O documento discute a greve de professores hoje em protesto contra a proposta de Orçamento do Estado para 2018, que não conta todo o tempo de serviço dos professores para efeitos de progressão na carreira. Os sindicatos pedem uma "greve histórica" e maior contagem do tempo de serviço. As negociações com o Governo vão continuar amanhã, mas os sindicatos insistem que todo o tempo deve ser contado.
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Tendência não coloca
em causa projecção de
crescimento para 2017 p22/23
Contratos excepcionais
terminam hoje, um mês
após os últimos fogos p6/7
Galp e Rubis questionam
parceria exclusiva do Estado
com uma empresa p24
Indefinição na política das
drogas faz disparar listas de
espera entre os utentes p12/13
Economia
cresceu 0,5%
no terceiro
trimestre do ano
Meios aéreos
extraordinários
terão custado
até 5,4 milhões
Acordo com
Cepsa na botija
de gás social cria
tensão no sector
Coordenadores
da área da droga
demitem-se em
sinal de protesto
MARCO DUARTE
Professoresfazemgrevehoje
masvoltamanegociaramanhã
Mário Nogueira, líder da Fenprof, diz que a adesão à greve é “determinante” para que o Governo aceite
que todo o tempo de serviço dos professores conte para a progressão na carreira Destaque,2a4eEditorial
Língua gestual
A ‘vida normal’
de uma família
com a voz
nas mãos
Sociedade,18/19
Habitação
Vai vender uma casa?
Saiba como reduzir
o pagamento de mais-valias
Economia,25
Donald Trump
Ele insiste em ver Clinton
na cadeia mas investigação
ainda não avançou
Mundo,28/29
Edição Lisboa • Ano XXVIII • n.º 10.072 • 1,20€ • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • Director: David Dinis Adjuntos: Diogo Queiroz de Andrade, Tiago Luz Pedro, Vítor Costa Directora de Arte: Sónia Matos
ISNN-0872-1548
Saúde
Hámaisdoentes
comsuperbactéria
quecausamortes
noshospitais
p14
Cresap recebeu mais seis
candidaturas. Processo
de avaliação poderá estar
concluído dentro de dois
meses p15
Graça
Freitas
é candidata
a directora-
-geral
da Saúde
meses p15
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2 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
DESTAQUE
PROFESSORES
JOÃO HENRIQUES
Governotentou
parargrevemas
nãoteveêxito
Negociações com sindicatos sobre a contagem do tempo
de serviço vão prosseguir amanhã. Governo fala de “avanços
no sentido de um potencial acordo negocial”
E
sta tem de ser “uma greve
histórica”, exortou o líder
da Federação Nacional
de Professores (Fenprof ),
Mário Nogueira, referindo-
se à paralisação convocada
para hoje por todos os sindicatos de
docentes e cuja adesão considerou
como “determinante” para que o
Governo venha a aceitar que todo
o tempo de serviço dos professores
conte para efeitos de progressão.
O líder da Federação Nacional
da Educação (FNE), João Dias da
Silva, repetiu o apelo. Ambos fala-
vam à saída das reuniões realizadas
ontem, a partir das 15h30, com a
secretária de Estado Adjunta e da
Educação, Alexandra Leitão, e a do
Emprego Público, Maria de Fátima
Fonseca, que foram convocadas
sem aviso prévio de manhã, por-
tanto a 24 horas da greve. “Esta-
mos a pedir uma reunião desde 12
de Outubro”, lembrou a propósito
Mário Nogueira.
ClaraViana
eRaquelMartins
À noite, os ministérios da Edu-
cação e das Finanças divulgaram
um comunicado a anunciar que as
negociações com os sindicatos se-
rão retomadas amanhã, adiantando
que nas reuniões de ontem foram
registados “avanços no sentido de
um potencial acordo negocial”.
O pomo da discórdia, na base
desta greve, centra-se na proposta
de Orçamento do Estado para 2018
que não assegura aos professores
que todo o seu tempo de serviço
realizado durante o período do
congelamento das carreiras (2005-
2007 e 2011-2017) seja contado para
efeitos de progressão.
Esta questão estará no centro
do debate na especialidade do Or-
çamento do Estado marcado para
hoje no que respeita à Educação e
que será feito sem a presença do
ministro da tutela.
Tiago Brandão Rodrigues foi on-
tem internado por tempo indeter-
minado com síndrome vestibular
agudo.
Este diagnóstico, que pode estar
associado a “variadíssimas causas”,
provoca tonturas, vertigens, náuse-
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 3
SÉRGIO AZENHA
O Bloco de Esquerda apresentou
ao Governo uma solução que pas-
sa pela hipótese de os professores
poderem reformar-se mais cedo,
caso queiram. Caso não o desejem,
então o executivo deve contar, mes-
mo que seja de forma faseada, a to-
talidade do tempo de serviço para a
progressão na carreira. Também o
PCP já se pronunciou e entende que
o Governo “tem todas as condições
para encontrar com os sindicatos e
as associações profissionais a forma
e o calendário necessários” para
que o tempo de serviço efectiva-
mente prestado seja contado.
Sobre a hipótese de se abrir a por-
ta a reformas antecipadas sem pe-
nalizações, a bloquista Joana Mortá-
gua faz questão de deixar claro que
é apenas “uma opção, uma ideia”:
“Não nos queremos sobrepor à ne-
gociação com os sindicatos. Quere-
mos é que o Governo entre em ne-
gociações com os sindicatos, com
vários modelos de faseamento da
contagem do tempo de serviço, sa-
bendo que há várias possibilidades.
A hipótese de reforma antecipada
é uma reivindicação antiga dos do-
centes. O objectivo é que o Governo
perceba que, se tiver disponibili-
dade para isso, tem muitas formas
de compensar os professores desta
injustiça”, ressalvou ao PÚBLICO a
deputada, depois da reunião com a
secretária de Estado da Educação,
na tarde de ontem.
Em causa está o facto de o Go-
verno não estar a contar o trabalho
dos docentes no tempo que vai de
30 de Agosto de 2005 a 31 de De-
zembro de 2007 e de 1 de Janeiro
de 2011 até 31 de Dezembro de 2017,
por falta de margem orçamental.
Ao PÚBLICO, o coordenador do PS
na Comissão de Educação, Porfírio
Silva, não quis fazer comentários
sobre o tema, precisamente por as
negociações ainda estarem a de-
correr.
