1. Entrevista HUMBERTO PESSOA EFRAIM CAETANO E JOAZ NU NES
“Patrocínio não existe”
O cartunista que no início da carreira fazia charges a troco de cerveja diz que
desenhar no Brasil é uma batalha constante contra a falta de apoio
O
paulista Humberto Pessoa, 40,
é um dos muitos cartunistas brasi-
leiros que encara uma tarefa nada
fácil - sobreviver de desenho no
Brasil. Agora, numa manobra comum no
mundo dos desenhos, ele deixa a charge
e o cartoon de lado e recorre a outros
“O cartunista é um
meios, onde em eventos e exposições pensador, ele
produz caricatura ao vivo e sob enco-
menda. A mudança de estilo parece agra- analisa, expõe
dá-lo, pois segundo ele desenhar
pessoas desconhecidas e vê-las sorri- sua opinião, e só
rem de si mesmas é algo que o diverte.
Mas nem tudo é alegria. Para Humberto,
muitos eventos e exposições não ban-
depois desenha ”
cam sequer o material gasto e, para eles,
cartunistas vivem apenas de divulgação.
“Não é só disso que um cartunista ou
caricaturista vive, pois se o nosso tra-
balho chegou até eles é porque
pagamos para anunciar”.
Como é sobreviver de desenho no
Brasil?
Complicado. Faço eventos de carica-
tura e charges e, sempre procuro levar
humor gráfico à população. Porém
isso demanda gastos com material e
requer tempo. No final, ninguém quer
bancar, pois patrocínio não existe.
Muita das vezes eu tenho de arcar
com todos os gastos, desde a moldura
até o transporte. Recentemente houve
um evento de caricatura só com Rock
In Roll. Conversei com o organizador e
ele queria deixar a exposição o mês
inteiro à vontade. Porém gostaria de
fazer ao menos um dia patrocinado ou
vender caricatura para que pudesse
bancar o custo, mas não foi possível,
pois eles queriam que fosse tudo de
graça. Aí eu pergunto: tem divulgação
do meu trabalho? tem. Mas não é só
disso que um caricaturista ou cartu-
nista vive. pois se o nosso trabalho
EFRAIM CAETANO
chegou até eles é porque pagamos
para anúnciar, e muitos pensam que
vivemos exclusivamente de
divulgação.
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2. Entrevista HUMBERTO PESSOA
E como você obtém ganho com o
“Conseguir um justo, e com isso, sempre procuro
desenho? Felizmente consigo obter um
apoio de um ou de outro, mas não é
trabalho, por exemplo, trazer um nome cada vez mais forte no
mercado.
uma tarefa fácil. Conseguir um traba-
lho, por exemplo, em jornais e revistas
em jornais e revistas é Como é a formação de um cartunista no
Brasil? Os próprios cartunistas que
é difícil, pois os que trabalham nestes
veículos de comunicação não querem difícil, pois os que possuem estúdios administram aulas.
sair e, furar este bloqueio é extrema- Conheço dois ou três que são ótimos
mente complicado. trabalham nestes professores, mas cartoon e charge é
um negócio para quem gosta de pen-
Em 2005 um desenhista publicou veículos de sar. Henfil, por exemplo, desenhava
caricaturas ironizando Maomé e passou uns tracinhos e umas bolinhas, mas
a ser perseguido pelo Islã. Qual o limite comunicação não era algo inteligentíssimo, em que não
que cartunistas devem ter em relação ao se via o traço e sim a idéia. Em com-
humor em seus desenhos? O cartoon querem sair e, furar pensação há uns desenhistas que
deste artista não foi ofensivo. Ele fez fazem um baita de um desenho, mas
uma charge e em momento algum teve este bloqueio é você olha para o desenho e não en-
a intenção de ofender. Eu, por exem- tende nada. Então, curso para charge
plo, faço desenhos de gordinhos, extremamente e cartoon é o dia-a-dia, é você parar,
negros e, brinco com isso tudo, inclu-
sive comigo. Então se formos levar
isso tudo a sério, vamos todos virar
complicado ” pensar e trabalhar uma idéia.
