O documento discute os desafios enfrentados pelos municípios da Região Metropolitana de Curitiba devido ao rápido crescimento populacional e as restrições para aumentar a arrecadação impostas pelas leis ambientais, deixando as prefeituras com recursos insuficientes para atender a demanda por serviços públicos. Os prefeitos reclamam da falta de apoio do órgão gestor da região e pedem contrapartidas específicas para cidades com áreas de preservação.
3.° caderno RMC em Debate - Alexsandro Teixeira Ribeiro
1. Apresentação Valter Fanini, presidente do Senge-PR
Um momento de reconstrução
Você tem em mãos o terceiro consciência da distância que ainda que somente entraremos num ciclo
caderno editado pelo projeto Região temos a percorrer para preencher o virtuoso de recuperação urbana das
Metropolitana de Curitiba em Debate, enorme abismo causado pelas cidades metropolitanas com um
uma iniciativa do Senge-PR. Com ele, demandas sociais não atendidas. Fala- combate efetivo à degradação
encerramos a primeira fase do se, aqui, de saúde, educação ambiental. Para isso, é preciso que
programa, abordando a questão do previdência social, e de uma muito cara façamos a construção de uma nova
desenvolvimento econômico e social a nós, engenheiros e arquitetos — a entidade metropolitana de
metropolitano e a possibilidade de infraestrutura pública, principalmente coordenação, planejamento e
construção de um novo modelo de a urbana. programação de investimentos.
gestão para a região metropolitana de Se, por um lado, podemos ver isso Sabemos que, por um bom tempo, os
Curitiba. como uma grande oportunidade recursos financeiros públicos
Queremos registrar, aqui, o nosso profissional, devemos ter em mente que permanecerão concentrados no
agradecimento às instituições que tais demandas — principalmente as que governo federal. Com isso, seguirá a
colaborarão com a publicação dos três dizem respeito à reconstrução de tendência de criação de programas
primeiros cadernos temáticos sobre a nossas cidades — não se setoriais de investimentos, pelos quais
Região Metropolitana de Curitiba: transformarão em obras se não todos os entes federados competirão.
Conselho Regional de Engenharia e reconstruírmos as instituições públicas Obviamente, conseguirão mais
Arquitetura (Crea-PR), Sindicato dos de planejamento e a construção de investimentos os estados que tiverem
Arquitetos (Sindarq), Instituto de infraestrutura. Não basta termos melhores condições de planejamento,
Engenharia do Paraná (IEP), recursos financeiros. É necessário que projetos e negociação.
Universidade Federal do Paraná (UFPR) Devemos aproveitar as mudanças
e entidades da sociedade dedicadas a Esperamos que, políticas que se processarão em breve
questões urbanas, como Ambiens em nossos estados para ampliadas as
Cooperativa, Fórum da Mobilidade
ao longo desses possibilidades de diálogo com o
Urbana Sustentável, Observatório das três cadernos, governo do estado, hoje extremamente
Metrópoles, entre outras. tenhamos contribuído limitadas pelo estilo centralizador do
Sabemos que o Brasil deverá sair para a ampliação governador. Assim, poderemos
definitivamente do processo de do conhecimento pressionar pela reconstrução das
estagnação econômica crônica que instituições técnicas de engenharia e
viveu nas décadas de 1980, 90 e na
de engenheiros, arquitetura.
metade da primeira década deste arquitetos Esse foi o objetivo explicitado na
século. Não se trata de exercício de e demais leitores publicação dos cadernos do projeto
futurologia, mas da simples RMC em Debate. Esperamos que, ao
constatação de que foram removidas as remontemos as instituições técnicas encerrar-se o ciclo das três edições
causas externas que nos mantinham responsáveis por planejar e projetar inicialmente programadas pelo Senge-
naquela situação — a dependência de dentro do Estado — aqui abarcando PR para o projeto, tenhamos
importação de energia (petróleo) e a municípios, estados e União. contribuído para a ampliação do
crise permanente do balanço de Temos discutido, ao longo desses conhecimento de engenheiros,
pagamentos (dívida externa). cadernos, problemas urbanos arquitetos e demais leitores. Para, quem
Também removemos o principal metropolitanos que tiveram origem sabe, habilitá-los ao debate do assunto
motivo interno de nossa estagnação exatamente no binário falta de recursos e a cobrar de seus representantes
econômica, o processo inflacionário. financeiros públicos/desmantelamento eleitos a reconstrução das instituições
Porém, se temos condições reais de das instituições de planejamento. públicas que abrigarão a boa técnica
seguir numa trajetória de crescimento Praticamente em todos os artigos da engenharia e da arquitetura na
econômico sustentável, devemos ter escritos para o projeto menciona-se reconstrução de nosso País.
Este caderno é uma publicação do projeto Região Metropolitana de Curitiba em Debate
Organização e coordenação Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR)
Assessoria Técnica Ambiens Sociedade Cooperativa
Apoio Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR), Sindicato dos Arquitetos do Paraná (Sindarq),
Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), FAE Centro Universitário, Sociedad Peatonal, Movimento Passe Livre
Edição Rafael Martins (Reg. Prof. 3.849 PR) Editor Assistente Felipe Pasqualini Reportagem Camila Castro
Fotografia e diagramação Alexsandro Teixeira Ribeiro Fale conosco comunica@senge-pr.org.br
Artigos assinados são de responsabilidade dos autores.
O Senge-PR permite a reprodução do conteúdo deste jornal, desde que a fonte seja citada. Fotolitos/impressão Reproset Tiragem 4 mil exemplares
2 RMC em debate. Terceiro caderno
2. Reportagem
Atual modelo de gestão
dificulta trabalho dos
municípios, dizem prefeitos
Mais de um milhão de migrantes chegaram à Grande Curitiba desde 1991, e
boa parte se instalou nas cidades do entorno. A consequência direta é o aumento
da demanda por serviços básicos, que devem ser sustentados pelas prefeituras.
No entanto, na maioria dos casos, os recursos orçamentários disponíveis são
insuficientes para oferecer tais serviços com qualidade, alegam os prefeitos.
A reportagem é de Camila Castro
AEN
Imagine administrar uma cidade com gestão da RMC, no desenvolvimento de
cem mil habitantes tendo dinheiro suficiente projetos que possam criar alternativas para
apenas para atender 70% da população. aumentar a arrecadação e capacidade de
Como oferecer serviços de saúde, gestão dos municípios. Apesar de todos os
educação ou transporte, se a arrecadação esforços, hoje o trabalho da Comec é
é escassa e engessada por leis ambientais, insuficiente para auxiliar os municípios a
que restringem atividades econômicas e o planejar soluções conjuntas para problemas
desenvolvimento municipal? Como criar gerados por uma região que é integrada,
projetos que resolvam problemas causados argumentam os prefeitos.
pela proximidade com uma grande cidade, Para eles, também faz falta uma
se não há integração regional? Essa é a avaliação das peculiaridades de cada cidade,
realidade da maioria das cidades que o que poderia criar soluções adequadas a
compõem a Região Metropolitana de cada uma. Em vez disso, tomam-se decisões
Curitiba (RMC). Realidade agravada pelo com base na realidade de Curitiba, sem que
forte crescimento populacional dos últimos se conheça seu impacto nos outros
anos – 1,1 milhão de habitantes chegou a municípios. Caso típico de Quatro Barras,
RMC entre 1991 e 2007. localizada em área de manancial de
A maioria dos migrantes chega em busca abastecimento de água e, por isso, de
de melhores condições de vida em Curitiba, proteção ambiental.
