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SUBÚRBIO




                                                    ELIS::01
                                                                        Ariadne Louca
                                                                               Creuza
                                                                           Dona Maria
                                                                           Dorida Flor
                                                                            Florisbela
                                                                         Magnólia Reis
                                                                           Maria Maria
                                                                       Munique Duarte
                                                                       Valeska Aguiar
                                                                            Virgínia Z.
                                                                   Weronika Kieslowski

                                                                   participações especiais
                                                                        Fernanda Nocam
                                                                         Adriana Azenha
                                                                        Renata Polydoro
revista literária on line::ano01.número01.edição01::março2012
ELIS::01
                 editora::Ani Almeida                                                           contate::colabore::
                 co-editora.diagramação::Tammy Almeida                                          editora.revistaelis@gmail.com
                 colaboradores::Adriana Azenha::Alessandro de Paula::Cláudia de Andrade A.      www.revistaelis.blogspot.com
                 Curcio::Daniele Souza Freitas::Francisco Ferreira::Glória Lopes::Guilherme     twitter: @revistaelis
                 C. Antunes::Leonardo Valesi Valente::Munique Alvim Duarte::Rafael Zen
                 participação especial::Adriana Azenha::Fernanda Nocam::Renata Polydoro
                 imagens::André de Miranda::Bruno Veiga::Celine Michel::Fao Carreira::Gabriel   ::Por ser uma Revista literária de colaboração coletiva, as idéias e con-
                 Antônio Serpa de Magalhães::Hélder Oliveira::Ialê Cardoso::Jussara             ceitos expressos pelos autores selecionados são de responsabilidade dos
                 Romão::Renata Cabral::Renata Polydoro                                          mesmos, assim como as declarações de autoria.



elis::subúrbio                                                                                                                                                       02
ELIS   é uma Revista Literária Online, gratuita, que tem a
                 mulher como personagem principal.

                 "Elis é irreverente, feminina, ousada, criativa, inteligente...
                 Elis é mulher, ama, sofre, talvez sofra mais do que ame, e
                 continua, viva. Elis é o que sobra no reflexo do espelho: o
                 elemento secreto em cada mulher."


                 mundo da ELIS | Com uma temática diferente à cada
                 Edição, os colaboradores são convidados a assumir um papel
                 feminino e contar uma história da forma que quiser (prosas,
                 verso, imagens, etc), com o desafio de convencer o leitor de
                 que sua trama é a melhor da Edição.

                 Opiniões e gostos à parte, o intuito é trazer ao leitor uma
                 variedade literária para o seu desfrute, com muito bom gosto
                 e prazer.

                 Assuma o seu melhor papel de mulher, perca o controle,
                 escreva e convença o leitor de que o seu texto é o mais
                 feminino da Revista, de que nele há a presença da Elis (mulher
                 brasileira, musa inspiradora da Revista, talvez, uma entidade).




elis::subúrbio                                                               03
Sumário

                                                  editorial:: 06

                                                ensaio:: 07
                      Nem toda brincaderia me diverte!!!

                                                    dama::     09
                                         Solitária::Mera
                                                     mãe::     10
                                             Papo Brabo
                                                  Náusea
                                                  Carmen
                                         Pietá do Morro
                                                    puta::     16
                                      especial Pinapoly
                                           Justiça Torta
                                                   neide.
                                            Aprisionados
                                               lavadeira::     22
                                            A Lavadeira.
                         Lavadeiras::Saindo do subúrbio
                                         .alma.a.quarar.
                             Roupa suja se lava na rua
                                                 senhora::     28
                                          .errante.linha.
                                                   louca::     29
                                                     Marli
                                                     álibi::   31
                                         Três mulheres:
                 mistérios do subúrbio do mundo e do sentir

                                                  créditos:: 36




elis::subúrbio                                                 04
"Foi na constante busca por espaços onde eu, mulher e poetisa,
                 pudesse publicar e ser lida sem precisar escrever de forma
                 velada a minha feminilidade, de imprimir minha alma na palavra,
                 que senti crescer uma necessidade vital por tal espaço: um
                 abrigo confortável, um lar literário para ver desabrochar a
                 palavra. Sem muitos sucessos, pensei Por que não? Criar um
                 espaço, compartilhá-lo com tantos colegas e desfrutar dos
                 resultados dessa soma-múltipla, por quê não? E num ímpeto
                 mais forte que eu, ela já estava lá, a Elis! Bastava apenas
                 compartilhar a idéia... Agora, vem o desfrute. Apreciemos sem
                 moderação!"

                                                                    Ani Almeida



elis::subúrbio                                                               05
::editorial      Caras Amigas,
                 É num misto de êxtase, prazer e fé que trago a vocês    instigantes. Alguns suburbanos, vividos na pele de
                 a primeira edição dela, de nós: Elis!                   retirantes, artistas, escritoras; outros demasiado
                                                                         femininos, nas musas, damas (p.09), caçadoras e
                 Impressionante é notar como temos olhos, mas os         até num combinado do tipo três-em-um (p.31), que
                 olhares jamais são os mesmos. No nosso subúrbio,        buscaram traduzir a alma feminina suburbana.
                 uns se intimidam, olham com medo, intolerância,         Dos textos recebidos, porém, muitos não estavam
                 curiosidade, tentam viver e vivenciar. Outros,          embasados na temática central desta edição da
                 vivem, vêem, ou fingem tudo de forma tão natural        Revista - o subúrbio; e/ou não exploraram o sentido
                 que, de repente, entramos no cotidiano de famílias      de viver de Elis - o sagrado feminino.
                 suburbanas desse Brasil.
                                                                         Todos os textos foram recebidos de peito aberto,
                 E as mulheres...Ah, as mulheres! Muitas putas (p.16)    analisados conforme os critérios de nossa política
                 brotaram das propostas, umas mais bem resolvidas        editoral e guardados com muito carinho em nossos
                 que outras, umas ácidas, sarcásticas, outras cômicas,   arquivos.
                 sofridas e todas bem-vindas.
                 Mães (p.10) e lavadeiras (p.22) também se juntaram à    Eis que a Revista Elis é viva e agora caminha com as
                 caminhada, aos montes, cantam e gritam suas dores       próprias pernas!
                 e alegrias, e têm exaltadas sua reconhecida beleza
                 e encanto.                                              Com imenso prazer, apresento-lhes Esse fruto do
                 Sentimos muita falta das filhas e médicas suburbanas    trabalho de muitos escritores e escritoras - novos,
                 que parecem ter se ausentado do nosso chamado,          amadores, profissionais, poéticos: apreciem sem
                 uma pena...                                             moderação!

                 Mas, como compensação, recebemos álibis bons,


elis::subúrbio                                                                                                            06
Nem toda brincadeira me diverte!!!
::ensaio                                                                                                            Fernanda Nocam


                 Elis, assim tão irreverente...pode ser uma exigência       e come chocolate....de salto alto o pé dói, combina um
                 ao invés de meta. A mulher de hoje está encantada          tênis com mini-saia, pele bronzeada, menina arretada,
                 com um modelo de mulher feminista rebelde, que             ela fala palavrão com a boca pintada. Ela já tem 40
                 é ao mesmo tempo feminina, fera, é autônoma, é             mas parece 20, cabelos compridos, toda maquiada,
                 independente, sabe gastar, sabe ganhar, sabe dizer,        corpo escultural (em que será que ela foi moldada?),
                 sabe estar por cima, sabe bem o que é estar por            faz teatro, canta, nada, trabalha muito para poder
                 baixo.                                                     investir mais em suas marcas prediletas....
                 Essa mulher que não dá chá de colher, que é rosa           O preço das coisas não importa, o que importa é ficar
                 choque, que por favor, não provoque, essa mulher           em vantagem....por que afinal, ela não é de nada!!!!
                 louca, apaixonada, madame, bem amada por si mesma,         Que insistência a minha dizer mal dessa menina tão bem
                 ah...essa mulher não é de nada.                            aparentada.....com conta cheia, cama desarrumada,
                 Essa mulher é o máximo, é de revista, é de papel....       livro aberto na ultima página, é Goethe? Não, é auto-
                 não caiu do céu, é potente, mas é fake, é inteligente,     ajuda, é auto-maquiagem, é Vogue, é Caras, é cara
                 a base de Gloss... o que ela quer não é pensar pensar      dela ficar envergonhada quando lê sobre coisas que
                 pensar pensar...é ser linda, ser amada, ser alguma         não dizem nada....
                 coisa que a cubra de olhares, ser desejada, ser
                 respeitada......mas essa mulher não é de nada!!!           Essa menina está tão pra frente, é tão guerreira, e
                 Ela sai com alguns garotos ao mesmo tempo, ela             é tão vazia, que se sente desamparada, uma plástica
                 dança, ela remexe, ela sabe colocar camisinha sem          a mais pode resolver, uma transa a menos talvez,
                 perder o fôlego, sabe discutir sobre ecologia, sabe        um amante para o fim de tarde....os homens preferem
                 sobre combate a celulite, sobre transtorno bipolar,        cerveja neste horário....um pouco de glamour, um
                 manda muitas mensagens por celular, ela não leva           reality show, uma novela, arrasar na passarela,
                 adiante esses namoros, seu humor é inconstante, ela        serve pelo menos passear no shopping ou postar
                 engorda mesmo quando come alface, corta o alface,          uma foto nova no facebook......mas continua a menina


elis::subúrbio                                                                                                                 07
sendo ela mesma, com suas questões, um sentimento          fora na metade da viagem.....parou com besteira e
                 de vazio, um sentimento de que quer algo, quer ser         aboliu as bobagens...bagagens....Ela é uma pessoa,
                 algo, como se já não o fosse....                           com vagina, e isso a intimida, ser penetrada, falta
                 Ora, embaixo de tanta produção há alguém com               algo nela? Engravida-se de grandes ideias, passa a
                 coração (perguntou o homem de lata a Dorothy)?             transformar o mundo para postar-se nele, penetrar
                 Na busca desenfreada ela abandona o chocolate, o           o mundo e ser penetrada pela existência. Suas fotos
                 pão, e até o alface....é a vez da água.....                são de paisagens, fatos, mundos, e ela agora é uma
                 Mais magra, mais magra, mais magra, o que importa é        lente, um olhar, sua imagem é uma lembrança de que
                 ver o que há dentro, o que sobra de uma existência         ela não é outra pessoa, ela tem contorno...se ama
                 baseada no prazer? Sobra um esqueleto e uma                assim, separada de tantas identidades vendidas no
                 sensação dolorida, que se vive as próprias custas...       açougue da mídia....
                 com o pouco de ar que ainda respira.                       Tem medo de perder-se de novo, tem medo de que
                 Por outro lado essa menina, muda de idéia.....ela vai      essa sensação de simplicidade renda-se logo a alguma
                 as compras. E gasta....e assume para si tudo aquilo        necessidade imposta, de ser doutora, de ser gostosa,
                 que é pensado como belo....ela não sabe mais o que         de ser genial, de ser uma bosta, de ser gentil, de ser
                 acha belo, aquilo que acreditava ridículo faz parte do     fogosa, de ser submissa, de ser poderosa, de ser
                 seu figurino.....quem é ela?                               vítima.....
                 Chateada com tanto exterior, com tanta pintura da          Ela quer apenas, ser Feliz, ou Elis......pelo menos feliz
                 fachada, com viver de água, com viver de Daslu, a          com a sua proposta de ser-se.
                 menina, viaja, e trafega em si mesma, é dolorido, é        Por isso mesmo que ela não é de nada.....nem disso...
                 abafado o espaço que existe entre o que ela é, e o         nem daquilo...nem dessa tribo....nem daquela praia....e
                 que gostaria de ser, o que é, e o que acredita ser......   sendo nada tudo pode ser.
                 assim mesmo mergulha para bem dentro de si....leva
                 consigo uma bussola e a chama de liberdade, joga


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Mera                Solitária
::dama           Dorida Flor         Dorida Flor


                 Não ama             O véu da noite
                 A dor               oprime
                 Cópula              as dobras
                 É esmola            da pele.
                 No corpo            Mordaça
                 Alma vazia          na escuridão
                 Pelas mãos          essa imprópria veste
                 Arma continha       ainda intocada.
                 Esperava vida       Espalho a voz
                 Quem nunca foi      por dentre o desejo
                 E morria            gritando-me
                 Vazia               palavras vãs.
                 Leveza              Sou prisão,
                 Era rainha          se não me amaram
                 Os olhos            outro poder.
                 Perdidos de vista
                 Coração
                 Gozo proibido
                 E de novo
                 A pele fria




elis::subúrbio                                              09
Papo brabo
::mãe                                                                                                              Munique Duarte


                 Alguém tem que falar pra esse menino que agora          Quem vai ensinar pra ele "certas coisas" da vida?
                 ele calça quarenta e já tem o bigode esboçado na        Quem vai dizer pra ele que a vida não é fácil, que é
                 cara. Que ele não pode usar meias com desenhos de       mais não do que sim, que o bonzinho pode ser muito
                 bola de basquete. Video game só duas horas por dia      mau, o bobo muito esperto e a mulher nem tão mulher
                 e refrigerante dia sim e outro não. Alguém precisa      assim?
                 dizer pra esse menino que a toalha tem que ir pro       Quem vai falar isso tudo pra ele? Quem? Eu? Eu
                 varal e a roupa suja não pra debaixo da cama. Que       tenho muito o que fazer nesta vida. Lavar, passar,
                 deve tratar as mulheres com jeito, os cães só com       cozinhar, cuidar das crianças, cuidar da casa inteira e
                 ração e que o interurbano está pela hora da morte.      da tintura do meu cabelo. Esse menino precisa nascer
                 Esse menino já tem idade pra saber que dinheiro não     de novo, parar de almoçar cachorro-quente e não
                 se colhe em árvore, que fumar é proibido e que filmes   estragar os botões do controle remoto.
                 proibidos continuam proibidos. A cada semana cortar     Vai falar você com ele. Hoje é meu dia de carteado e
                 as unhas e a cada mês lavar a garagem. Carro? Sem       não tenho hora pra voltar.
                 idade pra isso! Moto? Nem sonhando! Bicicleta? Nem
                 pensar em vender pro vizinho embrulhão que mora na
                 frente. Boné de marca só no sonho, e laptop só na
                 televisão.
                 Esse menino tão marmanjo tem que se arranjar
                 na escola, ter notas exemplares e parar de sujar
                 a barra da calça em dia de garoa. Passar direto ao
                 ver boteco, bordéu, banca de jogo, desmanche de
                 carro, boca de fumo, cambista de ingresso, mendigo
                 suspeito e manifestação política. Passar direto de
                 ano também.


