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Página Inicial ⁄ Blogues ⁄ Keynesiano, graças a Deus ⁄ Gaspar não foi ao enterro de D. Claudete




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o foi ao enterro de D. Claudete
Nicolau Santos
10:16 Quinta feira, 7 de fevereiro de 2013Última atualização há 11 minutos
 13 14



0

1
TEXTOAAIMPRIMIRENVIAR


Na terça-feira. D. Claudete, 92 anos, saco de compras na mão, vinda do supermercado, finou-se em pleno
passeio público, com um AVC fulminante.


D. Claudete vivia sozinha. A irmã, um pouco mais nova, está moribunda no hospital há meses. Resta uma
sobrinha, desempregada.


Foi ela que tratou do enterro. D. Claudete tinha uma reforma de 200 euros e nenhuma poupança. O subsídio
de funeral foi cortado. A sobrinha, sem dinheiro, teve de optar pelo funeral em campa rasa.


No Alto de São João, vai D. Claudete em seu caixão de pinho, quando um funcionário do cemitério tenta
pregar um número identificativo no esquife. O homem da funerária impede-o. "O caixão é para devolver", diz.
O funcionário acompanha então o escasso cortejo, de quatro pessoas, com um pau na mão e em cima o
número identificativo.


O padre, por sua vez, pergunta se as quatro pessoas presentes são católicas praticantes. Nenhuma é. O
padre decide então que não vai acompanhar o féretro. Um dos presentes explica ao padre, com alguma
irritação, que ele está ali por causa da senhora, católica praticante, e não pelos presentes, e que é sua
obrigação acompanhar D. Claudete à sua última morada.


O padre permanece na sua recusa, até que a mesma pessoa lhe pergunta quando custa ir até à campa rasa.
150 euros, responde a santa alma. Recebido o dinheiro, o padre decide-se então a avançar.
Há uma escavadora que vai abrindo buracos, que hão de servir de campas rasas, uns a seguir aos outros. Há
terra revolvida e, com a chuva, muita lama. Os sapatos enterram-se na lama que há de cobrir os mortos sem
posses.


Chegada à sua última morada, D. Claudete é retirada do caixão e colocada no fundo da campa, através de
cordas. O padre, contrariado, lembra que do pó viemos e ao pó voltaremos. Os coveiros cobrem rapidamente
de terra D. Claudete. O funcionário espeta o pau com o número da campa de D. Claudete. Ao lado, outras
cinco covas esperam os seus destinatários. A escavadora não para. Paf! Paf! Paf! Contas por alto, só nesse
dia havia 45 covas aguardando os donos a quem o progresso da nação não bafejou.


O homem da funerária leva o caixão para futuros interessados. Um amigo da sobrinha desempregada paga
parte dos 1100 euros que custa, ainda assim, um funeral em campa rasa.


Está uma chuva miudinha. Os sapatos estão cheios de lama. Os quatro acompanhantes de D. Claudete
regressam lentamente à vida. Entre eles, não está o ministro das Finanças, que não foi ao enterro porque não
conhecia D. Claudete, nem conhece milhares de outras D. Claudetes que, um dia destes, se vão finar
subitamente no passeio público ou em casa na solidão. E que só poderão ser enterradas em campa rasa,
porque o subsídio de funeral foi cortado e já nem chega para tanto.




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