de uma corda ou de uma membrana. Mas, não! Ainda não é bem isso. Há fendas, sim, mas por trás das fendas não há uma ordem implícita, pré-existente em alguma esfera oculta: a ordem está sempre sendo criada no presente da interação! Que fendas seriam essas? Onde estaria esse abismo? Abismo. Fenda. Quando a fenda se abre, “vemos” fluzz. Mas o que vemos quando “vemos” fluzz? Espiar de fora para dentro do abismo nada-revela (e esse, por incrível que não-pareça, é um dos sentidos daquele nada primordial: porque no princípio era a rede). Nada se pode ver a não ser que se mergulhe na fluição, como fez o sufi Mojud, “O homem cuja história era inexplicável” (2); quando perguntado de que maneira havia alcançado tanta sabedoria, ele não- explicou dizendo assim: “Eu me atirei num rio... [e] simplesmente deixei”. Goethe (1821) terminou com o seguinte verso o poema Eins und Alles, “tudo deve cair no nada, se quiser persistir em ser” (3). Tem que pular dentro – se abismar – para ver. 3
  • 4. Notas (1) SCHOLEM, Gershom (1941). As grandes correntes da mística judaica. São Paulo: Perspectiva, 1972. (2) Cf. Histórias da Tradição Sufi. Rio de Janeiro: Edições Dervish, 1993. O HOMEM CUJA HISTÓRIA ERA INEXPLICÁVEL Era uma vez um homem chamado Mojud. Ele vivia numa cidade onde havia conseguido um emprego como pequeno funcionário público, e tudo levava a crer que terminaria seus dias como Inspetor de Pesos e Medidas. Um dia, quando estava caminhando pelos jardins de uma antiga construção próxima à sua casa, Khidr, o misterioso guia dos sufis, apareceu para ele, vestido em um verde luminoso. Então Khidr disse: - Homem de brilhantes perspectivas! Deixe seu trabalho e se encontre comigo na margem do rio dentro de três dias. E assim dizendo, desapareceu. Excitado, Mojud procurou seu chefe e lhe disse que ia partir. Todos na cidade logo souberam desse fato e comentaram: - Pobre Mojud. Deve ter ficado louco. Mas como havia muitos candidatos a seu posto logo se esqueceram dele. No dia marcado Mojud encontrou-se com Khidr, que disse: - Rasgue suas roupas e se jogue no rio. Talvez alguém o salve. Mojud obedeceu, embora se perguntasse se não estaria louco. Como ele sabia nadar, não se afogou, mas ficou boiando à deriva por um longo trecho antes que um pescador o recolhesse em seu bote, dizendo: - Homem insensato! A corrente aqui é forte. Que está tentando fazer? - Na realidade eu não sei - respondeu Mojud. - Você está louco - disse o pescador. - Mas o levarei à minha cabana de junco próximo ao rio e veremos o que se pode fazer por você. 4
  • 5. Quando o pescador descobriu que Mojud era bem instruído, passou a aprender com ele a ler e a escrever. Em troca Mojud recebeu comida e ajudou o pescador em seu trabalho. Alguns meses depois Khidr reapareceu, desta vez junto à cama de Mojud, e disse: - Levante-se e deixe o pescador. Será provido do necessário. Vestido como pescador, Mojud imediatamente deixou a cabana e perambulou sem rumo até encontrar uma estrada. Ao romper da aurora viu um granjeiro montado num burro. - Procura trabalho? - perguntou o granjeiro. - Estou precisando de um homem que me ajude a trazer algumas compras. Mojud o acompanhou. Trabalhou para o granjeiro durante quase dois anos, quando aprendeu muito sobre agricultura, mas pouco sobre outras coisas. Uma tarde, quando estava ensacando lã, Khidr fez nova aparição e disse: - Deixe esse trabalho, dirija-se à cidade de Mosul e empregue as suas economias para tornar-se mercador de peles. Mojud obedeceu. Em Mosul tornou-se conhecido como mercador de peles, sem voltar a ver Khidr durante os três anos em que exerceu seu novo ofício. Tinha reunido uma considerável quantia e estava pensando em comprar uma casa quando Khidr lhe apareceu e disse: - Dê-me seu dinheiro, afaste-se desta cidade rumo à distante Samarkanda e lá passe a trabalhar para um merceeiro. Foi o que Mojud fez. Logo começou a demonstrar sinais incontestáveis de iluminação. Curava os enfermos e servia a seu próximo tanto no armazém como nas horas de lazer. Seu conhecimento dos mistérios da vida se tornou cada vez mais profundo. Sacerdotes, filósofos e outros o visitavam e indagavam: - Com quem você estudou? - É difícil dizer - respondia Mojud. Seus discípulos perguntavam: 5
  • 6. - Como iniciou sua carreira? - Como um pequeno funcionário público - respondia. - E você deixou seu emprego para dedicar-se à automortificação? - Não. Simplesmente o deixei. Eles não podiam compreendê-lo. Pessoas o procuravam para escrever a história de sua vida. - O que você foi, em sua vida? - perguntavam. - Eu me atirei num rio, me tornei pescador e, no meio de uma noite, abandonei uma cabana de junco. Depois disso me converti em ajudante de um granjeiro. Enquanto estava ensacando lã, mudei de idéia e fui para Mosul, onde me tornei vendedor de peles. Lá economizei algum dinheiro, mas o dei. Caminhei para Samarkanda, onde trabalhei para um merceeiro. E aqui estou agora. - Mas esse comportamento inexplicável não esclarece de modo algum seus estranhos dons e maravilhosos exemplos - diziam seus biógrafos. - Assim é - dizia Mojud. Então os biógrafos teceram uma história maravilhosa e excitante em torno da figura de Mojud, porque todos os santos devem ter suas histórias, e a história deve estar de acordo com a curiosidade do ouvinte, não com as realidades da vida. E a ninguém é permitido falar de Khidr diretamente. É por isso que esta história não é verídica. É a representação de uma vida. A vida real de um dos maiores santos sufis. (3) GOETHE, Johann Wolfgang von (1811). Memórias: Poesia e Verdade. Brasília: Hucitec, 1986. 6