1) Uma padaria na cidade de Porto Alegre, chamada Barbarella Bakery, produz pães artesanais usando métodos tradicionais de fermentação e maturação.
2) A proprietária, Ana Zita Fernandes, estudou o processo de fabricação de pão francês em sua faculdade e aplica esse conhecimento acadêmico na padaria.
3) Embora o cacetinho ainda seja o item mais vendido, a padaria oferece 40 variedades de pães e itens de confeitaria usando receitas
1. ZERO HORA > DOMINGO | 28 | JANEIRO | 2007 Economia > | 21 |
Processo
FOTOS JÚLIO CORDEIRO
são o segredo do pão de Ana. Elabo-
rado a partir da receita francesa do
pain au levain, ou pão de levedura
científico leva o cacetinho à categoria de ficção
científica, tema do filme que batiza a
loja.
entra na – Constatei que o pão francês era
o que tinha evoluído mais tecnica-
mente, mas foi o que mais perdeu
padaria sabor.
Pãozinho demora quatro
horas para ficar pronto
Na Barbarella Bakery, na Capital,
o pão que sai do forno contém uma Clientes como o escritor e publici-
dose de conhecimento acadêmico. tário Marcelo Carneiro da Cunha, de
Há produtos que são resultado do 49 anos, vêm do Centro para garan-
projeto de conclusão de curso da en- tir o pão do café:
genheira de alimentos Ana Zita Fer- – A gente compra e congela. Espe-
nandes, dona da padaria. ro que o efeito se multiplique.
Há quatro anos, a loja é um dos O estabelecimento de Ana produz
pontos diferenciados do circuito gas- 40 variedades de pães e itens de
tronômico do bairro Moinhos de confeitaria, sem contar com a parte
Vento, o mais sofisticado da Capital. de lancheria. A padaria, porém, re-
Na faculdade, Ana estudou o proces- presenta metade do negócio.
so artesanal de fabricação do pão, Apesar da sofisticação, segundo
como se fazia antigamente, para dei- Ana, o cacetinho ainda é o item
xar seu produto com “gosto de pão mais vendido. Mas não é o tradicio-
de vó”, descreve. nal, amplamente consumido. O pão-
Fermentação e maturação natural zinho da loja (mais denso, com 100 Na faculdade de Engenharia de Alimentos, Ana estudou o processo artesanal para deixar o produto com gosto de pão de vó
da massa por 17 horas, sob condi- gramas em vez de 50 gramas) de-
ções perfeitas de temperatura e as- mora quatro horas para ficar pronto,
sado em forno de lastro (antigo, com contra os 40 minutos das padarias e | Entrevista | Olivier Anquier |
superfície de pedra, prati- supermercados, e sai por R$ PADEIRO
camente extinto), 1,20, o dobro de um caceti-
nho normal.
No bairro, ou-
tras padarias, co-
mo a rede Listo,
“O pão é uma coisa viva”
se consolidaram
atraindo clientes
Nascido na terceira
BD – 29/07/2005
pela combinação de Zero Hora – O pão Olivier – O pão francês em si,
variedade de pães, lan- geração de uma família está passando por um não. Ele piorou.
ches, bebidas e charme. de padeiros, o francês renascimento?
Olivier Anquier, 47 Olivier Anquier – ZH – Por quê?
Formato industrial nasceu aqui anos, chegou ao Rio de
Janeiro em dezembro
Não tenho dúvida ne- Olivier – Não sei. Falta um real
nhuma. E isso começou desejo de evoluir a fabricação de
em 1995. pão no Brasil. Ainda hoje é fre-
O pão traçou um caminho tortuo- A principal técnica para chegar ao de 1979, disposto a Olivier qüente entrar numa padaria e ficar
so ao longo da história. Era artesa- resultado foi criada em Porto Alegre, continuar a saga dos ZH – O que houve decepcionado com o pão.
nal, virou mecânico e agora vai vol- nas salas de aula da Fleischmann, fa- antepassados. Sem querer, em 1995?
tando às origens. No Brasil, sua evo- bricante de fermento, pelo professor tornou-se o precursor do Olivier – Foi o primeiro ano do ZH – A pré-mistura e a fer-
lução foi radicalmente alterada em Antônio Ferreira de Araújo – chama- renascimento do pão no país. A Plano Real e muitos brasileiros co- mentação rápida são os princi-
Porto Alegre. do de Método AFA de panificação, inauguração da sua primeira meçaram a viajar ao Exterior. Isso pais vilões do pão de qualidade?