Na discussão do Orçamento do
Estado para 2018 (OE2018) na es-
pecialidade, o BE pretende ainda
avançar com uma norma progra-
mática que obrigue o executivo a
negociar com os sindicatos o des-
congelamento e o tempo que con-
ta para a progressão das carreiras.
Também o líder da bancada parla-
mentar do PCP garantiu que o par-
tido vai apresentar uma alteração
ao OE2018 para que fique inscrito
no documento que todo o tempo
de serviço deve ser contabilizado
para o cálculo das progressões na
administração pública.
João Oliveira defendeu que o
problema da contagem do tempo
abrange as carreiras de professores,
militares, elementos das forças de
segurança, da saúde ou da justiça e
que deve ser usada a mesma prer-
rogativa “em todas as carreiras”. A
questão do descongelamento das
progressões nas carreiras da admi-
nistração pública ficou estipulada
na proposta do Orçamento para o
próximo ano, mas de uma forma fa-
seada. No entanto, o executivo aca-
bou por deixar de fora o tempo de
serviço dos professores em que as
progressões estiveram congeladas,
o que está a motivar protestos.
As contestações neste sector cos-
tumam ser batalhas difíceis de en-
frentar. Em 2008, ano em que os
docentes também saíram em peso
à rua, até a mulher do então autarca
socialista, agora primeiro-ministro,
se manifestou — era professora no
activo. Era ministra da Educação
Maria de Lurdes Rodrigues. Na al-
tura, António Costa recusou-se a
comentar: “Acham que vou comen-
tar a vida privada da minha mulher?
Era o que faltava!”, declarou o então
presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, no final da comissão política
nacional do PS. No ano seguinte, nas
eleições legislativas, o PS perdia a
maioria absoluta conquistada em
2005. com Maria Lopes
MariaJoãoLopes
as e vómitos, explicou ao PÚBLICO
o médico Artur Condé.
Seiscentos milhões de euros
De volta à proposta de Orçamento
do Estado, refira-se que o Governo
argumenta que a situação dos pro-
fessores (e de outras carreiras cuja
progressão assenta no tempo de ser-
viço) é o resultado da forma com o
Orçamento do Estado para 2011 con-
gelou as progressões e salvaguardou
os direitos adquiridos.
No final das reuniões de ontem,
tanto a Fenprof como a FNE indi-
caram que “não ficou fechada a
porta, por parte do Governo,
para que todo o tempo de ser-
viço venha a ser contado para
efeitos de progressão”. O líder
da FNE, João Dias da Silva, pre-
cisou que o executivo estaria
disponível para contabili-
zar este tempo entre
2011 e 2017, mas que
não tinha a mesma
posição para o pe-
ríodo entre 2005
e 2007, frisando
que a FNE só c
Em2008,MariadeLurdesRodrigues
enfrentouomaiorprotestodos
docentes.Em2013,foitambémuma
provadeavaliação,comNunoCrato
noGoverno,quegerouprotestos
aceitaria uma solução que contas-
se com todo este tempo.
Mário Nogueira disse o mesmo:
“O tempo de serviço não se nego-
ceia, conta-se.” Ambas as estrutu-
ras sindicais indicaram que uma
nova proposta do Governo poderá
passar pelo faseamento das pro-
gressões (ou seja, garantindo que
esta existe para todos os docentes,
mas que será feita de modo espa-
çado no tempo), uma solução que
estão dispostos a negociar tendo
em conta “o esforço orçamental”
que representaria a promoção de
todos os mais de 100 mil professo-
res do quadro de uma só vez, indi-
cou Mário Nogueira.
De acordo com as contas do
Governo, considerar o tempo de
serviço dos professores durante o
período do último congelamento
(2011-2017) e integrá-los nos escalões
correspondentes logo a 1 de Janeiro
(sem qualquer faseamento) custaria
600 milhões de euros, tanto quan-
to se prevê gastar com o desconge-
lamento das progressões de toda a
administração pública. Se a medi-
da fosse alargada a outras carreiras
que estão em situação semelhante,
o custo disparava para um milhão
de euros.
A estes valores não é alheio o facto
de 60% dos 220 mil trabalhadores
com modelos de valorização remu-
neratória assentes no tempo de ser-
viço serem professores.
Segundo os sindicatos de profes-
sores, se a actual proposta de OE
for por diante, um docente terá de
ter 50 anos de serviço para chegar
ao topo da carreira, o 10.º escalão
onde actualmente ainda não se en-
contra colocado nenhum destes
profissionais.
No debate na generalidade do OE
no Parlamento, o primeiro-ministro,
António Costa, explicou deste
modo o que se passa com os
professores: “Há uns casos
em que conta simplesmente
o tempo, noutros casos em
que há uma valoração do
mérito. Há um problema im-
possível de resolver que tem
a ver com tempo
que não foi con-
tado naquelas
carreiras cuja
progressão
assenta exclu-
sivamente no
tempo.”
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tempodeserviço
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docentes possam, por opção,
reformar-se mais cedo
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gressão”. O líder
Dias da Silva, pre-
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tem maria.joao.lopes@publico.pt
4. Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
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4 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
DESTAQUE
PROFESSORES
Numa carta aberta que lhe foi di-
rigida depois, a FNE lembrou que
os professores, durante o tempo
em que a carreira esteve congela-
da, “cumpriram os deveres a que
estão obrigados”, “frequentaram as
acções de formação contínua que o
seu estatuto de carreira determina”,
“fizeram relatórios críticos da sua
actividade” e “tiveram aulas obser-
vadas” para efeitos de avaliação.
A manter-se o que está previsto, a
FNE considerou também que estará
em causa “a aplicação do princípio
da igualdade” previsto na Consti-
tuição.
Progressão já para 46 mil
O modelo desenhado pelo Gover-
no — e que os sindicatos contestam
— abrange 46 mil professores que
mudam de posição remuneratória
porque, quando foi imposto o con-
gelamento em 2011, já cumpriam os
critérios (pelo menos quatro anos de
serviço, nota “bom” na avaliação e
um determinado número de horas
de formação). A estes somam-se se-
te mil professores contratados, que
entraram para os quadros durante o
período de congelamento e que não
foram colocados no escalão corres-
pondente.