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Náusea
::mãe            Munique Duarte


                 Náusea, nada                                      São cinco
                 Pausa, pálida                                     E sinto
                 Entre verões e nuvens turvas                      Que tudo começou ainda ontem mesmo
                 Ao lado do seu chapéu
                 O tempo passa e para
                 Gardênia prometida e esquecida
                 Tão doces eram seus passos na chegada
                 Euforia
                 O relógio dispara e com ele se vão
                 Amor, paciência, temência, perdão
                 Vestido de noiva empoeirado
                 Quatro resguardos
                 Colchão marcado
                 Móveis gastos
                 Bom dia
                 Boa tarde
                 Boa noite
                 Lábios empedrados
                 Culpas guardadas
                 Ares sem perguntas, pois perderam a importância
                 Não tem problema
                 A mala está no porão
                 Só não me leve o dinheiro do mês
                 Resguardo


elis::subúrbio                                                                                          11
Carmen
::mãe                                                                                                                   Virgínia Z.


                       E limpa o quarto, pelo amor de Deus. Hoje de       panelas que aquele armário fica uma zona. Pelo amor
                 manhã fui arrumar ele e nunca vi tanta roupa jogada      de Deus, como que vocês conseguem ser assim. Eu
                 em cima da cama. Como é que você consegue? Tem           iria morrer se fosse assim estabanada.
                 pena da tua mãe, pelo amor de Deus. Pelo menos teu              Daí a gente chega em casa e tu me ajudas a
                 quarto deixa arrumado. Ninguém consegue viver numa       limpar a cozinha, teu pai podia dar banho no Toby.
                 sujeira daquelas, Alessandro. Ninguém.                   Ele está imundo. Teu pai já está reclamando que não
                       Ainda mais agora que a Gisele arranjou emprego     agüenta mais o cheiro daquele cachorro em cima do
                 de manhã. Foi terça, não, foi segunda que ela me ligou   sofá. Eu já falei que lugar de cachorro não é no sofá,
                 dizendo que agora ela só pode vir um dia por semana      é lá fora na casinha dele, mas daí ele toma as dores
                 e a tarde. Daí já viu, né? Em uma tarde ela não tem      do cachorro e já viu, né? Daí eu chego em casa, dou
                 condição de arrumar a casa toda. Vai ter que todo        uma dormida, quando acordar te chamo e a gente
                 mundo ajudar um pouco. Se bem que é até bom, que         arruma a cozinha, e teu pai arruma o Toby.
                 daí a gente gasta menos com isso, né? Mas vai ter               Quarta eu queria dar uma geral na casa, sabe?
                 que todo mundo ajudar um pouco. Até teu pai passou       Porque com meio período só, a Gisele não vai dar
                 um paninho na casa inteira ontem. Verdade.               conta de limpar direitinho tudo. Como o teu quarto,
                       Eu queria chegar em casa agora e dar uma geral     Alessandro. Tem que levantar a cama, passar aqueles
                 na cozinha, mas eu estou tão cansada. Chega por          produtos no armário que dá brilho, o computador?
                 essa hora me dá uma dor nas costas. Acho que vou         Tem que tirar aquele negocinho pra fora e tirar o
                 ver a novela primeiro. Dou uma descansada e depois       pó lá atrás, porque a coitada não vai poder ver os
                 arrumo a cozinha. Vais sair hoje, filho? Não, né? Acho   detalhes assim, né? Vai mais dar uma limpada por
                 que teu pai vai. Mas é só aquela voltinha que ele dá,    cima.
                 depois já volta. Daí vocês podiam me ajudar lavando             Já falei pro teu pai. Se quiser passear no final
                 a louça enquanto eu arrumo o armário das panelas.        de semana, a gente pode passear. Mas antes deixar a
                 Aquilo está uma folia. É tu e teu pai encostar nas       casa ajeitada, né? Vai que chega visita no domingo e


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a sala tá aquela zona que tava hoje ao meio dia. Teu      pro quarto, essas coisas que estragam o piso da
                 pai chega do trabalho e joga cada dia um sapato novo      gente.
                 em cima da poltrona. Adivinha se ele tira? Por ele fica         Não sei se vou comprar não. Muita poeira na
                 a semana toda lá. Já falei que, se ele quiser, a gente    nossa casa. Só se teu pai visse tv na sala com a
                 muda a sapateira pra sala, pra ser mais confortável       janela fechada. Se ele der banho no Toby duas vezes
                 pro queridão lá. Agora já falei pra Giseli que ela não    por semana acho que nem dá de sentir o cheiro do
                 precisa mais botar nada no lugar, senão não dá tempo      cachorro, daí. Problema vai ser o calor, né? Nossa
                 nem de lavar as vidraças. Esses dias, acho que foi na     rua faz calor porque não tem vento. Se tivesse
                 sexta, cheguei na sala e teu pai tinha palitado os        vento ia dar de ficar domingo a tarde vendo tv ali.
                 dentes e deixado o palito em cima do sofá. Em cima do     Odeio ficar na varanda no domingo, os vizinhos ali da
                 sofá. Vê se pode uma coisa dessas. Já meti a língua e     frente ficam reparando na gente. Esses dias eu vi
                 disse: Não gosto dessas coisas.                           como aquela pequena que usa sempre o short curto
                       A Dona Rose tava me falando de um produto           ficou caçoando do teu pai. Mas também. Teu pai vive
                 que passa, assim, no chão, e fica o brilho por uma        arrotando ali fora. Pensa que os vizinhos não ouvem.
                 semana. Uma semana sem precisar limpar o chão de          Ouvem tudo, meu filho, ouvem tudinho.
                 novo. Se bem que ali em casa eu duvido, né? Tem                 Será que ainda tem pão em casa? Acho que vai
                 muito pó. Mas é que a gente deixa muito as janelas        ter que passar no mercado e comprar. Se bem que eu
                 abertas, também, daí é normal acumular pó, né? Mas        to tão cansada. Podias botar o Toby na coleira e ir
                 esse produto, ela disse que passou e, na casa dela,       a pé no mercado, né Alessandro? Assim a mãe podia
                 ficou uma semana brilhando. Eu queria comprar, só         descansar, vendo a novela, enquanto tu compravas o
                 pra testar. Ela inventa um pouco também. Mas se eu        pão. Daí tens que lembrar de comprar leite também.
                 comprasse, bem, tu e teu pai iam ter que mudar um         E margarina, acho que aquela está acabando. Daí, lá
                 pouco, sabe? Não chegar com o tênis cheio de barro e      perto do pão, tem sempre uma prateleira cheia de
                 andar pelo piso, não sair molhado do banho correndo       uns bolinhos, sabe? Aqueles que o mercado mesmo


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faz. Sabe, Alessandro? Se tiver um com caldinha de      estaciona aquela porcaria daquele fusca na minha
                 maracujá por cima, podes trazer também. Mas só se       vaga, mas a mãe tem dó de reclamar, né? Ajuda a
                 tiver aquela caldinha de maracujá com as sementinhas.   mãe a trazer esses panos, depois.
                        É tão gostoso aquele bolo. Se bem que sempre           Tá chorando, filho? Que aconteceu? Pára de
                 dá sujeira, tu e teu pai comendo em cima do sofá. O     chorar, Alessandro. Ajuda a mãe que passa.
                 Toby que se esbanja com tanta migalha lá em cima.
                 Quer saber? Não traz o bolo, não. A gente tá gordo
                 que chega, já. Chega de tanta comida... comilança.
                 Traz só o pão. Se tiver aquele pão mais escurinho,
                 de forma, com sementes em cima, pode ser daquele.
                 Compra também uns pães franceses porque teu pai
                 reclama se só tiver pão de forma. Não esquece do
                 leite, se tu for depois passear com o Toby e passar
                 no mercado pra mãe.
                        Meu Deus o horário com a costureira. Eu era
                 obrigada a passar lá hoje pra ver o vestido que
                 mandei fazer pro casamento da Gerusa. Já fosse
                 atrás de algum amigo teu que tenha terno? Aposto
                 que não, né? Mas já falei com uma amiga da mãe, lá do
                 trabalho, e ela disse que o terno do filho dela pode
                 ser que sirva. Ele é mais magro, mas é mais largo,
                 também. Vamos ver, né?
                        Até que enfim eu chego em casa e ainda tem
                 vaga nesse estacionamento, né? A Dona Lina sempre


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Pietá do Morro
                 Ariadne, a Louca


                 O rosto imberbe do filho
                 sobre o seio já murcho
                 sugados leite e sangue
                 pelas agruras do tempo
                 num tempo de agruras.
                 As feridas sangram as almas
                 alma que se esvai
                 com a vida adolescente
                 alma de mãe - ressequida alma -
                 que embrutesce
                 e penetra-lhe mais e mais
                 o corpo alquebrado.

                 Dor maior de mãe
                 mãe de um de menor...




elis::subúrbio                                     15
Pinapoly
::puta           (especial)




elis::subúrbio                16
Justiça torta
::puta                                                                                                          Valeska Aguiar


                        Desceu do ônibus um pouco antes do sol raiar,   se num poste e arrancou as sandálias. Naquele
                 o bairro ainda mergulhado num silêncio sepulcral.      vestidinho florido até parecia uma mulher descente,
                 Começou a andar devagar, o salto fazendo um barulho    mas não precisava sofrer pra manter a pose. E não
                 irritante na calçada velha. Daqui a pouco vai ter      tinha vergonha de quem era. Voltava pra casa com um
                 chefe de família engravatado indo para o trabalho e    dinheiro minguado mas ganho honestamente. Pensou
                 aquelas velhacas de véu a caminho da missa. Mas por    em especial na última nota de cinquenta, largada
                 enquanto a rua era só dela e dos vagabundos.           com má vontade sobre o criado mudo. O cretino
                        Andava sem medo, nada poderia lhe acontecer.    tinha deixado quase metade do que ela cobrava.
                 Não havia mal maior do que sua vida. Há menos de       Antigamente eles lhe davam até mais do que pedia.
                 uma hora saíra de um muquifo rançoso no centro da      E eram mais gentis também. Agora só pegava esses
                 cidade. Bons tempos aqueles em que desfilava pelo      porcos que achavam de fazer com ela o que tinham
                 calçadão de Copacabana... Mas agora, o peito já meio   vontade e depois atiravam o dinheiro na cara, como
                 murcho, a bunda caindo, não dava mais pra escolher.    uma ofensa. Sentiam tesão até nisso, aqueles sujos
                 Lembrou-se da ruiva novinha que chegou na Casa         que durante o dia se travestiam de pais de família.
                 outro dia. Aquela estória de musculação dava certo     Como se isso fosse alguma grande coisa... pais de
                 mesmo? As menininhas viviam na academia... ela tinha   família... fugiu de casa com quatorze por causa dos
                 dúvidas se compensava tanto esforço e suor. Então      abusos do seu. E passou a vida sendo abusada por
                 lembrou que tinha que tomar o coquetel quando          outros.
                 chegasse em casa e deixou escapar um suspiro que              Esse não era diferente. Arrancou sua roupa com
                 subiu quente e aveludado como fumaça de cigarro.       violência, fez com ela tudo o que não tinha coragem
                 Talvez não tomasse. Talvez fosse melhor assim.         de fazer com a esposa, aquela santa nojenta que,
                 Talvez não precisasse se preocupar com a bunda,        provavelmente, só abria as pernas pra fazer filho.
                 enfim...                                               E quando ela o lembrou da camisinha o calhorda riu,
                        O barulho do salto ainda a irritava. Segurou-   apertou seu pescoço até quase sufocar e meteu


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fundo. Gonorréia, herpes, cancro mole... já devia
                 ter pego todas as doenças venéreas de nojentos
                 como esse. Todos se achando super-homens, alguns
                 felizes em lhe dar alguma doença de presente.
                       Sorriu maliciosamente pensando com nojo no
                 imbecil sobre ela, resfolegando e suando como um
                 animal. Quem disse que essa vida era fácil? Mas
                 agora até que tinha um lado bom. E ela nem tinha
                 culpa, o chauvinista não se preveniu porque não quis.
                 Ultimamente era essa a sua vingança. Esse o prazer
                 que a mantinha. Antes até pensava em aposentadoria,
                 mas parar justo agora, quando finalmente se
                 divertia? Não. A justiça sempre foi uma coisa muito
                 torta, pensou. Agora eu distribuo a minha, sussurrou
                 entre dentes enquanto apertava carinhosamente
                 o ventre pensando no vírus com o carinho de quem
                 espera um filho.




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neide.
::puta           Virgínia Z.


