2. BRASIL, PAÍS DAS
DESIGUALDADES?
O tema da desigualdade social deu origem à sociologia. O
pensador que ficou mais famoso por tratar da questão, e ao
qual ela é sempre associada, é sem dúvida Karl Marx (1818-
1883). Seu empenho em entender as causas da desigualdade
social levou-o propor um modelo de sociedade no qual as
distâncias entre as pessoas não existissem mais e as
carências da maioria não fossem tão brutais. Marx conhecia
a opinião de outro grande pensador do
século XVIII chamado Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
que atribuía à instituição da propriedade privada a
responsabilidade pelo mal que se seguiu na história da
humanidade: crimes, guerras, mortes, misérias e horrores. A
tese de Rousseau era que os homens nasciam iguais, mas
eram postos em situação de desigualdade na convivência
com os outros.
3. Apesar de haver muita pobreza no Brasil, hoje não se ouve mais
dizer, com a mesma frequência de antes, que o Brasil é um país
pobre. O mais comum, o que mais aparece na imprensa, em
textos de divulgação ou mesmo em textos acadêmicos, é que o
Brasil está incluído entre as promessas de prosperidade do
mundo ocidental. Infelizmente, porém, os indicadores sociais,
cada vez mais precisos, mostram que o Brasil é um país desigual,
onde os bens e a renda estão concentrados nas mãos de poucos.
As desigualdades são conjuntos de processos e experiências
sociais que fazem que alguns indivíduos ou grupos tenham
vantagens sobre outros. Existem muitas situações que nos
ajudam a compreender como alguns segmentos sociais são
beneficiados no acesso aos bens da civilização (educação, saúde,
moradia, consumo, arte, esportes etc.) e nas competições do
mercado.
4. OPORTUNIDADES IGUAIS,
CONDIÇÕES IGUAIS?
Alguns Estados europeus, a América do Norte e também o
Brasil, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945,
adotaram um modelo político destinado a corrigir distorções
na distribuição das oportunidades sociais que ficou
conhecido como Estado de Bem-Estar Social.
Entre todas as medidas adotadas pelo Estado de Bem-Estar
Social, considerava-se que, para promover a igualdade de
oportunidades, nada melhor do que a educação. O raciocínio
era mais ou menos este: se todos tivessem acesso à
educação pública gratuita, aqueles que apresentassem os
melhores resultados no final do processo (mais anos de
estudos, com os melhores desempenhos) ocupariam no
futuro as melhores posições sociais
5. IMAGENS DA DESIGUALDADE
O International Social Survey Programme (ISSP) é um programa
de colaboração entre vários países que se encarrega de
realizar surveys sobre temas importantes na área das Ciências
Sociais a fim de comparar os dados dos países envolvidos. No
ano 2001, a pesquisa do ISSP teve como tema "Percepção de
Desigualdade", e foi desenvolvida nos seguintes países: Brasil,
Chile, Portugal, Rússia, Hungria, Estados Unidos, Espanha e
Suécia. Uma das perguntas feitas aos entrevistados de cada
país era a seguinte: que desenho descreve melhor o tipo de
sociedade em que você vive? Os entrevistados deviam escolher
um entre cinco diagramas que lhes eram mostrados.
A Suécia é um país que, tal como o Brasil, adotou o modelo de
Estado de Bem-Estar Social. Mas os desdobramentos do
modelo na Suécia foram muito diferentes dos desdobramentos
no Brasil. E isso se reflete na imagem que os suecos têm da sua
sociedade. O desenho que prevaleceu na escolha dos
entrevistados foi:
6. Isso significa que os suecos entendem que em seu país
grande parte das pessoas ocupa posições sociais muito
semelhantes. Poucas pessoas são muito ricas e poucas
muito pobres. Eles enxergam sua sociedade como uma
sociedade de classes médias, de pessoas com estilo de vida
e renda parecidos - uma sociedade de indivíduos iguais.
7. Já a imagem que os brasileiros escolheram para representar a estrutura
social do Brasil foi a seguinte:
A velha conhecida pirâmide! Ela traduz a impressão que os brasileiros têm
das desigualdades sociais - uma pequena elite no topo, poucas pessoas no
meio e a maioria da população na base.