A progressão do primeiro grupo
custa 90 milhões de euros em 2018
(um terço do valor destinado às pro-
gressões em todo o Estado), mais 83
milhões em 2019, a que se somam
no ano seguinte 30 milhões e mais
60 milões em 2021.
O impacto é diferido no tempo
porque o pagamento do acréscimo
remuneratório associado à progres-
são chegará em quatro momentos
diferentes. Já o reposicionamento
dos sete mil docentes terá um custo
de 20 milhões de euros.
O Governo prevê ainda publicar
a portaria que vai regulamentar o
acesso ao 5.º e 7.º escalão da car-
reira docente, que depende da exis-
tência de vagas.
De acordo com os dados executi-
vo, há 14 mil professores no quarto
escalão à espera de transitar para o
quinto e oito mil parados no sexto
escalão. O número de vagas ainda
vai ser negociada com os sindicatos,
mas o objectivo do executivo é ter a
portaria em vigor a 1 de Janeiro do
próximo ano.
cviana@publico.pt
raquel.martins@publico.pt
PERGUNTASERESPOSTAS
Desdequandoestão
congeladasasprogressõesna
funçãopública?
As progressões foram
congeladas em 2010 num dos
pacotes de austeridade do
governo de José Sócrates e, no
Orçamento do Estado (OE) para
2011, a medida foi reforçada
com a proibição de todas as
valorizações remuneratórias a
partir de Janeiro desse ano. Essa
proibição tem sido renovada
anualmente, mas a partir de
um determinado momento
os orçamentos admitiam a
existência de promoções nas
forças de segurança e nas
carreiras militares, desde que
devidamente autorizadas pelo
ministro das Finanças. Embora
formalmente proibidas em 2010,
na verdade muitos funcionários
públicos não progridem há mais
de uma década.
Asprogressõesfazem-seda
mesmamaneiraemtodaa
administraçãopública?
Não. A administração pública
tem dezenas de carreiras
especiais, que têm regras
próprias de progressão e de
promoção; e as chamadas
“carreiras gerais” (técnicos
superiores, assistentes técnicos
e assistentes operacionais), que
têm um regime de progressão
assente no sistema integrado
de avaliação de desempenho da
administração pública (SIADAP)
cujas notas mais elevadas
estão sujeitas a quotas. Apesar
da diversidade de regimes, é
possível identificar dois tipos de
progressões: as que assentam
na avaliação de desempenho e
as que dependem do tempo de
serviço (embora em alguns casos
também sejam tidos em conta os
resultados dos modelos próprios
de avaliação).
Comoéquefuncionamas
progressõesnascarreiras
gerais?
Nas carreiras gerais, o acesso
à posição remuneratória
seguinte depende dos
resultados da avaliação e ocorre
obrigatoriamente quando o
trabalhador acumulou dez
pontos. Como cada nota
“suficiente” equivale a um
ponto, um técnico superior
ou um assistente operacional
levarão dez anos a progredir na
carreira (a obtenção de notas
mais elevadas, sujeitas a quotas,
permite encurtar este tempo).
Comoéqueosprofessores
progridemnacarreira?
A progressão na carreira dos
professores tem como base o
tempo de serviço, mas também
depende da obtenção de “bom”
na avaliação (que é diferente
do SIADAP) e a frequência de
um número mínimo de horas de
formação. Em dois escalões é
ainda obrigatória a observação
de aulas por professores
exteriores à escola. Reunidas
estas condições, os professores
deveriam progredir de quatro
em quatro anos (pode ser mais
depressa, caso a avaliação seja
“muito bom” ou “excelente”).
Teoricamente, um professor
pode progredir de quatro em
quatro anos, enquanto um
técnico superior (que também
é licenciado) leva em média dez
anos.
Comoéqueascarreirasvãoser
descongeladas?
A partir de 1 de Janeiro de 2018,
as progressões na carreira
deixam de estar congeladas em
toda a administração pública.
Quem reúne as condições para
progredir receberá o acréscimo
salarial em quatro prestações.
A primeira será de 25% e chega
em Janeiro. Em Setembro, chega
a segunda, permitindo que os
trabalhadores recebam por essa
altura
50% do
valor a
que têm
direito.
Em Maio
de 2019,
serão
pagos outros 25% e
a 1 de Dezembro os
restantes.
Seteoricamenteo
descongelamento
abrangetodos
osfuncionários
públicos, por que é que os
professores dizem que não
estão a ser tratados da mesma
forma?
A questão prende-se com os
direitos adquiridos ao longo
do período do congelamento
(2011 a 2017). Os trabalhadores
que progridem de acordo com
os resultados da avaliação
continuaram a acumular
pontos para, no momento do
descongelamento, poderem
progredir. Nas carreiras
onde a progressão depende
sobretudo do tempo de
serviço — como é o caso dos
professores —, o período de
prestação de serviço entre
2011 e 2017 não é contado.
Quem já tinha os quatro
anos necessários para a
progressão na altura em que
o congelamento foi imposto
poderá progredir logo em
Janeiro de 2018; quem não
tinha terá de esperar até
acumular os anos necessários.
Estes efeitos estão previstos
numa norma do Orçamento do
Estado para 2011 que tem sido
sucessivamente renovada. Os
docentes exigem ainda que
seja contabilizado o intervalo
entre 2005 e 2007, onde
tiveram também as carreiras
congeladas.
Os professores são os únicos
funcionários públicos nesta
situação?
Não, os militares, as forças de
segurança ou as magistraturas
também têm progressões
dependentes do tempo de
serviço. De acordo com os
dados do Governo, do total
de 668 mil trabalhadores das
administrações públicas,
cerca de 220 mil têm modelos
de valorização profissional
assentes no tempo de serviço.
Destes, 60% são professores.
Por que razão o Governo
não elimina a restrição e não
permite que os professores e
outros trabalhadores possam
progredir de acordo com o
tempo de serviço prestado
entre 2011 e 2017?
A razão prende-se, sobretudo,
com o impacto orçamental
da decisão. Pelas contas
do Ministério das Finanças,
considerar o tempo de serviço
prestado entre 2011 e 2017
pelos professores custaria
600 milhões de euros em 2018
(num cenário sem pagamento
faseado do acréscimo salarial).