                       Daí eu pensei em vender Natura, mas pra isso
                 eu precisava comprar aquele estojinho, sabe? E eu
                 não tinha condições de comprar o estojinho porque eu
                 queria o emprego justamente porque eu estava sem
                 grana nenhuma. Pensei também em vender aqueles
                 iogurtes do tipo Top Term, mas tinha que comprar os
                 ingredientes, os lactobacilos vivos, aquela coisa toda.
                 Eu fiquei pensando: meu Deus, o que eu posso fazer
                 sem precisar gastar com fabricação, com estojinho?
                       Sabe quando rola aqueles estalos do tipo:
                 Eureka? No outro dia eu era puta.
                 O engraçado é que nunca me passou pela cabeça
                 que o que eu fazia era errado. Eu achava um pouco
                 incômodo. Estranho. Normal, né? Parando para
                 analisar, era alguém que eu não conhecia, dentro de
                 uma parte minha que eu conhecia menos ainda. Eram
                 dois estranhos dentro de mim e eu lá, parada. Não
                 que, ás vezes, eu não gostasse, isso é mito. Tive
                 experiências prazerosíssimas no ramo. Mas na maior
                 parte das vezes eu ficava lá, parada, quieta, ganhava
                 meu dinheiro e ia embora.
                       Pode até parecer patético da minha parte,
                 mas, por exemplo, eu nunca tive uma banheira. É até
                 engraçado, logo eu, dizer isso, porque eu vim de uma


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cidade não muito grande, mas de onde banheira era um    uma culpa. Uma tristeza que eu não sabia de onde
                 luxo igual casa na praia. Então eu não tive banheira,   começava, mas que parecia que vinha do pé e subia
                 tive daquelas duchas que só tem verão e inverno.        até a garganta. Tentei procurar outras coisas pra
                 E eu achava o máximo deitar naquelas banheiras          fazer, mas sempre que você se candidata, no meio
                 enormes quando um cliente me levava pro motel. Eu       da entrevista, tem aquele espaço em branco que diz:
                 me sentia mulher. Uma daquelas loiras do olho claro     profissão anterior. Eu olho aquele espacinho e saio
                 que se deitam na banheira como se não existisse         da sala. E eu sempre roubo a caneta.
                 nada pra fazer. Nenhuma louça pra lavar, roupa pra             Ontem fui buscar meu filho na escola e um
                 deixar tomando sol, nada. Elas simplesmente deitam      cliente meu estava parado na porta da sala do lado,
                 e se lavam. Um banho desses lava até a alma, se         buscando uma menina bonita, do cabelo cacheadinho.
                 perguntarem pra mim. Mas ninguém nunca pergunta.        Ele me olhou como se fosse um crime eu buscar meu
                       É engraçado. Às vezes estou andando pelo          filho naquela escola. Eu o busco quantas vezes achar
                 calçadão e para um corno qualquer e pergunta: de        que devo, busco na faculdade se quiser (e ele deixar).
                 onde veio essa beleza toda, hein vagaba? Eu digo: do    Ele vai ser advogado, juiz, pra ser mais precisa. E eu
                 Acre. Eles somem.                                       não vou dar a mínima pra quando o povo dizer que ele
                       Pode parecer vaidade, mas ali nua em cima         é um "grandessíssimo filho da puta".
                 de uma cama, com um homem embaixo de mim, eu me
                 sentia boa em alguma coisa. E não um bom cheio de
                 pecado, cheio de pudor, como achava meu ex-marido,
                 o Clóvis. Não. Um bom, bom. Meu corpo era apenas
                 bom. Eu colocava a roupa e a sensação no momento
                 passava, mas aqueles trinta minutos na cama me
                 visitavam a semana toda.
                       Eu tentei parar. Um dia acordei e me bateu


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Aprisionados
::puta           Maria Maria


                        Sente um aperto no coração diante do homem          amar, pernas grossas, toda ela redonda, farta. Bebe
                 esquálido, olhos arregalados a boca entreaberta. Era       da água e sente o veneno enodoando seu corpo.
                 amante, deixou de ser. A morte e a vulnerabilidade do      Obrigada. Tinha que ter agilidade na direção, para
                 corpo. Chama a enfermeira, ela examina daqui e dali, O     chegar rápido em casa, para não alimentar suspeitas.
                 doutor, já vem - diz. Enquanto espera, a brisa invade      Naquele dia encontrou uma árvore no caminho de volta
                 suas vestes. Recompõem-se. Se tivesse prestado             para casa. Está pálida. O doutor pesca as palavras.
                 atenção, ela bem que avisou. Ele: Benzinho, cerveja é      Quero ir embora. Ele sugere repouso. Examina-a, olha
                 cerveja. O doutor e o olhar preciso, além das lentes,      além de seus olhos e dispara: Avisaremos quando o
                 Hum... Não fala, ela já sabia. Maldita sorte. Não chora.   corpo do seu marido for liberado.
                 Não consegue se condoer por ele. A mulher dele deve
                 vir grudada com os filhos.
                        Não. Segue o pensamento nele. Não há amor,
                 nem ódio. Quer do veneno que o levou. Sente uma leve
                 tontura. A enfermeira vai buscar um copo d'água, o
                 doutor a retém pelo braço. Senta-a na cadeira ao
                 lado do corpo ainda morno - triste.
                        Pensa nas crianças, menino com oito e menina
                 com cinco. Um a cara dele, outro a simbiose dele com
                 a mulher. A brisa e o desatino, Que horas são? Três
                 e quinze, responde o médico. Abraça o corpo pouco
                 febril do amante.
                        A água. Nem bebida nem consideração. Se não
                 voltasse para ela, se esquecesse àquela mulher sem
                 eira nem beira, os cabelos despenteados de tanto


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A Lavadeira.
                 Florisbela


                 Quando seu pai a abandonou, menina nova saiu de
                 casa para sustentar o lar e cuidar da mãe, ou vice-
                 versa. Aprendeu ser lavadeira na casa de senhora
                 que a ensinou outras coisas mais do que apenas
                 tanques e sabão. Além de secar as roupas ao sol,
                 menina aprendeu a secar as próprias lágrimas, entre
                 as humilhações da patroa que dizia guria fazer tudo
                 errado. Aprendeu matemática mesmo tendo largado
                 tão cedo a escola, quando se dividiu em duas, para
                 dar conta das obrigações da vida e dar atenção à
                 sua mãe doente. Aprendeu que os domingos não eram
                 como o padre lá do bairro dizia, guardado para festas
                 ou um cadinho que seja de descanso, mas antes
                 mais um dia comum de trabalho. Aprendeu menina a
                 gostar da noite, quando sozinha voltava pelas ruas
                 na madrugada, sem dinheiro pra pagar a condução.
                 Aprendeu que ter doença só serve pra diminuir o
                 seu salário e ouvir mais broncas. Aprendeu também
                 menina, entre os amargos da vida, lavar a Alma com
                 as gentilezas que ao longo do dia se apercebia,
                 passar ao largo da tristeza quando esta chamava
                 seu nome, costurar sorrisos na boca e no coração.
                 Pela varanda sabia do mundo; entre o imundo sabia
                 sua luz. Menina fazia hora-extra para ser feliz.


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Lavadeiras                                   Saindo do subúrbio
::lavadeira      Dona Maria                                   Dona Maria


                 Mulher ajoelhada na pedra                    Inspirou-se nela:
                 Manga arregaçada, coxa descoberta.           Anos e Danos
                 No mexe e remexe ela cria sua dança,         de amor a ele
                 A roupa suja a acompanha:                    Em troca: roupa suja.
                 Lava...
                 Lava, esfrega,                               A filha mais velha
                 Esfrega , lava, esfrega.                     Preferiu o lucro
                 Enxágua...                                   abriu uma lavanderia:
                 Enxágua, esfrega,                            Dona Maria
                       Esfrega , enxágua, esfrega.            - homenagem a mãe.
                 E a tarde inteira se vai no mesmo ritmo:
                 Mulher e roupa dançam à beira do subúrbio.

                 Outra mulher traz a roupa
                 E joga numa caixa fria e oca.
                 Máquina ligada na tomada,
                 Com sabão em pó e alvejante.
                 Batidas mecânicas,
                 Ritmo sem beleza.
                 Tudo ficará pronto num instante!
                 Basta apertar um botão.




elis::subúrbio                                                                        23
.alma.a.quarar.
::lavadeira      Magnólia Reis


                 O rio que canta
                 O rio que cresce
                 Maldito rio que me vê apodrecê

                 O rio inchô
                 Como meu bucho
                 E em lua cheia
                 levô o pai

                 A menina nasceu órfã
                 dum e d'otra
                 abandonei
                 pelo ralo do barraco.

                 Peito apertado
                 lancei feito oferenda
                 a prenda do desgosto
                 e lavei rosto com as ropa
                 água e sabão.




elis::subúrbio                                    24
(Diálogo para Creuza e Cleonice)
                                                                                  Roupa suja se lava na rua
::lavadeira                                                                                                                   Creuza


                 Cleonice: Roupa suja se lava em casa.                   Cleonice: Dinheiro sujo me dá medo.

                 Creuza: Não! Roupa suja se lava na rua.                 Creuza: Não quer sujar as mãos?
                 Tem tanta luta pública, tanto movimento, passeata,      Então, lave a roupa suja por causa justa.
                 assentamento.                                           Escolha suas armas, mas de preferência bote a mão
                 Tem muita roupa suja de sangue sendo lavada em          na massa.
                 lavanderia Express.                                     Roupa suja, roupa pública.
                 O negócio funciona assim: à luz do dia, um homem de     Não lave as mãos.
                 terno e gravata chega com sua cesta, retira uma
                 ficha, coloca na máquina as roupas sujas, algumas já    Cleonice: A não ser que seja pra evitar a contaminação.
                 muito antigas, senta, pega uma revista, uma xícara
                 de café e um cigarro e lava tudo publicamente, paga     Creuza: Esteja com as mãos limpas e a consciência
                 uma quantia ínfima e sai com tudo limpinho, dobrado.    tranquila. Se for preciso, faça a revolução, lavando
                 Toda semana é assim e o pior é que a roupa suja é       a roupa suja da corrupção.
                 lavada na rua, bem debaixo da nossa fuça.
                                                                         Eu aprendi isso a duras penas. Quando meus filhos
                 Cleonice: Entendi. E a gente se faz de besta, fica de   eram pequenos, a gente morava num bairro próximo
                 olho só na nossa cesta.                                 a uma rodovia de pista larga, perigosa e pra levar
                 É. Lavanderia é coisa de gente fina, gente que não      as crianças pra escola que ficava do outro lado,
                 suja a mão, prefere pagar pra outro lavar.              era muito arriscado. Então a gente se revesava. É,
                                                                         porque tudo que era mãe trabalhava. Um dia tava eu
                 Creuza: Sabia que tem gente que lava também dinheiro,   na beira da estrada com a garotada, quando Edmilson,
                 abrindo bingo, creche, escola de samba, igreja e até    meu afilhado, filho da comadre Lurdes, desenbestou
                 puteiro?                                                a correr atrás de uma pipa.


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Cleonice: Não diga?                                      nós rodamos a baiana.

                 Creuza: Maldita, veio o caminhão, se eu pudesse parava   Cleonice: Bacana.
                 ele com a mão, ai meu coração, o caminhão, o menino
                 caido no chão, morreu na hora, o anjinho, 9 anos.        Creuza: Tudo quanto é mãe se reuniu na beira da
                                                                          estrada e fizemos uma fogueira que ardia e de longe
                 Cleonice: Tadinho.                                       se via. Queimamos pneu, colchão, estrado de cama,
                                                                          caixote de feira e um monte de tranqueira. Cada mãe
                 Creuza: Foi o velório mais triste que eu já vi na        que surgia trazia uma tralha a almentar a fumaça.
                 vida. A comadre teve que tomar uma bomba na veia,
                 acompanhou o cortejo dopada.                             Cleonice: Que desgraça.

                 Cleonice: Coitada.                                       Creuza: O céu ficou preto, fizemos não sei quantos
                                                                          quilômetros de engarrafamento. Peitamos de frente
                 Creuza: A dor a era tanta que a gente achava que ela     um bando de caminhoneiro metido a machão, a gente
                 ia se enterra debaixo da terra junto com ele.            deitava no chão e se fingia de morta. A gente tava
                 Mas sabe o que é isso?                                   morta. "Vai passa encima, passa encima se tu é
                                                                          homem". Baixou polícia, corpo de bombeiro, repórter.
                 Cleonice: Destino.
                                                                          Cleonice: Repórter?
                 Creuza: Não. Isso é descaso. A gente já tinha feito
                 tanto abaixo assinado, pra botar passarela, lombada,
                 farol, qualquer merda pra garantir a segurança da        Creuza: Eu dei até entrevista, meti bronca, botei a boca
                 garotada. Mas dessa vez a gente não foi civilizada,      no trombone. Deu no rádio, no jornal, na televisão.


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Cleonice: Televisão?                                     Cleonice: Fogo!
                                                                          Ops! Quero dizer. Água neles!
                 Creuza: Não demorou muito, a passarela tava lá,
                 teve inauguração, com direito a discurso, rojão, uma
                 pataquada, uma conversa fiada e no meio daquela
                 confusão eu fiz o meu minuto de silêncio, de saudade,
                 de revolta, aprendi a lição.
                 Não se pode esconder a roupa suja dentro da gaveta,

                 Cleonice: Ela pode criar fungo, mofar, pode empestear
                 nosso lar.

                 Creuza: Se há algo de podre no reino da nossa casa,
                 de nosso bairro, cidade, país, a gente não pode perder
                 tempo - avante!

                 Cleonice: Eu convoco os responsáveis e boto todo
                 mundo em torno do tanque.

                 Creuza: E esteja certa de que a tarefa foi concluída e
                 de que não restou nem um resíduo, nenhum resquício
                 das nojeiras que fedem e poluem nossas lutas mais
                 verdadeiras.
                 Pelotão! Escovão na mão! Preparar. Apontar.


elis::subúrbio                                                                                            27
.errante.linha.
::senhora        Magnólia Reis


                 Fio               Fio
                 de cabelo         de cabelo
                 cai               cai
                 como caem         como cai
                 meus dias,        na vida,
                 brancos.          aturdida.

                 Fio               Fio
                 um tecido novo    um vestido novo
                 um vestido novo   um tecido novo
                 para              para
                 nova vida.        o dia branco.

                 Fio               Fio
                 por aí vai        por aí vai
                 no mundo vai      no mundo vai
                 fugido            nascido
                 monstruoso.       desgostoso.




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Marli
::louca                                                      Virgínia Z.


