1. ELABORADO DE ACORDO COM O REFERENCIAL CURRICULAR ESCOLA ESTADUAL LINO VILLACHÁ
DO ENSINO MÉDIO / SED/MS
OLÍVIO MANGOLIM
VAMOS FILOSOFAR?
OLÍVIO MANGOLIM “ENSAIOS DE INTRODUÇÃO À FILOSOFIA” OU
Possui LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA pela “DE COMO SE DEU A ELABORAÇÃO DO
PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (1981) PENSAMENTO RACIONAL”
e CURSO INSTITUCIONAL DE TEOLOGIA pelo STUDIUM
THEOLOGICUM agregado à PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DO PARANÁ (1985). É MESTRE em Educação
pela UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (1999).
Atualmente é presidente do INSTITUTO TÉCNICO JURÍDICO
E EDUCATIVO. Tem experiência na área de Educação, com CONTEÚDO PARA 1º ANO DO ENSINO MÉDIO
ênfase na Área de Concentração: EDUCAÇÃO ESCOLAR e
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, atuando principalmente
nos seguintes temas: a questão indígena e o
desenvolvimento regional, Educação Indígena, sociedade e “NÃO SE ENSINA FILOSOFIA,
índios. É professor de Filosofia e Sociologia, Geografia e
ENSINA-SE A FILOSOFAR” (KANT).
História na Escola Estadual Lino Villachá do Bairro Nova
Lima em Campo Grande/MS.
olívio-m@hotmail.com ou olivio2009@gmail.com
(067) 3354-9265 – (067) 9284-0544
2. CAMPO GRANDE, ABRIL DE 2010
O VERBO FILOSOFAR PODE SER USADO COM TRÊS
SIGNIFICADOS DISTINTOS1:
• Como simples sinônimo de pensar. Doenças ou morte
de pessoas próximas, decepções, perdas irreparáveis...
Fazem-nos pensar (filosofar) sobre o sentido de nossa
vida. Mas este ainda não é o sentido pleno de filosofar.
• Como sinônimo de “saber viver”. Aqui, filosofar é viver
com sabedoria. O sábio é aquele que se torna um
exemplo vivo das virtudes apreciadas em uma
sociedade e é tomado como ponto de referência para
fortalecer o valor das tradições vigentes. É nesse
sentido que as sabedorias orientais são também
chamadas “filosofias”.
• Como “filosofar propriamente dito”, que teve início
da Grécia, em torno dos séculos VI e V a.C. PARA OS
FILÓSOFOS DE TODOS OS TEMPOS: A RAZÃO É O
ÚNICO INSTRUMENTO PARA LER E INTERPRETAR
A REALIDADE. FILOSOFAR É ENCONTRAR A
VERDADE POR MEIO DA RAZÃO.
1
Cfr. Cassiano Cordi. O que é filosofar? – Do mito à razão. Em: Para Filosofar, 3
ed., São Paulo: Scipione, 1997, p. 7-21.
3. SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................4
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................5
INTRODUÇÃO..........................................................................................6
1. GRÉCIA: BERÇO QUE EMBALA A FILOSOFIA..................................8
1.1. A ORIGEM DA FILOSOFIA...............................................................8
CONCLUSÃO...........................................................................................9
1.2. ETIMOLOGIA DA PALAVRA...........................................................11
4.4.2. TENDÊNCIA HUMANISTA...........................................................11
4.3.2. IDEOLOGIA..................................................................................11
4.4. POSITIVISMO E MATERIALISMO..................................................12
4.4.1. TENDÊNCIA NATURALISTA........................................................12
1.3. O QUE É FILOSOFIA......................................................................13
1.4. A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA...................................................14
1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIÃO, RAZÃO .........................................16
1.5.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE MITO E FILOSOFIA?...................17
1.5.2. RESUMO DO RELATO MÍTICO: COMPLEXO DE ÉDIPO...........18
4.2.1. UMA OUTRA TEORIA: KANT.......................................................19
4.3. IDEALISMO, IDEOLOGIA................................................................20
4.3.1. IDEALISMO..................................................................................20
1.5.3. MAS ENFIM O QUE É O MITO?..................................................20
CONCLUINDO........................................................................................21
QUADRO SINOPSE DA HISTÓRIA FILOSOFIA....................................22
2. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO..........................23
2.1. A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE HUMANA................................23
2.1.1. O QUE É LINGUAGEM?...............................................................23
2.1.2. CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM........................................23
2.1.2.1. FATORES DE CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM....................23
55............................................................................................................23
4.2. RACIONALISMO E EMPIRISMO.....................................................24
4. IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA........................................24
4.1. HUMANISMO...................................................................................24
23............................................................................................................24
2.1.2.2. A LINGUAGEM PODE SER:......................................................24
4. 2.1.2.3. SINAIS OU SÍMBOLOS.............................................................25 3.1.2. SÓCRATES (469 – 399 a.C.): MARCO DIVISÓRIO DA FILOSOFIA
2.2. A TEORIA DO CONHECIMENTO...................................................25 GREGA...................................................................................................39
2.2.1. SUJEITO E OBJETO: OS DOIS ELEMENTOS DO PROCESSO DE 3.2. PLATÃO E ARISTÓTELES (PERÍODO DA MATURIDADE)...........40
CONHECIMENTO..................................................................................26 3.2.1. PLATÃO (428-348 a.C).................................................................40
2.2.2. AS POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO..............................27 3.2.1.1. Alegoria da Caverna..................................................................40
2.2.2.1.CETICISMO ABSOLUTO: TUDO É ILUSÓRIO E PASSAGEIRO
.......................................................................................................................27
3.3.2. SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274).......................................28
3.3.1.1. O TEMPO PARA SANTO AGOSTINHO....................................28
2.2.2.2.CETICISMO RELATIVO: O DOMÍNIO DO APARENTE E DO
PROVÁVEL..................................................................................................29
2.2.2.3.DOGMATISMO: A CERTEZA DA VERDADE.............................29
2.2.2.4.CRITICISMO: A SUPERAÇÃO DO CETICISMO E DO
DOGMATISMO............................................................................................29
3.3. PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA......................................................29
3.3.1. SANTO AGOSTINHO (354-430)...................................................29
3.2.2.3. QUAL A CAUSA?.......................................................................30
2.2.3. A ORIGEM DO CONHECIMENTO...............................................30
2.2.3.1.EMPIRISMO: A VALORIZAÇÃO DOS SENTIDOS COMO
FONTE PRIMORDIAL................................................................................30
2.2.3.2.RACIONALISMO: A CONFIANÇA EXCLUSIVA NA RAZÃO..31
2.3. DO NASCIMENTO À MATURIDADE DA FILOSOFIA.....................31
3.2.2.1. O PAPEL DA RAZÃO................................................................31
3.2.2.2. ATO OU POTÊNCIA..................................................................32 APRESENTAÇÃO
3.2.2. ARISTÓTELES (384-322 a.C.).....................................................32
2.3.1. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS (PERÍODO DA
ELABORAÇÃO)..........................................................................................32
“Se não tivermos presente a tradição histórica, seremos como selvagens
2.3.1.1. TALES DE MILETO (623 – 546 a.C.)............................................33 modernos na selva da cidade” (Jostein Gaarder).
2.3.1.2. ANAXÍMENES (588 – 524 a.C.).....................................................33
2.3.1.3.ANAXIMANDRO (610 – 547 a.C.).................................................33 O objetivo de elaborarmos esta apostila é colocar às mãos dos
2.3.1.4.DEMÓCRITO (460 – 370 a.C.)........................................................33 alunos do Ensino Médio o conhecimento dos conteúdos básicos de
2.3.1.5.PITÁGORAS (570 – 490 a.C.)..........................................................34 Filosofia que permita o desenvolvimento do raciocínio lógico,
2.3.1.6.HERÁCLITO (535 – 475 a.C.).........................................................35 aprofundado, sistemático, questionador.
2.3.1.7.PARMÊNIDES ( cerca de 540 – 460 a.C.).......................................35 Trata-se da disciplina Filosofia e pretende-se apresentar aqueles
2.3.1.8.EMPÉDOCLES (490 – 430 a.C.)......................................................35 aspectos da Filosofia que darão uma contribuição importante na
3.2.1.2. DO SENSO COMUM AO SENSO CRÍTICO OU FILOSÓFICO. 36
3. ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA........................................................37 formação dos estudantes em relação ao pensar, o aprender, o
3.1. OS SOFISTAS E SÓCRATES (PERÍODO DA CRISE)...................37 conhecer e o falar. Não se ensina e não se aprende a Filosofia.
3.1.1. OS SOFISTAS..............................................................................38 Aprende-se a filosofar. Por isso é um convite: vamos filosofar.