A este montante teriam de
somar-se 400 milhões de
euros correspondentes às
progressões das outras carreiras
que também dependem do
tempo de serviço. Em entrevista
ao PÚBLICO, a secretária de
Estado da Administração
Pública reconheceu que, se
o tempo de serviço fosse
contabilizado, “seguramente
que o impacto orçamental
não permitiria descongelar as
carreiras em dois anos”.
Apesar destas restrições, há
professores que vão progredir
em 2018?
Sim. Há 46 mil professores
em condições de progredir a
1 de Janeiro, a estes somam-
se mais sete mil professores
que vincularam durante o
período de congelamento e
que não foram colocados no
escalão correspondente. Estas
duas medidas terão um custo
em 2018 de 110 milhões de
euros (tendo em conta que o
acréscimo salarial será pago em
tranches).
Está ainda prevista publicação
da portaria que regulamenta
o acesso ao 5.º e 7.º escalão,
que depende do número de
vagas existentes. Segundo o
líder da Federação Nacional
da Educação, as negociações
sobre este diploma estão
marcadas para dia 21. De
acordo com os dados do
Governo, há 14 mil professores
no 4.º escalão à espera de
transitar para o 5.º e oito mil
parados no 6.º escalão.
O que é que exigem os
sindicatos dos professores?
Os professores exigem que
todo o tempo de serviço que
cumpriram seja contado para
efeitos de progressão na
carreira. R.M.
5. Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 5
cviana@publico.pt
O
bservação de aulas e rela-
tórios anuais de auto-ava-
liação. Formalmente são
estes os instrumentos que
restam do modelo de ava-
liação do desempenho dos
professores posto em prática pela
ex-ministra socialista da Educação
Maria de Lurdes Rodrigues, e que
esteve no centro, em conjunto com a
divisão dos docentes entre “titulares”
e “não titulares”, de duas grandes
manifestações em 2008. Uma delas,
mais concretamente a 8 de Março de
2008, é considerada a maior mani-
festação de uma classe profissional
alguma vez realizada em Portugal:
cem mil saíram à rua.
A observação de aulas por pro-
fessores avaliadores externos à es-
cola é hoje obrigatória quando um
docente quer transitar do 2.º e do
4.º escalão, numa carreira que tem
dez escalões, e também para quem
se candidate a obter a nota de “Exce-
lente”. Contudo, como a carreira se
encontra congelada desde 2011, este
instrumento perdeu força. João Dias
da Silva, secretário-geral da Federa-
ção Nacional de Educação (FNE),
garante, contudo, que continua a
existir nas escolas — de resto, expli-
ca, a FNE sempre aconselhou que os
docentes requeressem observação
das aulas, nos casos em que está pre-
vista, para que “estivesse tudo em
ordem” quando as carreiras fossem
descongeladas. Em Fevereiro, Maria
de Lurdes Rodrigues afirmou publi-
camente que, no seu entender, não
existem hoje “condições objectivas”
para introduzir a avaliação docente,
sendo necessário construir outros
instrumentos. “As alterações que in-
troduzi não estão em vigor. É passa-
ClaraViana
A avaliação do desempenho já levou milhares
de professores à rua. O que resta hoje dela?
Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, ex-ministros da Educação, reconhecem que, apesar de o modelo
de avaliação de docentes que desejavam não ter vingado, os resultados dos alunos melhoraram
do”, reiterou ontem ao PÚBLICO. Na
verdade, o modelo de avaliação da
ex-governante não resistiu à enorme
contestação que gerou, nomeada-
mente a ideia de que os resultados
dos alunos iriam passar a contar
para a classificação dos docentes e
que a observação das aulas iria ser
a regra.
A ex-ministra diz que sempre en-
carou como objectivo central do seu
modelo de avaliação “a melhoria da
qualidade das aprendizagens e o su-
cesso dos alunos”. Mas a verdade é
esta: “Nos últimos dez anos conse-
guimos melhorar as aprendizagens
e os resultados dos alunos, como
não tivemos êxito na consolidação
da avaliação docente e isto aconte-
ceu, tal significa que esta [a avaliação
dos professores] não foi decisiva para
a melhoria registada”, frisou, para
adiantar que é necessária que seja
feita “uma reflexão sobre isto”.
Também o antigo ministro da Edu-
cação, Nuno Crato, aponta no mes-
mo sentido. “Disse que a avaliação
dos professores não era o problema
central do sistema educativo, mas
sim a dos alunos, e esta melhorou”,
refere em declarações ao PÚBLICO.
Hoje, para a progressão na carreira
docente, entram em conta o tempo
de serviço, em média quatro anos
por escalão, os resultados da avalia-
ção (um professor com nota inferior
a Bom não progride) e o cumprimen-
to de um número de horas mínimo
de formação. Os resultados da ava-
liação têm na base um relatório de
auto-avaliação que é apreciado pelos
responsáveis das escolas. Só para a
transição de dois escalões é obriga-
tória a observação de aulas por en-
tidades externas.
Crato lamenta, ainda assim, que
com o actual Governo tenha sido re-
vogada a Prova de Avaliação de Co-
nhecimentos e Competências (PACC),
que se queria obrigatória para todos
os professores contratados que in-
gressassem na carreira. Quando de-
cidiu aplicá-la em 2013 (desde 2007
que estava prevista no Estatuto da
Carreira Docente), justificou-a com a
necessidade de assegurar que fossem
contratados os melhores professores,
o que, na sua opinião, não estava a
ser garantido pelas instituições de en-
sino superior na formação inicial que
davam aos docentes. “Não se pode
ensinar bem o que não se sabe bem.”
Mas também a PACC foi amplamente
contestada pela classe. E não vingou.
A ex-ministra da Educação lembra, a
propósito, que “as provas à entrada
na profissão são feitas em muitos ou-
tros grupos profissionais”. Como esta
acabou por ser revogada no caso dos
docentes, defende que deve existir
agora “um diálogo com as instituições
doensinosuperiorcomvistaamelho-
rar a formação inicial dos docentes”.
“Para a colocação dos professores
conta a nota final da licenciatura e
tem-se comprovado, sobretudo no
1.º ciclo, que as notas mais eleva-
das são dadas por instituições que
não têm grande reconhecimento”,
especificou Maria de Lurdes Rodri-
gues. Na primeira edição da PACC,
feita por 10.220 professores, 30% de-
ram um ou dois erros ortográficos
e 14,8% cinco ou mais. Na segunda,
numa prova em que 544 dos 2490
professores eram “repetentes”, o nú-
mero de erros disparou. Em 34,7%
das respostas não se registaram er-
ros; em 29,1% registaram-se um ou
dois e em 19,9% cinco ou mais.
