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FOME: UMA (RE)LEITURA DE JOSUÉ DE CAS-                    cassados. Exilou-se em Paris, onde morreu em 1973,
TRO. Rosana Magalhães. Rio de Janeiro: Editora            aos 65 anos de idade.
Fiocruz, 1997. 92 pp.                                          Em sua trajetória de vida, dos mangues escuros
                                                          do Capibaribe às margens luminosas do Sena, Josué
Em 1929, após concluir o curso de Medicina da Uni-        de Castro nos ensina que não existem fronteiras para
versidade do Brasil (atual Universidade Federal do        a circulação dos homens e de suas idéias, que o mun-
Rio de Janeiro), o jovem pernambucano Josué de Cas-       do é apenas uma ‘aldeia global’. A sua vastíssima pro-
tro retornou à cidade do Recife para dar início a uma     dução intelectual, construída ao longo de 1930-1973,
consagrada trajetória político-intelectual, dedicada,     de abrangência internacional, é composta por mais de
particularmente, à complexa e paradoxal problemáti-       duzentos títulos, entre estes, destacamos a edição dos
ca da gênese e reprodução da fome e suas formas de        livros: O Problema da Alimentação no Brasil (1934);
enfrentamento.                                            Alimentação e Raça (1936); Documentário do Nordes-
     Entre 1930 a 1935, dividiu-se entre o exercício da   te (1937); Alimentação Brasileira à Luz da Geografia
Medicina (Endocrinologia e doenças da nutrição), a        Humana (1937); Fisiologia dos Tabus (1938); Geogra-
docência de Fisiologia na Faculdade de Medicina de        fia Humana (1939); Geografia da Fome (1946); Geopo-
Recife e a publicação dos seus primeiros escritos. As-    lítica da Fome (1951); Ensaios de Biologia Social (1957);
sim, em 1932, sob a influência do médico-nutrólogo        O Livro Negro da Fome (1957); Sete Palmos de Terra e
argentino Pedro Escudero, considerado o pai-funda-        um Caixão (1965) e Homens e Caranguejos (1967).
dor do campo da Nutrição na América Latina, reali-             Como interpretar a fome no pensamento de Jo-
zou a pesquisa: As condições de vida das classes ope-     sué de Castro? Como proceder à periodização e re-
rárias no Recife, uma investigação baseada na meto-       corte da sua obra? Foram estas as principais questões
dologia de orçamento e padrão de consumo alimen-          explícitas do dilema metodológico que a nutricionis-
tar entre quinhentas famílias de bairros operários        ta Rosana Magalhães enfrentou no delineamento da
desta cidade. Os resultados deste estudo, considera-      investigação que lhe valeu o título de mestre em Saú-
do o primeiro inquérito dietético-nutricional do País,    de Pública pela Ensp/Fiocruz. Seguindo as trilhas
tiveram ampla divulgação nacional, provocando a           deixadas por interpretações anteriores, a autora de
realização de estudos similares, inclusive daquele        Fome: Uma Re(leitura) de Josué de Castro avança por
que serviu de base para a regulamentação da lei do        um novo caminho de análise, focalizando seu olhar
salário mínimo e da formulação da chamada “ração          contemporâneo sobre os textos que marcaram o pro-
essencial mínima”, estabelecida por intermédio do         cesso de construção-reconstrução do conceito de fo-
Decreto-Lei 399, de 30 de abril de 1938.                  me na obra deste autor. Para garantir inteligibilidade
     Em 1935, transferiu-se para o Rio de Janeiro, on-    a sua reflexão, o que também lhe confere originalida-
de sua atuação localizou-se ora nos espaços acadê-        de, ela estabelece dois recortes na análise da trajetó-
mico-científicos, ora nos da tecnoburocracia estatal      ria intelectual do autor, o primeiro correspondente
e/ou no âmbito de distintas organizações e entidades      aos anos 30/40 e o segundo ao final dos anos 40 até
civis, destacando-se: a idealização do Serviço de Ali-    início dos anos 70, tendo como divisor de águas (me-
mentação da Previdência Social (Saps) em 1940; a          lhor dizendo, de idéias) o clássico Geografia da Fome,
criação e direção do Serviço Técnico de Alimentação       publicado em 1946. Ao longo deste percurso, a autora
(Stan) no período de 1942 a 1944; a criação da Comis-     quebra a obra de Josué de Castro em pedaços e a re-
são Nacional de Alimentação (CNA), em 1945; a cria-       constrói a sua maneira, reforçando a idéia das “várias
ção e direção do Instituto de Nutrição da Universida-     alternativas possíveis” ou de que há mais de uma for-
de do Brasil no período de 1946 a 1954; a criação e di-   ma de se interpretar uma obra.
reção do periódico científico Arquivos Brasileiros de          Na análise dos primeiros escritos de Josué de
Nutrição no período de 1944 a 1954; a fundação da         Castro (anos 30/40), a autora destaca a formulação
Sociedade Brasileira de Nutrição (SBN) em 1942; a         da tese do “mal de fome e não de raça” – forma de in-
presidência do conselho da Organização para a Ali-        terlocução do autor com os cientistas de outros cam-
mentação e Agricultura das Nações Unidas (Fao) en-        pos disciplinares que, à época, procuravam desfocar
tre 1952 a 1955; a fundação, em 1957, da Associação       da questão genética para a questão cultural o precon-
Internacional de Luta contra a Fome (Ascofam); a          ceito de ‘meio’ e de ‘raça’ que se tinha sobre o povo
presidência do I Congresso Camponês de Pernambu-          brasileiro. Assim, para o autor, por meio do valor eu-
co, realizado em setembro de 1955, no Recife, onde        gênico da alimentação racional seria possível cons-
foi criada a estrutura orgânica e eleita a primeira di-   truir o homem brasileiro e forjar a nação, tese esta
retoria do movimento das Ligas Camponesas; o cargo        que, a meu ver, tornou-se a principal base para a legi-
de deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasilei-    timidade do processo de constituição do campo da
ro (PTB) pelo Estado de Pernambuco, no período de         Nutrição no Brasil, seja enquanto disciplina, como
1955 a 1963, e o cargo de embaixador brasileiro junto     política social e/ou enquanto profissão.
às Nações Unidas, no período de 1963 a março de                Na análise dos escritos da segunda fase (anos
1964. Em abril de 1964 teve seus direitos políticos       50/60), a autora identifica no diálogo entre Josué de



                                                             Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
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                                         Castro e os teóricos do subdesenvolvimento-desen-         A MIRAGEM DA PÓS-MODERNIDADE: DEMO-
                                         volvimento a tese da “fome como expressão do subde-       CRACIA E POLÍTICA SOCIAIS NO CONTEXTO
                                         senvolvimento” ou da “fome como obstáculo ao desen-       DA GLOBALIZAÇÃO. Organizadores: Sílvia Gers-
                                         volvimento nacional”. Ao longo de sua re(leitura), a      chman & Maria Lúcia Werneck Vianna. Rio de Ja-
                                         autora vai mapeando as influências teóricas que fo-       neiro: Editora Fiocruz, 1997. 226 pp.