Hoje há mais quantidade ou qualidade?
robozinho. Em caricatura há mais quantidade,
de de expressão. Mas hoje você pode pois existe muito aventureiro na cate-
De que maneira um desenhista pode lidar até ofender, pois o governo pouco se goria. A internet hoje ela é uma vitrine
com temas políticos e sociais sem se importa. Então é preciso conseguir um para o mundo, então o cara faz um
tornar parcial? É difícil, pois você tem jeito de cutucar um pouco mais. desenhinho ali, coloca na internet e,
de tomar partido. O cartunista é um fala que é caricaturista e saí venden-
pensador, ele analisa, expõe sua opi- Como? A molecada nova precisa estar do o peixe, mas quando alguém o con-
nião e só depois desenha. Pelo menos mais ligada e para isso é preciso ler trata para um evento ele não cumpre
os que eu conheço tomam sempre o mais, acompanhar os noticiários e prazo, atrasa e queima o filme de quem
partido da população. Se ele vê uma serem mais críticos. Já que não temos está a 15, 20 anos na profissão. Char-
falha de um político, ele põe o dedo na acessos para chegar ao governo e co- ge e cartoon a turma é mais seleta,
ferida. As críticas da geração do Paulo brar algo, vamos realizar este trabalho pois quando publicam um livro ou
Caruzo e do Glauco é maravilhosa, através do desenho. participam de um salão, é pessoas
mas muitos cartunistas, principalmen- como o Ziraldo que julga seu trabalho.
te a nova geração, não estão sabendo O espaço concedido pela imprensa é Assim é muito melhor, pois se você faz
usar essa ferramenta, pois de algum algo que valoriza o trabalho de quem um bom serviço as oportunidades
modo estão com medo. desenha ou é um passa tempo para quem aparecem.
vê? Depende. No jornal, por exemplo,
O cartoon muitas das vezes serve como você tem vários cadernos, mas há A classe dos cartunistas é organizada?
crítica. Qual a importância dessa crítica pessoas que curtem somente uma de- Sim. É uma das poucas categorias que
para a sociedade? O cartoon é uma terminda editoria e lê apenas aquela. conheço que é organizada. Tanto é
linguagem universal e a charge é algo Do mesmo modo é com o cartoon e a que em feiras ou eventos de grandes
mais localizado e os envolvidos en- charge no jornal, revista ou internet, corporações, comunicamos uns com
tendem, às vezes sem uma palavra pois quem gosta e tem interesse vai os outros e nivelamos o preço, pois o
sequer ,o que a imagem significa e, ver, discutir e analisar o que o dese- que vai se destacar é a qualidade do
isso proporciona ao leitor um argu- nho quer transmitir. traço.
mento crítico, onde ele expõe sua
opinião, concorda ou não com o Como você avalia a relação do cartunista De onde surgem as idéias do seus
assunto abordado. com a imprensa? Digo pela minha his- desenhos? Para mim cartoon e charge
tória. Quando comecei a fazer charges são Rock In Roll. Se você for ver, o
Como é a vistoria do governo em relação para jornais de bairro, fazia a troco de Rock é uma forma de protesto com
ao cartoon? O governo está nem aí cerveja e, era um negócio mixaria. Hoje música. Se você pegar um MPB, por
para o cartoon. A constituição garan- já consigo em uma publicação cobrar exemplo, é um negócio mais trabalha-
te, desde que não ofensiva, a liberda- pelo meu trabalho, não o que seria jus- do e isso é como se fosse um desenho
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3. mais arrumadinho. Charge e cartoon é
“Comprei um uma exposição no Shopping D. Eles
o bate pronto, a porrada na cara. Isso equipamento para queriam 50 trabalhos para expor
é o Rock In Roll. Entã, o a meu ver, durante o mês da copa em 2006, mas
desenho é Rock. Você vive isso, parti- fazer desenho no não havia todo esse material e não
cipa, expõe sua opinião no papel. tinha tempo hábil para produzir.
computador, mas o Felizmente, junto com a agência,
Que tipo de desenho você mais gosta de conseguimos mais quatro caricaturis-
produzir; Charge, cartoon ou caricatura? traço sumiu, pois não tas e produzimos, mesmo de última
Charge. Pois além de desenhar eu hora, todo o material. Dos 50 dese-
coloco o que estou pensando e man- era a pressão que eu nhos, 26 eram meus. A entrada princi-
do meu recado. Mas curto muito fazer pal da exposição ficava o desenho do
caricatura em eventos, pois faço ga-
nhando dinheiro e se divertindo em
coloco no lápis ou na Ronaldo, fora de forma, gordinho
mesmo. A mídia foi cobrir e estavam lá
ver pessoas que olham para a sua ca-
ricatura e caem na gargalhada.