mas acaba por se instalar nas cidades do Segundo o prefeito Loreno Tolardo
entorno. A consequência direta é o aumento (PDT), isso faz com que “o município sofra
da demanda por serviços básicos, que com as restrições ambientais, o que impede
devem ser sustentados pelas prefeituras. No a realização de muitas ações, entre elas o
entanto, na maioria dos casos, os recursos crescimento industrial, a revisão da lei de
orçamentários disponíveis são insuficientes zoneamento e a elaboração de um programa
para oferecer tais serviços com qualidade, habitacional”. O problema, critica, é que não
alegam os prefeitos, mesmo com in- há sugestões para driblar essa dificuldade
vestimentos e parceria firmada com os — muito pelo contrário.
governos estadual e federal. “Na Região Metropolitana, a falta de
Em entrevista ao Sindicato dos apoio dos órgãos competentes e a
Engenheiros no Estado do Paraná (Senge- morosidade no parecer de processos
PR), os prefeitos reclamam por mais apoio dificultam, e muito, a gerência dos
da Coordenação da Região Metropolitana municípios. É preciso que haja suporte de
de Curitiba (Comec), órgão responsável pela Tolardo: falta apoio à gestão dos municípios instituições responsáveis, possibilitando aos >>
Fevereiro de 2010 3
3. >>
municípios encontrarem seu ponto de mananciais de água.
equilíbrio e desenvolverem suas ações”, “Sabemos que Piraquara tem vocação
afirma Tolardo. ambiental, não temos a pretensão de ser um
pólo industrial. No entanto, precisamos de
Muita gente, pouco dinheiro contrapartidas. Não podemos ficar renegados
ao ostracismo. Gastamos muito dos recursos
Pela mesma situação passa Piraquara, dos quais dispomos para a preservação das
que fornece a maior parte da água consumida áreas de mananciais. Assim, sobra pouco para
na Grande Curitiba. O município tem uma serviços essenciais como transporte escolar,
arrecadação menor que a das cidades do educação, saúde e saneamento básico, que
Vale do Ribeira, e vê sua população crescer ficam prejudicados”, diz Gabão.
rapidamente, explica o prefeito Gabriel Jorge
Samaha (PPS). Cidade dormitório
Piraquara é responsável por 70% da água
consumida em Curitiba e 50% do que Situação parecida vive Almirante
abastece as cidades vizinhas. O município tem Tamandaré, que também tem áreas com
mais de mil nascentes, e 75% de seu território restrições ambientais em seu território, explica
é formado por áreas de preservação ambien- o prefeito Vilson Rogério Goinski (PMDB). “A
tal. As restrições ambientais e de uso do solo cidade tem dificuldades para absorver toda a
impedem Piraquara de adotar o modelo de força de trabalho disponível, se tornou uma
desenvolvimento pautado em atividade cidade dormitório. Quem trabalha em Curitiba
industrial e serviços que impulsionam outras acaba fazendo suas compras por lá, porque é
cidades da RMC. mais prático, e porque dificilmente eles encon-
“Nossa arrecadação é precária para dar tram o comércio aberto durante a parte do dia
conta dos 100 mil habitantes que temos. Para em que ficam em Tamandaré”, argumenta.
que pudéssemos Isso não exime o
oferecer serviços de município de oferecer
qualidade, deve- Para contornar serviços básicos a seus
ríamos arrecadar R$ as restrições, o prefeito cidadãos. O problema
1 mil por habitante é que, com mais gente
por ano, mas só de Piraquara defende vivendo que traba-
conseguimos R$ 680 a criação de projetos lhando e fazendo cir-
per capita, menos do que incentivem cular a economia da
que a arrecadação cidade, a arrecadação
atividades como o é insuficiente. “As
das cidades do Vale
do Ribeira. A maioria turismo. Ele também restrições à expansão
dos municípios da pede contrapartidas do desenvolvimento
região arrecada mais específicas para industrial e o comércio
que Piraquara. Pinhais prejudicado pela
consegue R$ 1,7 mil
municípios com áreas concorrência da ca-
por habitante por ano, de preservação pital criam um cenário
e Adrianópolis arre- ambiental, já que em que a arrecadação
cada R$ 1,5 mil. considera insuficiente municipal não condiz
Com as restrições com a necessidade de
impostas pela legis- o que chega via investimentos em
lação ambiental, não ICMS ecológico equipamentos públi-
podemos adotar um cos e em infraestru-
modelo de desen- tura, como pavi-
AEN
volvimento industrial que nos permita mentação, drenagem urbana, rede de esgoto
aumentar a arrecadação”, argumenta o prefeito. e outros projetos”, diz Goinski.
“Com as restrições Para contornar as restrições, Samaha Para contornar tais dificuldades, é
impostas pela legislação defende a criação de projetos que incentivem preciso eleger prioridades, a partir do
atividades como o turismo. Ele também planejamento feito pela prefeitura, com
ambiental, não podemos defende contrapartidas específicas para apoio de dinheiro dos governos estadual e
adotar um modelo de municípios com áreas de preservação federal. O município planeja ações para
desenvolvimento ambiental, já que considera insuficiente o que conter o adensamento populacional e
chega via ICMS ecológico – 5% de todo o estabelecer o crescimento ordenado da
industrial” Imposto sobre Circulação de Mercadorias cidade por um período de dez anos. “Temos
Gabriel Samaha, e Serviços recolhido, que são divididos entre um orçamento anual de R$ 65 milhões de
prefeito de Piraquara os municípios com áreas de preservação ou reais, consideravelmente pequeno para
4 RMC em debate. Terceiro caderno
4. atender uma população de cem mil municípios para obras de infraestrutura obrigações, mas é preciso que as políticas
pessoas,”, pondera o prefeito. urbana e rural, saneamento básico, sejam executadas de forma integrada, já que
Outro problema é a gestão do transporte e merenda escolar, coleta do as demandas se tornam maiores porque vêm
transporte público, atualmente nas mãos lixo, controle de zoonoses e manutenção de pessoas que procuram morar em
da Urbs, empresa da prefeitura de Curitiba. Segundo os prefeitos, tais
Curitiba. Com isso, regiões de Almirante demandas são impossíveis de serem
Tamandaré ainda não tem linhas de ônibus Órgãos gestores da supridas sem suporte da Comec.
integradas com Curitiba. “Isso causa “A Comec procura dar suporte às grandes
Região Metropolitana
grandes transtornos para milhares de obras planejadas pelo governo do estado, como
usuários”, reclama Goinski. “A Urbs de Curitiba precisam o Programa Integrado do Transporte, a
argumenta que não há demanda suficiente planejar o crescimento conclusão do Contorno Norte e a elaboração
para aumentar os ônibus que servem a das cidades do entorno de projetos para reforma e ampliação de
algumas linhas, ou fazer a integração com terminais rodoviários. Mas ela precisa ampliar
o restante do sistema. Com isso, há
da capital, ampliando seu corpo técnico, para que possa nos ajudar
reclamações de usuários quanto à lotação a capacidade das na elaboração de projetos. Muitos municípios
dos ônibus e dos terminais, nos horários prefeituras, têm dificuldades para contratar e pagar um
de pico”, diz. oferecendo corpo técnico desse nível”, diz o prefeito de
Almirante Tamandaré. “O planejamento
alternativas de
À Comec, falta fôlego regional é complexo. As demandas só
desenvolvimento aumentam, e os recursos são cada vez mais
Para auxiliar os prefeitos a resolver adequadas às disputados”, afirma.
impasses como esse, a Comec, órgão É neste ponto que devem entrar os órgãos
peculiaridades de
responsável pela gestão metropolitana, precisa gestores da Grande Curitiba. Eles precisam
se fazer presente e ter capacidade de trabalho
cada município, planejar o crescimento das cidades do
e autonomia para tomar de decisões. Porém, mas pensadas de entorno da capital, ampliando a capacidade
ainda lhe falta força suficiente para forma integrada das prefeituras, oferecendo alternativas de
desempenhar tal papel. Enquanto isso, as desenvolvimento adequadas às peculiaridades
dificuldades continuam, e é fácil saber quem de cada município, mas pensadas de forma
é prejudicado — a população. de unidades de saúde e espaços integrada. Só assim é possível que se chegue
A Comec também deveria atuar em esportivos, além de incentivo à prática a uma gestão eficaz, capaz de desenvolver
situações comuns à toda a Grande esportiva e ao turismo. projetos sustentáveis que atendam com
Curitiba, como falta de recursos nos É indiscutível que as prefeituras têm suas qualidade à demanda da população.