                 No porta malas. O Ademar está morto no porta malas.
                 Calma, não fui eu quem o matou. Eu só o trouxe aqui
                 para provar o fraque.
                 As moças me olham de lado. Essas mocinhas aí de vinte
                 e pouquíssimos anos, peitinhos durinhos, balconistas.
                 Já devem ter chamado a polícia por estas horas, assim
                 que me viram abrir o porta malas para tirar algumas
                 medidas que faltavam. A família dele também já deve
                 tê-los acionado.
                 Eu estava desesperada. Mulher quando passa dos
                 quarenta e não casou, dizem que o ventre seca. Meu
                 sonho é ter um filho. Mas filho de pai mesmo. Filho
                 de vidrinho pouco me interessa. Eu tinha quarenta e
                 três. Conheci o Ademar.
                 Ele é pouco bonito, pouco atraente, pouquíssimo
                 inteligente. Deus sabe que eu não estava em posição
                 de exigir grande coisa, pois se há algo de terrível
                 neste mundo, este algo é uma mulher solteira. Velha
                 e solteira.
                 Marcamos o casamento três meses depois da primeira
                 noite. Estou com tudo pronto, pode conferir. Velas,
                 flores, vestido, salão, suspensório e o fraque.
                 Tudo conforme manda a tradição. Ontem, durante o
                 trabalho, me bateu uma alegria súbita que há tempos


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eu não sentia. Uma vontade incrível. Era como se eu     mil. Se vivesse até os oitenta (eu chuto por baixo)
                 fosse chegar em casa e a minha vida de mulher casada    seriam mais de vinte e nove mil. Destes vinte e nove,
                 começaria em instantes. Eu estava noiva. Noiva, feliz   Ademar escolhe morrer ontem. Um dia antes do
                 e, finalmente, magra. Chego em casa, abro a porta e     casamento que eu planejo desde que ganhei minha
                 vejo o Ademar. Morto. No chão. Durinho. Só para me      boneca noiva. Dizem que a vida é uma loteria. Touché.
                 provocar: com um sorriso na cara.                       A família dele. Ah, a família dele. Belo consolo que me
                 Eu sou viúva antes mesmo do casamento. E não uma        ofereceram nesta madrugada. A gente leva a comida
                 viúva honrada, dessas que batem no peito e dizem        e as bebidas pro velório uma ova. Desculpem se
                 "O Alessandro era bombeiro, morreu salvando oito        pareço demasiada egoísta, mas a celebração é minha.
                 criancinhas de um incêndio no centro". Tampouco sou     A celebração é nossa. Eu vou entrar na igreja, de um
                 o tipo de noiva "O Carlos era um ótimo homem. Morreu    jeito ou de outro.
                 de câncer no cérebro, tadinho. Tinha 28 anos". Ademar   Você deve se perguntar se eu estou respeitando
                 morreu de ataque cardíaco comendo um pacote de          a vontade do morto. O morto, rufem os tambores,
                 sonho de valsa. Eu não sou uma viúva digna de pena.     está morto. Morto. E a vontade da viva, ninguém vai
                 Entendam minha amargura. Três dias atrás, num           respeitar, meu bom Deus? Eu acredito que se Ademar
                 ataque fulminante de romantismo inédito, Ademar         tivesse que escolher, ele escolheria não estar morto.
                 me olhou e disse: Amor, promete que nosso amor          Não estando morto, casaríamos no dia de hoje.
                 durará para sempre? Que nenhum de nós jamais se         Eu pago o fraque, pego ele sobre meu braço direito,
                 encontrará com outra pessoa? O que eu poderia           ergo e saio triunfante. No caminho, jogo um pequeno
                 dizer? Eu era noiva. Eu disse um grande, gordo e        buquê no chão da loja. As meninas dos peitos
                 ácido: sim. Desculpem pelo uso da palavra, mas eu       duros olham aterrorizadas e tentam se esconder
                 quero que karma se foda.                                no provador. Eu olho por cima do ombro, sorrio um
                 Existem trezentos e sessenta e cinco dias em um ano.    pouco, entre uma risadinha forçada digo: quem pegar
                 Eu, com quarenta e quatro, já vivi cerca de dezesseis   o buquê é a próxima a casar.


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Três mulheres: mistérios nos subúrbios do mundo e do sentir
::álibi                                                                                                       Weronika Kieslowski


                 1. VERONICA                                           Mas nem ligo pra esses. Apenas a crueldade de tudo
                                                                       me faz chorar.
                 Tive pena daquela criatura, quase um homem, quase
                 um ser vivo.                                          Era insuportável. Tive que levar a toalha e sair do meio
                                                                       da multidão dos sem identidade. Uns piedosos, como eu
                 Quase morto.                                          - principalmente mulheres -, outros escarnecedores.
                                                                       Tive ódio e quis pisar em seus calos. Fiz melhor:
                 Tive pena porque era um espetáculo vil. Sempre era    avancei por entre a multidão, pus-me ao seu lado
                 vil. As pessoas parecem ter prazer na crueldade, em   em seu caminho e limpei a face daquele homem que
                 ver o sofrimento alheio.                              mal tinha uma expressão naquele momento. Não era
                                                                       justo nem digno. Se pudesse, recebê-lo-ia em meu
                 E eu, quem sou? Não sou alguém. Era, no máximo, a     seio e o protegeria do sarcasmo, dos risos repletos
                 mulher no meio do caminho. Sempre estive a caminho    de maldade, das cusparadas e golpes que recebia.
                 de algo. Vertia meu sangue e ninguém me notava. Não
                 era importante e tampouco ameaçava o Estado. Seria    De mim, ele receberia o amor que merece. Caminharia
                 estranho se alguém me notasse.                        com ele apenas, se pudesse salvá-lo. E, no entanto,
                                                                       ele é quem me salvou. Porque já estaria morta agora,
                 Ele estava ali, carregando aquele madeiro pesado.     se continuasse a deixar meu sangue pelos caminhos.
                 Chicoteado e escarrado por quê? Por que podia mais
                 do que eu ou do que você que lê? Diziam que ele era   Foi apenas um toque.
                 maluco, que iria causar uma revolução e derrubar
                 toda a estrutura do que havia no mundo.               Vivi e hoje tenho aquela face gravada. Vocês acreditam
                                                                       em milagres? Pois só aqui foram dois. Nem vou dizer
                 Quem tem o poder sempre tem medo de cair, né?         outra coisa. Sei que vai parecer muito absurdo pra


elis::subúrbio                                                                                                                31
vocês. Pra mim também é absurdo, mas sei o que         Não sei dessas coisas. Tenho só este mundo para
                 aconteceu. Depois, quando o homem morria, pregado      viver. Mas gostei de não precisar mais perder sangue
                 ao madeiro, ainda vi o céu tão estranho, preenchido    como era antes. Tenho o sangue dele em minha toalha.
                 por tantas cores, que parecia que o mundo ia acabar.   Coitado...
                 Parecia um lamento de morte e era. A cada minuto o
                 mundo morria de crueldade.                             Tive tanta pena...

                 Deixo que os outros digam, porque cada vez mais
                 se fala no nome daquele homem, que nem sei se era      2. A SEM NOME E SEM SALVAÇÃO
                 maluco como diziam antes. Agora dizem que ele era
                 mágico. Mas morria como um bandido entre bandidos;     Não tive pena. Esbofeteei aquele cara e esmaguei
                 como um porco retirado do chiqueiro.                   o saco dele. Pensando o quê? Se deixasse, era ele
                                                                        quem vinha pra cima de mim.
                 "Filho do Pai", ele dizia. Parece que falava em
                 palavras de amor e de guerra. Que iria causar mesmo    Saí correndo daquela pocilga onde estávamos, peguei
                 uma revolução. Falava de cidades que arderiam          um táxi e agora estou aqui. Tarado filho da puta.
                 em chamas. E que muitas coisas iriam acontecer à
                 humanidade de agora e do futuro. Mas seu reino não     Tá bom, eu sei, a puta sou eu, mas ele não é meu
                 era desse mundo, era também o que se ouvia falar       filho nem gigolô pra querer me explorar. Já basta eu
                 dele. Falaram até que o viram subir para o céu na      mal ter esse quarto aqui, no cu do mundo, pra poder
                 companhia de anjos. Loucura tudo isso?                 dormir. Você tem pó? Tô precisando, pra aguentar
                                                                        essa merda toda. Não é porque eu ganho a vida com a
                                                                        buceta que qualquer um pode se apropriar dela como
                 [Pausa para olhar para o céu]                          quiser. Até puta quer dignidade.


elis::subúrbio                                                                                                           32
Fazer a vida na rua é foda, amiga, você sabe. Quantas   ficou alguma coisa no meu nariz? Olha direitinho, que
                 vezes nós estivemos na corda bamba? Quantas vezes       eu não gosto que sobra nada.
                 quiseram fuder você? Ao menos, você tem um caralho      Agora, sim. Tô legal, tô ligadona. Nessa vida, a gente
                 no meio das pernas. Se fosse só o sexo... ah ah ah!     tem que estar ligada, mulher. Mas também até que
                 Cadê o pó, seu traveco de merda? Já te pedi no outro    tem uns caras gentis, que respeitam a gente. Pode
                 parágrafo.                                              até ser feio, ter barriga, faltar dente. Só não gosto
                                                                         de homem que cheira mal e de homem que bate na
                 Olha, essa vida tá ficando cada dia mais difícil.       gente. Daí eu boto pra correr. Ou ele ou eu. Tô ligada,
                 Se ao menos me dessem um trampo de caixa num            amiga.
                 supermercado, mas ah... eu não ia aguentar aquele
                 tédio. A exploração também existe ali e nem é           Tenho medo de homem, não. Sabe do que tenho medo?
                 divertido. Trampo decente, trampo decente... trampo     De ficar velha e ninguém mais me querer. Hoje eu
                 decente as minhas bolas, que eu nem tenho! Ah ah ah!    tenho o corpo em cima, sou gostosona. Pega aqui nos
                                                                         meus peitos, ó. Não te dá vontade, não, viado? Até
                                                                         você fica a fim, não é? Sou gostosa pacas, meu! Ah
                 [Pausa para o pó]                                       ah ah! Mas e depois? Depois é só o fim do mundo...
                                                                         preferia morrer. Mas não na mão de homem.

                 Porque a gente se diverte com alguns carinhas, pelo     Homem tem é que penar com mulher. Tem que ser tudo
                 menos, né? Eu me mato de rir, por dentro, quando        corno. Por que eles corneiam mesmo, né? Tirando um
                 vem menino que nem sabe fazer as coisas direito. Mas    ou outro...
                 eles têm que aprender, né? Até curto ensinar. Seria
                 uma boa professora, ó. Dar aula de educação sexual      Faz outra carreira aí pra mim, vai. Tem pena de mim.
                 pra pivetada... ah ah ah! Ia dar muito. Você não? Ei,   Não vê que eu tô morrendo?


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3. A MOÇA NO APARTAMENTO                                      Mulher em casa de suruba. Que sabe gozar.
                                                                               Mulher que nunca goza.
                 Eu, neste apartamento, meu cubículo suburbano,
                                                                               Mulher com juízo, mulher louca.
                 neste domingo chuvoso e de folga. Isolada, da janela
                 vi torrentes de água na rua intransitável. Nada que           Mulher nascendo.
                 possa fazer. Sozinha hoje, anseio meu amor. Na                Florescendo.
                 impossibilidade, devaneio.                                    Morrendo.

                 Entre essas duas mulheres que vêm de assalto à                Eu, mulher.
                 minha mente, há tantas outras:

                 Mulher mãe, mulher esposa.                                    Escrevo sem pausas e tenho pavor. Compaixão. Amor.
                                                                               E sou, tão somente, mulher como tantas, inserida
                 Mulher com medo. Mulher que trabalha feito homem. Que         entre rótulos do que é ser mulher, assumindo meu
                 trabalha mais que homem. Que nada faz: só cara de paisagem.
                                                                               papel de jovem e modesta jornalista, meu não rosto.
                 Mulher com corpo sarado, mulher relaxada.                     Com minhas unhas, arranho a superfície do mistério
                                                                               dessas mulheres. Meu mistério, também. De tudo, sei
                 Mulher rainha. Princesa, sonhadora. Realista. Pessimista.     que existo e tenho o dom de fazer existir.

                 Mulher que canta. Que escreve. Mulher poeta.                  Da minha simplicidade e limitação, recrio dois perfis de
                                                                               mulheres. Admiro-as e sou capaz de amá-las. Invejo-
                 Mulher quase santa, quase puta.
                 Mulher na cama, no fogão.                                     as. Estou no subúrbio de seu exercício de ser em cada
                                                                               linha, incapaz de consolar o Cristo e da valentia da
                 Mulher que sai do subúrbio para o centro.                     que não tem salvação.


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Desespero-me com esta chuva, a imobilidade que
                 ela traz. Minha mente viaja enquanto meu corpo fica
                 imóvel, depositado na cadeira frente à escrivaninha
                 do meu quarto pouco iluminado por opção. Enlouqueço
                 de existir e criar. Você, que está tão longe agora,
                 pode me dar sua mão? Ajuda-me, meu homem, meu
                 amor, a ser mais mulher?




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créditos

                 Ani Almeida é comunicóloga e poetisa com pretensões de escritora
                 iniciante. É também a idealizadora e editora da Revista Elis.
                 anialmeida@gmail.com

                 Tammy Almeida é arquiteta e sonhadora




                 ::participação especial::

                 Fernanda Nocam é Atriz, psicóloga clínica, doutora em saúde mental.
                 fnocam@gmail.com

                 Pinapoly, um livro virtual de:
                 Adriana Azenha e Renata Polydoro
                 http://www.youblisher.com/p/152094-Pinapoly-Gestos-e-Palavreados/




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créditos
                                                                                                                                                autores desta edição


                 Ariadne Louca é Francisco Ferreira                                           Florisbela é Guilherme C. Antunes
                 Poeta e contista do interior de Minas Gerais, alguns prêmios literários,     Sommelier de groselha, alvissareiro, poeta e farsante. Sinestésico e
                 umas participações em antologias e dois ou três livros em compasso de        musical. Buscador, contraditório, intenso. Vasto...
                 espera para serem publicados.                                                www.arkhipelago.blogspot.com | guglicardoso@gmail.com
                 francisco.ferreira68@hotmail.com

                 Creuza é Adriana Azenha                                                      Magnólia Reis é Ani Almeida
                 Atriz, dramaturga e diretora de teatro. Autora dos espetáculos: A Bomba      Poetisa paulista com pretensões de escritora iniciante, tem mil textos
                 Anatômica, Jejum-no suor do teu rosto comerás o teu pão torradinho,          começados. Publicou, independente e artesanal, Uma Simples Coletânea a
                 A Mãe d'Ele, Lavadeiras da Memória, Garden Now e O Miolo da Missiva. É       Uma Pessoa Rara em 2009, além de colaborações com algumas Revistas
                 diretora da Cia Azenha de Teatro, onde desenvolve projetos de pesquisa       Literárias.
                 de linguagem cênica em caráter permanente.                                   www.lunaticapoesia.blogspot.com | anialmeida.rp@gmail.com
                 www.azenhadeteatro.com.br | adrianaazenha@bol.com.br

                 Dona Maria é Daniele Souza Freitas                                           Maria Maria é Cláudia de Andrade Aurelio Curcio
                 Natural de Criciúma, Santa Catarina. Formada em Letras, Daniele é            31 anos, é natural da cidade de Esteio/RS. Escrevendo a mais de uma década
                 professora de Língua Potuguesa. Conquistou vários prêmios literários,        tem algumas premiações em concursos literários. Formou-se em Letras em
                 dentre eles o terceiro lugar no TOC 140 - poesia no twitter organizado       2004. Em 2001 cursou Oficina de Criação Literária com Luiz Antonio de
                 pela FLIPORTO. Interessada na área da literatura digital desenvolveu um      Assis Brasil. Atualmente participa do grupo Reinações, coordenado pelo
                 estudo monográfico sobre Twitteratura e participou da organização dos        escritor Caio Ritter.
                 primeiros saraus literários no twitter.                                      www.claudiacurcio.com.br | claudia.curcio@ig.com.br
                 www.imaginacaoemacao.blogspot.com | dani.s.freitas@gmail.com