MARIA JOÃO GALA
Observaçãodeaulas
erelatóriosanuais
deauto-avaliação
—éoquerestado
modelodeavaliação
dodesempenhodos
professoresposto
empráticaporMaria
deLurdesRodrigues
21NúmerodedeputadosnabancadadoPS
quesãoprofessores.Éaprofissãoqueestá
maisbemrepresentada,masépreciso
explicarqueháonzeprofessoresquesão
docentesuniversitários
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6 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
POLÍTICA
Meiosaéreosextraordinários
terãocustadoaté5,4milhões
A partir de 15 de Outubro, e numa
altura em que o centro e o Norte
do país ardiam, o Estado ficou sem
60% dos meios aéreos para combate
a fogos, uma vez que nessa data ter-
minavam os contratos de aluguer a
privados de grande parte das aero-
naves de que o país dispõe para fazer
face aos incêndios. Nessa altura, o
Governo decidiu contratar, a título
extraordinário e directamente com
empresas do sector, o aluguer de he-
licópteros e aviões anfíbios. Mais tar-
de, o novo ministro Eduardo Cabri-
ta decidiu o mesmo. Esses contratos
terminam hoje e terão um custo para
o Estado de até 5,4 milhões de euros.
Contudo, o montante pode vir a ser
inferior, quando forem apuradas as
horas de voo efectivamente feitas
por cada uma das 27 aeronaves que
foram estando disponíveis.
Entre 16 de Outubro e 15 de No-
vembro foram realizados 11 contra-
tos por ajuste directo com várias
companhias de aluguer de meios
de combate aéreos: Babcock, He-
libravo, HTA-Helicópteros, Heli-
Portugal, Everjets e Agro-Montiar.
Em plena altura de incêndios na
região centro, a então ministra da
Administração Interna Constança
Urbano de Sousa decidiu contratar
12 meios aéreos por 15 dias. Para o
aluguer de 12 aeronaves, “o encargo é
de 1.342.026 euros (incluindo IVA)”,
respondeu o Ministério da Adminis-
tração Interna (MAI) ao PÚBLICO.
Ao entrar em funções, o ministro
Eduardo Cabrita decide aumentar
essa frota disponível até ao fim de
Outubro. Pelas 17 aeronaves que con-
tratou (a seis empresas diferentes),
entre 23 e 31 de Outubro, “o encargo
é de 1.460.216 euros (com IVA)”. Ten-
do em conta as previsões de continu-
ação do risco de incêndios, o novo
ministro ainda fez contratos para os
primeiros 15 dias de Novembro que
deixaram disponíveis 27 aeronaves.
Valor pode baixar depois de apuradas
as horas de voo efectivamente feitas.
Um mês depois dos incêndios, terminam
os contratos excepcionais de aluguer
de meios de combate aéreos
Incêndiosflorestais
LilianaValente
PAULO PIMENTA
Apartirdehoje,Estadocontasócomosseusmeios:trêshelicópterosKamovetrêsligeiros
Estes novos contratos têm um valor
totalcomIVAde2,7milhõesdeeuros.
Tudo junto, o MAI terá de pagar
por esta contratação extraordinária
— uma vez que não foi acautelado o
fim dos contratos plurianuais e os
meios do Estado foram considera-
dos insuficientes — até 5,4 milhões de
euros. Este valor poderá não ser o da
factura final, uma vez que, de acor-
do com o MAI, “no caso dos aviões
apenas serão pagas as horas efecti-
vamente voadas” e no “caso dos he-
licópteros médios serão deduzidas
as horas não voadas (até ao limite de
10% das horas contratadas”. “Assim,
os encargos finais serão menores do
que os expostos”, assegura o MAI.
Nos vários contratos, está ainda
delimitado um valor a pagar por
horas extras de voo. Garante o MAI
que “não foram realizadas horas ex-
tras” e que, relativamente ao mês de
Outubro, foram registadas “aproxi-
madamente 136 horas” de voo pela
totalidade dos meios aéreos.
Os contratos dividem-se por várias
empresas e cada um tem uma espe-
cificidade própria. Com a Babcock,
foram alugados oito helicópteros
médios de 16 de Outubro a 15 de No-
vembro (dois contratos), que terão o
peso maior na factura ascendendo a
um milhão de euros (valor sem IVA),
mas para estes meios o Estado asse-
gura que, se não voarem, haverá uma
redução do valor total a pagar.
À empresa Agro-Montiar, o MAI
contratou quatro aviões anfíbios “Fi-
reboss” para os dois períodos extra-
ordinários (de 23 a 31 de Outubro e
de 2 a 15 de Novembro) e por estes es-
tá tabelado o valor de 591 mil euros.
Mas, de acordo com o MAI, no caso
dos aviões “apenas serão pagas as ho-
ras efectivamente voadas”. Acontece
que os dois contratos com esta em-
presa estabelecem à cabeça um va-
lor para que eles estejam disponíveis
(231 mil euros), a que acresce o valor
a pagar por horas de voo efectivo. Se
não voarem, este segundo valor não
é cobrado.
Além destes dois contratos de
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 7
maior dimensão, foram ainda alu-
gados vários helicópteros ligeiros.
Com a Helibravo, o MAI celebrou
dois contratos que juntos têm um
dos valores mais elevados. Pelos
quatro helicópteros ligeiros para os
dois períodos, o valor sem IVA é de
680 mil euros. Com a HeliPortugal
foram contratados dois helicópteros
ligeiros para os dois períodos, por
250 mil euros, sem IVA.
Além destes, há ainda dois contra-
tos com a Everjets, para três helicóp-
teros ligeiros de 23 a 31 de Outubro
com um preço-base (sem IVA) de 195
mil euros, e com a HTA-Helicópteros,
para o aluguer de dois helicópteros
ligeiros para o mesmo período por
130 mil euros sem IVA.
Depois de uma avaliação aos con-
tratos, o PÚBLICO detectou falhas em
três deles, com diferenças nas datas
de operação, com diferenças nos va-
lores indicados pelo portal BASE e
pelo contrato e ainda com a referên-
cia a uma cláusula inexistente. A Au-
toridade Nacional de Protecção Civil
(ANPC) diz que são “lapsos de escrita
noscontratos”equeserãocorrigidos.