AEN
Almirante Tamandaré tem dificuldades para absorver toda a força de trabalho disponível, se tornou uma cidade dormitório, argumenta o prefeito Vilson Goinski
Fevereiro de 2010 5
5. Entrevista
Projeto de lei quer implantar
gestão descentralizada na RMC
O Senge-PR conversou com o deputado Edson Strapasson (PMDB), relator do projeto de
lei complementar que estabelece um novo modelo de gestão para a Região Metropolitana
de Curitiba. A proposta prevê a participação efetiva de prefeitos, estado e sociedade
organizada no desenvolvimento de projetos de transporte público, destinação do lixo, meio
ambiente e desenvolvimento econômico e social. Entrevista a Camila Castro
AEN
Um projeto de lei que tramita na o enfrentamento dos problemas, mas a
Assembleia Legislativa prevê um novo maioria, não.
modelo de gestão, mais democrático, para a Senge-PR – Quais são as carac-
Região Metropolitana de Curitiba (RMC). terísticas do projeto?
O projeto lei complementar 212/2008 prevê Strapasson – A principal é a formação
a participação efetiva de prefeitos, estado e de um consórcio público entre os gestores
sociedade organizada no desenvolvimento municipais e o estado, para que se discutam
de projetos de interesse comum — casos os problemas e se busquem soluções de
do transporte público, destinação do lixo, forma participativa em áreas de interesse
proteção ao meio ambiente e desen- comum. Entre elas, cito o sistema viário, o
volvimento econômico e social. transporte público de passageiros, o meio
O projeto já foi aprovado pela Comissão ambiente e a proteção dos mananciais de
de Constituição e Justiça (CCJ) e apre- água, o sistema de coleta e destinação do
sentado em audiência pública pelo presidente lixo, o uso e ocupação do solo, a habitação e
do Sindicato dos Engenheiros no Estado do o desenvolvimento econômico e social.
Paraná (Senge-PR), Valter Fanini, em Outra inovação é a divisão da RMC em
outubro passado. Fanini foi consultor técnico três sub-regiões, visando facilitar a
na redação do texto. integração do planejamento e a execução
O Senge-PR conversou com o deputado dos programas. A proposta cria o Núcleo
estadual Edson Strapasson (PMDB), Urbano Central, formado por 13 cidades
presidente da Comissão de Finanças da conurbadas com Curitiba — Almirante
Assembleia e relator do projeto. Tamandaré, Araucária, Campina Grande do
Leia a entrevista. Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo,
Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais,
Senge-PR – O que o motivou a Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do
apresentar um projeto de lei complementar Sul e São José dos Pinhais, além da capital.
para reordenar a gestão da RMC? A sub-região Vale do Ribeira será
Strapasson – A vivência como prefeito composta por Adrianópolis, Bocaiúva do Sul,
de Colombo, presidente da Assomec, a Cerro Azul, Doutor Ulisses e Tunas do
associação que reúne os municípios da Paraná. A terceira sub-região integra os
região, como deputado estadual e secretário municípios localizados ao Sul — Agudos do
metropolitano fundamentaram a apre- Sul, Balsa Nova, Contenda, Lapa,
sentação deste projeto. Conhecendo a Mandirituba, Quitandinha e Tijucas do Sul.
realidade metropolitana, acho que é preciso Senge-PR – Quais as implicações
propor um novo modelo de gestão, orientado jurídicas se algum município não aceitar
pelo princípio de compartilhar. Existe hoje compor o consórcio, ou se houver
um descompasso muito grande, uma conflito com outros poderes, como os
desigualdade muito forte entre Curitiba e legislativos municipais?
demais municípios metropolitanos. Alguns Strapasson – Nossa proposta é um
até tem base econômica forte, como sistema de gestão de ação. Sem ação, não
Araucária e São José dos Pinhais, para fazer Strapasson é autor do projeto na Assembleia há resultado, não há melhora na condição
6 RMC em debate. Terceiro caderno
6. em que vivemos hoje. Os prefeitos são livres, disparidade entre receitas municipais e problemas e as despesas que cada um terá
têm autonomia para tomar as decisões de demandas sociais. Qual o motivo da ao participar de um determinado programa.
acordo com a legislação e as possibilidades escolha do critério e quais implicações Senge-PR – Quais as funções
locais. Mas o que levaria um município a ela pode ter? públicas municipais que merecem
não querer participar? O consórcio é, sem Strapasson – É uma questão polêmica, urgentemente um tratamento integrado
dúvida, o modelo ideal de gestão para a mas tínhamos que buscar um critério e entre municípios e Estado?
RMC, pois os problemas comuns têm que decidimos pelo populacional. As decisões Strapasson – As questões que
ser discutidos em comum. Caso algum terão que ser tomadas por voto proporcional, envolvem o lixo, a integração do transporte
município deixe de participar de um mas sempre focando em toda a região. Por coletivo e a proteção de áreas de mananciais.
determinado programa, por exemplo, do isso é que envolvemos o estado neste Discutí-los individualmente é algo
transporte coletivo, será diretamente complicado. A gestão integrada deverá
prejudicado. Não posso imaginar que um “O consórcio é, sem facilitar a busca por soluções viáveis para
prefeito fique de fora de ações que visam todos os envolvidos. Hoje, a gestão do lixo
melhorias para a sua comunidade.
dúvida, o modelo ideal caminha, graças a um consórcio entre
Senge-PR – O controle social do de gestão para a RMC, dezenove municípios. Ou seja, alguns
órgão metropolitano, a Comec, será pois os problemas ficaram de fora. Já a integração do
exercido pelo Conselho Consultivo. Como comuns têm que transporte coletivo precisa avançar, pois
será a relação entre a administração ainda há áreas não integradas, como em São
metropolitana e outros conselhos setoriais, ser discutidos José dos Pinhais, além do caso emblemático
tais como os das Cidades ou da Saúde? em comum. Caso do Terminal Roça Grande, em Colombo. A
Strapasson – Todos os conselhos setoriais algum município deixe preservação de mananciais acaba travando
são bem-vindos para discutir os problemas e o desenvolvimento de alguns municípios, que
de participar de um
buscar soluções em conjunto. Acho importante devem sim proteger essas áreas, mas
ouví-los, para que também possam colaborar determinado programa, precisam de apoio para realizar essa tarefa.
com nossa proposta de gestão. por exemplo, Senge-PR – De que forma o arranjo
Senge-PR – O critério utilizado no do transporte coletivo, metropolitano proposto pode contribuir
projeto para definir o poder de voto dos com a redução das desigualdades sociais
municípios é populacional. Isso implica
será diretamente na RMC, que se caracteriza por áreas
que municípios com população prejudicado” com condições urbanísticas, sociais e
semelhante, mas com discrepâncias na econômicas diferenciadas, fazendo com
arrecadação econômica, tenham o processo, com 40% dos votos. Também que as piores condições sejam
mesmo poder de voto, como Araucária e criamos as sub-regiões, agrupando encontradas nas áreas periféricas dos
Almirante Tamandaré. Contudo, o municípios com características semelhantes, municípios periféricos?
financiamento deste órgão de o que deverá reduzir possíveis distorções Strapasson – Contribui na medida em
administração metropolitana segue o entre os votos. A escolha não foi que nós passamos a ver a RMC por inteiro.
mesmo critério populacional e, desta discriminatória, mas efetivamente Ela foi ocupada em um processo excludente.