caneta e sim, a pressão ESPN, RedeTV, Rede Mulher, Tv
Gazeta e outros jornais impressos
Existem hoje vários programas gráficos
do computador. como a Folha de São Paulo e o
Estadão. O desenho chegou inclusive
que permitem desenhar direto no
computador. Você faz uso do cumputador
Não gostei ” a Alemanha. Esse foi o grande Boom
da minha carreira.
para desenhar ou prefere o lápis e a
prancheta? O meu computador é só E como você recebeu o reconhecimento
para ter contato com o mundo, ler, ver do seu trabalho? Às vezes não cai a
fotos e verificar o e-mail. Eu até com- ficha. As pessoas chegam e falam: vi
prei um equipamento para fazer dese- cia hoje não mudou, pois o negócio é seu trabalho, vi você na televisão.
nho no computador, mas o meu traço fazer as pessoas se divertirem. Casa- Isso é bacana. É sinal de que estou
sumiu, pois não era a pressão que eu mento, por exemplo, a mecânica é trabalhando, não para me aparecer,
coloco no lápis ou na caneta e sim, a assim: os noivos têm suas respectivas mas para o meu trabalho aparecer.
pressão do computador. Não gostei. famílias e amigos e são duas paneli- Então se viram o meu trabalho, que
Inclusive ele está guardado ali no nhas no mesmo ambiente. Geralmente bom, que ótimo, acho muito legal e
canto e se alguém quiser comprar são turmas que não se conhecem, quero cada vez mais. Se esse é o
estou vendendo. então é aquela confusão, em que os caminho e está dando certo, vamos em
noivos têm de cumprimentar a todos. frente.
O público percebe quando é na mão ou É a hora que eu entro, pois enquanto
no computador? Com o tempo ele per- os noivos estão lá tirando fotos eu Pichar é o melhor jeito de se expressar
cebe. O Maurício de Souza, por exem- estou interagindo com os convidados. com o desenho? Não. Pichação é
plo, ele faz anos que não desenha. É Vou em pé, escolho uma turminha e bandidagem e a pessoa tem de ser
uma equipe que desenha. Aquelas começo a fazer caricatura. Os que es- punida. Esse é de longe o melhor
charges que passava no Jornal tão ao lado querem saber o que está modo de se expressar.
Nacional do Chico Caruzo, ele jogava acontecendo, vêm e vê, sabe que é de
apenas a idéia, fazia o primeiro bone- graça, um desenho e começa a mos- Seus trabalhos têm sempre algum tipo de
co na mão e, depois sua equipe digita- trar a caricatura um para o outro. Aí humor, mas se você tivesse de projetar
lizava e fazia-se a animação. Quem começa a interação. Esse é o meu algo para que as pessoas fiquem tristes,
assina é o Chico Caruzo, sua empresa. principal objetivo em eventos. É em como seria? Recentemente elaborei um
Então é estranho. É a mesma coisa que cinco minutinhos fazer a pessoa dar desenho sobre o fato daquele maluco
você pegar e fazer um Rock no compu- risada dela mesma com sua caricatura. que atirou nas crianças no Rio de
tador. Onde está a bateria, a guitarra e Janeiro. Desenhei um quadro negro da
a corda que estava estourando. Prefiro A arte do cartoon é se divertir? Sim. É o escola e, no cantinho onde se coloca
o papel e a caneta. humor através do papel e da caneta. o apagador, pintei uma gotinhas de
sangue pingando no chão e formando
Atualmente uma das suas atividades é a De todos os seus trabalhos existe um o mapa do Brasil. É um traço cômico,
caricatura ao vivo. Como é este que mais te marcou? Sim. O do mas a mensagem é triste. Então
trabalho? A caricatura ao vivo vêm Ronaldo. Fiz para mostrar aos amigos. também trabalho com isso. Trabalho
desde a Idade Média. Lá tinha o bobo Não tinha pretensão nenhuma. Os com o sentimento e, este é um modo
da corte que fazia caricatura do rei e amigos gostaram e com a internet o de se expressar em forma de arte.
de empregados e, o negócio dele era desenho chegou até uma agência em Estou triste, mas sou cartunista e esse
fazer a monarquia dar risada. A essên- São Paulo onde me convidaram para é o meu recado.
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