Revista comemorativa - Com o objetivo de registrar e apresentar um resumo dos projetos e ações desenvolvidos no âmbito da Justiça Comum, o TJPE vai lançar uma revista comemorativa no seu aniversário de 190 anos. A publicação reúne uma série de artigos abordando a atuação do Poder Judiciário nas áreas da infância e juventude, conciliação, execuções penais, dentre outros. A revista conta com a participação do ministro do Superior Tribunal de Justiça e ex-presidente do TJPE, Og Fernandes. Apresenta, ainda, perfis do chefe do Poder Judiciário, desembargador Jovaldo Nunes; e do decano do Tribunal, desembargador Jones Figueirêdo.
1. 1
Revista do Tribunal de Justiça de Pernambuco - Ano III - no 4 - agosto/2012
Esta edição, comemorativa dos
190 anos do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, reúne os principais
projetos e ações desenvolvidos pelo
Judiciário estadual, revelando ainda
a trajetória de vida de personalidades
importantes do mundo jurídico
5. 5
Expediente
Produção e Revisão de Textos
Assessoria de Comunicação Social do TJPE
Chefe da Ascom TJPE
Zenaide Barbosa
Edição
Ivone Veloso
Micarla Xavier
Zenaide Barbosa
Repórteres
Bruno Brito
Editorial Clareana Arôxa
Dyanne Melo
A cara bonita do TJPE Ivone Veloso
Izabela Raposo
Esta edição comemorativa da Revista mo, pois, muito jovem, alto e magérri- João Guilherme Peixoto
TJPE está linda. Bem escrita, diver- mo, com grandes cabelos compridos Micarla Xavier
sificada, com belo projeto gráfico e que caiam sobre os ombros, ele era Pedro Fernando da Hora
fotos de primeira qualidade. Mas não é o único jornalista que eu conhecia Rafael Cavalcanti
somente isso. Trata-se de uma edição e a quem podia consultar: eu havia Rebeka Maciel
histórica, um legado do que tem sido a sido convidada pelo diretor da Rádio Rosa Miranda
luta dos que fizeram/fazem este Tribu- Difusora de Garanhuns, “seu” Ivo, para Vanessa Oliveira
nal nos seus 190 anos de existência. escrever a crônica da cidade aos do- Wesley Prado
Fiquei emocionada com a história mingos, logo aos domingos. Precisava
de Selena, na página 60, menina pobre dos conselhos de um profissional... Projeto Gráfico e Diagramação
e doente de apenas cinco anos, mas Esta revista revela, de cara desco- Othon Vasconcelos
que soube conquistar a única coisa berta, o quanto o Poder Judiciário está
sem a qual o ser humano não vive; ve- fazendo, apesar da falta de verba e de Núcleo de Imagem
geta e murcha como uma flor tardia: o um mundo de outras dificuldades, pela Felipe Cavalcanti
amor. Amor que a socorreu, protegeu- prestação da Justiça e pelo acolhi- Fernando Gonçalves
a e livrou-a da solidão. Tudo graças mento dos jurisdicionados nas mais Luciana Bacelar
ao Programa Estrela Guia, que há dez diversas áreas. Luciano Costa
anos se consolida como uma alternati- O ministro do STJ Og Fernandes, Othon Vasconcelos
va de convívio familiar e comunitário. a quem conheço desde que era um
Vibrei com o trabalho da Vara de garoto, me disse outro dia, ao me Publicidade
Execução de Penas Alternativas, que encontrar na sala do Tribunal Pleno: Núcleo de Áudio Visual - NAVI
foi capaz de tirar Guilherme das drogas “Você voltou para o TJPE, não foi? Fez Núcleo de Imagem - Ascom TJPE
e transformá-lo em cidadão honesto e muito bem; aqui é a sua casa, você
cheio de dignidade. Isto através do seu tem a cara deste Tribunal!” Pois, minis- Fotógrafos
Núcleo de Justiça Terapêutica. E me tro, se eu tenho a cara do TJPE, então, Assis Lima
enchi de encantamento com a história nos meus 70 anos estou ficando cada Juliana Motta
do presidente Jovaldo Nunes, meni- vez mais jovem e bonita! Leandro Lima
no pobre que cavou o seu caminho Como verá o leitor desta revista, Luciano Costa
na vida com esforço, dedicação e fruto do trabalho de toda a equipe da Marcos Costa
honradez. Assessoria de Comunicação, sobre-
Morri de saudade lendo as histó- tudo de Micarla Xavier, Ivone Veloso e Foto da Capa
rias de vida do desembargador Jones Othon Vasconcelos. Assis Lima
Figueirêdo, decano do TJPE, cujos
amigos de infância e adolescência, em Zenaide Barbosa
Garanhuns, são também amigos meus. Jornalista e assessora de
Ainda em Garanhuns, foi Jones quem Comunicação do TJPE
me deu as primeiras lições de jornalis-
6. 6
6 história
A Justiça em Pernambuco
12 perfil
De menino pobre a presidente do TJPE: a trajetória de luta do desembargador Jovaldo Nunes
Fractais do tempo
29 artigo
Homenagem ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco pelos 190 anos
30 gestão
Justiça amplia quadros para atender melhor
Transparência é prioridade no TJPE
Poderes firmam parcerias em prol da segurança pública e desenvolvimento do Estado
35 corregedoria
Frederico Neves cria Núcleo de Apoio aos Juízes e Centro de Orientação Forense
Corregedoria implanta Penhora Online
37 conciliação
Investimento em conciliação resgata forma natural de resolução de conflitos
Proendividados comemora aniversário de um ano com índice de acordos de 80%
42 perfil
Alderita Ramos, a mulher que adorna e fortalece o TJPE
47 cidadania
Judiciário estadual prioriza combate à violência contra a mulher
50 juizado especial
Primeiro Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital completa um semestre de funcionamento
7. 7
infância e juventude 52
O direito à acolhida através do Judiciário
Programa Mãe Legal comemora parceria com a Prefeitura do Recife
Escola Legal, Judiciário efetivo
Estrela Guia: há dez anos iluminando caminhos
execuções penais 63
Vepa aprimora trabalho após implantação de núcleos
perfil 66
A Justiça nas ondas do rádio
Um magistrado e o fascínio pela Sétima Arte
Homem de leis e letras
infraestrutura 74
Diriest adota práticas de racionalização
sustentabilidade 79
TJPE investe em um ambiente sustentável
tecnologia 82
Reunião elenca prioridades de Tecnologia da Informação e Comunicação
Secretaria de Tecnologia da Informação desenvolve sistema de autenticidade digital
artigo 86
Duas décadas de atendimento às famílias
Os Abutres
imprensa 90
Na mídia
9. 9
A Justiça em Pernambuco
Nomes e atos que marcam a sua história
Micarla Xavier
O Tribunal da Relação da Província excessivas, distância, interrupção do hoje Praça da República; em seguida
de Pernambuco foi instalado no dia trabalho e, até mesmo, separação das no antigo prédio do Erário, situado na
13 de agosto de 1822. Por meio de suas famílias, para prosseguirem na mesma praça; passando a se instalar,
alvará, em 6 de fevereiro de 1821, busca de solução para as suas causas posteriormente, no andar superior da
Dom João VI determinou a sua cria- judiciais. Cadeia Pública, na Rua da Cadeia –
ção, justificando-a com a citação de Por sete décadas, esse Tribunal hoje Rua do Imperador –, onde funcio-
algumas dificuldades enfrentadas pelos administrou a Justiça em terras per- nou até a sua extinção, em 1892.
habitantes de Pernambuco ao terem nambucanas, mediando os conflitos Em cumprimento à Constituição Fe-
que recorrer judicialmente, até então, que necessitavam de sua intervenção. deral, promulgada em 24 de fevereiro
ao Tribunal da Relação da Bahia. A Nesse período, a sua sede enfrentou de 1891, o Tribunal da Relação deu
partir da instalação do seu tribunal, os constantes mudanças, funcionando, passagem ao novo modelo republicano
pernambucanos não mais enfrentariam inicialmente, no antigo Colégio dos Je- de Justiça, o Superior Tribunal de Jus-
inconvenientes tais quais despesas suítas, localizado na antiga Praça XVII, tiça (STJ), criado por lei estadual. Em
foto: Assis Lima
10. 10 história
Palácio da Justiça de Pernambuco
sua primeira década de existência, o Adentrar no Palácio da Justiça O edifício-sede do TJPE marca a
STJ teve como presidentes os desem- de Pernambuco é passear majesto- paisagem do Recife por sua relevância
bargadores Gervásio Pires, Francisco samente em seu passado; é como arquitetônica. A presença de certos
Correia de Andrade e Manoel do Nas- saborear as madeleines proustianas e elementos na sua composição arqui-
cimento Fonseca Galvão. Funcionou vislumbrar a história de sua edificação. tetônica como, por exemplo, os frisos
até o advento da Constituição Federal Sua pedra fundamental foi lançada no greco-romanos e os pilares coríntios,
de 1934, quando foi denominado Cor- dia 2 de julho de 1924 pelo governa- encimados por capitéis jônicos, fazem
te de Apelação. Com a decretação do dor do Estado e juiz federal, Sérgio com que o prédio possa ser classifica-
Estado Novo e a Constituição de 1937, Loreto, durante as comemorações do do como um dos mais belos repre-
o mesmo passou a ser chamado de primeiro centenário da Confederação sentantes da arquitetura eclética em
Tribunal da Apelação, permanecendo do Equador. A inauguração do novo Pernambuco. Considerado, por muitos
assim até o ano de 1946, quando foi prédio aconteceu no dia 7 de setembro profissionais e estudiosos, como uma
constituído como Tribunal de Justiça de 1930, na gestão do governador das últimas edificações, em seu porte,
de Pernambuco (TJPE). Estácio Coimbra, que, no ano de 1927, no Estado.