>>
forma, não indica solução para a proporcional, considerando a população, os O cidadão mais humilde migrou para Curitiba,
Alexsandro Teixeira Ribeiro
O presidente do Senge-PR, Valter Fanini, consultor técnico na elaboração do projeto, debateu o texto da lei em audiência pública realizada em outubro do ano passado >>
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7. >>
mas acabou ocupando sua periferia, que são
os municípios da RMC. Esse mesmo cidadão
O que diz o projeto
movimenta a economia da capital, onde
trabalha e faz suas compras. A arrecadação
As mudanças que podem alterar a forma de
fica em Curitiba mas, quando ele precisa de gerir a Região Metropolitana de Curitiba
atendimento médico, é no seu município que
deve buscá-la. Como mudar isso? Através de O projeto de lei complementar 212/2008 passageiros, incluindo os processos licitatórios
uma política regional para a RMC. O foco do determina que todos os prefeitos passem a para concessão das operações das linhas
projeto é justamente este: contribuir com a compor o Conselho Deliberativo da Região metropolitanas por empresas privadas.
redução das desigualdades sociais. É uma Metropolitana de Curitiba, ao lado de No que se refere à gestão ambiental, será
proposta que pretende ver a RMC crescendo representantes do governo do estado. Todos responsabilidade da Comec propor a criação
junto e com justiça social para todo cidadão. eles irão discutir a gestão compartilhada da de Áreas de Proteção Ambiental, parques e
Senge-PR – Como caminha o projeto Região, formando um consórcio público. O outras unidades de conservação ambiental a
Conselho também terá um representante serem implantadas nas esferas estadual e
de lei na Assembleia?
indicado pelo Conselho Consultivo, que irá municipal. O órgão também deverá promover
Strapasson – Já foi aprovado pela agregar a sociedade organizada e organizações estudos para a criação de um Sistema de Coleta
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). não-governamentais, cuja missão institucional e Destinação Final de Resíduos Sólidos na
Também realizamos uma audiência pública, tenha relação com as funções públicas de RMC, incluindo a avaliação de locais adequa-
através das comissões de Finanças e interesse comum metropolitanos. dos para o tratamento e destinação do lixo.
Assuntos Metropolitanos, de que participaram O Conselho Deliberativo terá a função de A Comec também deverá executar o
prefeitos, vereadores e lideranças, além da elaborar o Plano de Desenvolvimento Integrado zoneamento de uso e ocupação do solo nas
própria Comec, para discutir detalhes e colher da RMC, executar programas visando à bacias hidrográficas destinadas aos mananciais
contribuições para o projeto. Vamos promover implementação de políticas vinculadas às de abastecimento de água, e elaborar o Plano
outros debates regionais, em parceria com funções públicas de interesse comum de Ordenamento Territorial da RMC, integrando
metropolitanas, promover diretrizes para o uso e ocupação de solo regional, sistema viário
as prefeituras e câmaras municipais, para
desenvolvimento da região e aprovar a e transporte público de passageiros. Ao órgão
levar o projeto ainda mais próximo dos programação anual de investimentos em metropolitano caberá ainda avaliar
municípios metropolitanos. infraestrutura na RMC. possibilidades de expansão das áreas urbanas
Senge-PR – É possível haver maioria Para isso, o Conselho Deliberativo pode do Núcleo Central, propondo a criação de
política para aprovar a lei? formar consórcios públicos e estabelecer novos corredores viários para possibilitar a
Strapasson – Sim. A proposta está em parcerias para a realização das atividades e ocupação desses espaços pela população.
sintonia com o que pensa a maioria dos serviços a serem implantados, bem como Os programas para promoção do
gestores municipais. Basta esquecer as monitorar o uso e ocupação do solo, desenvolvimento econômico e social da RMC
divergência políticas e pensar apenas nos especialmente nas áreas de mananciais de serão coordenados pela Comec. Para isso,
benefícios para a população. Vamos trabalhar abastecimento de água. devem-se criar habitações e lotes urbanizados
Já o Conselho Consultivo terá como para as pessoas pobres, normalmente excluídas
para que seja aprovado em plenário pela
responsabilidades avaliar as necessidades e do mercado imobiliário, e mecanismos de
Assembleia Legislativa e buscar o encaminhar planos regionais e programas de compensação tributária para os municípios que
entendimento do governador para que seja investimentos nas áreas de interesse comum possuam elevado grau de restrição à
sancionado e implantado. da RMC, além de acompanhar e auxiliar a gestão implantação de atividades econômicas em seus
Senge-PR – Considerando que o do Conselho Deliberativo. territórios.
senhor foi prefeito de Colombo, uma das O projeto estabelece que o Fundo de
cidades mais populosas da RMC, quais Papel central Desenvolvimento pode apoiar a implementação
são as vantagens e desvantagens de um O projeto de lei complementar também de planos e projetos que tenham por prioridade
município metropolitano? pretende fortalecer a Coordenação da Região a redução das desigualdades regionais. A
Strapasson – A principal vantagem é Metropolitana de Curitiba (Comec). No novo Comec terá ainda a responsabilidade de propor
estar próximo do grande centro urbano, que modelo, o órgão metropolitano passaria a mecanismos de redução das desigualdades
é Curitiba, muito desenvolvido econo- promover, elaborar e controlar o planejamento entre os valores das receitas tributárias per capi-
integrado da RMC. Também ficaria responsável tas regionais originárias da distribuição desigual
micamente, socialmente e culturalmente,
por promover pesquisas que possam embasar das atividades econômicas na RMC, bem como
onde há um processo forte de cres- de elaborar diagnósticos e formular planos para
os projetos, articular-se com órgãos federais
cimento. Entretanto, existe uma carga o desenvolvimento da economia regional em
para o desenvolvimento de políticas nacionais
social pesada para os demais municípios, vinculadas às setoriais, a elaborar e implementar seus setores primário, secundário e terciário.
que não têm recursos suficientes para obras, atividades e serviços, estabelecer Para aprovação dos projetos de forma
implementar políticas públicas neces- diretrizes e normas para os planos municipais participativa, o projeto de lei complementar
sárias ao enfrentamento dos problemas de desenvolvimento, apoiando os municípios sugere um regime de votação para o Conselho
sociais. Isso leva a grande desigualdade na aplicação dessas ações, e a instituir Deliberativo fundamentado na divisão do poder
regional, já que muitas pessoas vieram convênios ou consórcios públicos para a de voto entre prefeitos, governador e
para Curitiba em busca de oportunidade realização das atividades. representante indicado pelo Conselho
de trabalho, mas, como não tiveram Estas atividades incluem a definição de Consultivo. Assim, fica estabelecido 40% dos
critérios, realização de estudos e elaboração do votos para o Estado, 55% para os municípios e
condições de se estabelecer na Capital,
planejamento e dos programas de 5% para o Conselho Consultivo. No caso dos
ocuparam as regiões mais distantes do
investimentos em infraestrutura do sistema prefeitos, cada cidade terá 0,5%, e o restante
Centro e também a Região Metro- viário metropolitano e de transporte de será dividido proporcionalmente às populações.
politana, que não para de crescer.