A partir de hoje, ficarão apenas
disponíveis os meios aéreos do Esta-
do. Ou seja, os três helibombardeiros
Kamov e três helicópteros ligeiros.
Contudo, garante o MAI, a ANPC fa-
rá “uma avaliação permanente dos
riscos, garantindo a flexibilidade
na resposta a indicadores que im-
pliquem alteração no dispositivo”.
A flexibilidade na gestão dos meios
aéreos foi, aliás, um dos temas que
mais interessaram ao Governo numa
conversa por videoconferência, na
semana passada, com vários espe-
cialistas estrangeiros. Outro dos te-
mas foi o sistema de comando único
de combate aos fogos. Tomás Fernán-
dez-Couto, director-geral do Ordena-
mento Florestal da Junta da Galiza,
que participou na iniciativa, revelou
ao jornal La Voz de Galicia que “os
portugueses estão especialmente in-
teressados no sistema de combate
aos incêndios galego”.
Nas próximas semanas será conhe-
cido o concurso internacional para
locação de meios aéreos, ainda em
preparação. Em vez dos quatro anos
que duravam os contratos e da rigi-
dez das datas de operação, o Gover-
no pondera mudar a sua duração e
torná-los flexíveis. com Luciano
Alvarez
António Costa garantiu ontem, em
Oliveira de Frades, que o Governo
vai indemnizar as vítimas com fe-
rimentos graves resultantes dos in-
cêndios. “A nossa intenção é alargar
esse mecanismo aos feridos graves.”
A questão foi levantada pelo CDS há
uma semana.
O Governo aprovou a 21 de Outu-
bro o mecanismo extrajudicial para
indemnizar as famílias das vítimas
mortais dos incêndios de Pedrógão
Grande e de 15 de Outubro e vai agora
estender esse mecanismo aos feridos
graves. “Criámos um sistema muito
célere para indemnizar as famílias
das vítimas mortais. A nossa intenção
é alargar esse mecanismo aos feridos
graves”, disse António Costa, quan-
do questionado sobre o pedido do
Presidente da República para que
também os feridos tivessem direito
a compensação, feito na sequência
da promulgação da lei que regula as
indemnizações aos familiares das ví-
timas mortais.
O primeiro-ministro diz que a
extensão do mecanismo será feita
“muito brevemente” e não será ne-
cessário a Assembleia da República
legislar a este respeito, como propos-
to pelo CDS e pelo PCP. “Este meca-
Se [a EGF] resultar, os
privados sentir-se-ão
incentivados; se não,
saberemos o que
temos de mudar
Luís Capoulas Santos
Ministro da Agricultura
Governo indemniza feridos gravesEmpresapública
paragerirfloresta
A
inda há muitos aspectos
por acertar, mas o
Governo pretende criar
uma nova empresa
pública para a gestão da
floresta para que seja o Estado
“a dar o exemplo” de uma
“gestão pró-activa” daquele
sector. O anúncio foi feito pelo
ministro da Agricultura aos
deputados no Parlamento, mas
com escassas informações.
Capoulas Santos esclareceu
que a empresa “não se destina
a gerir as matas públicas”,
mas vai antes colocar-se no
mercado como uma entidade
de gestão florestal (EGF) e o
seu principal objectivo será
“arrendar ou comprar terras
com floresta em diversas fases
de crescimento”, para “ganhar
dimensão e tornar-se uma EGF
como as que se pretende que
a sociedade civil venha a criar”
no âmbito da recente reforma
da floresta.
Ao PÚBLICO, o ministro
haveria de explicar depois
que o grande objectivo é ter
um “efeito demonstrativo”,
ou seja, o Governo quer
mostrar as vantagens das suas
recentes políticas florestais.
E deverá instalar essa EGF
pública na zona de Pedrógão
Grande, onde está também a
ser aplicado o projecto-piloto
do cadastro desde o início
do mês. O assunto vai ser
discutido com as câmaras da
região, admitindo o ministro
que os municípios podem até
entrar na empresa. “Vamos
experimentar e ver como vai
evoluir. Se resultar, os privados
sentir-se-ão incentivados; se
não, saberemos o que temos
de mudar.” O orçamento desta
empresa “será o capital social
para o arranque da actividade
colocado pelo Ministério das
Finanças e que aparecerá na
versão final do orçamento”.
Ou seja, “alguns milhões de
euros”, disse ao PÚBLICO. Não
há prazo para concretizar esta
intenção. M.L.
nismo é mais célere do que a lei que o
Presidente da República promulgou
(...) O Estado assumiu directamente
o pagamento das indemnizações”
às famílias das vítimas mortais, “era
prioritário”, acrescentou.
Anteontem, Marcelo Rebelo de
Sousa promulgou a legislação para
indemnização das famílias das víti-
mas, notando no entanto que esta
legislação acabou por ser ultrapas-
sada pela resolução aprovada pelo
Governo. Pedia o Presidente que ao
Parlamento alterasse o diploma de
modo a não chocar com a decisão
do Governo. L.V.
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liliana.valente@publico.pt
os
ão
ão,
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8 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
POLÍTICA
PSDapresentapropostaspara
“corrigirerros”doOrçamento
NUNO FERREIRA SANTOS
Propostassociais-democratasforamapresentadasporMariaLuísAlbuquerqueeAntónioLeitãoAmaro
Em três Orçamentos do Estado da
“geringonça”, o PSD passou de ze-
ro propostas de alteração para 45 e
agora para 75. Servem para “mitigar
efeitos negativos” e para “corrigir er-
ros clamorosos” do documento do
Governo, justificou ontem a vice-
presidente do partido Maria Luís
Albuquerque, numa conferência de
imprensa, no Parlamento, em que re-
afirmou a visão muito crítica da pro-
posta de OE do Governo. A evolução
do número de propostas está relacio-
nada com a falta de “capacidade” do
executivo para fazer reformas, acres-
centou António Leitão Amaro, vice-
presidente da bancada.
Antes de serem divulgadas em con-
ferência de imprensa, a direcção da
bancada apresentou as propostas
de alteração aos deputados à porta
fechada. A reunião foi rápida e sem
sobressaltos, apurou o PÚBLICO.