3.1.1.1. PROTÁGORAS (480 – 410 a.C.)...............................................38 Ensaios porque as atividades do aprender a aprender, do
3.1.1.2. GÓRGIAS (487 – 380 a.C.).......................................................39 conhecer como se conhece, do saber como se sabe, serão feitas
coletivamente, reelaborando o conhecimento a partir da contribuição
5. de cada estudante. Introdução, do latim Intus (dentro) Ducere REALE, G; ANTISERI, D. História da Filosofia. Vol. I. São Paulo:
(conduzir), porque coloca os estudantes em contato com a ciência do Paulus, 1991.
ser e do pensar. E, finalmente, a Filosofia. O conhecer é obra dos RÓNAI, Paulo. Dicionário universal de citações. RJ: Círculo do Livro,
que pensam, querem e sentem. Na medida em que se vive se 1985.
filosofa. Filosofia é uma atividade do ser humano, é a dinâmica do SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo:
ser. É a idéia, sangue do meu sangue. Produzir a idéia, o Cortez, 2003.
pensamento. Não ser apenas meros repetidores. Filosofia é ser e SCURO, Neto Pedro. Sociologia Ativa e Didática. SP: Saraiva, 2003.
pensar. Consegue viver melhor quem pensa. Portanto, Filosofia é SILVA, F. L. Teoria do Conhecimento, In: CHAUÍ et al. Primeira
aprendizado do saber em proveito do homem. Filosofia. São Paulo: Brasiliense,1985.
A coruja na capa é o símbolo da filosofia, pois consegue TELES, Antônio Xavier. Introdução ao estudo de filosofia. 19 ed., SP:
enxergar o mundo mesmo nas noites mais escuras. A constituição Ática, 1982.
física de seu pescoço permite que ela veja tudo a sua volta. Essa TOBIAS, J.A. Iniciação à filosofia. 8 ed. Presidente Prudente/SP:
seria a pretensão da filosofia, por meio da razão poder ver Unoeste, 1987.
racionalmente e entender o mundo mesmo nos seus momentos mais VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis (trad. Luiz Fernando Cardoso).
obscuros. E ainda, procurar enxergá-lo sob os mais diversos ângulos Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
possíveis. VERNANT, J. P. Entre Mito e Política. São Paulo: Editora da
Penso logo não me arrependo. Universidade de São Paulo, 2001.
Pensar é produzir conhecimento, é ação sobre a realidade circundante. ________, J. P. Mito e Pensamento entre os gregos. São Paulo:
Arrependo por não executar o que penso, por executar diferente do pensado,
ou executar sem ter planejado.
Editora Difusão Européia do Livro, Ed. Da Universidade de São
Recordo-me de ter pensado e isto é conhecimento de fato. Paulo, 1973.
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles – os caminhos do conhecimento.
73 São Paulo: Editora Odysseus, 2002.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes,
2003. BIBLIOGRAFIA
LEFEBVRE, H. Introdução à Modernidade. Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 1969.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. SP: Cortez, 1994. ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. SP: Mestre Jou, 1970.
MERLEAU-PONTY, M.; Elogio da Filosofia. Lisboa: Guimarães Ed., ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 4ª ed. Tradução de Mário da
s/d. Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília – UNB, 2001.
MOSER, P. K.; DWAYNE, H. M.; TROUT, J. D. A Teoria do _________. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1991.
Conhecimento: Uma introdução Temática. São Paulo: Martins ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
Fontes, 2004. Scipione, 1994.
PLATÃO; Defesa de Sócrates. Pensadores, São Paulo: Abril ARAGON, L. O camponês de Paris. Rio de Janeiro: Editora Imago,
Cultural, 1972. 1996.
PLATÃO; República. São Paulo: Abril Cultural, 1972. BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro:
PRADO JUNIOR, C. O que é filosofia. SP: Brasiliense, 1983. Jorge Zahar, 1994.
6. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1997. qual o mundo vai permanecer tal e qual”2. Por isso há os que
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. História e Grandes zombam. Mas como disse Pascal: “Zombar da filosofia já é filosofar”3.
Temas. São Paulo: Saraiva, 2006. Estimulado por buscar na filosofia a razão última das coisas.
CUNHA, José Auri. O conceito de pessoa na comunidade dialógica Com sabedoria afirmou o cineasta americano John Huston: “O futuro
de investigação. Transcrição da palestra proferida na Mesa-Redonda do homem não poderá estar dissociado de seu retorno às origens”4.
‘Racionalidade, Ética e Educação’, II Encontro Nacional de Educação A grande busca da contemporaneidade é a questão da qualidade. Lá
para o Pensar. Leia o texto integral em www.cbfc.com.br. (Clique em na Grécia Antiga encontramos Platão absorto na discussão de como
“Biblioteca CBFC” e em “Volume 3”). administrar a Pólis com justiça, buscando sempre com sabedoria o
DROZ, G. Os mitos Platônicos. Brasília Editora Universidade de melhor caminho. Assim a filosofia hoje há que se preocupar com um
Brasília, 1997. elemento muito importante: o ser humano, aquele que cria e
FAGUNDES, Márcia Botelho. Aprendendo Valores Éticos. Belo reproduz a qualidade.
Horizonte: Autêntica, 2001. A cada dia que passa é maior a necessidade de que os
FARIA, M. C. B. Aristóteles: a plenitude do Ser. São Paulo: Moderna, indivíduos sejam sujeitos de si mesmos conscientes de sua história.
1994. Até mesmo o mercado já exige um perfil profissional que supõe uma
GAARDER, J. O Mundo de Sofia: romance da história da filosofia. mão de obra criativa e atuante, e não mais meros executores de
SP: Cia das Letras, 2001. tarefas.
GALEANO, E. De pernas pro ar – A escola do mundo ao avesso.
Porto Alegre: Le PM, 1999.
GRAMSCI, A. Concepção Dialética da História (trad. Carlos Nelson
06
Coutinho). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1991.
GUTHRIE, W.K.C. Os Sofistas. São Paulo: Paulus, 1995.
HESÍODO, Teogonia: a origem dos deuses. São Paulo: Iluminuras, Nossa preocupação, para além do mercado, é com a formação
2001. de um indivíduo crítico e responsável socialmente pelos seus atos.
A possibilidade da formação deste indivíduo deve ser viabilizada
para o adolescente e o jovem. Ela não se dá espontaneamente. Uma
INTRODUÇÃO das formas de viabilizá-la é através do processo ensino-
aprendizagem das ciências, da filosofia, das artes, e da experiência
de vida de cada um.
“Nada caracteriza melhor o homem do que o fato de pensar” (Aristóteles). Neste contexto, cabe à Filosofia garantir não só a visão de
totalidade da história e do processo do conhecimento, sem negar a
Neste primeiro encontro com a ciência chamada FILOSOFIA, necessidade de especialização hoje imposta, mas também
berço de todas as demais ciências, para um grupo de alunos do desenvolver no educando - junto com outras disciplinas - a sua
Ensino Médio, o filósofo ressente-se de duas atitudes: apreensão e capacidade de buscar, através da leitura, da observação, da
estímulo. percepção de transformações ocorridas a partir da sua própria
Apreensivo porque na maioria das vezes se têm a idéia, que a interferência em situações político-econômico-sociais, o melhor
muito vem sendo disseminada, de que a filosofia é coisa de maluco, 2
Gregório Marañon (1887-1960), nota à margem de uma de suas obras, Apud.
árida e de nenhuma utilidade para a vida. Sem dúvida a ideologia PAULO RÓNAI, Dicionário universal de citações, p. 374.
dominante assim a define, porque interessa. É conhecida aquela 3
Pensamentos I, 4.
definição de que “filosofia é uma ciência que com a qual ou sem a 4
Apud Irene Tavares de Sá, Você também faz a história, p. 58.
7. caminho historicamente possível para a organização da vida em Vida natural de Vida material de Vida material Vida terrena e Acumulação e
sociedade. subsistência escravos e sem material pobreza
Desta forma, a disciplina de Filosofia busca fornecer ao opulência dos importância também é
reis importante. Luta de classes
estudante do Ensino Médio o instrumental básico à elaboração de
uma reflexão sobre o mundo, e sobre si mesmo no mundo, de forma Respeito e Medo e Conformismo Crença no Progresso para
a possibilitar-lhe a conquista de uma autonomia crescente no seu utilização obediência progresso privilegiados
ordenada da
pensar e agir. natureza
Os trabalhos e atividades serão desenvolvidos a partir de aulas
expositivas; leituras e pesquisas orientadas; seminários; análise, Natureza= Natureza= Natureza= Natureza= Natureza= a luta pela
interpretação e discussão de temas atuais; integração com outras provedora do esconderijo e fonte de beleza, onde o sua preservação
homem protetora pecado homem se
disciplinas; avaliações. Pois como disse Kant: “Não se ensina insere. Consciência ecológica
Filosofia, ensina-se a filosofar”5.