                 Dorida Flor é Leonardo Valesi Valente                                        Munique Duarte é Munique Alvim Duarte
                 Poeta, terapeuta de formação, dedica-se ao postulado da ausência - seu       Nasceu e vive em Santos Dumont-MG. É jornalista responsável pelas
                 meio de produção de linguagem e estética perante o vazio da vida, esse tão   publicações de quatro sindicatos em Juiz de Fora-MG. Já colaborou n'O
                 intransponível de se dizer. Radicado em Montes Claros / MG. Organizador      BULE, Sobrecapa Literal, Escrita Criativa (Portugal), Revista Diversos
                 do Coletivo Revolucionário.                                                  Afins, Jornal Opção e Jornal Relevo.
                 www.lioh.arteblog.com.br | leovalentebh@yahoo.com.br                         www.textosimperdoaveis.blogspot.com | muniqued@bol.com.br




elis::subúrbio                                                                                                                                                      37
créditos
                                                                    autores desta edição                                                                         imagens


                 Valeska Aguiar é glohlopes (assim mesmo, em minúsculas)                        ::capa::Sem título da série Subúrbio
                 Nasceu em Guaratinguetá-SP. Passou a vida se escondendo pelo mundo.            Bruno Veiga::foto
                 Há sete anos aderiu à Aldeia Global e fixou residência em São Paulo. É
                 psicóloga não praticante, empresária falida, artista amadora. Viciada em       ::09::Senhora Cobalte
                 internet, freecell e balas de hortelã. Detesta filmes de terror, violência e   Celine Michel::pintura
                 a nova reforma ortográfica.
                 www.glohlopes.com | glohlopes@glohlopes.com                                    ::12::Sem título, in: Série PROCURA-SE: Boa Dona de Casa
                                                                                                Jussara Romão::desenho
                 Virgínia Z. é Rafael Zen                                                       ::15::Lembrança de pai e mãe
                 Publicitário, participa de projetos nas áreas da literatura, dança, artes      Hélder Oliveira::pintura
                 visuais e fotografia. Os poemas aqui publicados são inéditos e pertencem
                 a um projeto intitulado "Não deixamos sementes".                               ::16::Periférica, in: Pinapoly
                 www.rafikizen.blogspot.com | rafikizen@hotmail.com                             Renata Polydoro::ilustração

                 Weronika Kieslowski é Alessandro de Paula                                      ::19::A Prostituta
                 Prosador e poeta paulistano, Alessandro de Paula é o cara por trás (opa!)      Fao Carreira::desenho
                 de Weronika Kieslowski. Admirador de cinema europeu, razão pela qual o
                 pseudônimo lhe pareceu natural. Aos 38 anos, sobrevive de revisar textos       ::22::Sem título, in Releituras das Lavadeiras de Mário Zanini
                 para editoras e agências de marketing. Como poeta, lançou o livro Palavra      Ialê Cardoso::desenho
                 Atômica (2003), esgotado, e faz parte do Coletivo Revolucionário, grupo
                 que promove saraus de poesia no Twitter.                                       ::24::A Lavadeira
                 www.coletivorevolucionario.blogspot.com                                        Gabriel Antônio Serpa de Magalhães::xilogravura
                 www.comalma.tumblr.com
                                                                                                ::28::Sem título
                 www.boulevardocine.blogspot.com | palavratomica@gmail.com
                                                                                                Autoria desconhecida::desenho

                                                                                                ::29::Noiva Neurótica
                                                                                                Renata Cabral::escultura

                                                                                                ::36::SUBÚRBIO 2
                                                                                                André de Miranda::xilogravura




elis::subúrbio                                                                                                                                                       38