8 RMC em debate. Terceiro caderno
8. Artigo
Por que a gestão metropolitana
não se concretiza?
A gestão de uma região metropolitana deve ser orientada pelas “funções públicas de
interesse comum a mais de um município e estratégias de desenvolvimento regional”,
argumenta a doutora em geografia Rosa Moura. Para isso, ela defende um modelo
de gestão compartilhada entre setor público, iniciativa privada e a sociedade, de
forma a democratizar o poder de decisão. Rosa Moura também é pesquisadora da
rede Observatório das Metrópoles e do Ipardes e técnica da Secretaria do
Desenvolvimento Urbano do Paraná
Alexsandro Teixeira Ribeiro
Os espaços metropolitanos são definidos de difícil solução e de uma aparente condição
pela natureza de sua configuração e não pela de ingovernabilidade. O que faz com que essa
condição institucional que assumem; ou seja, dificuldade se coloque tão longe de encontrar
não basta a criação de uma região soluções? Essa é a questão que orienta as
metropolitana para que adquira a natureza considerações a seguir.
metropolitana. A condição institucional, por Heterogeneidade entre municípios e
não ser regida por critérios técnicos quanto corporativização do espaço – Distintos são
ao conceito de metrópole, cria unidades que os papéis desempenhados pelos municípios
muitas vezes detêm apenas características das principais aglomerações metropolitanas
de aglomerações urbanas. Em 2009, o Brasil do país, como confirmam os diferenciados
tinha institucionalizadas 25 Regiões níveis de integração na dinâmica das
Metropolitanas (RMs)1 e três Regiões aglomerações, alguns dos municípios com
Integradas de Desenvolvimento (RIDEs).2 notório alheamento da dinâmica principal
Dessas unidades, apenas 15 foram (RIBEIRO, 2009). Internamente aos
reconhecidas como polarizadas por municípios, próximo a bairros onde os
metrópoles (RIBEIRO, 2009). indicadores apontam boas condições
Duas finalidades complementares socioeconômicas, ocorrem bolsões de
devem orientar a gestão das aglomerações pobreza, domicílios deficitários, completa
metropolitanas: as funções públicas de carência; contrariamente, há condomínios
interesse comum a mais de um município de luxo adentrando regiões pobres das
e as estratégias de desenvolvimento periferias metropolitanas.
regional. Enquanto a primeira contempla Enquanto nos anos 60 o processo de
relações cotidianas entre municípios da acumulação do capital industrial foi um dos
mancha de ocupação contínua, a segunda vetores do desenvolvimento e da expansão
se volta ao espaço maior polarizado pela física da maioria das aglomerações
aglomeração, que muitas vezes transcende metropolitanas brasileiras, nos 90, com a
os limites institucionalizados. Embora reestruturação produtiva, o setor de serviços
claras, são finalidades que exigem assumiu um peso expressivo centrado nos
articulação, integração e cooperação das pólos metropolitanos para a concretização
partes envolvidas. das novas exigências de uma economia
De modo geral, a gestão desses espaços globalizada e diversificada. Além da
é uma tarefa de difícil concretização. A assimetria já existente entre municípios
despeito do peso econômico, poder, industrializados ou não, um novo problema
capacidade de geração de riqueza, se tornou evidente: a produção corporativa
conhecimento e inovação existentes nos do espaço (SANTOS 1990, 1999). Nela, os
espaços metropolitanos, que marcam o recursos investidos voltam-se
fenômeno da urbanização e se multiplicam preferencialmente à melhoria da
na história contemporânea do Brasil, eles infraestrutura do ambiente urbano, em
se revestem de problemas sociais crescentes A pesquisadora e doutora Rosa Moura detrimento da solução de demandas sociais, >>
Fevereiro de 2010 9
9. >>
como habitação, transportes coletivos e distantes. São reflexos de interesses bem exige um sistema de gestão bem articulado
outros. Essa equipamentação da cidade localizados do capital, corporativos, como e democrático, que dê espaço à arena de
apenas para as exigências do capital lembra Milton Santos, e em sua prevalência conflitos e mantenha constante o diálogo,
acentua as desigualdades na aglomeração. se consolida a metrópole corporativa, com o debate democrático e firme pactos
A estratégia dos grandes projetos sua modernidade incompleta. legítimos entre as partes; que trabalhe de
urbanos também aciona um vetor de Planejamento e gestão democrática forma integrada os interesses dos
fragmentação que inibe e substitui as municípios, com políticas públicas voltadas
políticas urbanas e regionais democráticas, A RMC exige ao desenvolvimento regional, privilegiando
reforçando a produção corporativa da questões sociais, sem fragmentar o
metrópole – a mobilização pela Copa de
um sistema de gestão território entre inseridos e excluídos.
2012 e pelas Olimpíadas de 2016, bem articulado e A primeira necessidade é conformar
conduzidas por interesses do capital, democrático, que dê arranjos institucionais para gestão de forma
certamente confirmarão isso. Quando se espaço à arena de integrada entre setor público – municípios,
fala em gestão urbana, é preciso pensar na estados e união –, iniciativa privada e os
cidade como um todo. Alguns grandes conflitos e mantenha muitos segmentos da sociedade. Esses
projetos são pensados para um pedaço da constante o diálogo, o arranjos devem promover ações
cidade, dissociados do restante, nem debate democrático e transescalares na formulação e
sempre incluindo a totalidade da implementação de políticas públicas,
aglomeração, em função da existência ou
firme pactos legítimos pactuadas entre órgãos setoriais, esferas
não de diálogo entre instâncias de governo entre as partes de governo e sociedade, articulando os
e sociedade, que é mantida ausente desses poderes de forma eficaz e fluida. A
diálogos. Os grandes projetos não emanam são então necessários – A desigualdade atribuição da coordenação de um arranjo
de uma política urbana, mas se tratam de presente nessas aglomerações resulta, com esse objetivo pode residir, mas não
intervenções pontuais. Há teorias que pois, do atual modelo de desenvolvimento, obrigatoriamente, na esfera estadual, que
admitem que algumas dessas intervenções pautado na concentração de inves- tem competência da instituição das unidades
provocam efeitos positivos na cidade como timentos, no livre curso do mercado, na regionais para planejamento e execução
um todo, o que não é verdadeiro, porque acumulação e na manutenção dos das funções públicas de interesse comum
elas induzem a qualificação do espaço interesses do capital em sentido contrário – RMs, aglomerações urbanas e
imediatamente vizinho, aumentando as aos da coletividade; e na existência de microrregiões, segundo Art. 25, § 3.º da
contradições intrametropolitanas, sem muitas escalas de poder em disputa, com Constituição Federal. A despeito dessa
retorno compatível para as áreas mais grande diversidade de atores. Por isso, atribuição, a regulamentação constitucional
Prefeitura de Belo Horizonte
Belo Horizonte: estrutura mais complexa de gestão com um Grupo de Governança Metropolitana e um Fórum Metropolitano
10 RMC em debate. Terceiro caderno
10. e a prática de criação de unidades regionais foram colocadas em prática e de-
não efetivaram nessa esfera uma instância monstraram bons resultados. Um exemplo
com poder de decisão, de direito e tributação, de êxito foi o consórcio do Grande ABC,
fazendo com que a instância estadual não na Região Metropolitana de São Paulo,
se encontre forte o suficiente para garantir mesmo assim, fragmentando a unidade
a coordenação da gestão articulada. regional, pois relacionado à parte da RMSP
O modelo atual e não à sua tota-
implica em um nível lidade. A dificuldade
superior de arti- A grande falência em relação aos con-
culação, mas de- do modelo vigente sórcios refere-se ao
sempodera as uni- é justamente a falta fato de que eles po-
dades de gestão, dem ser formados
mecanismos que
colocando-as su- por conjuntos de mu-
jeitas à autonomia democratizem o nicípios que, na bus-
dos municípios, que poder de decisão, ca de defender seus
são apenas frag- respeitem os interesses, o fazem
mentos da cidade em detrimento de
maior formada pela
interesses dos outros da mesma
aglomeração me- municípios e aglomeração. Sem
tropolitana, e ao regulamentem o uma estrutura que
poder de decisão de controle social articule os vários
estruturas adminis- consórcios e faça
trativas setoriais ou com que eles dia-
de grandes corporações. Órgãos setoriais loguem entre si, apenas serão acentuadas
e alguns municípios, particularmente os as desigualdades internas às regiões, e mais
pólos, muitas vezes têm mais poder que o uma vez não será possível a gestão
órgão metropolitano. Além disso, é integrada. Iniciativas dessa ordem são
descontínuo e difícil o diálogo entre enfraquecidas se não orientadas por
governo estadual e municipal devido aos estratégias regionais de desenvolvimento
diferentes interesses político-partidários, e que articulem a ação dos organismos
entre muitos outros interesses que estão institucionais e os recursos necessários
em disputa. A grande falência do modelo à implementação das suas decisões. São
vigente é justamente a falta mecanismos estratégias que se inviabilizam na
que democratizem o poder de decisão, ausência de uma política nacional
respeitem os interesses dos municípios e metropolitana, apoiada em fontes
regulamentem o controle social. permanentes de recursos.