Ao longo dos três anos do Ensino Médio, espera-se do Vida instintiva Mitologismo e Ascetismo Hedonismo Ecletismo
estudante: cristianismo
• Aprender e fixar a leitura interpretativa de textos teóricos; Naturalismo Compreender Dogmatismo Fé é diferente Fé e razão se
• Aprender conceitos, saber relacioná-los entre si e aplicá-los em para crer, crer da razão entrelaçam
sua realidade; para
compreender.
• Reconhecer-se como ser produtor de cultura e, portanto, da
história;
71
CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO NOS DIFERENTES 70
PERÍODOS DA HISTÓRIA E NA PRÉ-HISTÓRIA
PRÉ- ANTIGÜIDADE IDADE IDADE IDADE
A aprendizagem não mora no podium, ela mora no trajeto. A
HISTÓRIA MÉDIA MODERNA CONTEMPORÂNEA aprendizagem não se dá na conquista ela se dá na luta. A
aprendizagem é um processo. Respostas prontas aprisionam. Nosso
Naturalismo Guerra e caos Teocentrismo Antropocentris- Humanismo e papel é libertar. A necessidade de atividade para a construção do
mo capitalismo
conhecimento demanda práticas objetivas do aluno e não só o
Verdade= Verdade= força Verdade= Verdade= Verdade? Esperança “prestar atenção” ou fazer tarefas. Cabe ao professor descobrir
naturalismo bruta bíblia experimentação a última que morre a novas formas ou velhas formas que ainda fazem sentido para
, observação. primeira que mata. ensinar sem complicar ou ensinar com alegria. Como dizia Platão:
Tragédias são
transformadas em “Não ensine aos meninos pela força e severidade, mas leve-os por
grandes espetáculos. aquilo que os diverte, para que possam descobrir a inclinação de
suas mentes” (Platão. A República, VII). Afinal aquilo que
5 aprendemos vale bem mais do que aquilo que nos ensinam. Não
citado em "Revista Brasileira de Filosofia" - Volume 16, Página 149, 1966.
Disponível em: http://pt.wikiquote.org/wiki/Immanuel_Kant, acessado em 23 de existe ensino sem aprendizagem. É preciso criar condições para que
março de 2010 às 14h:01min. os alunos possam refletir antes de mergulhar nos textos filosóficos,
8. ou como diria Paulo Freire: é preciso fazer primeiro a leitura do • Elaborar criticamente seu próprio pensar a partir de
mundo para depois fazer a leitura da palavra. notícias/análises de jornais/revistas e de suas vivências
concretas.
Este é o caminho que devemos percorrer. A esperança de
caminhar nas linhas que traçamos é infinda, esperamos consegui-lo,
senão o conseguir na totalidade, ao menos em parte.
Olívio Mangolim.
07
• Compreender a produção do pensamento como enfrentamento
dos desafios humanos;
• Compreender o papel da reflexão, em especial, o da filosófica;
• Saber construir universos históricos de diferentes tempos em seu
1. GRÉCIA: BERÇO QUE EMBALA A FILOSOFIA
pensamento sem preconceitos; 1.1. A ORIGEM DA FILOSOFIA
• Situar-se como cidadão no mundo em que vive percebendo o seu “Você é aquilo que você pensa. Pense nisso!” (livro “o Segredo”).
caráter histórico e a sua dimensão de liberdade;
• Compreender o conhecimento como possibilidade de libertação Os historiadores da filosofia dizem que ela possui data e local de
nascimento: final do século VII e inicio do século VI antes de Cristo,
social;
nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que
• Compreender o pensamento do seu mundo como síntese de
formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o
diferentes culturas anteriores e concomitantes a ele;
primeiro filosofo foi Tales de Mileto.
Alem de possuir data e local de nascimento e de possuir seu
primeiro autor, a filosofia também possui um conteúdo preciso ao
9. nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de processos educativos que visem à transformação da sociedade em
duas outras, cosmos que significa mundo ordenado e organizado; e que vivemos, necessariamente, advirão de experiências de grupos
logia que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, concretos, onde o processo da construção dessa experiência de
discurso racional, conhecimento. Assim, a filosofia nasce como verdadeiros cidadãos seja coletivo, tanto na formação dos
conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, donde educadores quanto dos educandos, no caso, o cidadão brasileiro em
cosmologia. geral.
O homem pode ser identificado e caracterizado como um ser “O homem é a única criatura que precisa ser educada (...) Por ser dotado de
que pensa e cria explicações. Criando explicações, cria instinto, um animal, ao nascer, já é tudo o que pode ser; uma razão alheia já
pensamentos. Na criação do pensamento, estão presentes tanto o cuidou de tudo para ele. O homem, porém deve servir-se de sua própria
mito como a racionalidade, ou seja, a base mitológica, enquanto razão. Não tem instinto e deve determinar ele próprio o plano de sua
conduta. Ora, por não ter de imediato capacidade para fazê-lo, mas, ao
pensamento por figuras, e a base racional, enquanto pensamento
contrário, entrar no mundo, por assim dizer, em estado bruto, é preciso que
por conceitos. Esses elementos são constituintes do processo de outros o façam para ele” (Kant, fim do século XVIII).
formação do conhecimento filosófico.
Este fato não pode deixar de ser considerado, pois é a partir Nós somos protagonistas da história e como disse o pequeno
dele que o homem desenvolve suas idéias, cria sistemas, elabora príncipe: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
leis, códigos, práticas. cativas”. Ou em outras palavras ditas pelo primeiro e grande
Compreender que o surgimento do pensamento racional, educador popular da França Freinet: “Se não encontrarmos
conceitual, entre os gregos, foi decisivo no desenvolvimento da respostas adequadas a todas as questões sobre educação,
cultura da civilização ocidental é condição para que se entenda a continuaremos a forjar almas de escravos em nossos filhos”.
conquista da autonomia da razão (lógos) diante do mito. Isso marca Segundo Freinet, está fadado ao fracasso qualquer método que
o advento de uma etapa fundamental na história do pensamento e do pretenda fazer “beber água o cavalo que não tem sede”. A volta da
desenvolvimento de todas as concepções científicas produzidas ao Filosofia ao Ensino Médio quer ser o despertar desta sede. A
longo da história humana. Filosofia é, na verdade, a ciência que volta para auxiliar na
descomplicação da aprendizagem.
68
CONCLUSÃO Os métodos ou técnicas se caracterizam na exposição verbal da
matéria e/ou demonstração. Tanto a exposição quanto a análise são
feitas pelo professor com ênfase nos exercícios, na repetição de
conceitos ou fórmulas.
"Não há mestre que não possa ser aluno” (Baltazar Gracián). A idéia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos
para o espírito do aluno é acompanhada de outra: a de que a
capacidade do aluno de assimilação é idêntica à do adulto, apenas
menos desenvolvida.
Não se transforma o Homem em verdadeiro cidadão com
processos educativos repressivos ou de dominação. Nem tampouco
com processos educativos altamente libertadores sendo
manipulados por pessoas dominadoras e repressivas. Verdadeiros
10. apresentar-se como neutra, escondendo interesses políticos ou
econômicos em sua roupagem sistemática, por exemplo.
Para entender o que é Filosofia, é importante entendermos
como ela surgiu.
A filosofia surgiu na Grécia Antiga com o propósito de libertar o
pensamento de suas bases míticas, para dar à vida explicações
diferentes daquelas que dependiam de deuses e superstições. Era
uma atividade dos homens sábios (philos = amigo ou amante;
Sophia = sabedoria) que se punham a pensar sobre conceitos
estabelecidos, buscando novos entendimentos. Ou seja, a Filosofia
tem início quando não mais consideramos as coisas como certas,
passando e formular questões sobre elas e a procurar respostas.
Faz-se Filosofia colocando perguntas, propondo idéias,
argumentando e pensando em possíveis argumentos contrários,
procurando saber como funcionam realmente os conceitos, para
chegar mais próximo da verdade. Seu objetivo é avançar no
conhecimento da vida e de nós mesmos.
A atividade filosófica (e conseqüentemente, a atitude filosófica)
se caracteriza pela busca de sentido mais profundo da realidade,
transformando uma simples experiência ou idéia num "saber" sobre a
experiência e a idéia.
O que o filósofo mais faz é refletir (refletere = voltar sobre),
repassando suas experiências e suas idéias para entendê-las melhor
e para confirmá-las.