                                         ram marcando os escritos de Josué de Castro em sua
                                         trajetória político-intelectual, particularmente o po-    A Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Os-
                                         sitivismo de Comte, a teoria do círculo vicioso da po-    waldo Cruz, realizou no mês de julho de 1995 o semi-
                                         breza, a nutrologia de Pedro Escudero, a Geografia        nário Globalização, Democracia e Reforma do Esta-
                                         Lablachiana, as teorias do subdesenvolvimento, a          do: Dilemas e Perspectivas das Políticas Públicas de
                                         ideologia do nacional-desenvolvimentismo e alguns         Saúde, objetivando aprofundar discussões e análises
                                         conceitos do marxismo e do chamado catolicismo            do processo de globalização e produzir reflexões
                                         social. Diante deste quadro de pluralidade de orien-      quanto às conseqüências das transformações nas po-
                                         tações teóricas, a autora também alerta para a dialé-     líticas públicas sociais, tanto no âmbito internacio-
                                         tica de continuidades e de rupturas que foi delinean-     nal, como no nacional. Esse evento teve a participa-
                                         do o pensamento do autor em sua trajetória de vida.       ção ativa de professores e pesquisadores de diferen-
                                              Por outro lado, observamos que o livro quase que     tes universidades e instituições de pesquisa. O pro-
                                         atropela certas questões contraditórias inerentes à vi-   duto desse seminário se transformou no livro A Mi-
                                         da do autor enquanto homem público; à distância           ragem da Pós-Modernidade, objeto dessa resenha,
                                         entre a obra intelectual e a sua prática político-pro-    coordenado e organizado por Sílvia Gerschman &
                                         fissional e, portanto, ao processo de construção/des-     Maria Lúcia Werneck Vianna. O livro compõe-se de
                                         construção do mito Josué de Castro. Por exemplo, po-      apresentação, introdução e um conjunto de 12 textos
                                         demos apontar a questão da organicidade intelectual       apresentados, discutidos e analisados no decorrer do
                                         do autor com a ditadura do Estado Novo e com o po-        evento. Enquanto a apresentação expõe o objetivo da
                                         pulismo do segundo Governo Vargas (dois momentos          publicação, a introdução é um texto amplo que con-
                                         de ‘auge’ de sua trajetória). Outro exemplo é a ques-     textualiza e tematiza as profundas mudanças em cur-
                                         tão do “deslocamento para a esquerda” ou da “tonali-      so no planeta terra, resgatando e buscando reconcei-
                                         dade vermelha” que a prática política do autor assu-      tuações de democracia, em face do processo de glo-
                                         me ao final dos anos 50 (sua aproximação com o mo-        balização, costuradas em reflexões sobre incertezas,
                                         vimento camponês e com as propostas nacional-re-          contingências e consenso. O conteúdo é ainda enri-
                                         formistas), o que gerou a cassação dos seus direitos      quecido pelas discussões engendradas na “natureza
                                         políticos e exílio do País. Estas são algumas das ques-   desse novo sistema internacional ...”, resgatando aná-
                                         tões ‘obscuras’ da trajetória do autor que o texto de     lises sobre a situação da Europa Oriental, assim co-
                                         Rosana Magalhães apenas tangencia e que, a meu            mo a dimensão política da atuação das organizações
                                         ver, possibilitam outras abordagens da obra.              não governamentais. É ainda sinalizado, como rele-
                                              Nesta re(leitura) bastante sucinta e não menos       vante, o papel “da revolução tecnológica dos meios de
                                         profunda que a autora faz da obra de Josué de Castro,     comunicação e, principalmente a informática”, consi-
                                         identificamos, ainda, o seu esforço em procurar fugir     derando os cenários da centralização e massificação
                                         do tratamento frio que quase sempre a academia re-        das redes interativas (infovias) e televisivas.
                                         serva aos temas polêmicos como fome, miséria e sub-            Os 12 artigos que seguem depois da introdução
                                         desenvolvimento. Apesar da linguagem clara e direta,      estão agregados em três partes:
                                         o texto acaba tropeçando em outras das armadilhas
                                         acadêmicas. Neste sentido, apontamos a falta de uma
                                         revisão mais apurada em algumas passagens, parti-         Parte I – Globalização, democracia e questão
                                         cularmente, em relação às referências bibliográficas.     social
                                              Enfim, nesta (re)leitura apaixonada (e apaixo-
                                         nante), criador e criaturas se (re)encontram neste fi-    Compõem a primeira parte quatro artigos cujos con-
                                         nal do século, quando foi constituído o campo da          teúdos procuramos sintetizar abaixo.
                                         Nutrição no Brasil, ou, como diz Rosana Magalhães,
                                         quando foi instituído o saber sobre fome no País. E       1) Perspectivas da Democracia no Mundo Contem-
                                         em vez de geografia da fome, Josué de Castro falaria      porâneo: Mais Liberal, Pré-Liberal ou Pós-Liberal?
                                         de globalização da fome, este processo de uniformi-       Philippe Schmitter (Departamento de Ciências Políti-
                                         zação planetária dos hábitos e práticas alimentares,      cas/Universidade de Stanford – Califórnia, USA).
                                         em que a produção e a circulação da mercadoria ali-
                                         mento permanece atrelada às necessidades de acu-          Neste artigo, Schmitter centraliza o debate na discus-
                                         mulação do capital e não às necessidades nutricio-        são de diferentes concepções e práticas de democra-
                                         nais humanas.                                             cia no mundo. O autor sinaliza que nas próximas dé-
                                                                                                   cadas “a democracia terá que enfrentar desafios im-
                                         Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos                  precedentes ...” e que seu futuro “será incrivelmente
                                         Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde
                                                                                                   tumultuado, incerto e muito acidentado”. Explica tam-
                                         Universidade Federal de Santa Catarina
                                         Florianópolis, Santa Catarina                             bém que a maioria desses desafios virá das democra-
                                                                                                   cias liberais consolidadas (DLCs) e não das democra-
                                                                                                   cias recentes (NDRs), ressaltando que estas “enfren-
                                                                                                   tarão uma boa parcela de desencanto ...” diante das
                                                                                                   realizações não correspondidas. Conclui que todas
                                                                                                   “as alternativas à democracia liberal são atormenta-
                                                                                                   das por um sério problema de agência (...) não impor-



      Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
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tando o quão intelectualmente atraentes sejam ...”. O    ção à natureza da realidade social, das forças sociopo-
autor destaca ainda que “a transição nas DLCs é mui-     líticas transnacionais, e a erosão da democracia como
to mais difícil do que nas NDR’s”, pois existem inimi-   ideário do sistema nacional em face das perspectivas
gos não declarados “que atualmente sabotam o de-         de governabilidade global. Conclui o trabalho elabo-
sempenho e eventualmente a viabilidade”, e ainda im-     rando quatro cenários alternativos dessa governabili-
puta aos extremistas de direita e de esquerda os im-     dade com probabilidades de médio e longo prazos.
perramentos das tarefas da reformas necessárias no
mundo contemporâneo.