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Revista ELIS::01.edição

  • 1. SUBÚRBIO ELIS::01 Ariadne Louca Creuza Dona Maria Dorida Flor Florisbela Magnólia Reis Maria Maria Munique Duarte Valeska Aguiar Virgínia Z. Weronika Kieslowski participações especiais Fernanda Nocam Adriana Azenha Renata Polydoro revista literária on line::ano01.número01.edição01::março2012
  • 2. ELIS::01 editora::Ani Almeida contate::colabore:: co-editora.diagramação::Tammy Almeida editora.revistaelis@gmail.com colaboradores::Adriana Azenha::Alessandro de Paula::Cláudia de Andrade A. www.revistaelis.blogspot.com Curcio::Daniele Souza Freitas::Francisco Ferreira::Glória Lopes::Guilherme twitter: @revistaelis C. Antunes::Leonardo Valesi Valente::Munique Alvim Duarte::Rafael Zen participação especial::Adriana Azenha::Fernanda Nocam::Renata Polydoro imagens::André de Miranda::Bruno Veiga::Celine Michel::Fao Carreira::Gabriel ::Por ser uma Revista literária de colaboração coletiva, as idéias e con- Antônio Serpa de Magalhães::Hélder Oliveira::Ialê Cardoso::Jussara ceitos expressos pelos autores selecionados são de responsabilidade dos Romão::Renata Cabral::Renata Polydoro mesmos, assim como as declarações de autoria. elis::subúrbio 02
  • 3. ELIS é uma Revista Literária Online, gratuita, que tem a mulher como personagem principal. "Elis é irreverente, feminina, ousada, criativa, inteligente... Elis é mulher, ama, sofre, talvez sofra mais do que ame, e continua, viva. Elis é o que sobra no reflexo do espelho: o elemento secreto em cada mulher." mundo da ELIS | Com uma temática diferente à cada Edição, os colaboradores são convidados a assumir um papel feminino e contar uma história da forma que quiser (prosas, verso, imagens, etc), com o desafio de convencer o leitor de que sua trama é a melhor da Edição. Opiniões e gostos à parte, o intuito é trazer ao leitor uma variedade literária para o seu desfrute, com muito bom gosto e prazer. Assuma o seu melhor papel de mulher, perca o controle, escreva e convença o leitor de que o seu texto é o mais feminino da Revista, de que nele há a presença da Elis (mulher brasileira, musa inspiradora da Revista, talvez, uma entidade). elis::subúrbio 03
  • 4. Sumário editorial:: 06 ensaio:: 07 Nem toda brincaderia me diverte!!! dama:: 09 Solitária::Mera mãe:: 10 Papo Brabo Náusea Carmen Pietá do Morro puta:: 16 especial Pinapoly Justiça Torta neide. Aprisionados lavadeira:: 22 A Lavadeira. Lavadeiras::Saindo do subúrbio .alma.a.quarar. Roupa suja se lava na rua senhora:: 28 .errante.linha. louca:: 29 Marli álibi:: 31 Três mulheres: mistérios do subúrbio do mundo e do sentir créditos:: 36 elis::subúrbio 04
  • 5. "Foi na constante busca por espaços onde eu, mulher e poetisa, pudesse publicar e ser lida sem precisar escrever de forma velada a minha feminilidade, de imprimir minha alma na palavra, que senti crescer uma necessidade vital por tal espaço: um abrigo confortável, um lar literário para ver desabrochar a palavra. Sem muitos sucessos, pensei Por que não? Criar um espaço, compartilhá-lo com tantos colegas e desfrutar dos resultados dessa soma-múltipla, por quê não? E num ímpeto mais forte que eu, ela já estava lá, a Elis! Bastava apenas compartilhar a idéia... Agora, vem o desfrute. Apreciemos sem moderação!" Ani Almeida elis::subúrbio 05
  • 6. ::editorial Caras Amigas, É num misto de êxtase, prazer e fé que trago a vocês instigantes. Alguns suburbanos, vividos na pele de a primeira edição dela, de nós: Elis! retirantes, artistas, escritoras; outros demasiado femininos, nas musas, damas (p.09), caçadoras e Impressionante é notar como temos olhos, mas os até num combinado do tipo três-em-um (p.31), que olhares jamais são os mesmos. No nosso subúrbio, buscaram traduzir a alma feminina suburbana. uns se intimidam, olham com medo, intolerância, Dos textos recebidos, porém, muitos não estavam curiosidade, tentam viver e vivenciar. Outros, embasados na temática central desta edição da vivem, vêem, ou fingem tudo de forma tão natural Revista - o subúrbio; e/ou não exploraram o sentido que, de repente, entramos no cotidiano de famílias de viver de Elis - o sagrado feminino. suburbanas desse Brasil. Todos os textos foram recebidos de peito aberto, E as mulheres...Ah, as mulheres! Muitas putas (p.16) analisados conforme os critérios de nossa política brotaram das propostas, umas mais bem resolvidas editoral e guardados com muito carinho em nossos que outras, umas ácidas, sarcásticas, outras cômicas, arquivos. sofridas e todas bem-vindas. Mães (p.10) e lavadeiras (p.22) também se juntaram à Eis que a Revista Elis é viva e agora caminha com as caminhada, aos montes, cantam e gritam suas dores próprias pernas! e alegrias, e têm exaltadas sua reconhecida beleza e encanto. Com imenso prazer, apresento-lhes Esse fruto do Sentimos muita falta das filhas e médicas suburbanas trabalho de muitos escritores e escritoras - novos, que parecem ter se ausentado do nosso chamado, amadores, profissionais, poéticos: apreciem sem uma pena... moderação! Mas, como compensação, recebemos álibis bons, elis::subúrbio 06
  • 7. Nem toda brincadeira me diverte!!! ::ensaio Fernanda Nocam Elis, assim tão irreverente...pode ser uma exigência e come chocolate....de salto alto o pé dói, combina um ao invés de meta. A mulher de hoje está encantada tênis com mini-saia, pele bronzeada, menina arretada, com um modelo de mulher feminista rebelde, que ela fala palavrão com a boca pintada. Ela já tem 40 é ao mesmo tempo feminina, fera, é autônoma, é mas parece 20, cabelos compridos, toda maquiada, independente, sabe gastar, sabe ganhar, sabe dizer, corpo escultural (em que será que ela foi moldada?), sabe estar por cima, sabe bem o que é estar por faz teatro, canta, nada, trabalha muito para poder baixo. investir mais em suas marcas prediletas.... Essa mulher que não dá chá de colher, que é rosa O preço das coisas não importa, o que importa é ficar choque, que por favor, não provoque, essa mulher em vantagem....por que afinal, ela não é de nada!!!! louca, apaixonada, madame, bem amada por si mesma, Que insistência a minha dizer mal dessa menina tão bem ah...essa mulher não é de nada. aparentada.....com conta cheia, cama desarrumada, Essa mulher é o máximo, é de revista, é de papel.... livro aberto na ultima página, é Goethe? Não, é auto- não caiu do céu, é potente, mas é fake, é inteligente, ajuda, é auto-maquiagem, é Vogue, é Caras, é cara a base de Gloss... o que ela quer não é pensar pensar dela ficar envergonhada quando lê sobre coisas que pensar pensar...é ser linda, ser amada, ser alguma não dizem nada.... coisa que a cubra de olhares, ser desejada, ser respeitada......mas essa mulher não é de nada!!! Essa menina está tão pra frente, é tão guerreira, e Ela sai com alguns garotos ao mesmo tempo, ela é tão vazia, que se sente desamparada, uma plástica dança, ela remexe, ela sabe colocar camisinha sem a mais pode resolver, uma transa a menos talvez, perder o fôlego, sabe discutir sobre ecologia, sabe um amante para o fim de tarde....os homens preferem sobre combate a celulite, sobre transtorno bipolar, cerveja neste horário....um pouco de glamour, um manda muitas mensagens por celular, ela não leva reality show, uma novela, arrasar na passarela, adiante esses namoros, seu humor é inconstante, ela serve pelo menos passear no shopping ou postar engorda mesmo quando come alface, corta o alface, uma foto nova no facebook......mas continua a menina elis::subúrbio 07
  • 8. sendo ela mesma, com suas questões, um sentimento fora na metade da viagem.....parou com besteira e de vazio, um sentimento de que quer algo, quer ser aboliu as bobagens...bagagens....Ela é uma pessoa, algo, como se já não o fosse.... com vagina, e isso a intimida, ser penetrada, falta Ora, embaixo de tanta produção há alguém com algo nela? Engravida-se de grandes ideias, passa a coração (perguntou o homem de lata a Dorothy)? transformar o mundo para postar-se nele, penetrar Na busca desenfreada ela abandona o chocolate, o o mundo e ser penetrada pela existência. Suas fotos pão, e até o alface....é a vez da água..... são de paisagens, fatos, mundos, e ela agora é uma Mais magra, mais magra, mais magra, o que importa é lente, um olhar, sua imagem é uma lembrança de que ver o que há dentro, o que sobra de uma existência ela não é outra pessoa, ela tem contorno...se ama baseada no prazer? Sobra um esqueleto e uma assim, separada de tantas identidades vendidas no sensação dolorida, que se vive as próprias custas... açougue da mídia.... com o pouco de ar que ainda respira. Tem medo de perder-se de novo, tem medo de que Por outro lado essa menina, muda de idéia.....ela vai essa sensação de simplicidade renda-se logo a alguma as compras. E gasta....e assume para si tudo aquilo necessidade imposta, de ser doutora, de ser gostosa, que é pensado como belo....ela não sabe mais o que de ser genial, de ser uma bosta, de ser gentil, de ser acha belo, aquilo que acreditava ridículo faz parte do fogosa, de ser submissa, de ser poderosa, de ser seu figurino.....quem é ela? vítima..... Chateada com tanto exterior, com tanta pintura da Ela quer apenas, ser Feliz, ou Elis......pelo menos feliz fachada, com viver de água, com viver de Daslu, a com a sua proposta de ser-se. menina, viaja, e trafega em si mesma, é dolorido, é Por isso mesmo que ela não é de nada.....nem disso... abafado o espaço que existe entre o que ela é, e o nem daquilo...nem dessa tribo....nem daquela praia....e que gostaria de ser, o que é, e o que acredita ser...... sendo nada tudo pode ser. assim mesmo mergulha para bem dentro de si....leva consigo uma bussola e a chama de liberdade, joga elis::subúrbio 08
  • 9. Mera Solitária ::dama Dorida Flor Dorida Flor Não ama O véu da noite A dor oprime Cópula as dobras É esmola da pele. No corpo Mordaça Alma vazia na escuridão Pelas mãos essa imprópria veste Arma continha ainda intocada. Esperava vida Espalho a voz Quem nunca foi por dentre o desejo E morria gritando-me Vazia palavras vãs. Leveza Sou prisão, Era rainha se não me amaram Os olhos outro poder. Perdidos de vista Coração Gozo proibido E de novo A pele fria elis::subúrbio 09
  • 10. Papo brabo ::mãe Munique Duarte Alguém tem que falar pra esse menino que agora Quem vai ensinar pra ele "certas coisas" da vida? ele calça quarenta e já tem o bigode esboçado na Quem vai dizer pra ele que a vida não é fácil, que é cara. Que ele não pode usar meias com desenhos de mais não do que sim, que o bonzinho pode ser muito bola de basquete. Video game só duas horas por dia mau, o bobo muito esperto e a mulher nem tão mulher e refrigerante dia sim e outro não. Alguém precisa assim? dizer pra esse menino que a toalha tem que ir pro Quem vai falar isso tudo pra ele? Quem? Eu? Eu varal e a roupa suja não pra debaixo da cama. Que tenho muito o que fazer nesta vida. Lavar, passar, deve tratar as mulheres com jeito, os cães só com cozinhar, cuidar das crianças, cuidar da casa inteira e ração e que o interurbano está pela hora da morte. da tintura do meu cabelo. Esse menino precisa nascer Esse menino já tem idade pra saber que dinheiro não de novo, parar de almoçar cachorro-quente e não se colhe em árvore, que fumar é proibido e que filmes estragar os botões do controle remoto. proibidos continuam proibidos. A cada semana cortar Vai falar você com ele. Hoje é meu dia de carteado e as unhas e a cada mês lavar a garagem. Carro? Sem não tenho hora pra voltar. idade pra isso! Moto? Nem sonhando! Bicicleta? Nem pensar em vender pro vizinho embrulhão que mora na frente. Boné de marca só no sonho, e laptop só na televisão. Esse menino tão marmanjo tem que se arranjar na escola, ter notas exemplares e parar de sujar a barra da calça em dia de garoa. Passar direto ao ver boteco, bordéu, banca de jogo, desmanche de carro, boca de fumo, cambista de ingresso, mendigo suspeito e manifestação política. Passar direto de ano também. elis::subúrbio 10
  • 11. Náusea ::mãe Munique Duarte Náusea, nada São cinco Pausa, pálida E sinto Entre verões e nuvens turvas Que tudo começou ainda ontem mesmo Ao lado do seu chapéu O tempo passa e para Gardênia prometida e esquecida Tão doces eram seus passos na chegada Euforia O relógio dispara e com ele se vão Amor, paciência, temência, perdão Vestido de noiva empoeirado Quatro resguardos Colchão marcado Móveis gastos Bom dia Boa tarde Boa noite Lábios empedrados Culpas guardadas Ares sem perguntas, pois perderam a importância Não tem problema A mala está no porão Só não me leve o dinheiro do mês Resguardo elis::subúrbio 11
  • 12. Carmen ::mãe Virgínia Z. E limpa o quarto, pelo amor de Deus. Hoje de panelas que aquele armário fica uma zona. Pelo amor manhã fui arrumar ele e nunca vi tanta roupa jogada de Deus, como que vocês conseguem ser assim. Eu em cima da cama. Como é que você consegue? Tem iria morrer se fosse assim estabanada. pena da tua mãe, pelo amor de Deus. Pelo menos teu Daí a gente chega em casa e tu me ajudas a quarto deixa arrumado. Ninguém consegue viver numa limpar a cozinha, teu pai podia dar banho no Toby. sujeira daquelas, Alessandro. Ninguém. Ele está imundo. Teu pai já está reclamando que não Ainda mais agora que a Gisele arranjou emprego agüenta mais o cheiro daquele cachorro em cima do de manhã. Foi terça, não, foi segunda que ela me ligou sofá. Eu já falei que lugar de cachorro não é no sofá, dizendo que agora ela só pode vir um dia por semana é lá fora na casinha dele, mas daí ele toma as dores e a tarde. Daí já viu, né? Em uma tarde ela não tem do cachorro e já viu, né? Daí eu chego em casa, dou condição de arrumar a casa toda. Vai ter que todo uma dormida, quando acordar te chamo e a gente mundo ajudar um pouco. Se bem que é até bom, que arruma a cozinha, e teu pai arruma o Toby. daí a gente gasta menos com isso, né? Mas vai ter Quarta eu queria dar uma geral na casa, sabe? que todo mundo ajudar um pouco. Até teu pai passou Porque com meio período só, a Gisele não vai dar um paninho na casa inteira ontem. Verdade. conta de limpar direitinho tudo. Como o teu quarto, Eu queria chegar em casa agora e dar uma geral Alessandro. Tem que levantar a cama, passar aqueles na cozinha, mas eu estou tão cansada. Chega por produtos no armário que dá brilho, o computador? essa hora me dá uma dor nas costas. Acho que vou Tem que tirar aquele negocinho pra fora e tirar o ver a novela primeiro. Dou uma descansada e depois pó lá atrás, porque a coitada não vai poder ver os arrumo a cozinha. Vais sair hoje, filho? Não, né? Acho detalhes assim, né? Vai mais dar uma limpada por que teu pai vai. Mas é só aquela voltinha que ele dá, cima. depois já volta. Daí vocês podiam me ajudar lavando Já falei pro teu pai. Se quiser passear no final a louça enquanto eu arrumo o armário das panelas. de semana, a gente pode passear. Mas antes deixar a Aquilo está uma folia. É tu e teu pai encostar nas casa ajeitada, né? Vai que chega visita no domingo e elis::subúrbio 12
  • 13. a sala tá aquela zona que tava hoje ao meio dia. Teu pro quarto, essas coisas que estragam o piso da pai chega do trabalho e joga cada dia um sapato novo gente. em cima da poltrona. Adivinha se ele tira? Por ele fica Não sei se vou comprar não. Muita poeira na a semana toda lá. Já falei que, se ele quiser, a gente nossa casa. Só se teu pai visse tv na sala com a muda a sapateira pra sala, pra ser mais confortável janela fechada. Se ele der banho no Toby duas vezes pro queridão lá. Agora já falei pra Giseli que ela não por semana acho que nem dá de sentir o cheiro do precisa mais botar nada no lugar, senão não dá tempo cachorro, daí. Problema vai ser o calor, né? Nossa nem de lavar as vidraças. Esses dias, acho que foi na rua faz calor porque não tem vento. Se tivesse sexta, cheguei na sala e teu pai tinha palitado os vento ia dar de ficar domingo a tarde vendo tv ali. dentes e deixado o palito em cima do sofá. Em cima do Odeio ficar na varanda no domingo, os vizinhos ali da sofá. Vê se pode uma coisa dessas. Já meti a língua e frente ficam reparando na gente. Esses dias eu vi disse: Não gosto dessas coisas. como aquela pequena que usa sempre o short curto A Dona Rose tava me falando de um produto ficou caçoando do teu pai. Mas também. Teu pai vive que passa, assim, no chão, e fica o brilho por uma arrotando ali fora. Pensa que os vizinhos não ouvem. semana. Uma semana sem precisar limpar o chão de Ouvem tudo, meu filho, ouvem tudinho. novo. Se bem que ali em casa eu duvido, né? Tem Será que ainda tem pão em casa? Acho que vai muito pó. Mas é que a gente deixa muito as janelas ter que passar no mercado e comprar. Se bem que eu abertas, também, daí é normal acumular pó, né? Mas to tão cansada. Podias botar o Toby na coleira e ir esse produto, ela disse que passou e, na casa dela, a pé no mercado, né Alessandro? Assim a mãe podia ficou uma semana brilhando. Eu queria comprar, só descansar, vendo a novela, enquanto tu compravas o pra testar. Ela inventa um pouco também. Mas se eu pão. Daí tens que lembrar de comprar leite também. comprasse, bem, tu e teu pai iam ter que mudar um E margarina, acho que aquela está acabando. Daí, lá pouco, sabe? Não chegar com o tênis cheio de barro e perto do pão, tem sempre uma prateleira cheia de andar pelo piso, não sair molhado do banho correndo uns bolinhos, sabe? Aqueles que o mercado mesmo elis::subúrbio 13