09 10
A Filosofia nasceu para que, usando a razão 'natural', nós
O conhecimento de como isso se deu e quais foram as pudéssemos discutir, desenvolver e aplicar critérios de julgamento, a
condições que permitiram a passagem do mito à filosofia elucidam fim de avaliar o valor de verdade do conteúdo das nossas crenças e
uma das questões fundamentais para a compreensão das grandes a validade, ou a legitimidade das normas, hábitos e costumes que
linhas de pensamento que dominam todas as nossas tradições regulam as nossas ações e comportamentos. Temos crenças e em
culturais. Deste modo, é de fundamental importância que o estudante função delas agimos. Filosofamos para avaliar o quanto nossas
do Ensino Médio conheça o contexto histórico e político do crenças são sólidas e o quanto nossos comportamentos são
surgimento da filosofia e o que ela significou para a cultura. Esta justificáveis6.
passagem do pensamento mítico ao pensamento racional no
contexto grego é importante para que o estudante perceba que os 6
mesmos conflitos entre mito e razão, vividos pelos gregos, são Cunha, José Auri. O conceito de pessoa na comunidade dialógica de
investigação. Transcrição da palestra proferida na Mesa-Redonda 'Racionalidade,
problemas presentes, ainda hoje, em nossa sociedade, na qual a Ética e Educação', II Encontro Nacional de Educação para o Pensar. Leia o texto
própria ciência depara-se com o elemento da crença mitológica ao integral em www.cbfc.com.br. (Clique em "Biblioteca CBFC" e em "Volume 3").
11. Esta atividade é favorecida pelo diálogo filosófico, onde o que é a chuva? Lágrimas de anjos. Passou a ser estudado e
pessoas com pensamentos diferentes se encontram e buscam, com explicado através da ciência: exemplo: o que é a chuva? Chuva é um
método, investigar a verdade sobre um tema ou assunto. fenômeno meteorológico que consiste na precipitação de água sobre
a superfície da Terra. A chuva forma-se nas nuvens. Nem todas as
1.2. ETIMOLOGIA DA PALAVRA
chuvas atingem o solo, entretanto: algumas se evaporam enquanto
“A falta de interesse em querer conhecer os mistérios da criação e da estão ainda a cair, num fenômeno que recebe o nome de virga e
vida, é uma prova de que essa pessoa já se encontra morta... é só um
defunto ambulante que incomoda... e ás vezes fede também!” (Bruno
acontece principalmente em períodos/locais de ar seco.
Guerreiro de Moraes)7. 4.4.2. TENDÊNCIA HUMANISTA
A palavra é formada por dois termos gregos: Philo (amigo) e A concepção humanista, seja na versão tradicional, seja na
Sophia (sabedoria). Se conseguirmos pronunciar a palavra versão moderna, engloba um conjunto bastante grande de correntes
philosophia como os gregos antigos por sua aprendizagem a que têm em comum o fato de derivarem a compreensão da
conheceram, não seria preciso explicá-la, pois a língua grega, por se educação em determinada visão de homem. Segundo essas duas
ter formado a partir da experiência originária das palavras, tem o tendências, a Filosofia da Educação é algo sempre tributário de
privilégio de expressar seu sentido no ato de pronunciá-las. Nós hoje determinado “sistema filosófico geral”. A concepção humanista
ouvimos primeiro a explicação etimológica da palavra philosophia e tradicional é marcada pela visão existencialista do homem. O homem
com dificuldade transpomos o simples ouvir ou ver a palavra em é encarado como constituído por essência imutável, cabendo à
busca daquele sentido primeiro investigado e apreendido pelos educação conformar-se com a essência humana.
antigos gregos. A escola tem o papel de preparação intelectual e moral dos
A primeira definição de filosofia que conhecemos é a de alunos para assumir sua posição na sociedade. Os conteúdos de
Pitágoras (582-497 a.C.)8. ensino são os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas
gerações anteriores e repassados como verdades. São conteúdos
67
dissociados das realidades sociais.
Visava a substituição da manipulação mítica (irreal) pela visão
científica subordinando a imaginação científica à observação
empírica (baseado apenas na experiência e não no estudo).
Seu lema sempre foi: “ordem e progresso”, por isso tornou-se 66
uma ideologia da ordem, da resignação e, contraditoriamente, da
estagnação social.
Para os positivistas, a libertação social e política passariam pelo A fim de entender isso completamente será conveniente tratar,
desenvolvimento da ciência e da tecnologia sob o controle das elites. em primeiro lugar, da diferença entre conhecimento direto e
O positivismo nasceu como filosofia (questionando o real e a conhecimento por descrição, e então considerar que o conhecimento
ordem existente) e ao dar resposta ao social afirmou-se como de princípios gerais, se existe, tem o mesmo tipo de certeza que
ideologia. Ou seja, o que antes era explicado com religião: exemplo: nosso conhecimento da existência de nossas próprias experiências.
4.3.2. IDEOLOGIA
7
Disponível: http://osaltociencia.blogspot.com/2008/12/bruno-apresentao.html. Ideologia é o conjunto de idéias, conceitos e comportamentos
Acessado em 23 de março de 2010 às 14h52min. que prevalecem sobre uma sociedade. Seu objetivo é encobrir as
8
Cícero. Tusc. disput. lib. V, c. 3. Apud. Antônio Xavier Teles, Introdução ao
estudo de filosofia. p. 10.
12. divisões existentes na sociedade e na política, mostrando uma forma philos que significa amigo, e sophon, que significa o todo (hen
maquiada de indivisão. panta). Filósofo, portanto, é amigo do todo.
A ideologia funciona invertendo os efeitos e as causas, Onde está o todo com quem o filósofo mantém laços de
resultando em imagens e sintomas, produzindo uma utopia social, amizade?
usando o silêncio para encobrir a incoerência. O todo está no próprio pensamento que pensa! Quando pensa,
Podemos exemplificar a ideologia com a afirmação de que o o pensamento se torna “luz” do real. Podemos traduzir o termo
adultério é crime, que o homossexual é pervertido e que o futebol é sophon como “o pensamento pensando o real”. Ou ainda: sophon é
coisa do homem. O que a ideologia encobre? o real luzindo no pensamento.
Encobre o vínculo entre compromisso e sexo, no primeiro caso, Quando o pensamento aprende a apreciar o múltiplo real,
o preconceito pela escolha sexual diferente e o uso do sexo para quando sabe vê-lo ou lê-lo em sua “transparência”, possui o sophon.
prazer e não para procriar, segundo caso, e a discriminação ainda Esta aprendizagem ou sabedoria se parece com o clarear do dia que
existente com o sexo feminino, último caso. acorda a noite para a luz da madrugada. A luz da manhã é o
4.4. POSITIVISMO E MATERIALISMO pensamento; a realidade, à noite de seu entusiasmo.
4.4.1. TENDÊNCIA NATURALISTA O filósofo seria um pretendente à sabedoria, uma pessoa
Para Augusto Comte não só os fenômenos naturais podem ser aficionada pelo saber, e não um detentor de todo saber como
reduzidos a leis, mais também os fenômenos sociais. Os fenômenos injustamente, às vezes, lhe é atribuído. A primeira vez que a palavra
humanos podem ser analisados como fatos. Tanto na natureza apareceu foi sob a forma verbal filosofar com o significado de
quanto nas ciências humanas deveria se afastar qualquer esforçar-se por adquirir novos conhecimentos (Heródoto,
preconceito ou pressuposto ideológico. 484-425 a.C.).
Tendência para encarar a vida só pelo lado prático e útil. Para ser amigo e desejoso da sabedoria é preciso vencer a
Representava a doutrina que consolidaria a ordem pública “tragédia”. Começar a pensar, eis a tarefa. A filosofia deve ser o
desenvolvendo nas pessoas uma “sábia resignação”. Por isso pensar real. Por que isso? Porque entre nós perdemos o contato
rejeitava o marxismo, o iluminismo e o socialismo considerando-os com a realidade em torno, e até muitas vezes desconhecemos nossa
destrutivos, subversivos, revolucionários. própria realidade, vivemos de uma forma como se não fôssemos
nós, assumimos ser outro. Como podemos deixar de sermos nós
mesmos? A filosofia é o pensar solícito e liberado à verdade do ser
que destina o homem ao seu ser mais próprio.
11
12
Ele dizia que o filósofo é “amigo e desejoso da sabedoria”. Ela convoca o homem ao mais íntimo de si, leva-o a refletir
Relutava que não se tratava de uma sabedoria sobrenatural ou sobre seus problemas e os problemas do contexto que o envolve. De
divina, e sim que um filósofo é um homem humanamente sábio, e, modo que podemos afirmar que a filosofia libera o homem da
por isso mesmo, é de sua obrigação fornecer aos homens luzes conjuntura social, enviando-o ao mais próprio do social, econômico,
humanas mais profundas sobre os grandes problemas que afligem a político e ideológico.
humanidade. A filosofia é, ao mesmo tempo, interpretação do já vivido e das
Foi Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) quem presumivelmente aspirações e desejos do que está por vir, do que está para chegar.
criou o termo “filósofo”. Em grego, philosophon que se compõe de Ela é uma força na luta pela vida e pela emancipação humana.