                                                         Parte II – Ajuste e reforma do Estado
2) O Nacional e o Social em Tempos Globais. Fábio
Wanderley Reis (Departamento de Ciências Políti-         Os artigos que compõem a segunda parte e que tra-
cas/Universidade Federal de Minas Gerais).               tam de reformas e ajustamentos do Estado têm como
                                                         objetivo maior a questão de políticas públicas, sendo
Sucintamente, Reis descreve seu artigo sob uma pers-     novamente a democracia o fio condutor das discus-
pectiva pessimista e fatalista, destacando a pressão     sões.
para a redução do Estado Nacional, norteada pela
ideologia neoliberal, por meio de forças tendenciosas    5) Ajuste Estrutural, Governabilidade e Democracia.
do processo de globalização do mundo. O autor põe        Maria Alícia Dominguez Ugá (Ensp/Fiocruz).
em pauta a questão da governabilidade e ingoverna-
bilidade, estado e projeto nacional, nacionalismo e      A autora inicia seu texto elaborando fundamentos
antinacionalismo, resgatando criticamente o ideário      teóricos sobre políticas de ajuste em face das refor-
do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).     mas, alicerçados em teses que dão base ao pensa-
Articulando a questão de desenvolvimento nacional        mento neoliberal, provenientes das escolas da Áus-
e projeto social, pontua também a problemática da        tria, de Chicago, e da Public Choice. Ao analisar as po-
tensão “entre eficiência e democracia”, quando esta se   líticas do ajuste neoliberal, retoma os anos 80 como
torna a força maior que dá sentido ao projeto nacio-     ponto de partida da “disseminação do paradigma
nal como sinônimo de projeto social.                     neoliberal ...”, pontuando as rupturas ocorridas em
                                                         relação ao modo de produção, organização e divisão
3) Democracia, Políticas Sociais e Globalização: Rela-   do trabalho, cujos resultados refletem na redistribui-
ções em Revisão. Sílvia Gerschman (Departamento          ção de renda e do emprego e nas relações de classe.
de Administração e Planejamento em Saúde/Escola          Nesse plano, analisa criticamente o modelo do Bem-
Nacional de Saúde Pública – Fiocruz-RJ).                 Estar Social, diante do saneamento de finanças pú-
                                                         blicas, e as contradições e descompassos. A questão
Gerschman retoma a discussão sobre democracia e          da governabilidade vista no contexto de ajuste estru-
globalização, inserindo-a no contexto de países da       tural do neoliberalismo é analisada pela autora to-
Europa Ocidental conduzidos pela social democra-         mando como base de apoio principalmente o artigo
cia, no Japão, nos Estados Unidos, assim como na         de Acuña & Smith (Latin American Political Economy
América Latina, principalmente no Brasil, na Argen-      in the Age of Neoliberal Reform: Theoretical and Com-
tina e no México. As suas análises mostram que “para     parative Perpectives for the 1990’s. New Bruswick:
tentar repensar e recriar a democracia” é “necessário    Transation Publishers, 1994).
despojar-nos da ideologia global” e ressaltam que já
vivemos em um mundo globalizado que retira a so-         6) Notas sobre Estado, Políticas Públicas e Saúde.
berania e a identidade dos Estados, reforçando a ex-     Amélia Cohn (Centro de Estudos Contemporâneos e
clusão social e dicotomizando-a entre duas catego-       Departamento de Medicina Preventiva/Universidade
rias: aqueles que são consumidores e os que não são      de São Paulo).
consumidores. A autora destaca também que os de-
safios à democracia diante do processo de globaliza-     Cohn, ao puxar o debate sobre o Estado e finanças
ção são de grande complexidade, tanto para os países     públicas, procura dar “uma dimensão mais imediata”
de democracia recente, como para aqueles de longa        no que “diz respeito à pluralidade e abrangência das
existência, os quais podem se transformar em demo-       ações do Estado e padrões de bem-estar social” e à ar-
cracias formais de caráter meramente eletivo. Por ou-    ticulação por ele geridas na atual conjuntura históri-
tro lado, destaca ainda o fato de que os movimentos      ca. Com esse objetivo, analisa diversos autores, cujas
sociais, no seu conjunto, não têm cooperado de for-      teses estão principalmente centradas no contexto la-
ma significativa e impactante no tensionamento das       tino-americano e fazem seu percurso discursivo ali-
crises em curso.                                         nhavando democracia, reformas e os ajustes neces-
                                                         sários às novas regulamentações do Estado. Finaliza
4) Reflexões sobre as Dimensões da Globalização, as      explicitando textualmente que “se a busca da moder-
Novas Forças Sócio-Políticas Transnacionais e a Re-      nidade não exclui, ao contrário pressupõe a presença
definição do Horizonte da Democracia. Eduardo Vio-       ativa do Estado, de um estado democrático que incor-
la (Departamento de Relações Internacionais/Uni-         pore os cidadãos, ela pressupõe também uma política
versidade de Brasília).                                  científica e tecnológica na área de saúde que se assente
                                                         simultaneamente no pilar da regulação e no pilar da
O artigo de Viola é complexo, porém bastante provo-      emancipação, pilares fundamentais do projeto socio-
cativo e estimulante ao debate, pela abordagem ana-      cultural da modernidade”.
lítica multifacetada e multidimensional no processo
de globalização. Ele descreve e analisa as principais
características e dimensões deste processo, em rela-



                                                                                          Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
216   RESENHAS REVIEWS




                                         7) Crise, Governabilidade e Reforma do Estado: Em           ses de políticas sociais e o Estado de Bem-Estar, con-
                                         Busca de um Novo Paradigma. Eli Diniz (Instituto            siderando tanto os elementos político-econômicos e
                                         Universitário de Pesquisas/Rio de Janeiro).                 suas performances impactantes, quanto o papel dos
                                                                                                     atores sociais e das instituições públicas. Defende
                                         O texto de Diniz, escrito de forma bem didática, de-        que emergência, expansão e crise das políticas de
                                         bate a crise internacional de 80 e seu impacto sobre a      Bem-Estar, são mais bem espelhadas e explicitadas,
                                         América Latina, centralizando, no entanto, como es-         por intermédio de fatores políticos, embora estes de-
                                         tudo de caso o Brasil. Crise, reforma, governabilidade      vam ser cruzados obviamente, com fatores econômi-
                                         e nova ordem mundial são tratados em razão de fato-         cos. A autora chama atenção para o fato de que “os da-
                                         res determinantes externos e internos. A autora             dos fornecidos por organismos internacionais abali-
                                         aponta o descompasso de Estado e sociedade civil,           zados não autorizam os vaticínios alarmantes...”, do
                                         imputando-o, em parte, ao crescimento da organiza-          desmonte do Bem-Estar. Finalizando o artigo com
                                         ção social, que expõe as mazelas da ineficácia, assim       breve comentário sobre o Brasil e seu incipiente e
                                         como outras adjetivações, do poder público em crise.        imaturo contexto do sistema de proteção social, Vian-
                                         Ao concluir, sugere que “... estratégias de enfrenta-       na conclui que, embora na constituição brasileira es-
                                         mentos de crises desta natureza, ... não podem perder       tejam contidos princípios para as políticas sociais, de
                                         de vista a meta da consolidação democrática”. Por ou-       concepção semelhante à dos países de Bem-Estar, o
                                         tro lado, salienta que a necessidade de reforma do Es-      modelo que vem sendo assumido, no entanto, é mais
                                         tado é patente e deve ser caracterizada na sua dimen-       de concepção americana.