sucedeu a Sérgio Loreto. Na ocasião, Com uma área de 2.506 metros
“Este livro há de servir para nelle se o Judiciário pernambucano era presi- quadrados, o palácio possui três
lavrar a Acta da Abertura da nova Re- dido pelo desembargador Bellarmino pavimentos, além da cúpula, que
lação, mandada instalar nesta Villa do Gondim. abriga mais dois. A fundação do prédio
Recife e Província de Pernambuco, por O projeto escolhido para a obra do passou por um difícil processo, devido
Carta Régia de S.A.R., o Príncipe Re- Palácio da Justiça foi de autoria de à constituição do terreno, situado
gente Constitucional e Defensor Perpé- Giácomo Palumbo - arquiteto italiano numa área de mangue. Outrora, em
tuo do Reyno do Brasil, de 2 de junho formado pela Escola de Belas Artes de suas proximidades, havia um braço
do anno corrente, assim como prova Paris - com colaboração de Evaristo de de rio que fora aterrado no período da
os termos dos lavramentos e posse do Sá. O local escolhido para a edifica- presença holandesa em Pernambuco
Chanceler, e mais Desembargadores ção do palácio – o bairro de Santo (1630-1654). A parte central do prédio
que foram empregados na mesma Antônio, no Centro do Recife - está foi reforçada, em sua fundação, com
Relação. Vai por mim numerado e intimamente relacionado com a história 12 pilastrões, que têm como intuito
rubricado com o meo acolhido prévio e do Estado de Pernambuco. Válido é distribuir o peso da cúpula.
tem no fim hum termo de encerramen- ressaltar que aquela área pertenceu ao A fachada principal do Palácio da
to. Recife aos 13 de agosto de 1822. Palácio Friburgh, conhecido como o Justiça é adornada por dois conjuntos
Como Chanceler interino Antônio José “Palácio dos Despachos de Maurício de esculturas, que representam a Jus-
Osório de Pina Leitão”. de Nassau”. Para a construção do tiça e a Ciência do Direito, executadas
novo prédio, houve a necessidade de pelo escultor pernambucano Bibiano
Termo de Abertura do Livro de demolir a antiga ala das enfermarias do Silva, sob orientação de A. Freyhoffer.
Atas do Tribunal da Relação da Pro- Convento de Santo Antônio e o prédio Bibiano também executou os bustos
víncia de Pernambuco, lavrado por do 2º Batalhão da Força Pública, de Paula Batista e Gervásio Pires,
seu primeiro presidente, desembar- situado defronte a Praça da República. dois nomes importantes na história da
gador Antônio José Osório de Pina A demolição deste último fez com que Justiça pernambucana, localizadas na
Leitão. O documento marca o início um novo quartel fosse construído no entrada da Salão dos Passos Perdidos.
da história do TJPE. bairro do Derby.
foto: Assis Lima
11. história 11
Vitrais
O conjunto de vitrais que enrique- no Siegener Zeitung, em 3 de junho
cem o Palácio da Justiça foi criado de 1955, e também no catálogo da
pelo alemão Heinrich Moser, que veio Exposição Johann Moritz Von Nassau-
ao Recife, em 1910, para desenvolver Siegen, em 1979, no transcurso do ter-
projetos arquitetônicos do novo prédio ceiro centenário da morte de Maurício
da Casa Alemã, na Rua Barão de Vitó- de Nassau.
ria, hoje Rua Nova. Também desenhis- Heinrich Moser executou, ainda,
ta, Moser marcou Pernambuco com a outro belo trabalho na Sala Desembar-
sua sensibilidade artística. gador Antônio de Brito Alves, onde,
No vestíbulo da sua escadaria por muito tempo, funcionou o Tribunal
principal, há a representação da cena do Júri do Recife, no qual atualmente
do primeiro Parlamento Democrático se reúne o Tribunal Pleno do TJPE. Ali,
em terras americanas, convocado Moser retratou, em 1934, a representa-
pelo conde Maurício de Nassau. Esses ção da Justiça, um óleo sobre tela que
vitrais são compostos de três janelas, mede 3,10 x 2,50 m, assentada ao
cada uma com cinco quadros. A obra fundo da sala e considerada uma das
é conhecida e aclamada não apenas mais expressivas alegorias da Justiça.
no Brasil. Foi apresentada na Holanda,
foto: Assis Lima
12. 12 história
Mobiliário
Os luxuosos móveis da sede do
TJPE foram projetados pelo arquiteto
M. Noziéres, após a inauguração do
prédio, em 7 de setembro de 1930. As
peças foram executadas pelas Casas
Leandro Martins e Cia., do Rio de
Janeiro, e artisticamente entalhadas
com o intuito de rememorar o antigo
Tribunal da Relação de Pernambuco.
“Esta casa bem que se poderá
chamar o Templo da Justiça. E que
haverá sobre a terra que mais mereça
um templo? A Justiça é a mais pura
faculdade do espírito humano”.
Antônio Carneiro Leão, secretário
da Justiça, na ocasião da inau-
guração do Palácio da Justiça de
Pernambuco, em 7 de setembro de
1930.
“O nosso Palácio da Justiça é,
incontestavelmente, um verdadeiro
monumento de arte”.
Trecho de matéria veiculada
no Jornal Pequeno do Recife, em
08.09.1930, referente à inauguração
do Palácio da Justiça.
foto: Assis Lima
13. história 13
O Palácio da Justiça hoje
Da data de sua inauguração até os técnico da Fundação do Patrimônio
dias atuais, o Palácio da Justiça pas- Histórico e Artístico de Pernambuco,
sou por diversas mudanças. Um dos que preserva os prédios tombados em
exemplos refere-se à Sala de Casar, âmbito estadual, bem como da empre-
onde aconteciam os casamentos civis, sa Coral, que não apenas forneceu o
que cedeu o espaço ao Salão Nobre. material, mas o suporte necessário no
Para facilitar a circulação dos magistra- tocante aos cuidados que antecediam
dos, servidores e usuários da Justiça, a aplicação da tinta.
o principal acesso deixou de ser efetu- A iluminação externa do palácio
ado pela fachada central, voltada para também foi efetivada com o intuito
a Praça da República, passando a ser de destacar e valorizar o prédio no
feito pela fachada lateral, situada na período noturno. Para a execução,
Rua do Imperador. Ressalta-se, tam- o TJPE contou com a parceria da
bém, a colocação de uma nova ordem empresa Philips do Brasil, que doou
de colunas nos dois pátios internos. todo o equipamento necessário para
No período de gestão dos desem- a concretização do projeto. Os vitrais
bargadores José Ferraz Ribeiro do de Heinrich Moser também foram res-
Valle, Mauro Jordão e Luís Belém de taurados e o trabalho compreendeu o
Alencar, à frente da Presidência do desmonte, a lavagem e a remontagem
TJPE, respectivamente, as mudanças de toda a obra, com a colaboração
contemplaram a substituição das lâm- da Fundação Banco do Brasil. Hoje,
padas holandesas do Salão Nobre por o palácio prepara-se para receber um
outra iluminação mais moderna, sem, elevador panorâmico, com estrutura
para isso, descaracterizar o ambiente; metálica e revestimento de vidro, locali-
nova pintura na entrada principal; ces- zado no segundo átrio do prédio.