Adaptado de Celi Scalon (Org.), Imagens da desigualdade. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2004.
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11. Quando pensamos em desigualdade, a primeira imagem que nos vem à
mente é o contraste entre ricos e pobres. A desigualdade na distribuição da
renda é a mais evidente expressão da injustiça social, pois priva os mais
vulneráveis do direito à vida (a baixa renda pode ocasionar fome e
subnutrição), do direito de abrigar-se (é o caso dos sem-teto moradores de
ruas ou dos sem-terra), e até mesmo do direito à liberdade e ao trabalho
digno (no capítulo 13 você aprendeu que existe escravidão na atualidade e
que ela é um tipo de exploração da miséria).
Os processos que geram as desigualdades são muito complexos. Indivíduos
ou grupos podem apresentar condições desiguais ainda que tenham tido as
mesmas oportunidades e se encontrem em posições semelhantes. Por
exemplo, com a mesma formação escolar, homens e mulheres, brancos e
negros, jovens ou idosos, portadores de necessidades especiais etc. têm
acesso diferenciado aos postos de trabalho mais rentáveis. Por isso, é muito
importante distinguir a igualdade de oportunidade - que promove o acesso
igualitário a um bem específico (educação, por exemplo) com o objetivo de
gerar desigualdades justas decorrentes do mérito de cada um - da igualdade
de condições - que se pauta pelo princípio de oferecer mais aos que têm
menos vantagens a fim de igualar as condições de competição. A
distribuição das oportunidades é realizada neste último caso de forma
desigual porque se subentende que os indivíduos ou grupos sociais são
desiguais desde o ponto de partida.
As desigualdades sociais são concomitantemente causa e consequência da
exclusão e da discriminação social, e muitas políticas públicas e ações
sociais de organizações não governamentais, de instituições filantrópicas,
de voluntários etc. voltam-se para a inclusão e afirmação de segmentos em
situações desvantajosas.
13. Gilberto Freyre foi um dos mais importantes pensadores
brasileiros. Após estudar, no início dos anos 1920, na
Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde teve
contato com o antropólogo Franz Boas, desenvolveu um olhar
pioneiro sobre a história e a sociedade brasileiras, baseado na
relevância do conceito de cultura para a compreensão das
peculiaridades nacionais. Em sua obra mais conhecida, Casa-
grande & senzala, de 1933, deixa muito clara sua intenção de
romper com a tradição sociológica vigente até então, que via na
colonização portuguesa e no contingente de negros trazidos da
África as causas do suposto atraso brasileiro.
Gilberto Freyre rejeitava o racismo, valorizava a mestiçagem
proporcionada pelo contato entre portugueses, índios e brancos
na formação do Brasil, e afirmava que esse era o traço
fundamental da riqueza nacional. Sempre transitando entre a
história, a sociologia e a antropologia, deixou uma obra
vastíssima que trata de assuntos variados como moda,
sexualidade, clima etc. Entre seus livros mais importantes
estão, ao lado do já citado, Sobrados e mucambos (1936),
Nordeste (1937) e Ordem e progresso (1957).
15. Oracy Nogueira bacharelou-se em sociologia pela Escola
Livre de Sociologia e Política de São Paulo, onde foi aluno
de Donald Pierson, Radcliffe-Brown, Herbert Baldus,
Sérgio Milliet, Emílio Willems, entre outros. Em 1945
defendeu sua tese de mestrado e iniciou o curso de
doutorado na Universidade de Chicago. Embora sua obra
seja primordialmente voltada para temas como estigma e
preconceito na sociedade brasileira, também desenvolveu
importantes pesquisas sobre família e parentesco, estudos
de comunidade e sociologia das profissões. Sua maior
contribuição ao pensamento social brasileiro foi certamente
o desenvolvimento do conceito de preconceito de marca,
identificado como uma forma especificamente brasileira de
legitimação de comportamentos excludentes em relação aos
negros. De sua produção bibliográfica destaca-se Tanto
preto, quanto branco: estudos de relações raciais no Brasil,
publicado em 1983.