13. Portanto filosofia é o que se pensa. Pensar o que somos e como conhecimento pode ser descrito como conhecimento de verdades.
somos. Na segunda acepção da palavra “conhecer”, a palavra aplica-se ao
nosso conhecimento de coisas, ao qual podemos chamar de
1.3. O QUE É FILOSOFIA
conhecimento direto. Este é o sentido em que conhecemos os dados
“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo” (Merleau-Ponty). dos sentidos. (Esta distinção corresponde, aproximadamente, àquela
A filosofia é como uma obra de arte ou ainda uma bela jogada que existe entre savoir e connaître em francês, ou entre wissen e
de futebol. Impossível defini-la antes de fazê-la, como não se pode kennen em alemão).
definir em geral nenhuma ciência, nenhuma disciplina, antes de Assim, o enunciado que parecia uma verdade incontestável
entrar diretamente no trabalho de fazê-la. Qualquer ciência, um torna-se, quando reformulado, o seguinte: “Nunca podemos enunciar
“fazer” humano qualquer, recebe seu conceito claro, sua noção um juízo verdadeiro sobre a existência de algo se não o conhecemos
precisa, quando o homem domina este fazer. O que é dominado, o diretamente”. Esta de modo algum é uma verdade incontestável,
que é apreendido, então é definido. Não existem definições no vazio, mas, ao contrário, uma evidente falsidade. Não tenho a honra
no nada. Só se sabe o que é filosofia quando se é realmente um conhecer diretamente o Imperador da China, mas julgo, com razão,
filósofo. Isto quer dizer que a filosofia, mais do que qualquer outra que ele existe. Pode-se dizer, naturalmente, que julgo isso por causa
disciplina necessita ser vivida. Vivência significa o que temos do conhecimento pessoal que outras pessoas têm dele. Esta,
realmente em nosso ser psíquico; o que real e verdadeiramente entretanto, seria uma réplica irrelevante, pois se o princípio fosse
estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra ter. verdadeiro, não poderia saber que outros têm um conhecimento
Adentremos, pois, num exemplo concreto, que nos permita direto dele. Mas, além disso, não existe razão alguma para que não
compreender a amplitude da palavra vivência. Uma pessoa pode saiba da existência de algo que ninguém tem conhecimento direto.
estudar detalhadamente o mapa do Pantanal sulmatogrossense; Este ponto é importante, e requer elucidação.
estudá-lo muito bem; observar um por um os diferentes nomes dos Se conheço diretamente que algo existe, meu conhecimento
rios; depois estudar uma por uma o nome das espécies animais, direto me proporciona o conhecimento de que ela existe. Mas não é
vegetais, principalmente aqueles que se dizem em extinção; pode verdade, reciprocamente, que sempre que posso saber que algo
depois ir à Morada dos Baís e revistar uma a uma as fotos determinado existe, eu ou alguém deve ter conhecimento direto da
existentes. Igualmente no Museu Dom Bosco encontrará vestígios de coisa. O que ocorre, nos casos em que enuncio um juízo verdadeiro
espécies antigas, da presença indígena que ocupara a região, etc. A sem ter conhecimento direto, é que a coisa é conhecida por mim por
partir disto pode reconstruir a visão panorâmica do Pantanal. E assim descrição, e que, em virtude de algum princípio geral, a existência de
ir aprofundando os estudos de maneira cada vez mais minuciosa; algo que satisfaz esta descrição pode ser inferida da existência de
mas sempre será uma simples idéia. algo do qual tenho conhecimento direto.
65 64
Além disso, não é de modo algum uma verdade incontestável, e,
na realidade, é falso, que não podemos saber se algo existe se não o Diz-se frequentemente, como se fosse um truísmo evidente por
conhecemos. A palavra “conhecer” é aqui usada em dois sentidos si mesmo, que não podemos saber se algo existe se não o
diferentes. Em sua primeira acepção é aplicável ao tipo de conhecemos. Infere-se que tudo que pode de alguma maneira ser
conhecimento que é oposto ao erro, no sentido de que aquilo que relevante para nossa experiência deve ser no mínimo suscetível de
sabemos é verdadeiro, no sentido que se aplica às nossas crenças e ser conhecido por nós. Segue-se, portanto, que se a matéria fosse
convicções, isto é, ao que denominamos de juízos. Neste sentido da essencialmente alguma coisa da qual não pudéssemos ter
palavra sabemos que alguma coisa é o caso. Este tipo de conhecimento direto, a matéria seria alguma coisa que não
14. poderíamos saber que existe, e que não teria para nós importância não o esquema, que o substitua, mas ele próprio. Pois o que nós
alguma. Em geral está subentendido, por razões que permanecem vamos fazer é viver a filosofia. E para vivê-la é necessário entrar nela
obscuras, que o que não pode ter nenhuma importância para nós para explorá-la.
não pode ser real, e que, portanto, a matéria, se ela não é composta “Qual é a coisa mais importante da vida? Se fazemos esta pergunta a uma
de mentes ou de idéias mentais, é impossível e uma mera quimera. pessoa de um país assolado pela fome, a resposta será: a comida. Se
Não é possível, no momento, analisar profundamente este fazemos a mesma pergunta a quem está morrendo de frio, então a resposta
argumento, dado que ele levanta pontos que exigem uma será: o calor. E quando perguntamos a alguém que se sente sozinho e
isolado, então certamente a resposta será: a companhia de outras pessoas.
considerável discussão preliminar; mas certas razões para rejeitar o
Mas, uma vez satisfeitas todas as necessidades, será que ainda resta
argumento podem ser mencionadas imediatamente. Comecemos alguma coisa de que todo mundo precise? Os filósofos acham que sim. Eles
pela última: não existe razão alguma pela qual o que não pode ter acham que o ser humano não vive apenas de pão. É claro que todo mundo
qualquer importância prática para nós não deva ser real. É verdade precisa comer. E precisa também de amor e cuidado. Mas ainda há uma
que, se incluímos a importância teórica, tudo o que é real tem coisa de que todos nós precisamos. Nós temos a necessidade de descobrir
quem somos e porque vivemos” (GAARDER, 2001: 24).
alguma importância para nós, dado que, como pessoas que desejam
conhecer a verdade sobre o universo, temos algum interesse em A vida é uma filosofia. A filosofia é vivência. Estudar é uma
tudo aquilo que o universo contém. Mas se incluímos este tipo de filosofia de vida. Portanto estas duas ciências articuladas durante o
interesse, não é verdade que a matéria não tem nenhuma processo formativo hão de propiciar a que o profissional seja mais
importância para nós, uma vez que ela existe mesmo se não bem qualificado para o mercado. Afinal o estudante deve exercer o
podemos saber que ela existe. Podemos, evidentemente, suspeitar seu papel de “prever, organizar, pesquisar, discutir, estudar”.
que ela possa existir, e perguntar se ela existe; por esta razão ela
1.4. A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA
está relacionada com nosso desejo de conhecimento, e tem a
importância de satisfazer ou frustrar este desejo. “É igualmente proveitosa aos pobres e aos ricos, e, quando
desprezada, prejudicará igualmente meninos e velhos”
(HORÁCIO, Epístolas, I).
Na linguagem comum de uso corrente, filosofia é uma visão de
mundo, uma concepção de vida, que o homem adota para uso
pessoal. De maneira que qualquer profissional poderá adotar para si
ou assumir uma filosofia de vida mais pessimista ou mais otimista,
menos séria ou mais, progressista ou retrógrada, motivadora de ação
ou inibidora.
14
13
De fato é no período que vai da adolescência para a juventude
Ao contrário doze (12) horas de passeio de barco pelo Pantanal que criamos uma filosofia de vida para nós, uma concepção de vida
é uma vivência. Entre doze (12) horas de passeio de barco e a mais e de mundo que irá interferir em nossas atitudes e modo de ser.
vasta coleção de fotografia do pantanal, há um abismo. Isto é uma Todos nós temos uma filosofia subjacente às nossas atitudes
simples idéia, uma representação, um conceito, uma elaboração perante o mundo e a vida.
intelectual; enquanto que aquilo é colocar-se realmente em presença Todos nós devemos ser filósofos. Devemos filosofar, pois
do objeto, isto é, vivê-lo, viver com ele; tê-lo própria e realmente na filosofar é arte das artes: o exercício de pensar por nós mesmos. A
vida; não o conceito, que o substitua; não a fotografia; não o mapa,
15. filosofia de vida de cada um resume o significado mais amplo que idéias eram tomadas como atos de apreensão, transferimos a
atribuímos às experiências do dia-a-dia para dar-lhes sentido. proposição que as “idéias estão na mente” para idéias no outro
Assim todo profissional tem sua filosofia de trabalho, mesmo que sentido, isto é, para as coisas apreendidas por nossos atos de
não esteja explicitada, elaborada, é seguida como doutrina. apreensão. Assim, por um equívoco inconsciente, chegamos à
Os que jamais tiveram ou seguiram uma filosofia foram fadados conclusão de que tudo o que podemos apreender deve estar em
ao fracasso, pois a prática sem teoria é uma roda sem eixo. E a nossa mente. Esta parece ser a verdadeira análise do argumento de
teoria sem prática é um semovente a caminho; necessariamente tem Berkeley, e a falácia fundamental sobre o qual ele repousa.
alguém a guiá-lo. Esta questão da distinção entre o ato e o objeto em nossa
No ato de executar o papel fundamental da Filosofia está à apreensão das coisas é sumamente importante, visto que toda nossa
atividade de pensar, aprender, conhecer e falar. capacidade de adquirir conhecimento apresenta-se vinculada a ela.