são de espaço no segundo pavimento O Palácio da Justiça continua sendo
para abrigar as câmaras criminais, para admirado pela população pernam-
as quais foram confeccionados móveis bucana e pelos turistas que visitam
semelhantes aos do pavimento inferior; a cidade do Recife. Sua constante
restauração das redes de eletricidade e restauração só demonstra o quanto
telefonia; instalação do Tribunal Pleno, esta obra é valorizada pelos magistra-
composto pelos 42 desembargadores dos que vêm presidindo o TJPE. Sua
da Corte, no salão que antes abrigava majestosa edificação é um patrimônio
o Tribunal do Júri do Recife, transferi- edificado na história pernambucana,
do, por sua vez, para o Fórum Thomaz abrigando consigo um significativo
de Aquino Cirylo Wanderley, que acervo de arte e, principalmente, cum-
também é sede da Corregedoria Geral prindo a sua função de fortaleza para
da Justiça. as justas decisões - obra maior do
A gestão do desembargador Wal- Poder Judiciário de Pernambuco. •
demir Oliveira Lins como presidente
do TJPE, dentre outras realizações,
trouxe um novo projeto de cores para
o palácio. Para tanto, contou com
um programa gráfico de Informática,
através do qual foram desenhadas,
por meio de um levantamento arquite-
tônico, todas as fachadas do prédio,
aplicando-se, posteriormente, diversas
propostas de cores. A escolha final re-
caiu para tons derivados do ocre, indo
da cor bege até a marrom, levando-se
em conta as cores de outros edifícios
construídos no mesmo estilo. Na opor-
tunidade, o TJPE contou com o apoio
15. 15
De menino pobre a
presidente do TJPE:
a trajetória de luta do
desembargador
Jovaldo Nunes
A história do atual chefe do Poder Judiciário de Pernambuco, homem
simples e batalhador que não esquece as suas origens
Micarla Xavier e Rafael Cavalcanti
16. 16 perfil
No gabinete da atual Presidência do
Tribunal de Justiça de Pernambuco
(TJPE), na mesa de reuniões, vemos
uma escultura. Trata-se de um carro
de boi e nele está escrito “nobre e
humilde”. A peça é de autoria de João,
funcionário do Palácio do Governo
que, nas horas vagas, trabalha com
pintura de casas. João foi contratado
para pintar o apartamento de Jovaldo
e, durante o trabalho, fez o carro de
boi e dedicou ao desembargador. Na
ocasião, o artista afirmou que só fazia
a escultura para pessoas nobres e hu-
mildes, como bem registrou na própria
obra. Humildade é o traço que mais
marca o atual presidente do TJPE.
Tal traço é evidente, está claro na sua
fala, nos gestos, nas declarações de
sua família, amigos e companheiros
de magistratura. Humildade foi uma
das grandes riquezas que Seu Antônio
Nunes Sobrinho e Dona Estela Nunes
Gomes transmitiram ao filho Jovaldo.
Quem vê Jovaldo Nunes Gomes
hoje, como desembargador e presi-
dente do TJPE, não consegue imaginar
por quantas coisas ele já passou
na vida e quantas histórias tem pra
contar. O segundo dos seis filhos – três
homens e três mulheres – de um casal
de oficiais de registro civil da Paraíba,
nascido em Emas, uma pequena cida-
de no sertão paraibano, Jovaldo teve
um cotidiano “de criança do interior”,
como ele mesmo afirma. Em Emas,
localizada no Vale do Piancó, ele pas-
sou grande parte de sua infância. Foi
lá onde aprendeu as primeiras letras,
o significado da vida. Por lá, o menino
Jovaldo perambulou pela calçada da
igreja, pelos antigos bancos da praça;
tomou banho de rio com os amigos;
sorriu e se divertiu nas festividades de
São João e de Santa Terezinha. Se não faço bem o meu trabalho no
Com 11 anos, Jovaldo Nunes se
mudou junto com a família para Pian- Judiciário, pelo menos eu me esforço para
có, cidade histórica localizada também
no sertão da Paraíba, para a qual o fazê-lo. Eu me sinto realizado e acho que
pai tinha sido designado para fiscalizar
algumas obras de reestruturação em não me daria bem em outra profissão
decorrência de uma severa seca que
tinha se abatido sobre a região. “Na- como me dou bem como serventuário da
quele momento, em relação a Emas,
Piancó era tida como cidade grande”, Justiça, como juiz
lembra Jovaldo. Nessa época, seus
pais sustentavam os seis filhos com os
foto: Assis Lima
17. perfil 17
trabalhos no cartório e também com “Tudo era difícil. Meu primo era
a agricultura. A família possuía uma cabo do Exército, mas naquela época
propriedade onde o pai Antônio tam- um cabo do exército era autorida-
bém trabalhava como agricultor. Foi de. Ele vinha para o quartel, que era
em Piancó, um dos marcos da Coluna aqui no Parque Treze de Maio, e eu o
Prestes e cidade onde morreu um acompanhava com o intuito de ficar no
dos maiores bandeirantes brasileiros, Mercado de São José e comprar frutas
Domingos Jorge Velho, que Jovaldo e verduras para o nosso bar. Para não
passou a adolescência, povoada por pagar passagem, ele me colocava
estudos, jogos de sinuca e tentativas para entrar pela frente da condução. O
de virar “empresário”. motorista sempre via isso e não dizia
“Cheguei a trabalhar em Piancó na nada, até que, numa certa vez, ele dis-
adolescência, acompanhado do amigo se: ‘Mas, cabo, todo dia?’. Meu primo
Manuel Monteiro. Esta é uma parte respondeu de imediato: ‘Ele vai preso’.
da minha história de que eu sempre Ele disse que eu ia preso para não
me lembro. Nós éramos meio jovens pagar a passagem”, lembra Jovaldo.
e precisávamos de dinheiro. Hoje, o O atual presidente do TJPE afirma que
meu amigo também é desembargador, provavelmente gosta de contar essa
no Tribunal de Justiça da Paraíba. Nós história para sempre se lembrar de
fizemos uma aventura, montamos uma onde veio e que as coisas nunca foram
banca e fomos vender verdura na feira fáceis. A humildade sempre transpare-
de Piancó. Nós nos sentíamos como ce nas palavras.
empresários vendendo as verduras e No Recife, Jovaldo também serviu
frutas”, recorda entre risos. O desem- ao Exército, passando 11 meses na 7ª
bargador Manuel Monteiro lembra bem Companhia de Intendência, em Tejipió.
da história contada pelo seu amigo de Depois dessa fase, ele começou a
infância. O magistrado define Jovaldo trabalhar no Palácio da Justiça de
Nunes como alguém rico em pureza Pernambuco como prestador de servi-
de espírito, como um amigo leal. Ele ços. Na época, a esposa de um primo
também se recorda da infância dividida trabalhava no 1º Cartório Cível, cujo
entre o sofrimento e as brincadeiras titular era Antônio de Morais Dourado,
com uma bola de pano, quando am- e Jovaldo passou a prestar serviços
bos moravam no bairro Belo Horizonte, ali por aproximadamente oito meses.
em Piancó. “Eu não me distancio dele, Depois disso, ele começou a atuar no
a nossa amizade permanece a mesma 4º Cartório de Notas e Ofícios de Olin-
de sempre. Acho que o sofrimento da como tabelião substituto. O titular
compartilhado nos ensinou a viver”, do cartório era Robert John Tom, mais
concluiu o desembargador do Tribunal conhecido como o “Inglês de Caruaru”.
paraibano. Nesse tempo, enquanto cumpria seu
Aos 16 anos, sentindo a necessi- trabalho, Jovaldo Nunes concluiu o
dade de investir nos estudos, Jovaldo ensino médio e tentou vestibular em
resolveu mudar para o Recife. Na João Pessoa, pois tinha como objetivo
capital pernambucana, as aventuras e o retorno para a Paraíba. Não tendo
a saga estavam apenas começando. o sucesso esperado no certame, ele
A princípio, ele ficou hospedado na optou por ser aluno da primeira turma
casa de um primo que estava servindo da Faculdade de Direito de Olinda, no
ao Exército e que morava no bairro da período de 1971 a 1975.
Mangueira. Como a vida não era fácil, Uma das irmãs de Jovaldo Nunes
e o salário do primo não era lá essas também havia se estabilizado em
coisas, os dois montaram um bar perto Pernambuco. A princípio como funcio-
da linha do trem. “Fiquei morando com nária, depois como juíza do Tribunal
ele e nós montamos um bar de madei- Regional do Trabalho. Juntos, os dois
ra, uma barraca de madeira para ser resolveram propor aos pais, que nesta
mais exato. Esse bar servia refeição, época já residiam em João Pessoa,
era um negócio popular, e lá nós vendí- que se mudassem para Pernambuco.
amos cachaça com tira-gosto”, conta A missão não deve ter sido fácil, mas
o desembargador. o amor e a saudade que sentiam dos
18. 18 perfil
filhos falaram mais alto. Assim, Antônio aos meus filhos. O patrimônio mate-
e Estela concordaram com a mudança, rial a gente tem hoje, mas pode não
venderam a propriedade da Paraíba, ter amanhã; é algo que se compra.
que era fruto de herança, e se esta- O patrimônio moral a gente adquire”,
beleceram em Olinda. “A propriedade conclui.
dos meus pais não tinha tanto valor Jovaldo é casado com Darci Dias
material, mas o valor sentimental era de Queiroz Nunes e com ela tem três
imenso. Mesmo assim, eles aceitaram filhos – Dayse, Jovaldo Júnior e Anne.
a nossa proposta e compraram uma Já funcionária da Justiça do Trabalho,
casa em Olinda, na Rua Cleto Cam- atuando na Assistência Judiciária, Darci
pelo, 477. Lembro-me como se fosse conheceu Jovaldo no cartório onde ele
hoje”, conta Jovaldo. trabalhava. Foi naquele ambiente que
Falar de seu pai é falar de amor Jovaldo começou sua paquera com
incondicional, é lembrar de um homem Darci. Ela relembra, aos risos, do dia
que dedicou toda a sua vida aos filhos. em que ele lhe ofereceu uma carona
Jovaldo comenta que Seu Antônio para o bairro das Graças, acreditando
gostava de reunir toda a família com piamente que ela morava no local.