No pacote das 75 propostas, há oi-
to que servem para “corrigir erros
clamorosos” do OE 2018 como as ca-
tivações não só na sua transparência
como no seu limite. O PSD quer im-
por uma “norma travão” para limi-
tar o montante total das cativações
iniciais em 1,5% de despesa efectiva-
mente orçamentada. Nas palavras
de Leitão Amaro, que acompanhou
a ex-ministra das Finanças na con-
ferência de imprensa, as cativações
“passaram a ser um instrumento de
política orçamental”.
No passado fim-de-semana, Pedro
Santana Lopes, candidato à liderança
do PSD, elogiou o ministro das Finan-
ças Mário Centeno pelas “poupan-
ças” e “cativações” que faz. Questio-
nada, Maria Luís Albuquerque não
quis comentar essas declarações —
até por não ter conhecimento deta-
lhado sobre elas —, mas considerou
que “a questão das finanças não po-
de ser vista apenas pelos resultados
alcançados, mas pelas escolhas”. A
ex-ministra das Finanças já tinha re-
afirmado aos jornalistas: “É um mau
orçamento, faz opções políticas er-
radas e não aproveita circunstâncias
mais favoráveis nesta fase.”
Outro dos “erros” do OE 2018 é o
timming do pagamento do aumento
das pensões previsto para Agosto do
próximo ano e a “discriminação” dos
reformados com pensões mínimas.
António Leitão Amaro considerou a
medida “eleitoralista”, por vir a ter
efeito num “período pré-eleitoral”,
tendo em contas as eleições previstas
para 2019. Um terceiro “erro” está
relacionado com a despesa dos ga-
binetes dos membros do Governo.
O PSD propõe uma redução de 12
milhões de euros, ficando ao nível
do período entre 2011 e 2015, uma
“poupança” que permitiria compen-
sar outras medidas propostas pelo
partido. Foi ainda incluído no pacote
a eliminação da proposta do fim do
regime simplificado que o PSD consi-
dera um “ataque” aos trabalhadores
independentes.
Na área fiscal, os sociais-democra-
tas retomam a proposta de descida
gradual do IRC, o fim do chamado
“imposto Mortágua”, o Adicional ao
IMI, e a descida da taxa liberatória
sobre a poupança. E sugerem que o
Governo crie um novo produto de
poupança. Quanto à educação, o PSD
está contra a eliminação dos vales de
educação (neste ponto convergem
com o CDS, embora os centristas
defendam uma redefinição da me-
dida) e quer reforçar os limites pa-
ra as deduções de despesa para as
famílias com mais de dois filhos. Os
sociais-democratas acolheram duas
propostas da JSD sobre o aumento de
dotação orçamental para o programa
Porta 65 (em mais três milhões de
euros) e a majoração de despesas em
IRS com arrendamento.
Na área da coesão territorial, o PSD
incluiu medidas de apoio aos peque-
nos agricultores afectados pelos in-
cêndios e chamou a atenção para o
risco de o Governo poder “retirar
verbas para promover o interior e
desviá-las para financiar projectos
como o metro de Lisboa ou do Por-
to”. Questionado sobre o impacto
orçamental das medidas propostas,
Leitão Amaro não avançou com nú-
meros, mas assegurou que “são es-
colhas avaliadas, prudentes no seu
ritmo” e que “não põem em causa as
metas de consolidação orçamental”.
Bancada social-democrata quer limitar cativações orçamentais. Número de propostas do PSD
de alteração aos três orçamentos do actual Governo foram, sucessivamente, zero, 45 e, agora, 75
OE2018
SofiaRodrigues
RiorecebeapoiodejovenseSantanacriticaGoverno
R
ui Rio ainda não anda
a fazer campanha na
rua, pelo menos com a
intensidade com que anda
Pedro Santana Lopes, mas
os apoios têm-lhe chegado.
Ontem, dez líderes distritais da
JSD — Açores, Aveiro, Braga,
Coimbra, Guarda, Leiria, Lisboa
Área Oeste, Santarém, Viana do
Castelo e Vila Real — enviaram
um email às redacções dando
conta de uma “chuva de apoios”
pessoais a Rui Rio.
Enquanto isso, Pedro Santana
Lopes andava no terreno, mais
precisamente na Madeira,
insistindo das críticas ao
Governo. O social-democrata
considerou “uma falta de visão
significativa” anunciar um
aumento de impostos, como
aquele que, segundo sustenta,
o Governo está a fazer através
do Orçamento do Estado para
2018, numa altura em que o
crescimento da economia
portuguesa é de 2,5% no terceiro
trimestre. “Os investidores estão
muito atentos e a nível europeu
é muito importante crescer
acima dos 3%”, argumentou o
candidato à liderança do PSD, à
margem de uma visita ao Centro
Internacional de Negócios da
Madeira, onde iniciou um dia
dedicado a contactos
com militantes no
arquipélago.
Dois dias depois
de ter elogiado o
trabalho do ministro
das Finanças, Mário
Centeno, Santana
mudou o tom.
“Portugal precisa
cada vez mais, como de pão para
a boca, de investimento, para
gerar emprego e fazer crescer a
economia, para que cheguemos
pelo menos à média europeia”,
afirmou, sustentando que o que
se vê é precisamente o contrário.
“O que se anuncia agora no
Orçamento do Estado é uma
maior derrama estatal e a subida
do IRC, o que é de uma falta
de visão muito significativa
e só existe por cedência aos
outros parceiros da coligação”,
sublinhou, avisando que o
país vai pagar “mais tarde
ou mais cedo” o facto de
ser governado por uma
frente política de esquerda.
“Pagamos por não
estarmos a crescer ao
nível que todos nós
almejamos.” M.B.
srodrigues@publico.pt
out os pa ce
sublinhou,
país vai pa
ou mais ce
ser govern
frente pol
“Paga
e
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 9
POLÍTICA
Já deram entrada na Assembleia da
República quatro petições a reque-
rer ao Governo que, no pacote de
medidas de resposta aos incêndios,
inclua a criação da carreira de qua-
dros da Protecção Civil/Gestão de
Emergência.
Para os quatro peticionários, que
entregaram textos iguais no Parla-
mento, há uma “lacuna no que diz
respeito à profissionalização do sec-
tor” nas medidas apresentadas pelo
Governo que prevêem mudanças na
formação dos operacionais. A “la-
cuna” que identificam refere-se ao
não-aproveitamento dos licenciados
em Protecção Civil e Engenharia da
Protecção Civil.