• Pensar: atividade da razão (investigação). A faculdade de ter conhecimento direto de coisas diferentes dela
• Aprender: interiorização do objeto e exteriorização do mesma é a principal característica de uma mente. O conhecimento
conhecimento do objeto. direto dos objetos consiste essencialmente numa relação entre a
• Conhecer: adequação do pensamento ao objeto (objetivando e mente e alguma coisa diferente da mente; é isso que constitui a
subjetivando). É quando se dá a realização do ser. capacidade da mente de conhecer coisas. Se dissermos que as
• Falar: linguagem, expressão do pensamento, do aprendizado, do coisas conhecidas devem estar na mente, estamos limitando
conhecimento. O que efetivamente denota que houve pensar, o indevidamente a capacidade da mente de conhecer ou estamos
aprender e o conhecer. É sua subjetivação. O esclarecimento do proferindo uma mera tautologia. Estamos proferindo uma mera
seu aprendizado. tautologia se quisermos dizer por “na mente” o mesmo que por
“diante da mente”, isto é, se quisermos dizer simplesmente ser
A filosofia é uma forma de saber que se distingue daquele apreendido pela mente. Mas se queremos dizer isso, teremos de
comum porque é sistemático e rigoroso, e daquele científico admitir que, neste sentido, estar na mente, pode, não obstante, ser
porque é exaustivo, com total abrangência inclusiva e não mental. Assim, quando compreendemos a natureza do
explicativa. A exaustividade desta ciência faz com que a nossa conhecimento, percebemos que o argumento de Berkeley é errado
investigação avance em direção ao aprender como se aprende ao tanto em sua substância como em sua forma, e suas razões para
saber como se sabe e ao conhecer como se conhece. supor que “idéias” – isto é, os objetos aprendidos – devem ser
mentais, são consideradas sem qualquer validade. Por isso, suas
razões a favor do idealismo podem ser rejeitadas. Resta ver se
existem algumas outras razões.
63 62
A opinião de Berkeley, que obviamente a cor deve estar na
mente, parece depender, para sua plausibilidade, da confusão entre Antes de nos dedicarmos à questão geral da natureza das
a coisa apreendida com o ato de apreensão. Estas duas coisas idéias, devemos elucidar duas questões inteiramente distintas que
poderiam ser denominadas uma “idéia”; provavelmente ambas teriam surgem a respeito dos dados dos sentidos e dos objetos físicos.
sido denominadas de idéia por Berkeley. O ato está indubitavelmente Vimos que, por várias razões específicas, Berkeley estava certo ao
na mente; portanto, quando estamos pensando no ato, prontamente tratar os dados dos sentidos que constituem nossa percepção da
admitimos a opinião de que as idéias devem estar na mente. Por árvore como mais ou menos subjetivos, no sentido que eles
conseguinte, esquecendo que isso era apenas verdadeiro quando as dependem de nós tanto quanto da árvore, e não existiriam se a
16. árvore não estivesse sendo percebida. Mas este é um ponto são terrenos privilegiados e também objetivo principal da filosofia os
inteiramente diferente daquele pelo qual Berkeley procura provar que problemas últimos: a origem das coisas, o sentido da história, o valor
tudo que pode ser imediatamente conhecido deve estar numa mente. do conhecimento, a causa do mal etc.
Para este objetivo argumentos específicos em relação à 1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIÃO, RAZÃO
dependência que os dados dos sentidos têm de nós são supérfluos.
É necessário provar, em geral, que pelo fato de serem conhecidas, Quando falamos do Mito e da Filosofia falamos do problema da
as coisas devem ser mentais. Isso é o que o próprio Berkeley ordem e da desordem no mundo. O homem, ao procurar a ordem do
acredita ter feito. É este problema, e não nosso problema anterior em mundo, cria tanto o mito como a filosofia. Muitos povos da
relação à diferença entre dados dos sentidos e objetos físicos, que Antigüidade experimentaram o mito, que é um pensamento por
deve agora nos interessar. imagens. Os gregos também fizeram a experiência, de ordenar o
Tomando a palavra “idéia” no sentido de Berkeley, existem duas mundo por meio do Mito. Estes perceberam que o Mito era um jeito
coisas completamente distintas a serem consideradas sempre que de ordenar o mundo. A experiência política grega, ao longo dos
uma idéia está diante da mente. Existe, por um lado, a coisa da qual anos, trouxe a possibilidade do pensamento como logos (razão), pois
estamos conscientes – a cor da minha mesa, por exemplo – e, por a vida na pólis impôs exigências que o mito já não satisfazia. Mas
outro lado, a própria consciência presente, o ato mental de será que com a filosofia o mito desaparece? Será que em nossa
apreender a coisa. O ato mental é indubitavelmente mental, mas sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mítico? Além
existe alguma razão para supor que a coisa apreendida é em algum dessas e outras questões, esse conteúdo procurará as conexões
sentido mental? Nossos argumentos anteriores sobre a cor não sociológicas e históricas para entender o mito e o nascimento da
provam que ela é mental; eles somente provam que sua existência filosofia na Grécia.
depende da relação de nossos órgãos dos sentidos com os objetos O nascimento da filosofia pode ser entendido como o surgimento
físicos – no nosso caso, a mesa. Ou seja, eles provam que uma de uma nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era
determinada cor existirá, em uma determinada luz, se um olho a forma de pensar dos gregos. Uma visão de mundo que se formou
normal é colocado em certo ponto em relação à mesa. Eles não de um conjunto de narrativas contadas de geração a geração por
provam que a cor está na mente do percipiente. séculos e que transmitiam aos jovens a experiência dos anciãos.
Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heróis de outros
tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos
práticos do trabalho e da vida com a religião e as crenças mais
antigas.
16
15
Entre as inúmeras definições que foram dadas à filosofia é digna Nesse contexto, os mitos eram um modo de pensamento
de particular menção a dos estóicos9: “A filosofia é ciência das coisas essencial à vida da comunidade, ao universo pleno de riquezas e
humanas e divinas e de suas causas”. Tudo é suscetível de complexidades que constituía a sua experiência. Enquanto narrativa
investigação filosófica; por esta razão dá-se uma filosofia do homem, oral, o mito era um modo de entender o mundo que foi sendo
uma filosofia do mundo, uma filosofia da arte, da religião, da história, construído a cada nova narração. As crenças que eles transmitiam
da cultura, do esporte, da técnica, do trabalho, do direito, etc. Mas ajudavam a comunidade a criar uma base de compreensão da
9
realidade e um solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma
ESTÓICA: escola filosófica que procura a felicidade através da supressão dos
prazeres. religião politeísta, sem doutrina revelada, sem teoria escrita, isto é,
17. um sistema religioso, sem corpo sacerdotal e sem livro sagrado, Há neste argumento algumas falácias que tiveram importância
apenas concentrada na tradição oral, é isso que se entende por na história da filosofia, e que será bom esclarecer. Em primeiro lugar,
teogonia. Vale salientar que essas narrativas foram sistematizadas existe uma confusão engendrada pelo emprego da palavra “idéia”.
no século IX por Homero e por Hesíodo no século VII a.C. Pensamos que uma idéia é algo que existe essencialmente na mente
Ao aliar crenças, religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o de alguém, e, assim, quando nos é dito que uma árvore consiste
modo que o grego encontrava para expressar sua integração ao inteiramente de idéias, é natural supor que, se é assim, a árvore
cosmos e à vida coletiva. Os gregos a partir do século V a.C., deve estar inteiramente na mente. Mas a noção de estar “na” mente
viveram uma experiência social que modificou a cotidianidade grega: é ambígua. Dizemos que temos uma pessoa em mente, não no
a vivência do espaço público e da cidadania. A cidade constituía-se sentido de que a pessoa está em nossa mente, mas de que temos
da união de seus membros para os quais tudo era comum. O em nossa mente um pensamento a seu respeito. Quando alguém diz
sentimento que ligava os cidadãos entre si era a amizade, a filia, que tirou de sua mente um problema que tinha que resolver, não
resultado de uma vida compartilhada. significa dizer que o próprio problema estava em sua mente, mas
1.5.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE MITO E FILOSOFIA? apenas que um pensamento sobre o problema estava antes em sua
mente, mas depois deixou de estar nela. E, assim, quando Berkeley
Mito= Conjunto fechado de conhecimentos, capaz de explicar a diz que a árvore deve estar em nossa mente se quisermos conhecê-
realidade do meio. Tenta explicar a realidade pela própria realidade. la, tudo o que ele realmente tem o direito de dizer é que um
Trabalha com o conceito, através dos sentidos. Um mito é uma pensamento sobre a árvore deve estar em nossa mente. Argumentar
narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou simbólico, que a própria árvore deve estar em nossa mente é como argumentar
profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O que uma pessoa em quem pensamos está, ela mesma, em nossa
mito procura explicar os principais acontecimentos da vida, o mente. Esta confusão pode parecer demasiado grosseira para que
fenômenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de tenha sido realmente cometida por um filósofo competente, mas
deuses, semi-deuses e heróis (todas elas são criaturas várias circunstâncias concomitantes a tornaram possível. A fim de
sobrenaturais). Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de ver como ela foi possível, devemos nos aprofundar no problema da
explicar a realidade. natureza das idéias.