frequência. Já morando em Pernam- “Mas por que Graças?”, Darci pergun-
buco, o pai fazia questão de preencher tou na ocasião. “Eu moro em Olinda”,
seus domingos com grandes almoços, esclareceu para o jovem. O casal
com o intuito de ter os filhos ao seu terminou tendo um encontro apaixo-
redor, numa mesa farta não apenas de nado e decisivo no Carnaval de 1975,
comida, mas também de muito cari- num baile no Clube Náutico Capibaribe.
nho. Durante a entrevista, a lembrança Depois de um ano, casaram. “Um
do pai emocionou o chefe do Poder amigo afirmou que eu iria fazer um bom
Judiciário pernambucano. Passados casamento, porque Jovaldo era um
alguns minutos, enquanto continha a bom filho. E quem é bom filho é um
emoção e as lágrimas, Jovaldo Nunes bom marido e um bom pai. Ele conti-
retorna e pergunta ao repórter: “Seus nua sendo o mesmo homem humilde
pais são vivos?”. Diante da resposta que conheci, eu nunca vi sequer um
positiva, ele conclui: “Graças a Deus!”. traço de arrogância nele”, comenta
“O meu pai parecia uma criança Darci Nunes.
quando todos nós estávamos na sua Para Darci, Jovaldo sempre foi um
casa. Então, é difícil falar nele sem me pai muito permissivo. Ela cumpria a
emocionar, é natural. Ele foi um ho- missão de disciplinar e dar bronca nas
mem que cumpriu o seu papel aqui na crianças; depois, ele chegava e “estra-
terra; deu bons exemplos para todos gava” tudo. Jovaldo Nunes ressalta que
nós, para todos os filhos. Meu pai foi tem mais uma riqueza na vida, além do
um homem humano, decente, hones- patrimônio moral: seus três filhos. “Eu
to. O patrimônio que ele deixou nós adoro meus filhos, sempre fiz questão
vamos sempre conservar: o patrimônio de ser um pai amigo e de investir numa
moral. Eu conservo isso em homena- relação de carinho. A nossa ligação é
gem a eles, a ele e a ela, minha mãe, muito forte”, ele comenta, mais uma
que também foi uma guerreira nos vez emocionado. Jovaldo relata que
momentos difíceis ao lado do esposo. certa vez deixou de fazer um intercâm-
Eles criaram seis filhos naquela época, bio em Nova Iorque só porque queria
com todas as dificuldades, mas cria- ficar com os filhos. Ele compartilha,
ram, educaram, amaram. Então, esse cheio de alegria, que os filhos também
legado moral haverá de ser honrado apreciam muito a sua companhia. “Mi-
Na primeira foto, o desembargador com muita satisfação, em homenagem nha filha mais velha, Dayse, comanda
Jovaldo Nunes entre a mãe Dona Estela à memória deles”, desabafa Jovaldo um cartório em Abreu e Lima; meu filho
Nunes e a esposa Darci Dias, e nas Nunes. Jovaldo Júnior é procurador da Fazen-
demais os filhos Dayse, Jovaldo Jr. e Ainda sobre a herança moral deixa- da Nacional; minha caçula, Anne, já é
Anne em momentos com a família da pelos pais, Jovaldo confessa que formada em jornalismo e agora estuda
procura transferir a mesma herança direito”, conta o pai, com orgulho.
para os filhos. “O patrimônio moral é A filha primogênita, Dayse, lembra
fotos: Arquivo Pessoal
inalienável. E eu procuro transferir isso bem da época em que o pai era juiz
19. 19
no interior. Ela conta que, todo fim de
semana, quando o pai vinha para casa,
costumava levar ela e o irmão para
uma lanchonete chinesa. Os dois fica-
vam contando as horas para que o pai
chegasse e os levasse para o passeio
de sempre (naquele tempo, a caçula
ainda não havia nascido). Questionada
acerca dos ensinamentos que seu pai
costuma transmitir, Dayse é rápida na
resposta: “Uma característica muito
importante que meu pai me legou é a
moral. Como ele sempre diz: o meu
patrimônio é a minha moral. Tenho
pautado minha conduta pela morali-
dade. Na verdade, agir com probidade
e ética é uma obrigação e não um
favor. Acho que este é um dos maiores
legados que meu pai me ensinou e
demonstra, a cada dia, com a sua
postura”. Dayse confessa que lágrimas
vêm aos seus olhos quando pensa em
algo para escrever sobre o pai. “Tenho
muito orgulho de ser filha de Jovaldo.
Não só do desembargador Jovaldo
Nunes, mas principalmente do pai, do
filho, do marido que ele é. Meu pai é
uma pessoa boníssima, de coração tão
gigante, que mal cabe em seu peito
tanta bondade”, diz a filha.
Uma das lembranças mais marcan-
tes da infância de Jovaldo Júnior foi
quando viu o pai pegar nos braços,
pela primeira vez, a sua irmã caçula
Anne. Com esta declaração, imagi-
namos a grandeza da cena de um
pai que, ao imprimir tanto amor no
gesto de aninhar a filha mais nova nos
braços, marcou a memória sentimen-
tal do filho que herdou o seu nome.
Sobre o fato de ser filho do presidente
do TJPE, Jovaldo Júnior ressalta que
qualquer um que conhece a história
do seu pai considera-o um vencedor.
“Sinto-me orgulhoso em ser filho desse O nosso Judiciário precisa ser reestruturado
vencedor”, declara. Sobre o filho, que
atua em Petrolina, Jovaldo Nunes diz para atender às necessidades da
que tem necessidade de falar com ele
diariamente. Emocionado, também população. Sinto-me feliz, pois, mesmo
confessa que o filho não passa quinze
dias sem vê-lo. Jovaldo Júnior acredita com dificuldades, eu sei que temos
que o chefe de um Poder tem a opor-
tunidade de realizar grandes obras, avançado. E este é um trabalho gratificante,
mas, principalmente, de deixar uma
boa mensagem para os outros. “Apro- em prol da Justiça e da população
veite a oportunidade e deixe a sua boa
mensagem, pai”, pontua.
foto: Arquivo Pessoal
20. 20 perfil
“Lembro das tardes no Clube de do Judiciário estadual. No concurso,
Campo Sítio do Picapau; dos lanches foram aprovados 32 nomes e Jovaldo
no supermercado depois da feira, que foi o 12º colocado. De sua turma, ele
deixava minha mãe louca porque ele cita os desembargadores Bartolomeu
me dava comida perto da hora do Bueno, Fernando Cerqueira, Eduardo
almoço; dos banhos de mar em Itama- Paurá, Nivaldo Mulatinho, Alberto Vir-
racá. São lembranças sempre felizes!”, gínio, Antônio Fernando Martins, Luiz
recorda a filha caçula de Jovaldo Nu- Carlos Figueiredo e Alfredo Jambo.
nes, Anne. Ela conta que a presença Sobre a missão de ser magistrado,
do pai sempre lhe trouxe a sensação Jovaldo Nunes afirma: “Se não faço
de segurança. Ela também lembra que, bem o meu trabalho no Judiciário, pelo
aos três anos, machucou o queixo na menos eu me esforço para fazê-lo. Eu
borda da piscina de um clube. Levada me sinto realizado e acho que não me
à enfermaria do local, o médico disse daria bem em outra profissão como
que era necessário três pontos para me dou bem como serventuário da
que o corte não deixasse cicatriz. Ela Justiça, como juiz”.
lembra claramente do pai na porta da A atuação de Jovaldo Nunes como
sala, sem querer chegar muito perto, juiz teve início na Comarca de Betânia.
por conta do sangue e para não ver a De lá, ele foi removido para Riacho
filha sofrer, dizendo que ela era muito das Almas e, em seguida, como juiz
novinha pra levar os pontos. Resulta- substituto, foi lotado em Jaboatão dos
do: a cicatriz aparece até hoje. Assim Guararapes. Jovaldo sabia que, como
como os irmãos, Anne também diz que juiz substituto, ele poderia ser remo-
o pai é motivo de orgulho na sua vida. vido para qualquer lugar do Estado.