Não se trata da instituição de um quarto Alguns pontos críticos do modelo
poder, que viria apenas agregar mais uma existente – Estudo realizado pelo
instância, sem a garantia de que venha a Observatório das Metrópoles (Obser-
ser efetiva, numa estrutura de estado já vatório, 2009) sobre os arranjos insti-
bastante complexa. Existem dispositivos tucionais das áreas metropolitanas bra-
legais, mecanismos e instrumentos a serem sileiras buscou verificar mudanças no estilo
explorados na formatação de um pacto de gestão: da centralização política e
efetivo que rompa com a atual estrutura tecnocrática, típica do período anterior, à
de autonomias conservadoras e permita descentralização e democratização da
uma articulação maior entre as esferas de gestão metropolitana, prevista para o
governo e segmentos da sociedade, período pós-constitucional. Seus resultados
reforçando uma instância de coordenação. enfatizam as dificuldades existentes nas
Porém, mais do que a definição do gestor relações federativas (união, estado e
deste novo modelo, é imprescindível pensar município) quanto à definição e
ações concretamente pactuadas e sob a enfrentamento da problemática metro-
ótica da totalidade do espaço formado pelo politana, e identificam algumas alternativas
pólo e pelos municípios da aglomeração. regionais. Destacam-se experiências
Entre os dispositivos legais pouco inovadoras de Minas Gerais, com uma
utilizados estão os consórcios, que abrem estrutura mais complexa de gestão que
possibilidades concretas para o inclui Assembléia Metropolitana, Conselho
gerenciamento articulado de temas Deliberativo de Desenvolvimento Me-
referentes às regiões metropolitanas e que tropolitano, Agência de Desenvolvimento
se encontram amparados por legislação Metropolitano, sendo que a de Belo
>>
adequada. No entanto, poucas experiências Horizonte se reforça com um Grupo de
Fevereiro de 2010 11
11. >>
Governança Metropolitana e um Fórum hiato entre a autonomia do município, a das transferência por parte dos municípios com
Metropolitano; e de Recife, onde demais esferas governamentais e os menor capacidade produtiva, alguns
funcionam, num Sistema Gestor Metro- interesses corporativos do capital. “dormitórios”, particularmente do Fundo de
politano, Conselho de Desenvolvimento, A inadequação de fontes de finan- Participação dos Municípios, resulta em uma
Fundação de Desenvolvimento e secretaria ciamentos, as assimetrias provocadas pelas condição assimétrica da capacidade de
executiva de apoio técnico. Os fundos transferências intergovernamentais e a investimento e sustentação das demandas
metropolitanos estão presentes em Belém, ausência de fundos redistributivos de cotidianas, o que exige algum sistema de
Belo Horizonte, Recife, Vitória, Va-le do recursos prejudicam municípios de maior compensação ou cooperação inter-
Aço e Maceió. Es- porte populacional governamental.
ses modelos foram das periferias metro- Ribeiro (2004) argumenta que os
parcialmente incor- Sem uma estrutura politanas, particu- governos vêm se eximindo do papel de ator
porados em algu- que articule os vários larmente os “dormi- público capaz de incentivar ações
mas legislações es- consórcios e faça com tórios” ou aqueles cooperativas. Tal papel teria importante
taduais de novas com funções am- impacto na construção de estratégia de
RMs, porém ainda
que eles dialoguem bientais que limitam desenvolvimento metropolitano, passível
não avaliados em entre si, apenas atividades produ- de induzir mecanismos de negociação
seu efetivo fun- serão acentuadas tivas. Isso, entre entre segmentos econômicos, sociais e
cionamento. as desigualdades outros motivos, torna públicos, e superar a concepção localista
Inúmeros auto- o recorte insti- de políticas públicas inerentes aos modelos
res apontam entre internas das regiões, tucional da escala da de planejamento, formulando políticas
as dificuldades e mais uma vez não Região Metropo- federais de incentivos seletivos à
centrais da gestão será possível litana internamente cooperação metropolitana.
metropolitana a fragmentado. As al- As análises convergem ainda quanto
a gestão integrada
intervenção em ternativas de parce- à fragilidade das articulações regionais em
uma “porção ter- rias entre municípios função das diversas escalas territoriais.
ritorial dentro da qual se distinguem várias para solução de problemas comuns ainda Nessas aglomerações, os fenômenos
jurisdições político-territoriais, contíguas não representam uma solução adequada, já acontecem a partir de um universo de
e superpostas entre si, Estados e muni- que passam ao largo de questões estruturais relações em redes, com o desempenho
cípios” (GRAU, 1978, p.127) parece ser afetas à legitimidade de ações deflagradas no simultâneo de funções locais, regionais,
a mais reconhecida. Essa observação de conjunto regional. Além do mais, conforme nacionais e globais. Cada fenômeno tem
Grau remonta a primeira fase de Brandão (2007, p.208), para “aperfeiçoar escala própria e exprime relações
institucionalização de RMs, tendo essas ações que extrapolam a escala local, é conflituosas, pelos distintos interesses que
apenas se agudizado com a inten- preciso pactuar, com definição e registro em interagem na produção do espaço.
sificação das relações emanadas dos contratos claros, a contribuição de fundos, Portanto, qualquer atuação sobre esses
espaços aglomerados. explicitando a contribuição das partes em espaços deve obrigatoriamente respeitar
Outras críticas recaem sobre as termos de capacidade gerencial, participação a dimensão transescalar, seja nas
fragilidades do arcabouço legal e provisão da comunidade, com- abordagens ana-
de recursos. A ordem jurídico-institucional partilhamento de líticas seja na
encontra limites tanto na fragmentação equipamentos, equi- construção de es-
governamental – dado que a presença de pes etc.” O que não
Os governos tratégias políticas
diferentes instâncias de governo nem acontece. vêm se eximindo (VAINER, 2002;
sempre envolve relações harmoniosas e as Garson (2009) do papel de BRANDÃO, 2003;
disputas político-partidárias prejudicam a aponta as dificul- ator público capaz 2007).