61
60
Todas as nossas percepções, de acordo com ele, consistem em
uma participação parcial nas percepções de Deus, e é por causa Até este ponto sua argumentação é quase certamente válida,
desta participação que diferentes pessoas vêem mais ou menos a mesmo que alguns de seus argumentos não sejam. Mas ele passou
mesma árvore. Assim, independentemente das mentes e suas idéias a argumentar que os dados dos sentidos eram as únicas coisas de
nada existe no mundo, nem é possível que alguma coisa diferente cuja existência nossas percepções poderiam nos assegurar, e que
possa alguma vez ser conhecida, dado que tudo o que é conhecido é ser conhecido é estar “em” uma mente, e, portanto, ser mental. Por
necessariamente uma idéia. esta razão ele concluiu que nada pode ser conhecido exceto o que
18. está em alguma mente, e que tudo o que é conhecido sem estar na sagradas, não tendo quaisquer argumentos para suportar a sua
minha mente deve estar em alguma outra mente. interpretação.
A fim de entender seu argumento é necessário entender o 1.5.2. RESUMO DO RELATO MÍTICO: COMPLEXO DE ÉDIPO
emprego que ele faz da palavra “idéia”. Ele dá o nome de “idéia” a
tudo o que é imediatamente conhecido, como, por exemplo, os Laio, rei da cidade de Tebas e casado com a bela Jocasta, foi
dados dos sentidos são conhecidos. Assim, uma cor particular que advertido pelo oráculo (resposta que os deuses davam a quem os
vemos é uma idéia; da mesma forma, uma voz que ouvimos, e assim consultava) de que não poderia gerar filhos. Se esse aviso fosse
por diante. Mas o termo não é inteiramente restrito aos dados dos desobedecido, seria morto pelo próprio filho e muitas outras
sentidos. Existiriam também coisas lembradas ou imaginadas, pois desgraças surgiriam.
também temos conhecimento direto imediato de tais coisas no A princípio Laio não acreditou no oráculo e teve um filho com
momento de lembrar ou imaginar. Berkeley denomina todos estes Jocasta. Quando a criança nasceu, porém, cheio de remorso e com
dados imediatos de “idéias”. medo da profecia, ordenou que o recém-nascido fosse abandonado
Berkeley então continua a considerar os objetos comuns, tais numa montanha, com os tornozelos furados, amarrados por uma
como uma árvore, por exemplo. Ele mostra que tudo o que corda. O edema provocado pela ferida é a origem do nome Édipo,
conhecemos imediatamente quando “percebemos” a árvore consiste que significa “pés inchados”.
de idéias, no sentido que ele dá ao termo, e argumenta que não há a Mas o menino Édipo não morreu. Alguns pastores o
menor base para supor que existe alguma coisa real sobre a árvore a encontraram e o levaram ao rei de Corinto, Polibo, que o criou como
não ser o que é percebido. Seu ser, ele diz, consiste em ser se fosse seu filho legítimo. Já adulto Édipo ficou sabendo que era
percebida: no latim dos escolásticos, seu “esse” é “percipi”. Ele filho adotivo. Surpreso, viajou em busca do oráculo de Delfos para
admite perfeitamente que a árvore deve continuar a existir mesmo conhecer o mistério de seu destino. O oráculo revelou que seu
quando fechamos nossos olhos ou quando nenhum ser humano está destino era matar o próprio pai e se casar com a própria mãe.
próximo dela. Mas esta existência contínua, diz ele, deve-se ao fato Espantado com essa profecia, Édipo decidiu deixar Corinto e rimar
de que Deus continua a percebê-la; a árvore “real”, que corresponde em direção a Tebas. No decorrer da viagem encontrou-se com Laio.
ao que denominamos de objeto físico, consiste de idéias na mente De forma arrogante o rei ordenou-lhe que deixasse o caminho livre
de Deus, idéias mais ou menos semelhantes àquelas que temos para sua passagem. Édipo desobedeceu as ordens do
quando vemos a árvore, mas que diferem no fato de que são desconhecido. Explodiu, então, uma luta entre ambos, na qual Édipo
permanentes na mente de Deus enquanto a árvore continua a existir. matou Laio.
17 18
Filosofia= Conhecimento objetivo, caracterizado pela razão, Sem saber que tinha matado o próprio pai, Édipo prosseguiu sua
preocupa-se com a essência das coisas. A explicação mítica é viagem para Tebas. No caminho deparou-se com a Esfinge, um
contrária à explicação filosófica. A Filosofia procura, através de monstro metade leão, metade mulher, que lançava enigmas aos
discussões, reflexões e argumentos, saber e explicar a realidade viajantes e devorava quem não os decifrasse. A Esfinge atormentava
com razão e lógica enquanto que o mito não explica racionalmente a os moradores de Tebas.
realidade, procura interpretá-la a partir de lendas e de histórias
19. O enigma proposto pela Esfinge era o seguinte: “Qual o animal que poderia continuar se as mentes deixassem de existir. Pensamos
que de manhã tem quatro pés, dois ao meio-dia e três à tarde?” na matéria como tendo existido muito antes que houvesse mentes, e
Édipo respondeu: “É o homem. Pois na manhã da vida (infância) é difícil pensá-la como um simples produto da atividade mental. Mas,
engatinha com pés e mãos; ao meio dia (na fase adulta) anda sobre verdadeiro ou falso, o idealismo não deve ser rejeitado como
dois pés; e à tarde (velhice) necessita das duas pernas e do apoio de obviamente absurdo.
uma bengala”. Vimos que, mesmo se os objetos físicos têm uma existência
Furiosa por ver o enigma resolvido, a Esfinge se matou. O povo independente, eles devem diferir muito amplamente dos dados dos
tebano saudou Édipo como seu novo rei. Deram-lhe como esposa sentidos, e só podem ter uma correspondência com os dados dos
Jocasta, a viúva de Laio. Ignorando tudo, Édipo casou-se com a sentidos, da mesma forma como um catálogo tem uma
própria mãe. Uma violenta peste abateu-se então sobre a cidade. correspondência com as coisas catalogadas. Consequentemente, o
Consultado, o oráculo respondeu que a peste não findaria até que o senso comum nos deixa completamente no escuro em relação à
assassino de Laio fosse castigado. verdadeira natureza intrínseca dos objetos físicos, e se existem boas
Ao longo das investigações para descobrir o criminoso, a razões para considerá-los como mentais, não poderemos
verdade foi esclarecida. Inconformado com o destino, Édipo cegou- legitimamente rejeitar esta opinião simplesmente porque ela nos
se e Jocasta enforcou-se. Édipo deixou Tebas, partindo para um parece estranha. A verdade sobre os objetos físicos deve ser
exílio na cidade de Colona. estranha. Ela pode ser inalcançável, mas se algum filósofo acredita
Os mitos cumpriam uma função social moralizante de tal forma que a alcançou, o fato de que aquilo que ele oferece como a verdade
que essas narrativas ocupavam o imaginário dos cidadãos da pólis seja estranho não deve ser considerado como um motivo para
grega direcionando suas condutas. rejeitar a sua opinião.
Na Atenas do século V a.C. existia também o espaço para as As bases sobre as quais o idealismo é defendido são
comédias que satirizavam os poderosos e personagens célebres, e geralmente bases derivadas da teoria do conhecimento, ou seja, de
as tragédias que narravam as aventuras e prodígios dos heróis, bem uma discussão das condições que as coisas devem satisfazer a fim
como suas desventuras e fracassos. Havia festivais em que os de que possamos ser capazes de conhecê-las. A primeira tentativa
poetas e escritores competiam elegendo as melhores peças e textos, séria de estabelecer o idealismo sobre tais bases foi a do Bispo
estes festivais eram muito importantes na vida da “pólis” grega, era Berkeley. Ele provou, primeiramente, mediante argumentos que
por meio destes eventos sociais que as narrativas míticas se eram em grande medida válidos, que nossos dados dos sentidos não
difundiam. podem ser considerados como tendo uma existência independente
O soberano consulta o Oráculo, o que era comum na cultura de nós, mas que devem estar, pelo menos em parte, “na” mente, no
grega antiga. O Oráculo afirma que seu primogênito irá desposar a sentido de que sua existência não subsistiria se não houvesse
própria mãe e assassinar seu pai, o Rei Laio. ninguém vendo, ouvindo, tocando, cheirando, sentindo ou
experimentando.