“Só o fato de ele ter chegado a ocupar Até que um dia, ele soube da neces-
uma cadeira no TJ, independente de sidade de juiz em Petrolina. Na época,
ser a de presidente, já me orgulha. o chefe do Judiciário pernambucano
Quem conhece meu pai, sabe a his- era o desembargador Cláudio Améri-
tória de vida dele: vida difícil no sertão co de Miranda. “Teve uma passagem
paraibano, poucos recursos, cinco interessante. Eu era juiz substituto em
irmãos, uma casa humilde, estudo em Jaboatão e desejava demais ir para
escola pública. Sair de casa aos 16 Olinda. Eu morava em Olinda, sempre
anos, deixar a família e tentar a sorte morei em Olinda... Até que numa tarde,
na cidade grande, sem dinheiro nem eis que recebo um telefonema do
perspectiva, e chegar aonde chegou, então presidente do Tribunal, Cláudio
não só me orgulha, como me emocio- Américo, pedindo para eu vir aqui, ao
na. A história dele é um exemplo pra gabinete da Presidência do TJPE, pois
todos de que, quando se tem vontade ele queria falar comigo. Eu pensei:
e um objetivo, você pode chegar aon- ‘Pronto vou para Olinda!’. Só que não
de quiser. Tenho muito orgulho do pai era Olinda, era Petrolina. Houve uma
que tenho, não só no âmbito profissio- necessidade de juiz naquela comarca e
nal, mas, acima de tudo, pela pessoa o presidente disse: ‘Jovaldo, eu estou
que ele é”, afirma Anne. precisando de você em Petrolina’. Eu
respondi: ‘Se não tem opção, eu vou.
O curso de direito, o ingresso na Sou soldado!’. Aí fui para Petrolina”,
magistratura relembra.
Aos 26 anos, Jovaldo Nunes ingres- Jovaldo passou aproximadamente
sou na primeira turma da Faculdade oito meses na comarca. Depois, voltou
de Direito de Olinda. Na época, ele para Jaboatão, já como juiz titular. Em
conciliava o trabalho no 4º Cartório 1989, ele foi promovido por mereci-
de Notas e Ofícios de Olinda com os mento a juiz da 3ª Entrância (Comarca
estudos. Jovaldo conta que a atuação da Capital), tornando-se titular da 4ª
no cartório ajudou muito na condução Vara da Fazenda Pública. Jovaldo
do seu curso, visto que vivenciava o também coordenou a instalação da
dia-a-dia dos advogados e juízes com 17ª Vara Cível, pela qual passou a
os processos. Em 1982, ele resolveu responder, e por último assumiu a
prestar concurso para magistrado 10ª Vara Cível, onde permaneceu até
21. perfil 21
Ser presidente do
TJPE não é fácil,
porém é mais uma
missão, é mais um
trabalho
2001. Questionado sobre a decisão também contou com a presença de
mais importante que tomou como juiz, diversos familiares e amigos, dentre
Jovaldo relembra de uma ocasião em estes os irmãos Assis e Lauro, que na
Riacho das Almas, quando presenciou ocasião continuavam carinhosamente
uma família disputando herança. Os chamando Jovaldo pelo apelido de
herdeiros não se entendiam, dirigiam e infância, Vavá. “Essa ligação com a
sofriam ameaças, inclusive de morte. minha terra e origem, eu faço questão
Diante da contenda, o juiz Jovaldo de preservar. Sempre que posso, vou
resolveu marcar uma audiência de lá e me sinto à vontade. Quando vou à
conciliação e juntou todos os herdeiros Paraíba, eu sou recebido com festa”,
numa mesa. A audiência durou cerca declara Jovaldo.
de duas horas e o juiz conseguiu unir “Por favor, não me peça para decidir
aquela família, dividindo a propriedade entre Pernambuco e Paraíba”, é o que
entre todos e pedindo que os presen- diz Jovaldo ao repórter, antes mesmo
tes pedissem perdão uns aos outros. deste abordar o assunto. Para Jovaldo,
“Para mim, essa história tem muito não há escolha, ambas as terras são
significado. Como juiz, eu fiquei muito dignas de seu agradecimento. Em
satisfeito”, afirma. março de 2001, quando ainda era juiz
Em março de 2001, a cidade de da 10ª Vara Cível, ele recebeu o título
Emas fez uma festa. O ilustre filho da de Cidadão de Pernambuco, outorga-
terra, Jovaldo Nunes, acabara de ser do por unanimidade pelos membros
nomeado desembargador do Judiciário da Assembleia Legislativa do Estado.
pernambucano, por merecimento. O Dez anos depois, no dia 7 de abril de
pessoal de sua terra resolveu prestar 2011, ele recebeu o título de Cidadão
uma homenagem, já que Jovaldo era do Recife, outorgado pela Câmara de
o primeiro desembargador daquela Vereadores. No requerimento da co-
região. Teve churrasco, faixas nas ruas, menda, a escolha de seu nome acon-
saudação na Câmara dos Vereado- teceu tendo como objetivo “registrar
res com a presença dos prefeitos de a importância de uma vida dedicada
Emas, Piancó e Catingueiras. A festa à Justiça”. Ao falar de Pernambuco,
foto: Assis Lima
22. 22 perfil
Jovaldo Nunes declara imediatamente apenas te agradecer todos os dias que
seu louvor à Olinda. Ele diz: “Eu adoro restarem da minha vida’”, compartilhou
Olinda. De Olinda, só sairei levado, só em seu discurso.
sairei à força”. Ainda em seu discurso de posse, o
Como desembargador, Jovaldo novo presidente do TJPE citou a sua
Nunes foi diretor da Escola da Magis- cidade natal, Emas, bem como a sua
tratura de Pernambuco (Esmape), pre- chegada ao Recife. Ele também se
sidente do Tribunal Regional Eleitoral e, dirigiu aos servidores do Judiciário, afir-
ainda, vice-presidente do TJPE. Duran- mando que assumia a missão de ser
te a gestão como diretor da Esmape, presidente do Tribunal com uma imen-
no biênio 2002/2003, ele foi responsá- sa vontade de acertar. “Eu sou filho
vel pela aquisição da sede própria da de servidores públicos do Estado da
entidade. “Eu me sinto muito satisfeito Paraíba. Meus pais eram serventuários
de ter tomado a iniciativa para comprar da Justiça. Também fiz parte dessa
a sede da Escola. Na época, consegui- classe durante 17 anos na Comarca de
mos dar uma nova visão, uma melhoria Olinda. Essa é minha origem, da qual
no ensino. Depois, o desembargador me orgulho. Pretendo manter com a
José Fernandes, que me sucedeu, deu classe um relacionamento cordial, res-
continuidade ao trabalho. Depois dele, peitoso e sincero. Precisamos trabalhar
os desembargadores Jones Figuerêdo, juntos”, afirmou o desembargador.
Frederico Neves e, hoje, o desembar- Questionado hoje sobre como é ser
gador Leopoldo Raposo”, conta. chefe do Poder Judiciário de Pernam-
buco, Jovaldo responde que “não é
A Presidência do TJPE fácil, porém é mais uma missão, é
No dia 9 de fevereiro deste ano, o mais um trabalho”. Como presidente
desembargador Jovaldo Nunes Gomes do TJPE, ele propôs a criação de mais
tomou posse como presidente do três cargos de desembargadores para
Tribunal de Justiça de Pernambuco. a Casa. Atento, ele também efetuou
Ao seu lado, ocupando os cargos de uma radiografia do Judiciário, contem-
vice-presidente e corregedor geral da plando a necessidade de criar mais
Justiça, respectivamente, os desem- 1.019 cargos de servidores para lotar
bargadores Fernando Ferreira e Fre- as unidades judiciárias, sobretudo do
derico Neves. A solenidade aconteceu interior do Estado. “Esses exemplos
no Palácio da Justiça de Pernambuco, são projetos que, como presidente
na Sala Des. Antônio de Brito Alves. O de um Tribunal, qualquer magistrado
espaço se tornou pequeno para abri- se sente lisonjeado em poder efetuar.
gar as autoridades, servidores, amigos Porém, eu tenho mais coisas a fazer.
e familiares presentes. Emocionado, O nosso Judiciário precisa ser reestru-
Jovaldo Nunes iniciou seu discurso turado para atender às necessidades
de posse agradecendo aos pais, já da população. Sinto-me feliz, pois,
falecidos, pelo exemplo de vida que mesmo com dificuldades, eu sei que
transmitiram; e à família que constituiu temos avançado. E este é um trabalho
em Pernambuco - sua esposa Darci e gratificante, em prol da Justiça e da
os filhos Dayse, Jovaldo Júnior e Anne. população”, comenta.