  • 14. faz. Sabe, Alessandro? Se tiver um com caldinha de estaciona aquela porcaria daquele fusca na minha maracujá por cima, podes trazer também. Mas só se vaga, mas a mãe tem dó de reclamar, né? Ajuda a tiver aquela caldinha de maracujá com as sementinhas. mãe a trazer esses panos, depois. É tão gostoso aquele bolo. Se bem que sempre Tá chorando, filho? Que aconteceu? Pára de dá sujeira, tu e teu pai comendo em cima do sofá. O chorar, Alessandro. Ajuda a mãe que passa. Toby que se esbanja com tanta migalha lá em cima. Quer saber? Não traz o bolo, não. A gente tá gordo que chega, já. Chega de tanta comida... comilança. Traz só o pão. Se tiver aquele pão mais escurinho, de forma, com sementes em cima, pode ser daquele. Compra também uns pães franceses porque teu pai reclama se só tiver pão de forma. Não esquece do leite, se tu for depois passear com o Toby e passar no mercado pra mãe. Meu Deus o horário com a costureira. Eu era obrigada a passar lá hoje pra ver o vestido que mandei fazer pro casamento da Gerusa. Já fosse atrás de algum amigo teu que tenha terno? Aposto que não, né? Mas já falei com uma amiga da mãe, lá do trabalho, e ela disse que o terno do filho dela pode ser que sirva. Ele é mais magro, mas é mais largo, também. Vamos ver, né? Até que enfim eu chego em casa e ainda tem vaga nesse estacionamento, né? A Dona Lina sempre elis::subúrbio 14
  • 15. Pietá do Morro Ariadne, a Louca O rosto imberbe do filho sobre o seio já murcho sugados leite e sangue pelas agruras do tempo num tempo de agruras. As feridas sangram as almas alma que se esvai com a vida adolescente alma de mãe - ressequida alma - que embrutesce e penetra-lhe mais e mais o corpo alquebrado. Dor maior de mãe mãe de um de menor... elis::subúrbio 15
  • 16. Pinapoly ::puta (especial) elis::subúrbio 16
  • 17. Justiça torta ::puta Valeska Aguiar Desceu do ônibus um pouco antes do sol raiar, se num poste e arrancou as sandálias. Naquele o bairro ainda mergulhado num silêncio sepulcral. vestidinho florido até parecia uma mulher descente, Começou a andar devagar, o salto fazendo um barulho mas não precisava sofrer pra manter a pose. E não irritante na calçada velha. Daqui a pouco vai ter tinha vergonha de quem era. Voltava pra casa com um chefe de família engravatado indo para o trabalho e dinheiro minguado mas ganho honestamente. Pensou aquelas velhacas de véu a caminho da missa. Mas por em especial na última nota de cinquenta, largada enquanto a rua era só dela e dos vagabundos. com má vontade sobre o criado mudo. O cretino Andava sem medo, nada poderia lhe acontecer. tinha deixado quase metade do que ela cobrava. Não havia mal maior do que sua vida. Há menos de Antigamente eles lhe davam até mais do que pedia. uma hora saíra de um muquifo rançoso no centro da E eram mais gentis também. Agora só pegava esses cidade. Bons tempos aqueles em que desfilava pelo porcos que achavam de fazer com ela o que tinham calçadão de Copacabana... Mas agora, o peito já meio vontade e depois atiravam o dinheiro na cara, como murcho, a bunda caindo, não dava mais pra escolher. uma ofensa. Sentiam tesão até nisso, aqueles sujos Lembrou-se da ruiva novinha que chegou na Casa que durante o dia se travestiam de pais de família. outro dia. Aquela estória de musculação dava certo Como se isso fosse alguma grande coisa... pais de mesmo? As menininhas viviam na academia... ela tinha família... fugiu de casa com quatorze por causa dos dúvidas se compensava tanto esforço e suor. Então abusos do seu. E passou a vida sendo abusada por lembrou que tinha que tomar o coquetel quando outros. chegasse em casa e deixou escapar um suspiro que Esse não era diferente. Arrancou sua roupa com subiu quente e aveludado como fumaça de cigarro. violência, fez com ela tudo o que não tinha coragem Talvez não tomasse. Talvez fosse melhor assim. de fazer com a esposa, aquela santa nojenta que, Talvez não precisasse se preocupar com a bunda, provavelmente, só abria as pernas pra fazer filho. enfim... E quando ela o lembrou da camisinha o calhorda riu, O barulho do salto ainda a irritava. Segurou- apertou seu pescoço até quase sufocar e meteu elis::subúrbio 17
  • 18. fundo. Gonorréia, herpes, cancro mole... já devia ter pego todas as doenças venéreas de nojentos como esse. Todos se achando super-homens, alguns felizes em lhe dar alguma doença de presente. Sorriu maliciosamente pensando com nojo no imbecil sobre ela, resfolegando e suando como um animal. Quem disse que essa vida era fácil? Mas agora até que tinha um lado bom. E ela nem tinha culpa, o chauvinista não se preveniu porque não quis. Ultimamente era essa a sua vingança. Esse o prazer que a mantinha. Antes até pensava em aposentadoria, mas parar justo agora, quando finalmente se divertia? Não. A justiça sempre foi uma coisa muito torta, pensou. Agora eu distribuo a minha, sussurrou entre dentes enquanto apertava carinhosamente o ventre pensando no vírus com o carinho de quem espera um filho. elis::subúrbio 18
  • 19. neide. ::puta Virgínia Z. Daí eu pensei em vender Natura, mas pra isso eu precisava comprar aquele estojinho, sabe? E eu não tinha condições de comprar o estojinho porque eu queria o emprego justamente porque eu estava sem grana nenhuma. Pensei também em vender aqueles iogurtes do tipo Top Term, mas tinha que comprar os ingredientes, os lactobacilos vivos, aquela coisa toda. Eu fiquei pensando: meu Deus, o que eu posso fazer sem precisar gastar com fabricação, com estojinho? Sabe quando rola aqueles estalos do tipo: Eureka? No outro dia eu era puta. O engraçado é que nunca me passou pela cabeça que o que eu fazia era errado. Eu achava um pouco incômodo. Estranho. Normal, né? Parando para analisar, era alguém que eu não conhecia, dentro de uma parte minha que eu conhecia menos ainda. Eram dois estranhos dentro de mim e eu lá, parada. Não que, ás vezes, eu não gostasse, isso é mito. Tive experiências prazerosíssimas no ramo. Mas na maior parte das vezes eu ficava lá, parada, quieta, ganhava meu dinheiro e ia embora. Pode até parecer patético da minha parte, mas, por exemplo, eu nunca tive uma banheira. É até engraçado, logo eu, dizer isso, porque eu vim de uma elis::subúrbio 19
  • 20. cidade não muito grande, mas de onde banheira era um uma culpa. Uma tristeza que eu não sabia de onde luxo igual casa na praia. Então eu não tive banheira, começava, mas que parecia que vinha do pé e subia tive daquelas duchas que só tem verão e inverno. até a garganta. Tentei procurar outras coisas pra E eu achava o máximo deitar naquelas banheiras fazer, mas sempre que você se candidata, no meio enormes quando um cliente me levava pro motel. Eu da entrevista, tem aquele espaço em branco que diz: me sentia mulher. Uma daquelas loiras do olho claro profissão anterior. Eu olho aquele espacinho e saio que se deitam na banheira como se não existisse da sala. E eu sempre roubo a caneta. nada pra fazer. Nenhuma louça pra lavar, roupa pra Ontem fui buscar meu filho na escola e um deixar tomando sol, nada. Elas simplesmente deitam cliente meu estava parado na porta da sala do lado, e se lavam. Um banho desses lava até a alma, se buscando uma menina bonita, do cabelo cacheadinho. perguntarem pra mim. Mas ninguém nunca pergunta. Ele me olhou como se fosse um crime eu buscar meu É engraçado. Às vezes estou andando pelo filho naquela escola. Eu o busco quantas vezes achar calçadão e para um corno qualquer e pergunta: de que devo, busco na faculdade se quiser (e ele deixar). onde veio essa beleza toda, hein vagaba? Eu digo: do Ele vai ser advogado, juiz, pra ser mais precisa. E eu Acre. Eles somem. não vou dar a mínima pra quando o povo dizer que ele Pode parecer vaidade, mas ali nua em cima é um "grandessíssimo filho da puta". de uma cama, com um homem embaixo de mim, eu me sentia boa em alguma coisa. E não um bom cheio de pecado, cheio de pudor, como achava meu ex-marido, o Clóvis. Não. Um bom, bom. Meu corpo era apenas bom. Eu colocava a roupa e a sensação no momento passava, mas aqueles trinta minutos na cama me visitavam a semana toda. Eu tentei parar. Um dia acordei e me bateu elis::subúrbio 20
  • 21. Aprisionados ::puta Maria Maria Sente um aperto no coração diante do homem amar, pernas grossas, toda ela redonda, farta. Bebe esquálido, olhos arregalados a boca entreaberta. Era da água e sente o veneno enodoando seu corpo. amante, deixou de ser. A morte e a vulnerabilidade do Obrigada. Tinha que ter agilidade na direção, para corpo. Chama a enfermeira, ela examina daqui e dali, O chegar rápido em casa, para não alimentar suspeitas. doutor, já vem - diz. Enquanto espera, a brisa invade Naquele dia encontrou uma árvore no caminho de volta suas vestes. Recompõem-se. Se tivesse prestado para casa. Está pálida. O doutor pesca as palavras. atenção, ela bem que avisou. Ele: Benzinho, cerveja é Quero ir embora. Ele sugere repouso. Examina-a, olha cerveja. O doutor e o olhar preciso, além das lentes, além de seus olhos e dispara: Avisaremos quando o Hum... Não fala, ela já sabia. Maldita sorte. Não chora. corpo do seu marido for liberado. Não consegue se condoer por ele. A mulher dele deve vir grudada com os filhos. Não. Segue o pensamento nele. Não há amor, nem ódio. Quer do veneno que o levou. Sente uma leve tontura. A enfermeira vai buscar um copo d'água, o doutor a retém pelo braço. Senta-a na cadeira ao lado do corpo ainda morno - triste. Pensa nas crianças, menino com oito e menina com cinco. Um a cara dele, outro a simbiose dele com a mulher. A brisa e o desatino, Que horas são? Três e quinze, responde o médico. Abraça o corpo pouco febril do amante. A água. Nem bebida nem consideração. Se não voltasse para ela, se esquecesse àquela mulher sem eira nem beira, os cabelos despenteados de tanto elis::subúrbio 21
  • 22. A Lavadeira. Florisbela Quando seu pai a abandonou, menina nova saiu de casa para sustentar o lar e cuidar da mãe, ou vice- versa. Aprendeu ser lavadeira na casa de senhora que a ensinou outras coisas mais do que apenas tanques e sabão. Além de secar as roupas ao sol, menina aprendeu a secar as próprias lágrimas, entre as humilhações da patroa que dizia guria fazer tudo errado. Aprendeu matemática mesmo tendo largado tão cedo a escola, quando se dividiu em duas, para dar conta das obrigações da vida e dar atenção à sua mãe doente. Aprendeu que os domingos não eram como o padre lá do bairro dizia, guardado para festas ou um cadinho que seja de descanso, mas antes mais um dia comum de trabalho. Aprendeu menina a gostar da noite, quando sozinha voltava pelas ruas na madrugada, sem dinheiro pra pagar a condução. Aprendeu que ter doença só serve pra diminuir o seu salário e ouvir mais broncas. Aprendeu também menina, entre os amargos da vida, lavar a Alma com as gentilezas que ao longo do dia se apercebia, passar ao largo da tristeza quando esta chamava seu nome, costurar sorrisos na boca e no coração. Pela varanda sabia do mundo; entre o imundo sabia sua luz. Menina fazia hora-extra para ser feliz. elis::subúrbio 22
  • 23. Lavadeiras Saindo do subúrbio ::lavadeira Dona Maria Dona Maria Mulher ajoelhada na pedra Inspirou-se nela: Manga arregaçada, coxa descoberta. Anos e Danos No mexe e remexe ela cria sua dança, de amor a ele A roupa suja a acompanha: Em troca: roupa suja. Lava... Lava, esfrega, A filha mais velha Esfrega , lava, esfrega. Preferiu o lucro Enxágua... abriu uma lavanderia: Enxágua, esfrega, Dona Maria Esfrega , enxágua, esfrega. - homenagem a mãe. E a tarde inteira se vai no mesmo ritmo: Mulher e roupa dançam à beira do subúrbio. Outra mulher traz a roupa E joga numa caixa fria e oca. Máquina ligada na tomada, Com sabão em pó e alvejante. Batidas mecânicas, Ritmo sem beleza. Tudo ficará pronto num instante! Basta apertar um botão. elis::subúrbio 23
  • 24. .alma.a.quarar. ::lavadeira Magnólia Reis O rio que canta O rio que cresce Maldito rio que me vê apodrecê O rio inchô Como meu bucho E em lua cheia levô o pai A menina nasceu órfã dum e d'otra abandonei pelo ralo do barraco. Peito apertado lancei feito oferenda a prenda do desgosto e lavei rosto com as ropa água e sabão. elis::subúrbio 24
  • 25. (Diálogo para Creuza e Cleonice) Roupa suja se lava na rua ::lavadeira Creuza Cleonice: Roupa suja se lava em casa. Cleonice: Dinheiro sujo me dá medo. Creuza: Não! Roupa suja se lava na rua. Creuza: Não quer sujar as mãos? Tem tanta luta pública, tanto movimento, passeata, Então, lave a roupa suja por causa justa. assentamento. Escolha suas armas, mas de preferência bote a mão Tem muita roupa suja de sangue sendo lavada em na massa. lavanderia Express. Roupa suja, roupa pública. O negócio funciona assim: à luz do dia, um homem de Não lave as mãos. terno e gravata chega com sua cesta, retira uma ficha, coloca na máquina as roupas sujas, algumas já Cleonice: A não ser que seja pra evitar a contaminação. muito antigas, senta, pega uma revista, uma xícara de café e um cigarro e lava tudo publicamente, paga Creuza: Esteja com as mãos limpas e a consciência uma quantia ínfima e sai com tudo limpinho, dobrado. tranquila. Se for preciso, faça a revolução, lavando Toda semana é assim e o pior é que a roupa suja é a roupa suja da corrupção. lavada na rua, bem debaixo da nossa fuça. Eu aprendi isso a duras penas. Quando meus filhos Cleonice: Entendi. E a gente se faz de besta, fica de eram pequenos, a gente morava num bairro próximo olho só na nossa cesta. a uma rodovia de pista larga, perigosa e pra levar É. Lavanderia é coisa de gente fina, gente que não as crianças pra escola que ficava do outro lado, suja a mão, prefere pagar pra outro lavar. era muito arriscado. Então a gente se revesava. É, porque tudo que era mãe trabalhava. Um dia tava eu Creuza: Sabia que tem gente que lava também dinheiro, na beira da estrada com a garotada, quando Edmilson, abrindo bingo, creche, escola de samba, igreja e até meu afilhado, filho da comadre Lurdes, desenbestou puteiro? a correr atrás de uma pipa. elis::subúrbio 25
  • 26. Cleonice: Não diga? nós rodamos a baiana. Creuza: Maldita, veio o caminhão, se eu pudesse parava Cleonice: Bacana. ele com a mão, ai meu coração, o caminhão, o menino caido no chão, morreu na hora, o anjinho, 9 anos. Creuza: Tudo quanto é mãe se reuniu na beira da estrada e fizemos uma fogueira que ardia e de longe Cleonice: Tadinho. se via. Queimamos pneu, colchão, estrado de cama, caixote de feira e um monte de tranqueira. Cada mãe Creuza: Foi o velório mais triste que eu já vi na que surgia trazia uma tralha a almentar a fumaça. vida. A comadre teve que tomar uma bomba na veia, acompanhou o cortejo dopada. Cleonice: Que desgraça. Cleonice: Coitada. Creuza: O céu ficou preto, fizemos não sei quantos quilômetros de engarrafamento. Peitamos de frente Creuza: A dor a era tanta que a gente achava que ela um bando de caminhoneiro metido a machão, a gente ia se enterra debaixo da terra junto com ele. deitava no chão e se fingia de morta. A gente tava Mas sabe o que é isso? morta. "Vai passa encima, passa encima se tu é homem". Baixou polícia, corpo de bombeiro, repórter. Cleonice: Destino. Cleonice: Repórter? Creuza: Não. Isso é descaso. A gente já tinha feito tanto abaixo assinado, pra botar passarela, lombada, farol, qualquer merda pra garantir a segurança da Creuza: Eu dei até entrevista, meti bronca, botei a boca garotada. Mas dessa vez a gente não foi civilizada, no trombone. Deu no rádio, no jornal, na televisão. elis::subúrbio 26
  • 27. Cleonice: Televisão? Cleonice: Fogo! Ops! Quero dizer. Água neles! Creuza: Não demorou muito, a passarela tava lá, teve inauguração, com direito a discurso, rojão, uma pataquada, uma conversa fiada e no meio daquela confusão eu fiz o meu minuto de silêncio, de saudade, de revolta, aprendi a lição. Não se pode esconder a roupa suja dentro da gaveta, Cleonice: Ela pode criar fungo, mofar, pode empestear nosso lar. Creuza: Se há algo de podre no reino da nossa casa, de nosso bairro, cidade, país, a gente não pode perder tempo - avante! Cleonice: Eu convoco os responsáveis e boto todo mundo em torno do tanque. Creuza: E esteja certa de que a tarefa foi concluída e de que não restou nem um resíduo, nenhum resquício das nojeiras que fedem e poluem nossas lutas mais verdadeiras. Pelotão! Escovão na mão! Preparar. Apontar. elis::subúrbio 27