                                         são política e técnica, e também conduzida mediante
                                         “acordos e alianças, articulando arenas de negocia-         10) Crise Econômica, Crise Welfare State e Reforma
                                         ção ...”. O artigo é concluído com a proposta de um         Sanitária. Célia Almeida (Departamento de Adminis-
                                         novo paradigma, “com enfoques tecnocrático e neoli-         tração/Ensp/Fiocruz).
                                         beral, ... como também do modelo de gestão pública
                                         associado àquele conceito”.                                 Almeida introduz seu artigo resgatando, à exemplo
                                                                                                     de Vianna, a discussão da crise geral e o Estado de
                                         8) O Mito de Descentralização como Indutor de               Bem-Estar a partir da década de 80. Centraliza sua
                                         Maior Democratização e Eficiência das Políticas Pú-         análise na reforma sanitária, abordando cinco di-
                                         blicas. Martha Arretche (Núcleo de Estudos e Políti-        mensões: a hegemonia americana e a expansão dos
                                         cas Públicas/Universidade de Campinas).                     sistemas de assistência médica; a natureza e dimen-
                                                                                                     são da crise sanitária dos anos 60-70; o diagnóstico
                                         Arretche também retoma no seu artigo a década de            neoliberal da problemática setorial com as propostas
                                         80, para o ponto de partida de seu objetivo maior de        de reformas nos anos 80; os principais resultados
                                         estudo – descentralização da reforma do Estado, con-        dessas reformas e o movimento das tendências das
                                         siderando-a como “instrumento necessário de demo-           reformas sanitárias nos países centrais. Conclui que,
                                         cratização das relações políticas ...” e explicitando que   em todos os processos das reformas sanitárias, houve
                                         essa “nova forma de gestão dos assuntos do Estado, é        a introdução de “mudanças gerenciais e de mecanis-
                                         defendida tanto por aqueles que acreditam nos velhos        mos de mercado, dirigidas especificamente à busca de
                                         preceitos liberais, como também por aqueles que acre-       maior eficiência na produção de serviços através da
                                         ditam ainda no ideário libertário”. A autora faz uma        recomposição do setor, seja a nível público ou priva-
                                         análise geral, aprofundando e problematizando o as-         do”. Chama atenção para o paradoxo da presença de
                                         sunto, descentralização e democracia, em relação à          um estado regulador e a intervenção nas políticas so-
                                         situação da França, Espanha e principalmente do             ciais neoliberais, destacando a grande distância “en-
                                         Brasil, por meio de três argumentos básicos: descen-        tre o discurso reformista (teórico e ideológico) e as po-
                                         tralização como condição necessária à democratiza-          líticas implementadas”, embora os desmontes “que
                                         ção do processo decisório; expectativa de esvazia-          vêm sendo realizados” estejam colaborando para dis-
                                         mento das funções do governo central e a redução do         seminar a idéia da ineficiência do setor público “fa-
                                         clientelismo, mediante formas de controle que impli-        bricando a insatisfação do usuário e fortalecendo as
                                         quem a redução do emprego de recursos públicos.             propostas privatizadoras”. A posição da autora, prin-
                                                                                                     cipalmente no último parágrafo do artigo, expõe aná-
                                                                                                     lises otimistas em relação ao setor saúde e o paradig-
                                         Parte III – O Estado de Bem-Estar no contexto               ma neoliberal, destacando que é preciso levar em
                                         atual                                                       consideração o fato de que há especificidades pró-
                                                                                                     prias e distintas neste setor, que são peculiares a ca-
                                         Esta última parte é composta por quatro artigos, que        da sociedade.
                                         procuraram analisar o sistema do Bem-Estar Social e
                                         suas reformas e transformações, sob o impacto do            11) As Políticas Sociais e as Políticas de Saúde no
                                         neoliberalismo em curso.                                    Contexto do Processo de Globalização. Ana Luíza Via-
                                                                                                     na (Instituto de Medicina Social/Universidade Esta-
                                         9) Política versus Economia: Notas (Menos Pessi-            dual do Rio de Janeiro).
                                         mistas) sobre Globalização e Estado de Bem-Estar.
                                         Maria Lucia Werneck Vianna (Instituto de Economia           Viana faz seu caminho discursivo e analítico, na linha
                                         da Universidade Federal do Rio de Janeiro).                 do trabalho das duas autoras anteriores, isto é, resga-
                                                                                                     tando a história dinâmica do Estado de Bem-Estar,
                                         Vianna analisa e discute várias referências bibliográ-      até o início dos anos 90. Especificamente, no que diz
                                         ficas, principalmente sobre a Grã-Bretanha, França,         respeito ao setor saúde e suas políticas, a autora tri-
                                         Alemanha, Suécia e Dinamarca, voltadas para análi-          lha por discussões sobre os Estados Unidos da Amé-



      Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
RESENHAS REVIEWS        217



rica e a Inglaterra, países que considerou como “sím-
bolos da aplicação das políticas neoliberais...”. Enfati-
za, ao finalizar, que: “Qualquer movimento que desa-
güe em propostas exclusivamente locais para a saúde,
é passível de imensas distorções, irracionalidades e
desperdícios de recursos, como bem demonstram tra-
balhos recentes de análises do processo de descentrali-
zação das políticas de saúde na América Latina (casos
chileno, argentino e brasileiro)”.

12) A Proteção Social e as Transformações do Mundo
do Trabalho: Garantia de Mínimos ou Direito de Ci-
dadania. Rosa Maria Marques (Departamento de
Economia da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo).