Na ocasião, ele também falou sobre Jovaldo não esconde sua indigna-
uma particularidade do seu cotidiano ção ao se referir aos entraves buro-
no TJPE, algo já muito notado pelos cráticos e seus extensos prazos e,
servidores e magistrados da Casa. Ele como exemplo, ele cita as necessárias
se referiu ao seu momento de devo- reconstruções dos fóruns nas co-
ção na capela do Palácio da Justiça, marcas do interior, que muitas vezes,
onde constantemente ele pratica sua demoram a se concretizar. Contudo o
religiosidade, agradecendo a Deus pela presidente do TJPE se sente feliz ao
vida. “Então, no final das minhas bre- ver nos jornais a produção do Judici-
ves orações, naquela pequena capela, ário pernambucano aumentando: “Se
digo: ‘Senhor, não tenho o direito de te a nossa produtividade aumenta, isso
pedir mais nada; já me deste tudo. O significa que nós estamos distribuindo
meu dever, de agora em diante, é de Justiça. Nós estamos corresponden-
foto: Assis Lima
23. 23
Para o vice-presidente do TJPE,
desembargador Fernando Ferreira, Jovaldo
é um humanista nato
do à expectativa. Outra coisa que me conseguir dotar as unidades judiciá-
deixa alegre é a procura. Muita gente, rias de mais pessoal. “Esta é a minha
muita gente procurando a Justiça. Mês principal meta. Eu não posso, repito,
a mês, ano a ano, a procura pela Justi- exigir alta produtividade do juiz do 1º
ça é grande. Para mim, tal fato significa Grau que possui apenas um ou dois
que o povo confia na Justiça e isso me funcionários. Mas, a partir do mo-
deixa satisfeito”. mento que proporcionamos melhores
Quando fala em metas de gestão, condições de trabalho, teremos como
o presidente do TJPE retorna ao seu cobrar o retorno. E eu tenho certeza de
discurso de posse. Sua principal que, dentro do possível, esse retorno
meta é lotar as unidades judiciárias vem acontecendo na minha gestão.
de servidores. “Minha equipe fez um Em quatro meses de gestão, eu já
levantamento. Nós chegamos à con- nomeei cerca de 500 servidores”, diz o
clusão de que cada unidade judiciária presidente do TJPE.
de primeira entrância deve ter seis ser- Zelo e cuidado com a instituição
vidores; de segunda, sete servidores; e o jurisdicionado são traços bem
e de terceira entrância, nove. É um visíveis no magistrado Jovaldo Nunes.
quantitativo mínimo, e não quer dizer Para o chefe de gabinete da Presi-
que numa unidade não possa ter mais dência do TJPE, Daniel Leão, Jovaldo
servidores. Com esse estudo, conclu- preza pela simplicidade e clareza nas
ímos que não podemos exigir tanto suas decisões, inclusive ele sempre
de um juiz que só tem um ou dois recomenda à sua equipe a trabalhar
funcionários. Se você estrutura uma com uma linguagem em que todas as
unidade judicial, essa unidade tem partes entendam o que foi decidido.
condições de render mais. Então, este Daniel trabalha com o desembargador
é o meu grande objetivo. Se no final Jovaldo Nunes desde 2008 e diz que
da minha gestão, eu tiver preenchido ele sabe como proporcionar união
e dotado todas as unidades com esse em sua equipe, sempre agindo com
quantitativo de pessoal, eu me sentirei cordialidade e procurando quebrar as
muito feliz”, afirma. barreiras que, por ventura, possam
Numa de suas viagens institucio- existir entre magistrados e servidores.
nais a Brasília, o chefe do Judiciário “O desembargador Jovaldo trata todos
estadual visitou o presidente do com igualdade, ele é um chefe que
Superior Tribunal de Justiça, minis- ganha o respeito de todos nós sem
tro Ari Pargendler. Na visita, Jovaldo precisar impor autoridade. O seu senso
apresentou um cronograma com o de Justiça é sua principal virtude como
projeto de lotar as unidades judiciárias magistrado, ele sempre nos ressalta
pernambucanas com mais servidores. que a função do julgador é fazer Justi-
O ministro gostou do que viu e disse ça”, afirma Daniel.
ao presidente do TJPE que este pode Para o vice-presidente do TJPE,
se considerar realizado como gestor se desembargador Fernando Ferreira,
foto: Juliana Motta
24. 24 perfil
uma característica muito peculiar da do Judiciário pernambucano”, declarou
personalidade de Jovaldo é particu- o desembargador Fernando Ferreira.
larmente notável: “O amigo concilia, Ao fim da entrevista, Jovaldo Nunes
com rara felicidade, a sensibilidade de encara o repórter e ressalta que não foi
um humanista nato com um invulgar fácil chegar à Presidência do Tribunal
tirocínio para a função judicante”. Ele de Justiça pernambucano. “Estas são
também destaca os gestos bondosos as linhas gerais da minha trajetória de
de Jovaldo Nunes no dia-a-dia, tanto vida. Para chegar aqui, eu ralei e sofri
nas atividades jurisdicionais e adminis- muito”, diz. Depois do comentário,
trativas no Tribunal de Justiça quanto Jovaldo sorri e prova que não se deixa
nas interações familiares que ambos ferir ou abalar pelos obstáculos passa-
costumam promover ao longo de mais dos, mostrando que soube absorver
de 15 anos de estreita amizade. “Sua grandes lições diante de todas as
historia de vida é, certamente, a mais adversidades que enfrentou. Na mesa
bonita deste Tribunal. Jovaldo soube de reuniões da Presidência do TJPE,
vencer todas as adversidades em seu o desembargador observa o carro de
caminho, tendo construído, junto com boi nordestino. “Eu acho essa obra
Darci, uma prole bonita, unida e vitorio- muito importante. E nem é pelo valor
sa. Ele é um homem rico de recursos material, mas sim pelo valor emocional.
íntimos, dotado de invulgar inteligên- O gesto dele, de me achar nobre e
cia despida de eruditismo pedante. humilde, emociona. O porquê dele me
Costumo defini-lo como uma pessoa considerar nobre e humilde, eu não
que nasceu premiada com o tirocínio sei... Olha, eu me sinto muito lison-
de magistrado. Sempre me impres- jeado com o reconhecimento dessa
siona sua capacidade para desarmar nobreza e humildade que o seu João
espíritos e intrigas, sua tranquilidade ‘Pintor’ acha que eu tenho. Seu João
no enfrentamento dos problemas, os é uma pessoa extraordinária, uma pes-
mais diversos, e a transparência no soa muito simples. É um artista não é?
trabalho voltado para a administração Fazer isso aí, só sendo um artista...”,
da Justiça. Sinto-me honrado por ser assim conclui Jovaldo Nunes Gomes.
seu amigo e, atualmente, escudeiro Com humildade. •
no desenvolvimento de ambiciosos Texto: Micarla Xavier
projetos para um bom governo à frente Entrevista: Rafael Cavalcanti
Escultura feita por João “Pintor” em
homenagem ao desembargador
Jovaldo Nunes
25. perfil 25
Fractais
do tempo
Decano do Tribunal, o
desembargador Jones Figueirêdo
revela momentos marcantes da
sua história
Wesley Prado
Numa tarde fria de junho, conversei
com o desembargador, que então
assumia interinamente a Presidência do
Tribunal de Justiça enquanto o colega
desembargador Jovaldo Nunes assu-
mia o Governo do Estado. A conversa
foi longa, ia e voltava no tempo, várias
vezes. Era até difícil acompanhá-lo
nessa viagem. Afinal, alguém com uma
carga de histórias como de a Jones
Figueirêdo Alves, decano do Judiciário
pernambucano, tem muita coisa para
contar. Num dado momento, o diretor
geral do TJPE, Leovegildo Mota, que
esteve presente em parte da entrevista,
lançou a epígrafe do livro de memórias
do escritor Gabriel Garcia Marquez: “A
vida não é a que a gente viveu, e sim a
que a gente recorda, e como recorda
para contá-la”. Se essa frase cabe a
alguém mais além de Garcia Marquez,
esse alguém se chama Jones Figuei-
rêdo.
Nascido no Recife, em 20 de agosto
de 1947, na Rua José de Alencar, Boa
Vista, e criado em Garanhuns, Jones
cresceu sob importante valor: o da
qualidade. Seu pai, Sebastião, mestre
de obras e topógrafo, chegava a
recusar trabalhos se o material da obra
fosse de segunda qualidade. “Fui edu-
cado assim. Valorar as coisas e não ser
refém daquelas que não sejam verda-
deiras”. Além desse nível de exigência
diante da vida, seu pai foi um visioná-
rio. Em 1951, comprou um terreno nas
cercanias de Garanhuns, loteou a área,
denominando-a Jardim Mundaú. Hoje,
esse loteamento configura-se em um
dos bairros daquele município. Esse
Jones Figueirêdo: “Fui educado assim. mesmo terreno, certamente, desper-
Valorar as coisas e não ser refém daquelas tou inspirações futuras no menino
que não sejam verdadeiras” Jones. Ao menos indiretamente. Seu
foto: Juliana Motta
26. 26 perfil
Sebastião colocou anúncio na rádio de direito na Universidade Federal de
da cidade, patrocinando o programa Pernambuco, e jornalismo na Uni-
A Crônica do Meio-Dia, onde o locutor versidade Católica de Pernambuco.