tomada de decisões de âmbito regional – dades de se de- Brandão (2007)
quanto na dispersão de agências setoriais senhar mecanismos de incentivar argumenta que não
responsáveis pelo planejamento e de financiamento ações cooperativas, se trata de analisar
execução das funções públicas, desen- para os territórios que teria o mesmo fenô-
volvendo, da mesma forma, disputas de metropolitanos, de- meno em escalas
importante impacto
poder. Além disso, a prática da gestão se correntes da rigidez diferentes, mas de-
bloqueia diante da superposição de funções, orçamentária, limi- na construção de finir e caracterizar
em um horizonte de atuação com pouca tações de crédito, estratégia de a natureza do pro-
clareza na condução de competências falta de instrumentos desenvolvimento blema e suas de-
comuns e concorrentes entre as instâncias fiscais de coorde- terminações. O
governamentais. Na essência do problema, nação, e fundamen-
metropolitano problema deve ser
mesmo que reconhecidamente esses sejam talmente do cresci- enfrentado a partir
espaços de expressão econômica e social, mento das transfe- da articulação das
não lhes são reservados direitos, pois as rências governamentais federais, o que esferas de poder pertinentes, sabendo que
unidades instituídas não circunscrevem aprofunda a perda de capacidade de coorde- a escala supralocal é complexa, porém
territórios aptos a normatizar, tributar, nação dos Estados das políticas de âmbito necessária. Para assegurar o convívio
decidir ou exercer poder, situando-se num metropolitano. A dependência desse tipo de entre escalas, níveis e esferas, deve-se
12 RMC em debate. Terceiro caderno
12. utilizar variados instrumentos, politizar as real ou formal do fenômeno metropolitano, comuns ao planejamento estratégico de
relações, construir cidadania e combater e subestima os limites colocados à cidades, simplesmente reproduzidas para
as coalizões conservadoras, que procuram regulação local, não só estimulando o ambiente das aglomerações sem qualquer
preservar seus privilégios. práticas municipalistas, como transferindo menção, até mesmo, a compatibilizá-los
Entre o local e o global, a fragilidade da alternativas e discursos locais ao âmbito com os Planos Diretores Municipais.
escala institucional da Região Me- Conforme Brandão (2007), no comando
tropolitana, pelo fato de ter sido criada para do movimento desmobilizador das escalas
se impor como a escala que tem a
Para assegurar o intermediárias – incluindo a da RM –, as
atribuição constitucional de conduzir o convívio entre redes transnacionais assumem a
processo de planejamento e execução de escalas, níveis e representação de novos modos de
funções públicas de interesse comum, e por esferas, deve-se coordenação e governança, uma nova
ser esvaziada de poder para isso, mantém política de relações com uma distinta
um vácuo de ação, já que não consegue
utilizar variados espacialidade. Enquanto a espacialidade
sequer articular processos que contemplem instrumentos, escalar é associada a relações entre
as múltiplas dimensões das áreas mais politizar as relações, entidades políticas definidas terri-
adensadas desses aglomerados. construir cidadania torialmente, as redes perpassam o espaço
Nem sempre correlacionadas ao fato em vez de recobri-lo, transpondo as
urbano que se configura na metropolização e combater as fronteiras definem essas entidades políticas.
do país, mas delimitadas em função de coalizões Segundo Santos (1999), as relações
interesses territorializados, essas unidades conservadoras, verticalizadas de um conjunto de pontos
expressam o anacronismo de uma escala adequados às tarefas produtivas
fixa que se sobrepõe a outras instâncias
que procuram hegemônicas assumem uma importância
escalares em movimento, situando-se preservar extrema sob interesses de segmentos que
premida entre as escalas local e a global. seus privilégios aproximam regiões avançadas, tecno-
Na direção contrária à articulação de logicamente capacitadas, inseridas no
uma escala regional, a ênfase localista, dos espaços metropolitanos, numa diálogo das relações mundiais. Essas
como se a escala local tivesse poderes reprodução indevida à densidade de relações se dão num compasso de tempo
ilimitados (VAINER, 2002; BRANDÃO, relações desses. Verificam-se, inseridas cuja velocidade é incompatível à lentidão
2003), negligencia as questões estruturais nos planos metropolitanos, a incorporação de suas áreas circunvizinhas, opondo-se,
do País e região, ignorando a existência da retórica e a definição de medidas assim, à sua organização horizontal, >>
AEN
Guarituba: intervenção do Governo do Estado garante melhorias em infraestrutura e moradia
Fevereiro de 2010 13
13. Alexsandro Teixeira Ribeiro
>> representativa dos interesses da coletividade. (orgs.). Planejamento urbano em debate. São
Na perspectiva de ganhos no grau de Paulo, Cortez e Moraes, 1978.
atratividade, os pactos geridos na escala global OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES.
não vislumbram uma articulação entre o Arranjos Institucionais para a Gestão
conjunto de escalas que conforma a Metropolitana. Relatório Final. Observatório
aglomeração. Assim, pode-se concluir que há das Metrópoles/Institutos do Milênio-CNPq,
uma política de escala que emana de decisões 2009, 120p. Disponível em http://
e ideologias alheias a esses espaços www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/
aglomerados, e que são essas, e não tendências relatorio_arranjos_gestao_metropolitana.pdf.
objetivas inexoráveis, que produzem e RIBEIRO, L. C. de Q. As metrópoles e a
reproduzem a fragmentação, inviabilizando a sociedade brasileira: futuro comprometido? In:
eficácia da gestão desses espaços. RIBEIRO, L. C. de Q. (Org.). Metrópoles. Entre
Heterogêneas, a coesão e a frag-
poderosas, desi- mentação, a coope-
guais, o fato comum Heterogêneas, ração e o conflito.
é que em todas as poderosas, desiguais, São Paulo: Fundação
aglomerações urba- o fato comum Perseu Abramo; Rio
nas, independen- de Janeiro: FASE –
temente de serem a todas as Federação de Órgãos
metropolitanas, é aglomerações para a Assistência
que nelas persiste o urbanas, Social e Educacional:
desafio do plane- Observatório das
independentemente
jamento e gestão. Metrópoles, 2004.
Desafio inadiável de serem RIBEIRO, L. C. de
para que se viabilize metropolitanas, Q. Hierarquização e
o lado positivo de um é que nelas persiste identificação dos
inerente potencial espaços urbanos. Rio
contido, que pode se
o desafio do de Janeiro: Letra
arremeter na dire- planejamento Capital: Observatório
ção de externa- e gestão das Metrópoles, 2009.
lidades negativas. SANTOS, M. A
Reconhecer, assu- natureza do espaço.
mir e gerir democraticamente a aglo- Técnica e tempo. Razão e emoção. 3. ed. São
meração metropolitana, como um espaço Paulo: Hucitec, 1999.
complexo e singular. Esse é o desafio, SANTOS, M. Metrópole corporativa
aparentemente intangível, dado o quadro fragmentada: o caso de São Paulo. São Paulo:
de segregação, violência, segmentação, Nobel, 1990.
caos e agressão ambiental, usualmente VAINER, C. As escalas do poder e o poder
realçado como representativo dos espaços das escalas. O que pode o poder local?
metropolitanos, sobrepondo-se à Cadernos IPPUR: Planejamento e Território:
potencialidade criadora, inovativa e política ensaios sobre a desigualdade, Rio de Janeiro,
subjacente aos mesmos. v.15, n.2/v.16, n.1, p.13-32, ago./dez. 2001 –
jan./jul. 2002.