Marques direciona seu texto “sobre a incompatibili-
dade crescente entre o modelo de proteção social cons-
truído particularmente após a Segunda Guerra Mun-
dial e o atual projeto de acumulação...”, procurando
analisar quatro aspectos básicos: sistemas de prote-
ção aos trabalhadores do mercado formal; processos
de universalização e integração à gestão do trabalho
(anos 50-60); crise do Welfare State e os impactos so-
bre a proteção social; e as alterações ocorridas no
mundo do trabalho e as possibilidades de transfor-
mações dos atuais modelos de proteção social. No
decorrer das análises sobre os caminhos da constru-
ção do Welfare State, Marques discute a relevância do
papel de atuação que tiveram os sindicatos e parti-
dos da classe trabalhadora, reconhecidos estes, quer
pelo Estado, quer pelos representantes do capital, co-
mo os canais de competência e legitimação, nos pro-
cessos de negociações. Problematiza, por outro lado,
a questão de custo financeiro da proteção social uni-
versalizada, levando em consideração fatores diver-
sos a exemplo de: ampliação de cobertura e crescen-
te demanda; a aposentadoria e envelhecimento da
população; gastos com o setor saúde e seguro-de-
semprego e a diminuição das contribuições financei-
ras de empregados e empregadores. A esse conjunto
de fatores é imputada a fragilização do sistema do
Welfare State no que se refere ao financiamento da
proteção e políticas sociais. A questão do desempre-
go é inserida no artigo, tendo como pano de fundo a
adoção de novas tecnologias pelo sistema produtivo,
que desenham uma nova facie de modernização e
reorganização racionalizada no campo gerencial e de
produção, promovendo a segmentação da classe tra-
balhadora entre aqueles “...que têm emprego ...” e os
desempregados que vicejam “...totalmente à parte da
sociedade”.

Dalva A. Mello
Núcleo de Estudos de Saúde Pública
CEAM, Universidade de Brasília
Brasília




                                                            Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998

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  • 1. RESENHAS REVIEWS 213 FOME: UMA (RE)LEITURA DE JOSUÉ DE CAS- cassados. Exilou-se em Paris, onde morreu em 1973, TRO. Rosana Magalhães. Rio de Janeiro: Editora aos 65 anos de idade. Fiocruz, 1997. 92 pp. Em sua trajetória de vida, dos mangues escuros do Capibaribe às margens luminosas do Sena, Josué Em 1929, após concluir o curso de Medicina da Uni- de Castro nos ensina que não existem fronteiras para versidade do Brasil (atual Universidade Federal do a circulação dos homens e de suas idéias, que o mun- Rio de Janeiro), o jovem pernambucano Josué de Cas- do é apenas uma ‘aldeia global’. A sua vastíssima pro- tro retornou à cidade do Recife para dar início a uma dução intelectual, construída ao longo de 1930-1973, consagrada trajetória político-intelectual, dedicada, de abrangência internacional, é composta por mais de particularmente, à complexa e paradoxal problemáti- duzentos títulos, entre estes, destacamos a edição dos ca da gênese e reprodução da fome e suas formas de livros: O Problema da Alimentação no Brasil (1934); enfrentamento. Alimentação e Raça (1936); Documentário do Nordes- Entre 1930 a 1935, dividiu-se entre o exercício da te (1937); Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Medicina (Endocrinologia e doenças da nutrição), a Humana (1937); Fisiologia dos Tabus (1938); Geogra- docência de Fisiologia na Faculdade de Medicina de fia Humana (1939); Geografia da Fome (1946); Geopo- Recife e a publicação dos seus primeiros escritos. As- lítica da Fome (1951); Ensaios de Biologia Social (1957); sim, em 1932, sob a influência do médico-nutrólogo O Livro Negro da Fome (1957); Sete Palmos de Terra e argentino Pedro Escudero, considerado o pai-funda- um Caixão (1965) e Homens e Caranguejos (1967). dor do campo da Nutrição na América Latina, reali- Como interpretar a fome no pensamento de Jo- zou a pesquisa: As condições de vida das classes ope- sué de Castro? Como proceder à periodização e re- rárias no Recife, uma investigação baseada na meto- corte da sua obra? Foram estas as principais questões dologia de orçamento e padrão de consumo alimen- explícitas do dilema metodológico que a nutricionis- tar entre quinhentas famílias de bairros operários ta Rosana Magalhães enfrentou no delineamento da desta cidade. Os resultados deste estudo, considera- investigação que lhe valeu o título de mestre em Saú- do o primeiro inquérito dietético-nutricional do País, de Pública pela Ensp/Fiocruz. Seguindo as trilhas tiveram ampla divulgação nacional, provocando a deixadas por interpretações anteriores, a autora de realização de estudos similares, inclusive daquele Fome: Uma Re(leitura) de Josué de Castro avança por que serviu de base para a regulamentação da lei do um novo caminho de análise, focalizando seu olhar salário mínimo e da formulação da chamada “ração contemporâneo sobre os textos que marcaram o pro- essencial mínima”, estabelecida por intermédio do cesso de construção-reconstrução do conceito de fo- Decreto-Lei 399, de 30 de abril de 1938. me na obra deste autor. Para garantir inteligibilidade Em 1935, transferiu-se para o Rio de Janeiro, on- a sua reflexão, o que também lhe confere originalida- de sua atuação localizou-se ora nos espaços acadê- de, ela estabelece dois recortes na análise da trajetó- mico-científicos, ora nos da tecnoburocracia estatal ria intelectual do autor, o primeiro correspondente e/ou no âmbito de distintas organizações e entidades aos anos 30/40 e o segundo ao final dos anos 40 até civis, destacando-se: a idealização do Serviço de Ali- início dos anos 70, tendo como divisor de águas (me- mentação da Previdência Social (Saps) em 1940; a lhor dizendo, de idéias) o clássico Geografia da Fome, criação e direção do Serviço Técnico de Alimentação publicado em 1946. Ao longo deste percurso, a autora (Stan) no período de 1942 a 1944; a criação da Comis- quebra a obra de Josué de Castro em pedaços e a re- são Nacional de Alimentação (CNA), em 1945; a cria- constrói a sua maneira, reforçando a idéia das “várias ção e direção do Instituto de Nutrição da Universida- alternativas possíveis” ou de que há mais de uma for- de do Brasil no período de 1946 a 1954; a criação e di- ma de se interpretar uma obra. reção do periódico científico Arquivos Brasileiros de Na análise dos primeiros escritos de Josué de Nutrição no período de 1944 a 1954; a fundação da Castro (anos 30/40), a autora destaca a formulação Sociedade Brasileira de Nutrição (SBN) em 1942; a da tese do “mal de fome e não de raça” – forma de in- presidência do conselho da Organização para a Ali- terlocução do autor com os cientistas de outros cam- mentação e Agricultura das Nações Unidas (Fao) en- pos disciplinares que, à época, procuravam desfocar tre 1952 a 1955; a fundação, em 1957, da Associação da questão genética para a questão cultural o precon- Internacional de Luta contra a Fome (Ascofam); a ceito de ‘meio’ e de ‘raça’ que se tinha sobre o povo presidência do I Congresso Camponês de Pernambu- brasileiro. Assim, para o autor, por meio do valor eu- co, realizado em setembro de 1955, no Recife, onde gênico da alimentação racional seria possível cons- foi criada a estrutura orgânica e eleita a primeira di- truir o homem brasileiro e forjar a nação, tese esta retoria do movimento das Ligas Camponesas; o cargo que, a meu ver, tornou-se a principal base para a legi- de deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasilei- timidade do processo de constituição do campo da ro (PTB) pelo Estado de Pernambuco, no período de Nutrição no Brasil, seja enquanto disciplina, como 1955 a 1963, e o cargo de embaixador brasileiro junto política social e/ou enquanto profissão. às Nações Unidas, no período de 1963 a março de Na análise dos escritos da segunda fase (anos 1964. Em abril de 1964 teve seus direitos políticos 50/60), a autora identifica no diálogo entre Josué de Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