lia uma crônica sobre um assunto do A admiração pela toga não veio da
dia-a-dia, com uma voz tonitruante, família – nenhum de seus parentes
empostada. “A gente corria, eu e meu era bacharel em direito. A vontade de
irmão, para ouvir o jingle do terreno e ser aluno da Faculdade de Direito veio
a crônica. Com seis anos de idade, eu da mística do lugar, de ser “a casa
ficava em cima de um tamborete, repe- de Tobias Barreto”. Não acreditava,
tindo o que o locutor dizia. Talvez tenha porém, que conseguiria ser aprovado
surgido daí aquela ideia de oratória”. na UFPE. “Não tinha feito cursinho
Talvez nasceu ali, sem ele nem mesmo preparatório. Naquela época, só existia
saber, a vocação para duas carreiras um famoso, o Curso Torres, e eu não
que ele seguiria futuramente: o direito e tinha condições de pagar”. Escolher
o jornalismo. um segundo curso em outra faculdade
Anos mais tarde, Jones e o amigo, foi um caminho natural. “Então, resolvi
Gladstone Vieira Belo... Sim, o vice- que faria jornalismo. Se não passasse
presidente do Diario de Pernambuco. A [em direito], pelo menos poderia passar
vida tem das suas coincidências, tam- em jornalismo e aí, não teria que
bém conhecidas como destino... Jones perder um ano”. Passadas as pro-
e Gladstone estudavam no Colégio vas, o resultado: 14º lugar em direito
Diocesano, em Garanhuns. Cursaram e 4º lugar em jornalismo. Guerreiro,
juntos o clássico – equivalente ao atual Jones cursou ambas as graduações
ensino médio. Jones escrevia para o simultaneamente. Direito pela manhã
semanário da Diocese, chamado O e jornalismo à noite. E ainda trabalha-
Monitor, geralmente uma coluna literá- va no Jornal do Commercio, à tarde.
ria. Mais tarde, ele e Gladstone tiveram “Para me sustentar, tinha que custear
um programa de rádio, com atualida- a faculdade. Meus pais não moravam
des e notícias. Numa das edições des- aqui, moravam em Garanhuns. Passei Desde o primeiro
se programa, um caso muito curioso um ano morando em república”.
aconteceu. O papa João XXIII falecera, Precoce, Jones teve sua primeira minuto da minha
e os dois jovens radialistas resolveram experiência de júri ainda muito verde
fazer uma edição homenageando o no curso de direito. Precisamente 15 carreira, sempre
pontífice. Jones foi até o bispo Dom dias após começarem as aulas. De
Adelino Dantas, conseguir réquiens volta a Garanhuns, para aproveitar as me dediquei
para a trilha sonora do programa. férias e comemorar a aprovação nos
Jones e Gladstone redigiram o texto, dois vestibulares, encontra o advogado a um trabalho
produziram o programa, a história de Everardo Gueiros, a quem chamou de
João XXIII passada a limpo. Lá pelas velho professor durante a conversa, e institucional de
tantas, havia uma referência ao então recebe o convite: “Jones, você agora
presidente americano Dwight Eisenho- é estudante de direito. Devia fazer um cooperação com
wer e ao secretário-geral da ONU, Dag júri aqui. Você fazia júri simulado no
Hammarskjöld. “Só que ninguém sabia Diocesano [como, por exemplo, o júri a melhoria do
pronunciar o nome dos dois... Não de Lampião]... Tenho um em Angelim,
lembro quem de nós emperrou na pro- você podia fazer. Topa?”. Jones topou. Judiciário
núncia, o nome não saía. Caímos na Em 17 de março de 1966, estava ele
gargalhada, e a sonoplastia subiu para defendendo um ancião, acusado de
tentar encobrir a gafe”, conta risonho matar duas mulheres, mãe e filha, vizi-
o desembargador. Escrever para um nhas dele, por uma briga de roçado.
semanário e produzir um programa de Everardo Gueiros fez a abertura dos
rádio ainda rendeu mais uma inusitada trabalhos de defesa e passou a bola
conquista para Jones: ser secretário de para Jones. Que fez bonito, por sinal.
Imprensa da Prefeitura de Garanhuns, Absolvição por cinco a dois. Satisfei-
no Governo de Amílcar da Mota Valen- to, o acusado absolvido pagou cinco
ça, com 16 anos e meio. cruzeiros. O primeiro da carreira dele.
Voltemos para Recife. Jones estava Com esse dinheiro, Jones conseguiu
para fazer o vestibular. Tentou o curso comprar quatro livros de direito. Os
foto: Assis Lima
27. perfil 27
primeiros de sua vida. O primeiro deles, Jones viveu uma época do jorna- qualificado e a reunião não vai aconte-
uma obra sobre criminologia de um lismo que ele chama de “romântica”. cer”. “Mas o senhor me autoriza a dizer
autor italiano, foi lavrado em ata. De Tempos onde o sujeito chegava diante isso?”. “Pode, não vai ter reunião”.
sua biblioteca pessoal com mais de 12 de uma máquina de escrever Olivetti e Jones correu para a redação, para não
mil volumes, esse é seu xodó. começava a bater a pauta, sem poder perder aquele furo. E aconteceu como
Se seu primeiro episódio de carreira errar – se errasse, jogava a página Sarney disse... (Em tempo: o assessor
acadêmica foi inusitado, que dizer inteira no lixo. Tinha que escrever rápi- de imprensa da Sudene era redator do
daquele momento que fechou parte do, lead e sublead, concentrar ideias, Diario).
desse ciclo? Jones foi orador de turma escrever texto... Sem auxílio de Inter- Além das editorias mais conhecidas,
em ambos os cursos, mas na forma- net, celular ou agências de notícias na Jones trabalhou em uma que os mais
tura de jornalismo, em 1978, certos apuração. Só havia o legwalking, que jovens praticamente nunca ouviram
acontecimentos foram históricos. A o lendário jornalista Gay Talese tanto falar (hoje, nem existe mais): personali-
cerimônia, no mosteiro de São Bento, defendia: a necessidade do jornalista dades em trânsito. Ele explica: “Gente
contou com um convidado nada es- de botar o pé fora da redação e ir atrás importante que chegasse no Recife,
pecial: a ditadura. O 4º Exército – hoje, de sua notícia. eu cobria a visita. Tanto podia entrevis-
Comando Militar Nordeste – queria Jones trabalhou em praticamente tar um deputado suíço como discutir
tomar o discurso preparado por Jones todas as principais editorias de um com um cientista nuclear sobre reator
para censura. Ele se negou, no que jornal. Só não trabalhou em jornalismo atômico, ou quem sabe, esbarrar com
teve apoio do então reitor da Unicap, policial e esportivo. O primeiro pela a Miss Brasil... Conheci Vera Fischer
Potiguar Matos, a quem permitiu a crueza das notícias, o envolvimento, quando ela tinha 18 anos e veio aqui,
leitura do discurso. “Vai depender da até certo ponto, com os maus elemen- de Joinville, para a Fecin (Feira de
sua entonação, da sua gesticulação”, tos. O segundo, por não lhe atrair. Co- Comércio e Indústria do Nordeste),
brincou o reitor. O discurso era infla- meçou na editoria de política. Cobria realizada onde hoje é a Jaqueira, em
mado – “coisas de estudante revolu- as sessões da Assembleia Legislativa 1969”. Ele também fez a completa
cionário”, ele sorri. Mas o ponto alto da de Pernambuco (Alepe). Pouco tempo cobertura da visita da Rainha Elisabeth
solenidade foi a presença da patrones- depois, foi transferido para a de econo- ao Recife, naquele ano.
se Niomar Muniz Sodré de Bittencourt, mia, quase simultaneamente ao convite Mas o grande desafio nessa editoria
dona do Correio da Manhã, jornal do deputado Paulo Rangel Moreira, en- eram os estrangeiros. Jones admite
emblemático no combate à ditadura. tão presidente da Alepe, para que ele que nunca teve grande domínio da lín-
Na sua vez de discursar, ela contou a chefiasse a bancada de imprensa do gua inglesa. E pior, ele “concorria” com
história do pai, jornalista e fundador do órgão. “Assim, ganhei meu segundo Lino Rocha, do Diario de Pernambuco,
jornal, durante o Estado Novo... Uma emprego”, conta. que, dentre tantas línguas, falava até
forma inteligente de protestar diante da Já como repórter de economia, co- russo. Um dia, recebeu a informação
intenção dos militares de censurarem a bria pautas relativas à Superintendên- de que Euclides Zerbini, o “homem
formatura. “Mera coincidência”, ironiza cia de Desenvolvimento do Nordeste do coração”, médico que realizou o
Jones, que completa: “Tudo aquilo que (Sudene). Foi onde conheceu Sarney. primeiro transplante de coração no
ela dizia da ditadura de Vargas cabia O governador do Maranhão tinha Brasil, convidara o médico sul-africano
naquele momento”. Niomar acabou 35 anos e veio ao Recife para uma Christiaan Barnard, que tinha realizado
detida após o encerramento da forma- reunião com outros governadores da o primeiro transplante de coração do
tura, para prestar mais depoimentos. região, na Sudene. O chefe de Estado mundo, para palestrar, em São Paulo,
Seu jornal, no entanto, não resistiu paraibano, João Agripino, defendia sobre uma técnica nova que ele havia
à pressão e acabou sendo fechado participação de lucro das empresas desenvolvido. Jones seguiu viagem e
tempos depois. pelos empregados, tema que estava esperou o voo de Barnard no aeropor-
As histórias de Jones Figueirêdo na agenda da Sudene. Quando Jones to. Chegando lá, na tentativa do furo
naquela que seria sua segunda vo- terminou seu dia de trabalho, partiu de reportagem, encontra Lino Rocha.