Referências bibliográficas
BRANDÃO, C. A. O modo trans-escalar Notas
1
de análise e de intervenção pública: notas RMs de Aracaju, Baixada Santista,
para um manifesto anti-localista. In: Belém, Belo Horizonte, Campinas, Cuiabá,
Encontro Nacional da ANPUR, 10., 2003, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa,
Anais... Belo Horizonte: ANPUR, maio 2003. Londrina, Macapá, Maceió, Manaus,
1 CD-ROM. Maringá, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de
BRANDÃO, C. A. Território & Janeiro, Salvador, São Paulo, Vale do Aço,
desenvolvimento: as múltiplas escalas entre Vitória, São Luís e Sudoeste Maranhense.
o local e o global. Campinas: Ed. da Cabe lembrar que em Santa Catarina foram
UNICAMP, 2007. criadas seis RMs no final dos anos 1990 e
GARSON, S. Regiões metropolitanas: por extintas em 2007.
2
que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra Distrito Federal, Teresina e Petrolina/
Capital: Observatório das Metrópoles, 2009. Juazeiro, aprovadas por legislações federais
GRAU, E.R. Análise, crítica e por agruparem municípios de mais de uma
implementação da legislação metropolitana. unidade da federação, como dispõe a
In: TOLEDO, A.H. e CAVALCANTI, M. Constituição Federal. Aglomeração urbana é espaço complexo e singular
14 RMC em debate. Terceiro caderno
14. >>
Artigo
Grandes aglomerados humanos:
uma abordagem territorial
A arquiteta e urbanista Rajindra Kaur Singh argumenta que as cidades precisam
encontrar maneiras de enfrentar os desafios em infraestrutura, mobilidade e transporte,
moradia, meio ambiente e crescimento econômico de forma a possibilitar sua
competitividade e autossustentação. “Para isso devem ser capazes de explorar com
eficácia seus potenciais e oportunidades, atendendo às demandas de interesse dos
mercados globais, suprindo as necessidades regionais e respondendo positivamente aos
anseios locais”, afirma a urbanista, que é superintendente executiva do Paranacidade
Sedu - Divulgação
A globalização tem causado grande cadeia produtiva que lhe é peculiar, das
impacto sobre as esferas sociais, redes de infraestrutura e de sua inserção
econômicas, culturais e políticas, e se assenta harmônica nos corredores regionais e
num contexto em que a organização do macrorregionais de transporte, comu-
território tanto reflete quanto condiciona nicação e logística. Enfim, seus pontos
estas esferas. As circunstâncias atuais fortes devem ser fortalecidos, suas fra-
evidenciam o surgimento de tendências gilidades solucionadas, sua identidade local
comuns que têm provocado verdadeira reforçada e garantida sua capacidade de
revolução na vida urbana. Elas permeiam autossustentação.
as grandes aglomerações urbanas e se No mais das vezes, pela falta de
refletem inclusive nas cidades menores: o planejamento adequado, governança
predomínio do automóvel, o surgimento de inteligente e de investimentos infraestruturais
vastos subúrbios e guetos residenciais, a condizentes - capazes de acompanhar e
implantação mais periférica das unidades orientar esse processo de transformação -
industriais, a dificuldade de garantir reservas a maioria das metrópoles se torna pouco
de água potável, o desenvolvimento de competitiva, com qualidade urbana aquém
grandes centros comerciais próximos aos do desejável, significativa degradação
nós de transportes viários, a localização de ambiental e escassa capacidade de
atividades de elevada tecnologia próximas autossustentação. É neste contexto que
aos aeroportos, a proliferação de pólos estão centrados os grandes desafios atuais
secundários à volta das grandes metrópoles, que envolvem a competitividade e autossus-
a crescente complexidade dos fluxos de tentação das cidades. Elas desempenham
transporte nas áreas metropolitanas, a papel fundamental no desenvolvimento da
dicotomia entre degradação e valorização sociedade, pois, pela sua capacidade de
do meio-ambiente, etc. centralidade, de um lado se configuram como
Neste ambiente de transformações, o fator de mudança econômica e social, e de
desempenho das cidades está estreitamente outro são reflexos dessa mudança.
vinculado com sua capacidade de dar Para isso, devem ser capazes de explorar
respostas às multivariadas demandas da com eficácia seus potenciais e
sociedade do século XXI. Se de um lado oportunidades, atendendo as demandas de
seu desenvolvimento depende de uma interesse dos mercados globais, suprindo as
inserção satisfatória no processo de necessidades regionais e respondendo
globalização, de outro é de vital importância positivamente aos anseios locais. Devem
que a dinâmica econômica local garanta estar integradas tanto na região envolvente
níveis adequados de renda para população como na suprarregião que as contém.
em geral. Para isto, é imperativo ampliar sua Devem possuir alto grau de coesão física,
capacidade de transformar com agilidade social, econômica e da ordem territorial.
vantagens comparativas em vantagens Devem ser flexíveis o suficiente para se
competitivas sustentáveis ao longo de cada A arquiteta e urbanista Rajindra Kaur Singh adaptar – sem níveis críticos de stress - às
>>
Fevereiro de 2010 15
15. >> mudanças demandadas pela evolução da valia para o enfrentamento destas questões. Por outro lado, o enfoque territorial
sociedade global. Devem ter capacidade Ele obriga a abordagem sistêmica, holística facilita sobremaneira o entendimento das
para atrair e fixar investimentos, atividades e por isso se torna mais ágil, hábil, prático e estruturas, funções e relações internas e
diversificadas e talentos. Sua dinâmica deve eficiente que a maioria dos mecanismos de externas das cidades e regiões. Possibilita
ter raízes firmes na exploração adequada de pensamento linear comumente utilizados. O de forma objetiva a desfragmentação das
competências, fatores e recursos humanos planejamento estratégico, pela sua larga informações setoriais, fornecendo uma visão
que assegurem o desenvolvimento como um capacidade como essencialmente
processo continuado e dinâmico capaz de processo criativo de integradora dos
se auto alimentar. O desempenho espaços e suas re-
ações a longo prazo,
vem sendo utilizado das cidades está lações nas diversas
Como entender, de forma crescente estreitamente escalas de inte-
vinculado a resse e também dos
avaliar e criar soluções no trato das questões
relativas ao desen- atores sociais, agen-
sua capacidade tes, mercados, in-
Toda atividade humana é passível de ser volvimento dos aglo-
merados urbanos e de dar respostas vestimentos, polí-
traduzida pela observação e entendimento
regiões complexas. às multivariadas ticas públicas de in-
de suas relações temporais com o território.
tervenção e ações e
Para que o desenvolvimento urbano e Tem se mostrado um demandas projetos setoriais. O
regional se alinhe com a evolução dos instrumento eficaz da sociedade
como facilitador da enfoque territorial,
tempos atuais e vindouros é necessário que
percepção dos futuros possíveis de serem sob a ótica do
estes territórios (cidades, regiões e paises)
se tornem autossustentáveis e competitivos, alcançados, do estabelecimento de um processo ordenamento do território, desvela os riscos
questões estas que andam sempre e contínuo de tomada de decisões que comportam que ocorrem à sustentabilidade físico-
inevitavelmente “pari passu”. riscos, da identificação do curso de ações ambiental e revela a expressão espacial da
Planejamento estratégico (enfoque específicas e da formulação de indicadores de política econômica, social e cultural da
territorial) – o emprego de mecanismos de acompanhamento dos resultados. E não menos sociedade. Sua importância é significativa
planejamento estratégico com um enfoque importante: ele solicita naturalmente o para avaliar e projetar os arranjos das
fortemente territorial multiescalar e envolvimento dos agentes sociais, econômicos estruturas e funções dos aglomerados
multissetorial tem se revelado de inestimável e políticos em todo o processo. humanos e das redes de relações, com
Alexsandro Teixeira Ribeiro
Transporte de massa apropriado é imprescindível, pois o desempenho das funções urbanas só se realiza através das redes de acessibilidade.
16 RMC em debate. Terceiro caderno