  • 2. 214 RESENHAS REVIEWS Castro e os teóricos do subdesenvolvimento-desen- A MIRAGEM DA PÓS-MODERNIDADE: DEMO- volvimento a tese da “fome como expressão do subde- CRACIA E POLÍTICA SOCIAIS NO CONTEXTO senvolvimento” ou da “fome como obstáculo ao desen- DA GLOBALIZAÇÃO. Organizadores: Sílvia Gers- volvimento nacional”. Ao longo de sua re(leitura), a chman & Maria Lúcia Werneck Vianna. Rio de Ja- autora vai mapeando as influências teóricas que fo- neiro: Editora Fiocruz, 1997. 226 pp. ram marcando os escritos de Josué de Castro em sua trajetória político-intelectual, particularmente o po- A Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Os- sitivismo de Comte, a teoria do círculo vicioso da po- waldo Cruz, realizou no mês de julho de 1995 o semi- breza, a nutrologia de Pedro Escudero, a Geografia nário Globalização, Democracia e Reforma do Esta- Lablachiana, as teorias do subdesenvolvimento, a do: Dilemas e Perspectivas das Políticas Públicas de ideologia do nacional-desenvolvimentismo e alguns Saúde, objetivando aprofundar discussões e análises conceitos do marxismo e do chamado catolicismo do processo de globalização e produzir reflexões social. Diante deste quadro de pluralidade de orien- quanto às conseqüências das transformações nas po- tações teóricas, a autora também alerta para a dialé- líticas públicas sociais, tanto no âmbito internacio- tica de continuidades e de rupturas que foi delinean- nal, como no nacional. Esse evento teve a participa- do o pensamento do autor em sua trajetória de vida. ção ativa de professores e pesquisadores de diferen- Por outro lado, observamos que o livro quase que tes universidades e instituições de pesquisa. O pro- atropela certas questões contraditórias inerentes à vi- duto desse seminário se transformou no livro A Mi- da do autor enquanto homem público; à distância ragem da Pós-Modernidade, objeto dessa resenha, entre a obra intelectual e a sua prática político-pro- coordenado e organizado por Sílvia Gerschman & fissional e, portanto, ao processo de construção/des- Maria Lúcia Werneck Vianna. O livro compõe-se de construção do mito Josué de Castro. Por exemplo, po- apresentação, introdução e um conjunto de 12 textos demos apontar a questão da organicidade intelectual apresentados, discutidos e analisados no decorrer do do autor com a ditadura do Estado Novo e com o po- evento. Enquanto a apresentação expõe o objetivo da pulismo do segundo Governo Vargas (dois momentos publicação, a introdução é um texto amplo que con- de ‘auge’ de sua trajetória). Outro exemplo é a ques- textualiza e tematiza as profundas mudanças em cur- tão do “deslocamento para a esquerda” ou da “tonali- so no planeta terra, resgatando e buscando reconcei- dade vermelha” que a prática política do autor assu- tuações de democracia, em face do processo de glo- me ao final dos anos 50 (sua aproximação com o mo- balização, costuradas em reflexões sobre incertezas, vimento camponês e com as propostas nacional-re- contingências e consenso. O conteúdo é ainda enri- formistas), o que gerou a cassação dos seus direitos quecido pelas discussões engendradas na “natureza políticos e exílio do País. Estas são algumas das ques- desse novo sistema internacional ...”, resgatando aná- tões ‘obscuras’ da trajetória do autor que o texto de lises sobre a situação da Europa Oriental, assim co- Rosana Magalhães apenas tangencia e que, a meu mo a dimensão política da atuação das organizações ver, possibilitam outras abordagens da obra. não governamentais. É ainda sinalizado, como rele- Nesta re(leitura) bastante sucinta e não menos vante, o papel “da revolução tecnológica dos meios de profunda que a autora faz da obra de Josué de Castro, comunicação e, principalmente a informática”, consi- identificamos, ainda, o seu esforço em procurar fugir derando os cenários da centralização e massificação do tratamento frio que quase sempre a academia re- das redes interativas (infovias) e televisivas. serva aos temas polêmicos como fome, miséria e sub- Os 12 artigos que seguem depois da introdução desenvolvimento. Apesar da linguagem clara e direta, estão agregados em três partes: o texto acaba tropeçando em outras das armadilhas acadêmicas. Neste sentido, apontamos a falta de uma revisão mais apurada em algumas passagens, parti- Parte I – Globalização, democracia e questão cularmente, em relação às referências bibliográficas. social Enfim, nesta (re)leitura apaixonada (e apaixo- nante), criador e criaturas se (re)encontram neste fi- Compõem a primeira parte quatro artigos cujos con- nal do século, quando foi constituído o campo da teúdos procuramos sintetizar abaixo. Nutrição no Brasil, ou, como diz Rosana Magalhães, quando foi instituído o saber sobre fome no País. E 1) Perspectivas da Democracia no Mundo Contem- em vez de geografia da fome, Josué de Castro falaria porâneo: Mais Liberal, Pré-Liberal ou Pós-Liberal? de globalização da fome, este processo de uniformi- Philippe Schmitter (Departamento de Ciências Políti- zação planetária dos hábitos e práticas alimentares, cas/Universidade de Stanford – Califórnia, USA). em que a produção e a circulação da mercadoria ali- mento permanece atrelada às necessidades de acu- Neste artigo, Schmitter centraliza o debate na discus- mulação do capital e não às necessidades nutricio- são de diferentes concepções e práticas de democra- nais humanas. cia no mundo. O autor sinaliza que nas próximas dé- cadas “a democracia terá que enfrentar desafios im- Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos precedentes ...” e que seu futuro “será incrivelmente Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde tumultuado, incerto e muito acidentado”. Explica tam- Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, Santa Catarina bém que a maioria desses desafios virá das democra- cias liberais consolidadas (DLCs) e não das democra- cias recentes (NDRs), ressaltando que estas “enfren- tarão uma boa parcela de desencanto ...” diante das realizações não correspondidas. Conclui que todas “as alternativas à democracia liberal são atormenta- das por um sério problema de agência (...) não impor- Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