A primeira grande revolução que leva as iniciais do idealizador. mudou o consumidor. Hoje, é pro- Olivier – Com certeza. É uma
ocorreu no fim do século 19, quan- Em cinco anos, recorda Moisés
padaria, em 1995, em um grama ir a uma padaria para tomar reação em cadeia. Se você trabalha
do foi inventado o fermento indus- Ávila Duarte, de 68 anos, pupilo do bairro nobre de São Paulo, foi um café da manhã no domingo, com o pré-pronto e aceleração de
trial. O crescimento do pão se dava, professor, o Método AFA já era po- símbolo de uma nova cultura de para comprar pães diferentes. Até fermentação, altera a qualidade. O
até então, pela criação controlada de pular nas principais cidades brasilei- valorização do produto. O 1995, esses estabelecimentos eram pão é uma coisa viva. Tem de res-
bactérias e fungos que soltam gás ras. Com máquinas, o processo foi estabelecimento fechou, mas um balcão onde se vendia coxinha peitar o seu tempo, quando se cri-
carbônico e inflam a massa. Os or- acelerado e aumentou o rendimento Anquier abastece 40 lojas dos de galinha e cerveja, com gôndolas am os aromas e toda a magia.
ganismos produzem substâncias de matérias-primas de 6% a 10%. supermercados Pão de Açúcar. com feijão, sabão em pó e óleo de
que dão sabor ao produto final. – Mas também diminuiu o aroma soja e, no fundo, uma cesta de pães ZH – Os supermercados pre-
No fim da década de 1960, no en- e o sabor – reconhece Moisés. Ele garante, porém, que não com um monoproduto: o pão fran- judicaram a qualidade do pão?
tanto, o crescimento da população Para alguns padeiros, o atual re- cedeu aos apelos da produção cês. Era uma monotonia. Olivier – Não, de jeito nenhum.
incentivou a indústria da panifica- nascimento do ramo como receitas industrial e segue mantendo a Há supermercados que conse-
ção a desenvolver técnicas para pro- elaboradas é uma reação de oposi- tradição familiar de tratar o ZH – O pão francês médio no guem fazer pão melhor do que a
duzir maior quantidade, de forma ção ao Método AFA, porque padro- alimento com um ser vivo. Brasil melhorou de qualidade? padaria artesanal.
mais rápida e mais lucrativa. nizou o gosto e reduziu a variedade.
OS FAVORITOS MUDARAM AO LONGO DO TEMPO
Acompanhe a trajetória do mais popular dos alimentos:
Pães especiais
Pão de quilo, pão de Lentamente, chegaram ao Brasil na década de 1970 nos
meio e pão de quarto formatos integrais, mas ganharam força quando o público
Popular até a década de 1970. Da mesma Pão de fôrma Cacetinho (pão francês) começou a se preocupar mais com a saúde. Os novos pães
receita do pão francês, conhecidos pelo peso (um quilo, Símbolo da industrialização da panificação. Surgiu em São Paulo como uma variação artesanais, resgatados do passado, estão nesta categoria.
meio quilo ou um quarto de quilo), foram os mais vendidos Fatiado de fábrica, uma inovação saudada em miniatura dos pães de quilo, meio e Segundo a presidente do Conselho Regional Nutricionistas,
a partir da metade do século passado. Eram grandes para pela praticidade, surgiu nos anos 70 com o quarto. Desde meados da década de 70 vem Carmem Franco, esses produtos engordam tanto quanto os
alimentar uma família, em tempos quando o início da pão branco de sanduíche e evoluiu para uma conquistando o paladar brasileiro e hoje é pães brancos tradicionais. Algumas variedades dão uma
industrialização dificultava a aquisição de outras fontes de grande variedade de ingredientes e estilos. responsável por cerca de 80% das vendas sensação maior de saciedade e têm mais fibras e nutrientes
carboidrato, como massas e biscoitos. O formato, no entanto, segue o mesmo. de pães no Brasil, segundo a Abip. em razão do uso de farinha integral e cereais diversos.
Fontes: Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria no Estado (Sindipan-RS), Olivier Anquier e Moisés Duarte Editoria de Arte