  • 28. .errante.linha. ::senhora Magnólia Reis Fio Fio de cabelo de cabelo cai cai como caem como cai meus dias, na vida, brancos. aturdida. Fio Fio um tecido novo um vestido novo um vestido novo um tecido novo para para nova vida. o dia branco. Fio Fio por aí vai por aí vai no mundo vai no mundo vai fugido nascido monstruoso. desgostoso. elis::subúrbio 28
  • 29. Marli ::louca Virgínia Z. No porta malas. O Ademar está morto no porta malas. Calma, não fui eu quem o matou. Eu só o trouxe aqui para provar o fraque. As moças me olham de lado. Essas mocinhas aí de vinte e pouquíssimos anos, peitinhos durinhos, balconistas. Já devem ter chamado a polícia por estas horas, assim que me viram abrir o porta malas para tirar algumas medidas que faltavam. A família dele também já deve tê-los acionado. Eu estava desesperada. Mulher quando passa dos quarenta e não casou, dizem que o ventre seca. Meu sonho é ter um filho. Mas filho de pai mesmo. Filho de vidrinho pouco me interessa. Eu tinha quarenta e três. Conheci o Ademar. Ele é pouco bonito, pouco atraente, pouquíssimo inteligente. Deus sabe que eu não estava em posição de exigir grande coisa, pois se há algo de terrível neste mundo, este algo é uma mulher solteira. Velha e solteira. Marcamos o casamento três meses depois da primeira noite. Estou com tudo pronto, pode conferir. Velas, flores, vestido, salão, suspensório e o fraque. Tudo conforme manda a tradição. Ontem, durante o trabalho, me bateu uma alegria súbita que há tempos elis::subúrbio 29
  • 30. eu não sentia. Uma vontade incrível. Era como se eu mil. Se vivesse até os oitenta (eu chuto por baixo) fosse chegar em casa e a minha vida de mulher casada seriam mais de vinte e nove mil. Destes vinte e nove, começaria em instantes. Eu estava noiva. Noiva, feliz Ademar escolhe morrer ontem. Um dia antes do e, finalmente, magra. Chego em casa, abro a porta e casamento que eu planejo desde que ganhei minha vejo o Ademar. Morto. No chão. Durinho. Só para me boneca noiva. Dizem que a vida é uma loteria. Touché. provocar: com um sorriso na cara. A família dele. Ah, a família dele. Belo consolo que me Eu sou viúva antes mesmo do casamento. E não uma ofereceram nesta madrugada. A gente leva a comida viúva honrada, dessas que batem no peito e dizem e as bebidas pro velório uma ova. Desculpem se "O Alessandro era bombeiro, morreu salvando oito pareço demasiada egoísta, mas a celebração é minha. criancinhas de um incêndio no centro". Tampouco sou A celebração é nossa. Eu vou entrar na igreja, de um o tipo de noiva "O Carlos era um ótimo homem. Morreu jeito ou de outro. de câncer no cérebro, tadinho. Tinha 28 anos". Ademar Você deve se perguntar se eu estou respeitando morreu de ataque cardíaco comendo um pacote de a vontade do morto. O morto, rufem os tambores, sonho de valsa. Eu não sou uma viúva digna de pena. está morto. Morto. E a vontade da viva, ninguém vai Entendam minha amargura. Três dias atrás, num respeitar, meu bom Deus? Eu acredito que se Ademar ataque fulminante de romantismo inédito, Ademar tivesse que escolher, ele escolheria não estar morto. me olhou e disse: Amor, promete que nosso amor Não estando morto, casaríamos no dia de hoje. durará para sempre? Que nenhum de nós jamais se Eu pago o fraque, pego ele sobre meu braço direito, encontrará com outra pessoa? O que eu poderia ergo e saio triunfante. No caminho, jogo um pequeno dizer? Eu era noiva. Eu disse um grande, gordo e buquê no chão da loja. As meninas dos peitos ácido: sim. Desculpem pelo uso da palavra, mas eu duros olham aterrorizadas e tentam se esconder quero que karma se foda. no provador. Eu olho por cima do ombro, sorrio um Existem trezentos e sessenta e cinco dias em um ano. pouco, entre uma risadinha forçada digo: quem pegar Eu, com quarenta e quatro, já vivi cerca de dezesseis o buquê é a próxima a casar. elis::subúrbio 30
  • 31. Três mulheres: mistérios nos subúrbios do mundo e do sentir ::álibi Weronika Kieslowski 1. VERONICA Mas nem ligo pra esses. Apenas a crueldade de tudo me faz chorar. Tive pena daquela criatura, quase um homem, quase um ser vivo. Era insuportável. Tive que levar a toalha e sair do meio da multidão dos sem identidade. Uns piedosos, como eu Quase morto. - principalmente mulheres -, outros escarnecedores. Tive ódio e quis pisar em seus calos. Fiz melhor: Tive pena porque era um espetáculo vil. Sempre era avancei por entre a multidão, pus-me ao seu lado vil. As pessoas parecem ter prazer na crueldade, em em seu caminho e limpei a face daquele homem que ver o sofrimento alheio. mal tinha uma expressão naquele momento. Não era justo nem digno. Se pudesse, recebê-lo-ia em meu E eu, quem sou? Não sou alguém. Era, no máximo, a seio e o protegeria do sarcasmo, dos risos repletos mulher no meio do caminho. Sempre estive a caminho de maldade, das cusparadas e golpes que recebia. de algo. Vertia meu sangue e ninguém me notava. Não era importante e tampouco ameaçava o Estado. Seria De mim, ele receberia o amor que merece. Caminharia estranho se alguém me notasse. com ele apenas, se pudesse salvá-lo. E, no entanto, ele é quem me salvou. Porque já estaria morta agora, Ele estava ali, carregando aquele madeiro pesado. se continuasse a deixar meu sangue pelos caminhos. Chicoteado e escarrado por quê? Por que podia mais do que eu ou do que você que lê? Diziam que ele era Foi apenas um toque. maluco, que iria causar uma revolução e derrubar toda a estrutura do que havia no mundo. Vivi e hoje tenho aquela face gravada. Vocês acreditam em milagres? Pois só aqui foram dois. Nem vou dizer Quem tem o poder sempre tem medo de cair, né? outra coisa. Sei que vai parecer muito absurdo pra elis::subúrbio 31
  • 32. vocês. Pra mim também é absurdo, mas sei o que Não sei dessas coisas. Tenho só este mundo para aconteceu. Depois, quando o homem morria, pregado viver. Mas gostei de não precisar mais perder sangue ao madeiro, ainda vi o céu tão estranho, preenchido como era antes. Tenho o sangue dele em minha toalha. por tantas cores, que parecia que o mundo ia acabar. Coitado... Parecia um lamento de morte e era. A cada minuto o mundo morria de crueldade. Tive tanta pena... Deixo que os outros digam, porque cada vez mais se fala no nome daquele homem, que nem sei se era 2. A SEM NOME E SEM SALVAÇÃO maluco como diziam antes. Agora dizem que ele era mágico. Mas morria como um bandido entre bandidos; Não tive pena. Esbofeteei aquele cara e esmaguei como um porco retirado do chiqueiro. o saco dele. Pensando o quê? Se deixasse, era ele quem vinha pra cima de mim. "Filho do Pai", ele dizia. Parece que falava em palavras de amor e de guerra. Que iria causar mesmo Saí correndo daquela pocilga onde estávamos, peguei uma revolução. Falava de cidades que arderiam um táxi e agora estou aqui. Tarado filho da puta. em chamas. E que muitas coisas iriam acontecer à humanidade de agora e do futuro. Mas seu reino não Tá bom, eu sei, a puta sou eu, mas ele não é meu era desse mundo, era também o que se ouvia falar filho nem gigolô pra querer me explorar. Já basta eu dele. Falaram até que o viram subir para o céu na mal ter esse quarto aqui, no cu do mundo, pra poder companhia de anjos. Loucura tudo isso? dormir. Você tem pó? Tô precisando, pra aguentar essa merda toda. Não é porque eu ganho a vida com a buceta que qualquer um pode se apropriar dela como [Pausa para olhar para o céu] quiser. Até puta quer dignidade. elis::subúrbio 32
  • 33. Fazer a vida na rua é foda, amiga, você sabe. Quantas ficou alguma coisa no meu nariz? Olha direitinho, que vezes nós estivemos na corda bamba? Quantas vezes eu não gosto que sobra nada. quiseram fuder você? Ao menos, você tem um caralho Agora, sim. Tô legal, tô ligadona. Nessa vida, a gente no meio das pernas. Se fosse só o sexo... ah ah ah! tem que estar ligada, mulher. Mas também até que Cadê o pó, seu traveco de merda? Já te pedi no outro tem uns caras gentis, que respeitam a gente. Pode parágrafo. até ser feio, ter barriga, faltar dente. Só não gosto de homem que cheira mal e de homem que bate na Olha, essa vida tá ficando cada dia mais difícil. gente. Daí eu boto pra correr. Ou ele ou eu. Tô ligada, Se ao menos me dessem um trampo de caixa num amiga. supermercado, mas ah... eu não ia aguentar aquele tédio. A exploração também existe ali e nem é Tenho medo de homem, não. Sabe do que tenho medo? divertido. Trampo decente, trampo decente... trampo De ficar velha e ninguém mais me querer. Hoje eu decente as minhas bolas, que eu nem tenho! Ah ah ah! tenho o corpo em cima, sou gostosona. Pega aqui nos meus peitos, ó. Não te dá vontade, não, viado? Até você fica a fim, não é? Sou gostosa pacas, meu! Ah [Pausa para o pó] ah ah! Mas e depois? Depois é só o fim do mundo... preferia morrer. Mas não na mão de homem. Porque a gente se diverte com alguns carinhas, pelo Homem tem é que penar com mulher. Tem que ser tudo menos, né? Eu me mato de rir, por dentro, quando corno. Por que eles corneiam mesmo, né? Tirando um vem menino que nem sabe fazer as coisas direito. Mas ou outro... eles têm que aprender, né? Até curto ensinar. Seria uma boa professora, ó. Dar aula de educação sexual Faz outra carreira aí pra mim, vai. Tem pena de mim. pra pivetada... ah ah ah! Ia dar muito. Você não? Ei, Não vê que eu tô morrendo? elis::subúrbio 33
  • 34. 3. A MOÇA NO APARTAMENTO Mulher em casa de suruba. Que sabe gozar. Mulher que nunca goza. Eu, neste apartamento, meu cubículo suburbano, Mulher com juízo, mulher louca. neste domingo chuvoso e de folga. Isolada, da janela vi torrentes de água na rua intransitável. Nada que Mulher nascendo. possa fazer. Sozinha hoje, anseio meu amor. Na Florescendo. impossibilidade, devaneio. Morrendo. Entre essas duas mulheres que vêm de assalto à Eu, mulher. minha mente, há tantas outras: Mulher mãe, mulher esposa. Escrevo sem pausas e tenho pavor. Compaixão. Amor. E sou, tão somente, mulher como tantas, inserida Mulher com medo. Mulher que trabalha feito homem. Que entre rótulos do que é ser mulher, assumindo meu trabalha mais que homem. Que nada faz: só cara de paisagem. papel de jovem e modesta jornalista, meu não rosto. Mulher com corpo sarado, mulher relaxada. Com minhas unhas, arranho a superfície do mistério dessas mulheres. Meu mistério, também. De tudo, sei Mulher rainha. Princesa, sonhadora. Realista. Pessimista. que existo e tenho o dom de fazer existir. Mulher que canta. Que escreve. Mulher poeta. Da minha simplicidade e limitação, recrio dois perfis de mulheres. Admiro-as e sou capaz de amá-las. Invejo- Mulher quase santa, quase puta. Mulher na cama, no fogão. as. Estou no subúrbio de seu exercício de ser em cada linha, incapaz de consolar o Cristo e da valentia da Mulher que sai do subúrbio para o centro. que não tem salvação. elis::subúrbio 34
  • 35. Desespero-me com esta chuva, a imobilidade que ela traz. Minha mente viaja enquanto meu corpo fica imóvel, depositado na cadeira frente à escrivaninha do meu quarto pouco iluminado por opção. Enlouqueço de existir e criar. Você, que está tão longe agora, pode me dar sua mão? Ajuda-me, meu homem, meu amor, a ser mais mulher? elis::subúrbio 35
  • 36. créditos Ani Almeida é comunicóloga e poetisa com pretensões de escritora iniciante. É também a idealizadora e editora da Revista Elis. anialmeida@gmail.com Tammy Almeida é arquiteta e sonhadora ::participação especial:: Fernanda Nocam é Atriz, psicóloga clínica, doutora em saúde mental. fnocam@gmail.com Pinapoly, um livro virtual de: Adriana Azenha e Renata Polydoro http://www.youblisher.com/p/152094-Pinapoly-Gestos-e-Palavreados/ elis::subúrbio 36
  • 37. créditos autores desta edição Ariadne Louca é Francisco Ferreira Florisbela é Guilherme C. Antunes Poeta e contista do interior de Minas Gerais, alguns prêmios literários, Sommelier de groselha, alvissareiro, poeta e farsante. Sinestésico e umas participações em antologias e dois ou três livros em compasso de musical. Buscador, contraditório, intenso. Vasto... espera para serem publicados. www.arkhipelago.blogspot.com | guglicardoso@gmail.com francisco.ferreira68@hotmail.com Creuza é Adriana Azenha Magnólia Reis é Ani Almeida Atriz, dramaturga e diretora de teatro. Autora dos espetáculos: A Bomba Poetisa paulista com pretensões de escritora iniciante, tem mil textos Anatômica, Jejum-no suor do teu rosto comerás o teu pão torradinho, começados. Publicou, independente e artesanal, Uma Simples Coletânea a A Mãe d'Ele, Lavadeiras da Memória, Garden Now e O Miolo da Missiva. É Uma Pessoa Rara em 2009, além de colaborações com algumas Revistas diretora da Cia Azenha de Teatro, onde desenvolve projetos de pesquisa Literárias. de linguagem cênica em caráter permanente. www.lunaticapoesia.blogspot.com | anialmeida.rp@gmail.com www.azenhadeteatro.com.br | adrianaazenha@bol.com.br Dona Maria é Daniele Souza Freitas Maria Maria é Cláudia de Andrade Aurelio Curcio Natural de Criciúma, Santa Catarina. Formada em Letras, Daniele é 31 anos, é natural da cidade de Esteio/RS. Escrevendo a mais de uma década professora de Língua Potuguesa. Conquistou vários prêmios literários, tem algumas premiações em concursos literários. Formou-se em Letras em dentre eles o terceiro lugar no TOC 140 - poesia no twitter organizado 2004. Em 2001 cursou Oficina de Criação Literária com Luiz Antonio de pela FLIPORTO. Interessada na área da literatura digital desenvolveu um Assis Brasil. Atualmente participa do grupo Reinações, coordenado pelo estudo monográfico sobre Twitteratura e participou da organização dos escritor Caio Ritter. primeiros saraus literários no twitter. www.claudiacurcio.com.br | claudia.curcio@ig.com.br www.imaginacaoemacao.blogspot.com | dani.s.freitas@gmail.com Dorida Flor é Leonardo Valesi Valente Munique Duarte é Munique Alvim Duarte Poeta, terapeuta de formação, dedica-se ao postulado da ausência - seu Nasceu e vive em Santos Dumont-MG. É jornalista responsável pelas meio de produção de linguagem e estética perante o vazio da vida, esse tão publicações de quatro sindicatos em Juiz de Fora-MG. Já colaborou n'O intransponível de se dizer. Radicado em Montes Claros / MG. Organizador BULE, Sobrecapa Literal, Escrita Criativa (Portugal), Revista Diversos do Coletivo Revolucionário. Afins, Jornal Opção e Jornal Relevo. www.lioh.arteblog.com.br | leovalentebh@yahoo.com.br www.textosimperdoaveis.blogspot.com | muniqued@bol.com.br elis::subúrbio 37
  • 38. créditos autores desta edição imagens Valeska Aguiar é glohlopes (assim mesmo, em minúsculas) ::capa::Sem título da série Subúrbio Nasceu em Guaratinguetá-SP. Passou a vida se escondendo pelo mundo. Bruno Veiga::foto Há sete anos aderiu à Aldeia Global e fixou residência em São Paulo. É psicóloga não praticante, empresária falida, artista amadora. Viciada em ::09::Senhora Cobalte internet, freecell e balas de hortelã. Detesta filmes de terror, violência e Celine Michel::pintura a nova reforma ortográfica. www.glohlopes.com | glohlopes@glohlopes.com ::12::Sem título, in: Série PROCURA-SE: Boa Dona de Casa Jussara Romão::desenho Virgínia Z. é Rafael Zen ::15::Lembrança de pai e mãe Publicitário, participa de projetos nas áreas da literatura, dança, artes Hélder Oliveira::pintura visuais e fotografia. Os poemas aqui publicados são inéditos e pertencem a um projeto intitulado "Não deixamos sementes". ::16::Periférica, in: Pinapoly www.rafikizen.blogspot.com | rafikizen@hotmail.com Renata Polydoro::ilustração Weronika Kieslowski é Alessandro de Paula ::19::A Prostituta Prosador e poeta paulistano, Alessandro de Paula é o cara por trás (opa!) Fao Carreira::desenho de Weronika Kieslowski. Admirador de cinema europeu, razão pela qual o pseudônimo lhe pareceu natural. Aos 38 anos, sobrevive de revisar textos ::22::Sem título, in Releituras das Lavadeiras de Mário Zanini para editoras e agências de marketing. Como poeta, lançou o livro Palavra Ialê Cardoso::desenho Atômica (2003), esgotado, e faz parte do Coletivo Revolucionário, grupo que promove saraus de poesia no Twitter. ::24::A Lavadeira www.coletivorevolucionario.blogspot.com Gabriel Antônio Serpa de Magalhães::xilogravura www.comalma.tumblr.com ::28::Sem título www.boulevardocine.blogspot.com | palavratomica@gmail.com Autoria desconhecida::desenho ::29::Noiva Neurótica Renata Cabral::escultura ::36::SUBÚRBIO 2 André de Miranda::xilogravura elis::subúrbio 38