  • 3. RESENHAS REVIEWS 215 tando o quão intelectualmente atraentes sejam ...”. O ção à natureza da realidade social, das forças sociopo- autor destaca ainda que “a transição nas DLCs é mui- líticas transnacionais, e a erosão da democracia como to mais difícil do que nas NDR’s”, pois existem inimi- ideário do sistema nacional em face das perspectivas gos não declarados “que atualmente sabotam o de- de governabilidade global. Conclui o trabalho elabo- sempenho e eventualmente a viabilidade”, e ainda im- rando quatro cenários alternativos dessa governabili- puta aos extremistas de direita e de esquerda os im- dade com probabilidades de médio e longo prazos. perramentos das tarefas da reformas necessárias no mundo contemporâneo. Parte II – Ajuste e reforma do Estado 2) O Nacional e o Social em Tempos Globais. Fábio Wanderley Reis (Departamento de Ciências Políti- Os artigos que compõem a segunda parte e que tra- cas/Universidade Federal de Minas Gerais). tam de reformas e ajustamentos do Estado têm como objetivo maior a questão de políticas públicas, sendo Sucintamente, Reis descreve seu artigo sob uma pers- novamente a democracia o fio condutor das discus- pectiva pessimista e fatalista, destacando a pressão sões. para a redução do Estado Nacional, norteada pela ideologia neoliberal, por meio de forças tendenciosas 5) Ajuste Estrutural, Governabilidade e Democracia. do processo de globalização do mundo. O autor põe Maria Alícia Dominguez Ugá (Ensp/Fiocruz). em pauta a questão da governabilidade e ingoverna- bilidade, estado e projeto nacional, nacionalismo e A autora inicia seu texto elaborando fundamentos antinacionalismo, resgatando criticamente o ideário teóricos sobre políticas de ajuste em face das refor- do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). mas, alicerçados em teses que dão base ao pensa- Articulando a questão de desenvolvimento nacional mento neoliberal, provenientes das escolas da Áus- e projeto social, pontua também a problemática da tria, de Chicago, e da Public Choice. Ao analisar as po- tensão “entre eficiência e democracia”, quando esta se líticas do ajuste neoliberal, retoma os anos 80 como torna a força maior que dá sentido ao projeto nacio- ponto de partida da “disseminação do paradigma nal como sinônimo de projeto social. neoliberal ...”, pontuando as rupturas ocorridas em relação ao modo de produção, organização e divisão 3) Democracia, Políticas Sociais e Globalização: Rela- do trabalho, cujos resultados refletem na redistribui- ções em Revisão. Sílvia Gerschman (Departamento ção de renda e do emprego e nas relações de classe. de Administração e Planejamento em Saúde/Escola Nesse plano, analisa criticamente o modelo do Bem- Nacional de Saúde Pública – Fiocruz-RJ). Estar Social, diante do saneamento de finanças pú- blicas, e as contradições e descompassos. A questão Gerschman retoma a discussão sobre democracia e da governabilidade vista no contexto de ajuste estru- globalização, inserindo-a no contexto de países da tural do neoliberalismo é analisada pela autora to- Europa Ocidental conduzidos pela social democra- mando como base de apoio principalmente o artigo cia, no Japão, nos Estados Unidos, assim como na de Acuña & Smith (Latin American Political Economy América Latina, principalmente no Brasil, na Argen- in the Age of Neoliberal Reform: Theoretical and Com- tina e no México. As suas análises mostram que “para parative Perpectives for the 1990’s. New Bruswick: tentar repensar e recriar a democracia” é “necessário Transation Publishers, 1994). despojar-nos da ideologia global” e ressaltam que já vivemos em um mundo globalizado que retira a so- 6) Notas sobre Estado, Políticas Públicas e Saúde. berania e a identidade dos Estados, reforçando a ex- Amélia Cohn (Centro de Estudos Contemporâneos e clusão social e dicotomizando-a entre duas catego- Departamento de Medicina Preventiva/Universidade rias: aqueles que são consumidores e os que não são de São Paulo). consumidores. A autora destaca também que os de- safios à democracia diante do processo de globaliza- Cohn, ao puxar o debate sobre o Estado e finanças ção são de grande complexidade, tanto para os países públicas, procura dar “uma dimensão mais imediata” de democracia recente, como para aqueles de longa no que “diz respeito à pluralidade e abrangência das existência, os quais podem se transformar em demo- ações do Estado e padrões de bem-estar social” e à ar- cracias formais de caráter meramente eletivo. Por ou- ticulação por ele geridas na atual conjuntura históri- tro lado, destaca ainda o fato de que os movimentos ca. Com esse objetivo, analisa diversos autores, cujas sociais, no seu conjunto, não têm cooperado de for- teses estão principalmente centradas no contexto la- ma significativa e impactante no tensionamento das tino-americano e fazem seu percurso discursivo ali- crises em curso. nhavando democracia, reformas e os ajustes neces- sários às novas regulamentações do Estado. Finaliza 4) Reflexões sobre as Dimensões da Globalização, as explicitando textualmente que “se a busca da moder- Novas Forças Sócio-Políticas Transnacionais e a Re- nidade não exclui, ao contrário pressupõe a presença definição do Horizonte da Democracia. Eduardo Vio- ativa do Estado, de um estado democrático que incor- la (Departamento de Relações Internacionais/Uni- pore os cidadãos, ela pressupõe também uma política versidade de Brasília). científica e tecnológica na área de saúde que se assente simultaneamente no pilar da regulação e no pilar da O artigo de Viola é complexo, porém bastante provo- emancipação, pilares fundamentais do projeto socio- cativo e estimulante ao debate, pela abordagem ana- cultural da modernidade”. lítica multifacetada e multidimensional no processo de globalização. Ele descreve e analisa as principais características e dimensões deste processo, em rela- Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
  • 4. 216 RESENHAS REVIEWS 7) Crise, Governabilidade e Reforma do Estado: Em ses de políticas sociais e o Estado de Bem-Estar, con- Busca de um Novo Paradigma. Eli Diniz (Instituto siderando tanto os elementos político-econômicos e Universitário de Pesquisas/Rio de Janeiro). suas performances impactantes, quanto o papel dos atores sociais e das instituições públicas. Defende O texto de Diniz, escrito de forma bem didática, de- que emergência, expansão e crise das políticas de bate a crise internacional de 80 e seu impacto sobre a Bem-Estar, são mais bem espelhadas e explicitadas, América Latina, centralizando, no entanto, como es- por intermédio de fatores políticos, embora estes de- tudo de caso o Brasil. Crise, reforma, governabilidade vam ser cruzados obviamente, com fatores econômi- e nova ordem mundial são tratados em razão de fato- cos. A autora chama atenção para o fato de que “os da- res determinantes externos e internos. A autora dos fornecidos por organismos internacionais abali- aponta o descompasso de Estado e sociedade civil, zados não autorizam os vaticínios alarmantes...”, do imputando-o, em parte, ao crescimento da organiza- desmonte do Bem-Estar. Finalizando o artigo com ção social, que expõe as mazelas da ineficácia, assim breve comentário sobre o Brasil e seu incipiente e como outras adjetivações, do poder público em crise. imaturo contexto do sistema de proteção social, Vian- Ao concluir, sugere que “... estratégias de enfrenta- na conclui que, embora na constituição brasileira es- mentos de crises desta natureza, ... não podem perder tejam contidos princípios para as políticas sociais, de de vista a meta da consolidação democrática”. Por ou- concepção semelhante à dos países de Bem-Estar, o tro lado, salienta que a necessidade de reforma do Es- modelo que vem sendo assumido, no entanto, é mais tado é patente e deve ser caracterizada na sua dimen- de concepção americana. são política e técnica, e também conduzida mediante “acordos e alianças, articulando arenas de negocia- 10) Crise Econômica, Crise Welfare State e Reforma ção ...”