cação, o jornalismo, são no mínimo para a faculdade, passando depois Não teve outra: os dois “disputaram” a
interessantes. De conversas acom- pelo Grande Hotel, um dos melhores atenção do médico. Jones fez uma en-
panhadas de uísque com Sarney, no da cidade entre os anos 50 e 70, e trevista rápida com Barnard. O médico
antigo Grande Hotel, a driblar barrei- onde estavam hospedados os que par- havia descido junto com a tripulação.
ras idiomáticas com boas ideias de ticipariam da reunião. No Esquina 17, Jones teve uma ideia: procurou o capi-
improviso, Jones tem muitas delas. “O encontrou Sarney, tomando uísque. Ele tão da aeronave e perguntou quem via-
jornalismo foi uma experiência boa. Eu o chamou para dividir a bebida e Jones jou ao lado de Barnard. Deu sorte. O
acho uma escola de vida. Porque você aproveitou para perguntar: “A reunião companheiro de viagem do médico foi
passa a ter um exercício de dialética, de amanhã será uma pauta muito con- um empresário paulista. E melhor, os
de retórica, de estilo, de tudo. Sempre trovertida?”. Sarney disse: “Não, vai ter dois haviam conversado muito durante
foi muito bom, como aprendizado de uma questão técnica amanhã, vamos a viagem. Jones teve detalhes que Lino
vida, de humanidade”. suscitar um problema de quórum não conseguira, como saber que o
28. 28 perfil
médico estava com uma enfermidade O relator foi o pernambucano Ricar-
numa das mãos ou que já manifestava do Fiúza, e o presidente da comissão,
vontade de trabalhar com transplante João Castelo. Ficou resolvido que
de rins, por exemplo. Graças à astúcia seriam feitas audiências públicas com
de Jones em driblar a situação, o vários juristas do país. Gente como Mi-
Jornal do Commercio publicou matéria guel Reale, autor do projeto original, Ál-
muito mais ampla. varo Vilaça, Moreira Alves, entre outros.
Jones Figueirêdo deixou o JC em Ao término da série de audiências,
69, no fim do curso de jornalismo, para Fiúza quis a participação de alguém
advogar. Seu velho amigo Gladstone de Pernambuco e pediu indicação de
foi enfático. “Jones, você não pode nome ao TJPE. Jones foi indicado para
deixar jornal! Você vai escrever aqui fazer uma das palestras sobre o pro-
pro Diario”. E assim, voltou à atividade jeto na Comissão da Câmara Federal
jornalística, escrevendo uma coluna de para os 32 deputados.
notícias variadas e literatura, que ele Jones notou logo um problema. O
não podia assinar por não ter vínculo lapso de tempo entre o trâmite do pro-
trabalhista. Era algo que fazia mais por jeto o deixou desatualizado, especial-
devoção do que por necessidade. Um mente na presença da então recente
freelancer em termos. Constituição Federal de 1988. “Havia
Não pense o caro leitor que a um buraco negro e aquele projeto todo
carreira jurídica de Jones Figueirêdo deveria ser salvo com normas de con-
não tem a mínima relevância. Essa sonância. Ou seja, ajustar a legislação
longa tratativa sobre o jornalista Jones, superveniente e fazer com que aquele
até agora, foi apenas para trazer um texto pudesse ser adequado em
aspecto inusitado do ilustre desembar- relação à própria Constituição. Para se
gador. Maior prova disso é uma impor- ter uma ideia, já existiam leis de união
tante contribuição sua para a vida do estável e o projeto sequer abarcava
brasileiro: a participação na Comissão isso. Elenquei mais de 40 situações de
Especial do novo Código Civil. inconstitucionalidade, por omissão ou
A reforma do Código Civil é um pro- porque havia uma quebra da própria
jeto que vem desde 1971. Na época, ordem constitucional nova”, comenta o
Jones estava terminando a graduação desembargador.
em direito. Foi criada uma comissão de Fechada essa fase das sessões, foi
notáveis para elaborar um anteprojeto feito um relatório geral da comissão.
de lei que pretendia mudar o Código Foi por apontar esse problema do pro-
Civil de 1916, até então vigente. O jeto que Jones acabou recebendo um
Executivo recebeu o anteprojeto e o convite de Michel Temer, presidente da
encaminhou à Câmara Federal, em Câmara Federal, para ficar à disposi-
1975. Ano em que Jones entrava na ção da mesma e ajudar. Foram mais
magistratura. Coincidências... de seis meses, no ano de 1999; Jones
“Veja como as coisas são interes- estava começando sua carreira de
santes... Eu não comprei muito livro de desembargador no TJPE. O relatório
direito civil porque os livros que eu tinha preliminar teve mais de mil páginas.
da faculdade eram todos do Código “Foi quando a Câmara resolveu fazer
de 1916, e quando entrei na magistra- uma solução bicameral, permitindo que
tura, foi exatamente quando se fez o o projeto voltasse ao Senado, para que
primeiro projeto de lei do Código Civil. houvesse um parecer, atualizando-o,
Pensei comigo ‘não vou comprar muito para depois retorná-lo à Câmara.
livro de direito civil porque vai mudar Àquela altura, o presidente da
rapidamente’. E se passaram 27 anos... Câmara era Aécio Neves, que pediu a
O projeto ficou na Câmara Federal de Jones para que retornasse e ficasse
1975 a 1984, e no Senado, de 84 a 96. novamente à disposição. Assim se fez.
Em 96, voltou para a Câmara apreciar Nessas voltas e voltas do projeto, ele
as trezentas e poucas emendas do finalmente é aprovado. “Repare bem,
Senado. Em 99, criaram uma Comis- o primeiro projeto desse Código Civil
são Especial na Câmara Federal para a foi publicado no Diário do Congresso
reforma do Código Civil”. quando eu entrei na magistratura. Mal
29. perfil 29
Como pesquisador, o desembargador
Jones Figueirêdo colaborou em diversas
obras jurídicas
sabia eu que 27 anos depois, viria ser nome pra fazer essa palestra. Eu fui o Nos idos de 1981, quando os compu-
participante junto à Comissão Relatora indicado. Nunca houve antes alguém tadores de grande capacidade eram os
da reforma do Código Civil”. que pudesse ser colocado à dispo- enormes mainframes, Jones estabele-
O reconhecimento por esse trabalho sição de outro Poder como juiz pra ceu o plano diretor de implantação do
está afixado na parede de seu gabi- trabalhar no processo legislativo”. sistema de Informática do TJPE, tendo
nete, junto de tantos outros títulos. realizado visitas de benchmarking, em
Uma foto e uma placa, com Aécio Deixando marcas 1985, no Judiciário de São Paulo e de
Neves e João Castelo, onde recebeu a A importância do trabalho de Belo Horizonte. A intenção era analisar
Medalha do Legislativo pelos serviços Jones Figueirêdo também aparece o modelo dos sistemas de Informática
prestados. Sobre a experiência, Jones em nível estadual. “Completei 36 anos dessas instituições e avaliar qual seria
comenta: “Foi muito boa. A primeira de magistratura, iniciados em 27 de o mais adequado para o Tribunal.
obra doutrinária sobre o CC teve minha novembro de 1975. Se você consi- Ao assumir a Presidência do TJPE,
participação. É muito importante você derar tudo que aconteceu em nosso em 2008, ele deu continuidade a essa
ver certas coisas que acontecem e que Poder Judiciário, vai sempre encontrar modernização, através da informatiza-
eu diria imprevisíveis”. minhas impressões digitais”. Ele não ção de todas as comarcas de Per-
Em 1996, o Tribunal abriu um diz isso por orgulho besta, muito pelo nambuco. Até junho daquele ano, nem
prêmio de monografias jurídicas. contrário. Jones sempre teve interesse metade das comarcas era informatiza-
“Participei e ganhei o primeiro prêmio em trabalhar pelo Judiciário, indo além da. “Não havia ligação em rede algu-
com uma monografia sobre o poder da função judicante. “Desde o primeiro ma. A informatização se resumia a um
ex-officio”. Nos dois anos seguintes, minuto da minha carreira, sempre me computador na mesa. Partimos de 56
conquistou a mesma honraria. Parou dediquei a um trabalho institucional comarcas informatizadas e chegamos
de se inscrever depois disso. Nesses de cooperação com a melhoria do a 150, porque eu instalei a comarca
três prêmios, todos foram sobre direito Judiciário”. de nº 150, Lagoa Grande. Fechou-se
processual civil. “Eu não podia nunca Uma das suas contribuições de um ciclo”. E outro foi iniciado, com
imaginar que depois fosse me dedicar grande vulto para o Tribunal de Justiça, a implantação do Processo Judicial
ao direito civil. E aconteceu acidental- e que mostra o quanto ele herdou o Eletrônico (PJe), na gestão de José
mente, porque o relator da comissão sentido visionário do pai, foi ele ter Fernandes de Lemos. “É uma obra que
era de Pernambuco, eu tinha chegado presidido o primeiro plano diretor de In- você vai botando um tijolo a cada dia.
no TJ e ele pediu uma indicação de formática do Judiciário pernambucano. As coisas nunca terminam, tem acrés-
foto: Agência TJPE