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Aqueles que não estão acostumados com a especulação
filosófica podem estar inclinados a rejeitar semelhante doutrina como 4.2.1. UMA OUTRA TEORIA: KANT
obviamente absurda. Não há dúvida de que o senso comum
considera as mesas e as cadeiras, o sol e a lua, e os objetos Uma colocação bastante interessante sobre Immanuel Kant é
materiais em geral, como alguma coisa radicalmente diferente das que ele sofreu duas influências contraditórias: a influência do
mentes e dos conteúdos das mentes, e como tendo uma existência pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista
20. (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de suas andanças ele encontra um homem arrogante e o mata;
regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus chegando ao Reino de Jocasta, Édipo se apaixona e a desposa.
mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf Anos mais tarde, Édipo descobre que ele próprio é o
ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de personagem da profecia, e num gesto de desespero, arranca os
Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, próprios olhos e sai a vagar pelo mundo a fora. A profecia se
tomada pelas novas idéias). Acrescentemos à literatura de Hume cumpriu, porque o rei se recusou a matar a criança.
que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Esta narrativa possui um fundo moral, o alerta para os desígnios
Rousseau, que o sensibilizou em relação do poder interior da dos deuses, que não devem ser contrariados, e o percurso de Édipo,
consciência moral”. de toda sua saga, de ter vencido a Esfinge e decifrado seu enigma,
Estas colocações apontam que o criticismo kantiano é reação ao seu destino não o poupou. Contudo, um novo pensamento se
dogmatismo racionalista e ao ceticismo empirista. Em verdade, foi formava e a vida na pólis cada vez mais é direcionada pela política, e
realmente Kant que criticou o racionalismo e o empirismo e uniu a aos poucos a moral estabelecida pelas narrativas míticas foram
razão com a experiência sensível, para a aquisição do verdadeiro sendo substituídas pela ética e pelos valores da cidadania grega. O
conhecimento. Fez a chamada Nova Revolução Copernicana, onde cidadão grego cada vez mais participativo não considerava a idéia de
valoriza tanto o sujeito como o objeto para que haja o verdadeiro não controlar a própria vida. Na vida da pólis, os homens livres
conhecimento. manifestavam suas posições escolhendo entre iguais o
Em suma: "das coisas, nós só conhecemos a priori aquilo que direcionamento das decisões e das ações da cidade-estado.
nós mesmos nelas colocamos”. 1.5.3. MAS ENFIM O QUE É O MITO?
4.3. IDEALISMO, IDEOLOGIA “Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar porque a vida é
4.3.1. IDEALISMO assim como é” (GAARDER, 2001:35).
O pensamento mítico é por natureza uma explicação da
A palavra “idealismo” é empregada por diferentes filósofos em realidade que não necessita de metodologia e rigor, enquanto que o
sentidos um tanto diferentes. Por idealismo devemos entender a logos caracteriza-se pela tentativa de dar resposta a esta mesma
doutrina segundo a qual tudo o que existe, ou pelo menos tudo o que realidade, a partir de conceitos racionais. Mas existe razão nos
podemos saber que existe, deve ser em algum sentido mental. Esta mitos? Não seria também a racionalidade, um mito moderno
doutrina, que entre os filósofos é muito amplamente mantida, tem disfarçado? Assim como na Antigüidade, o mito estava a serviço dos
várias formas, e é defendida com base em vários fundamentos interesses da aristocracia rural e, portanto não interessava à
distintos. A doutrina é tão amplamente sustentada, e tão interessante aristocracia ateniense, surgindo assim o pensamento racional ligado
em si mesma, que mesmo a mais breve exposição filosófica deve à “pólis”, no mundo contemporâneo, não estariam o pensamento
oferecer uma idéia a seu respeito. tecnicista e a ciência, a serviço do capital e das elites que financiam
a produção do conhecimento científico?
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Então, Laio manda que eliminem o menino, mas a pessoa O homem moderno continua ainda a mover-se em direção a um
encarregada não cumpre a ordem e envia o menino para um reino valor que o apaixona e só posteriormente é que busca explicitá-lo
distante onde ele se torna um grande guerreiro e herói, numa de pela razão. Entende-se, pois, que o mito manifesta-se por meio de
elementos figurativos, enquanto que o logos utiliza-se de elementos
21. racionais, portanto é preciso deixar bem claro que não se pretende Para os racionalistas, as idéias do mundo Os empiristas apontam a origem das idéias como
exterior são tecidas pela captação da fruto de um processo de abstração. Tal processo
aqui colocar o pensamento racional no mesmo plano do pensamento realidade do mundo externo pelo indivíduo. deveria se iniciar com a percepção a partir da qual os
mítico, mas sim, que a partir de uma releitura percebemos que o Também pode ser provenientes da ação sentidos do indivíduo interagem com o ambiente.
imaginativa e, pelas idéias inatas (nascem A grande diferenciação com relação ao racionalismo
Iluminismo não deu conta nem mesmo de realizar a tarefa de que se com o sujeito), tidas como base da razão. está em não focar a ‘coisa’ em si (fator objetivo), nem
Origem das Idéias
propôs: iluminar as trevas da ignorância; quanto mais dissolver os A partir do inatismo é dado ao indivíduo tampouco a idéia que se faz (atribuição da razão) a
conhecer as leis naturais, criadas por um ser esta coisa; mas puramente como percebe-se esta
mitos e anular a imaginação. criador. coisa, ou como chega até nós através dos sentidos.
Tal princípio parte da certeza do Em uma área de Psicologia focada na Educação, a
pensamento para afirmar qualquer outra Psicologia Educacional, existem teóricos que
CONCLUINDO realidade. apontam que o conhecimento se dá de dentro para
fora e outros que dizem que se dá de fora para dentro
(internalização). O primeiro caso é o de Piaget, que
Os gregos foram os que primeiro se deram conta do potencial aponta que para amadurecer o indivíduo têm de ser
humano para a razão decidindo-se a enfrentá-lo. Os primeiros colocado em situação que o auxilie a passar para um
nível de maior conhecimento; já no segundo caso
filósofos gregos se negavam a serem, simplesmente, os sábios. destaca-se Vygotsky, com sua teoria sócio-
Negavam o saber que se dava ares de dádiva. A filosofia não era interacionista ou sócio-cultural.
As relações de causa e efeito são vistas Para empiristas, esta relação é apenas resultado de
mito, não era poesia, não era tragédia, não era religião, não era pelo racionalismo como obedientes ao nossa maneira comum e habitual de compreender
retórica. Nem era iluminação, nem inspiração. Era a negação Mecanicismo. fenômenos e os correlacionar como causa e
Teóricos também estudados em Psicologia conseqüência através de uma repetição constante.
nascente de todo dogma e de toda resposta aceita, de toda ilusão, da Educação, tais com Pavlov, Skinner e Ou seja, as leis da Natureza só seriam leis porque se
de toda encenação que acobertasse o fio cortante do Logos. A Watson trabalharam suas pesquisas no observaram repetidamente pelos homens. Neste
sentido de modular comportamentos ou ponto, seria o mesmo que deduzir após muito
capacidade de linguagem e razão do humano que se realizava como
Causa e Efeito
compreender a modulação do pensamento, observar a existência de cisnes brancos, sem jamais
dever saber, tal era o que significava sua busca, já era o trabalho da com estímulos. O saber de modo mecânico, notar um de outra forma que todos são brancos. Há
sem a internalização do conhecimento tem uma indução a um erro (pelo método indutivo).
compreensão que exige a palavra autocrítica para alcançar a raízes nesta linha de pesquisa em
verdade. O amor ao saber era compromisso. A verdade seria o Psicologia.
Estas relações podem ser expressas pelo
magma encontrado após a retirada de todos os véus, o que equivalia rigor matemático, com objetividade bastante
a negar com veemência a explicação já dada e avançar na pergunta. destacada. De modo sintético, os
racionalistas viam que as relações
O exercício do Logos ligava-se a Eros como desejo de saber, e, observadas do comportamento humano são
muito mais, ao compromisso com o saber, o sentido mais acurado da inerentes aos objetos em si e à Mecânica da
Natureza, como engrenagens que
Philia grega, a amizade como implicação de vidas. Filósofos eram obedecem a uma ordem preestabelecida.
aqueles que buscavam o saber no ato conjunto do Dialogo.
A Filosofia primeiro foi especulação sobre o sentido último das
coisas (metafísica), foi descoberta da reflexão sobre a ação (ética),
mas foi, sobretudo, diálogo, ou seja, experiência de encontro de
diferenças em torno da linguagem (o nome mais próprio do Logos),
de suas possibilidades, da atitude crítica e luminosa que ela fazia
nascer.
Racionalismo Empirismo