. O artigo é concluído com a proposta de um Sanitária. Célia Almeida (Departamento de Adminis- novo paradigma, “com enfoques tecnocrático e neoli- tração/Ensp/Fiocruz). beral, ... como também do modelo de gestão pública associado àquele conceito”. Almeida introduz seu artigo resgatando, à exemplo de Vianna, a discussão da crise geral e o Estado de 8) O Mito de Descentralização como Indutor de Bem-Estar a partir da década de 80. Centraliza sua Maior Democratização e Eficiência das Políticas Pú- análise na reforma sanitária, abordando cinco di- blicas. Martha Arretche (Núcleo de Estudos e Políti- mensões: a hegemonia americana e a expansão dos cas Públicas/Universidade de Campinas). sistemas de assistência médica; a natureza e dimen- são da crise sanitária dos anos 60-70; o diagnóstico Arretche também retoma no seu artigo a década de neoliberal da problemática setorial com as propostas 80, para o ponto de partida de seu objetivo maior de de reformas nos anos 80; os principais resultados estudo – descentralização da reforma do Estado, con- dessas reformas e o movimento das tendências das siderando-a como “instrumento necessário de demo- reformas sanitárias nos países centrais. Conclui que, cratização das relações políticas ...” e explicitando que em todos os processos das reformas sanitárias, houve essa “nova forma de gestão dos assuntos do Estado, é a introdução de “mudanças gerenciais e de mecanis- defendida tanto por aqueles que acreditam nos velhos mos de mercado, dirigidas especificamente à busca de preceitos liberais, como também por aqueles que acre- maior eficiência na produção de serviços através da ditam ainda no ideário libertário”. A autora faz uma recomposição do setor, seja a nível público ou priva- análise geral, aprofundando e problematizando o as- do”. Chama atenção para o paradoxo da presença de sunto, descentralização e democracia, em relação à um estado regulador e a intervenção nas políticas so- situação da França, Espanha e principalmente do ciais neoliberais, destacando a grande distância “en- Brasil, por meio de três argumentos básicos: descen- tre o discurso reformista (teórico e ideológico) e as po- tralização como condição necessária à democratiza- líticas implementadas”, embora os desmontes “que ção do processo decisório; expectativa de esvazia- vêm sendo realizados” estejam colaborando para dis- mento das funções do governo central e a redução do seminar a idéia da ineficiência do setor público “fa- clientelismo, mediante formas de controle que impli- bricando a insatisfação do usuário e fortalecendo as quem a redução do emprego de recursos públicos. propostas privatizadoras”. A posição da autora, prin- cipalmente no último parágrafo do artigo, expõe aná- lises otimistas em relação ao setor saúde e o paradig- Parte III – O Estado de Bem-Estar no contexto ma neoliberal, destacando que é preciso levar em atual consideração o fato de que há especificidades pró- prias e distintas neste setor, que são peculiares a ca- Esta última parte é composta por quatro artigos, que da sociedade. procuraram analisar o sistema do Bem-Estar Social e suas reformas e transformações, sob o impacto do 11) As Políticas Sociais e as Políticas de Saúde no neoliberalismo em curso. Contexto do Processo de Globalização. Ana Luíza Via- na (Instituto de Medicina Social/Universidade Esta- 9) Política versus Economia: Notas (Menos Pessi- dual do Rio de Janeiro). mistas) sobre Globalização e Estado de Bem-Estar. Maria Lucia Werneck Vianna (Instituto de Economia Viana faz seu caminho discursivo e analítico, na linha da Universidade Federal do Rio de Janeiro). do trabalho das duas autoras anteriores, isto é, resga- tando a história dinâmica do Estado de Bem-Estar, Vianna analisa e discute várias referências bibliográ- até o início dos anos 90. Especificamente, no que diz ficas, principalmente sobre a Grã-Bretanha, França, respeito ao setor saúde e suas políticas, a autora tri- Alemanha, Suécia e Dinamarca, voltadas para análi- lha por discussões sobre os Estados Unidos da Amé- Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998
  • 5. RESENHAS REVIEWS 217 rica e a Inglaterra, países que considerou como “sím- bolos da aplicação das políticas neoliberais...”. Enfati- za, ao finalizar, que: “Qualquer movimento que desa- güe em propostas exclusivamente locais para a saúde, é passível de imensas distorções, irracionalidades e desperdícios de recursos, como bem demonstram tra- balhos recentes de análises do processo de descentrali- zação das políticas de saúde na América Latina (casos chileno, argentino e brasileiro)”. 12) A Proteção Social e as Transformações do Mundo do Trabalho: Garantia de Mínimos ou Direito de Ci- dadania. Rosa Maria Marques (Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Marques direciona seu texto “sobre a incompatibili- dade crescente entre o modelo de proteção social cons- truído particularmente após a Segunda Guerra Mun- dial e o atual projeto de acumulação...”, procurando analisar quatro aspectos básicos: sistemas de prote- ção aos trabalhadores do mercado formal; processos de universalização e integração à gestão do trabalho (anos 50-60); crise do Welfare State e os impactos so- bre a proteção social; e as alterações ocorridas no mundo do trabalho e as possibilidades de transfor- mações dos atuais modelos de proteção social. No decorrer das análises sobre os caminhos da constru- ção do Welfare State, Marques discute a relevância do papel de atuação que tiveram os sindicatos e parti- dos da classe trabalhadora, reconhecidos estes, quer pelo Estado, quer pelos representantes do capital, co- mo os canais de competência e legitimação, nos pro- cessos de negociações. Problematiza, por outro lado, a questão de custo financeiro da proteção social uni- versalizada, levando em consideração fatores diver- sos a exemplo de: ampliação de cobertura e crescen- te demanda; a aposentadoria e envelhecimento da população; gastos com o setor saúde e seguro-de- semprego e a diminuição das contribuições financei- ras de empregados e empregadores. A esse conjunto de fatores é imputada a fragilização do sistema do Welfare State no que se refere ao financiamento da proteção e políticas sociais. A questão do desempre- go é inserida no artigo, tendo como pano de fundo a adoção de novas tecnologias pelo sistema produtivo, que desenham uma nova facie de modernização e reorganização racionalizada no campo gerencial e de produção, promovendo a segmentação da classe tra- balhadora entre aqueles “...que têm emprego ...” e os desempregados que vicejam “...totalmente à parte da sociedade”. Dalva A. Mello Núcleo de Estudos de Saúde Pública CEAM, Universidade de Brasília Brasília Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 14(1):213-217, jan-mar, 1998