De acordo com os peticionários,
há cerca de 600 formados com es-
tas duas licenciaturas, “pelo que,
tendo em conta as propostas indi-
cadas, não se compreende o moti-
vo pelo qual o Governo não aponta
qualquer medida para a integração
destes profissionais nas medidas
apontadas”.
Acreditam, pois, que o facto de não
ser criada esta carreira — e de não es-
tarem a ser considerados na reforma
da Protecção Civil que o Governo vai
levar a cabo nos próximos meses —
significa que há “um investimento
feito pelo Estado na formação destes
quadros sem que seja retirado o pro-
veito em favor do país”. Em causa es-
tá o envolvimento destes licenciados
na Estratégia Nacional para a Protec-
ção Civil Preventiva, que determina
algumas acções, nomeadamente um
melhor conhecimento e redução de
riscos e ainda a melhor preparação
dos cidadãos.
Uma das carreiras que estão a ser
criadas é a de bombeiro, para que
os elementos da Força Especial de
Bombeiros, também conhecidos co-
mo “canarinhos”, possam integrar
a administração pública.
Carreira para
Protecção
Civil objecto
de petições
Parlamento
LilianaValente
Em 2018, os desempregados que es-
gotarem o subsídio social de desem-
prego vão poder aceder à medida ex-
traordinária de apoio aos desempre-
Apoio extraordinário aos
desempregados de longa
duração será antecipado
gados de longa duração ao fim de 180
dias, ou seja, meio ano antes do que
acontece hoje. A proposta de alte-
ração ao Orçamento do Estado para
2018 feita ontem pelo PCP já tem o
compromisso de aprovação pelo PS,
apurou o PÚBLICO.
Assim, a medida lançada no
OE2016 por proposta do PCP (e re-
petida em 2017) vai vigorar por mais
um ano e com os desempregados de
longa duração a beneficiarem dela
mais cedo.
Trata-se de uma prestação atribu-
SegurançaSocial
MariaLopes
PCP acorda com Governo
manter esta medida
excepcional e antecipar
o acesso a ela em meio ano
ída durante um período máximo de
seis meses (não renovável) que cor-
responde a 80% do valor do subsídio
social de desemprego. Ou seja, se o
subsídio social for de 500 euros, a
medida extraordinária será de 400
euros mensais.
Em Abril, no Programa Nacional
de Reformas (PNR), o Governo previa
atribuir este apoio extraordinário a
cerca de 10 mil pessoas, o que cus-
taria 213 milhões de euros à Segu-
rança Social. A partir de Março de
2016, quando o orçamento desse
ano entrou em vigor, abrangeu três
mil beneficiários por mês. Como os
pedidos da medida extraordinária
(e também os valores consignados)
ficaram abaixo do previsto, explica
a deputada do PCP Diana Ferreira,
os comunistas procuraram aprovei-
tar esta folga facilitando o acesso ao
apoio, propondo que os desempre-
gados não tivessem que esperar um
ano sem qualquer apoio social para
a ele poderem recorrer.
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maria.lopes@publico.pt
liliana.valente@publico.pt
Aspetições
entreguesao
Parlamentosobre
estamatéria
sãoquatroe
apresentamo
mesmotexto
jogossantacasa.pt
Os prémios atribuídos de valor superior a € 5.000 estão sujeitos a imposto do selo à taxa legal de 20%, nos termos da legislação em vigor.
ESTEM1LHÃO
CANTAPOR
5
rmososs da ledadada legislaçgislaçisla ão emão emo vigor.vig
OsorteioespecialdoM1LHÃOvaiatribuir
5prémiosde1milhãodeeuros,emPortugal.
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10 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
POLÍTICA
EducaçãoÓbito
Emprego
Diplomacia ParlamentoEuropeu
CDSquermais
manuaisgratuitos
nosecundário
MorreuCabritaNeto,
antigogovernador
civildeFaro
Investigadores
cobrampromessas
aministrodaCiência
VCimeiraUE-África
realiza-senaCosta
doMartim
FernandoRuas
levasecanoSulda
EuropaaBruxelas
A bancada centrista vai propor
que os manuais escolares
passem a ser disponibilizados
gratuitamente ao terceiro
escalão de acção social
escolar no ensino secundário.
Esta é uma das propostas de
alteração do CDS ao Orçamento
do Estado (OE) para 2018.
“Incompreensivelmente, o
secundário é deixado de fora:
é o que tem maior abandono
e os manuais são mais caros”,
justificou ontem a deputada
Ana Rita Bessa, no Parlamento.
O partido, disse a deputada, é
contra a “lógica universalista”
de disponibilização de manuais.
Outra das propostas é a
reintrodução dos vales de
educação que o Governo
eliminou na proposta de OE
com o argumento de que havia
fraude na sua utilização.
O empresário e antigo
deputado social-democrata
Joaquim Cabrita Neto morreu
anteontem, aos 77 anos.
Entre 1985 e 1995, quando foi
governador civil de Faro, foi o
rosto da regionalização político-
administrativa que o referendo
de 1997 fez gorar. Cabrita Neto
foi também deputado, dirigente
do PSD e presidente da
Entidade Regional de Turismo
do Algarve.
Cerca de 200 investigadores
bolseiros concentraram-se
ontem em frente ao Parlamento
para exigir ao ministro da
Ciência, que discutia lá dentro
o Orçamento do Estado para
2018, que cumpra promessas
e combata a precariedade
no sector. Os manifestantes
exigiram que sejam feitas
as contratações previstas
no decreto-lei do emprego
científico.
Nos dias 29 e 30 de Novembro,
realiza-se em Abidjan, na Costa
do Marfim, a 5.ª Cimeira UE-
África, subordinada ao tema
Investir na Juventude para um
futuro sustentável. A cimeira é
uma plataforma para o diálogo
entre as nações africanas e
europeias com o objectivo de
aprofundar as relações entre os
dois continentes. O primeiro-
-ministro representará o Estado
português nesta reunião que
juntará 83 chefes de Estado.
O eurodeputado Fernando
Ruas (PSD) questionou ontem
a Comissão Europeia sobre
se tenciona adoptar medidas
extraordinárias para minimizar
os impactos da seca no Sul da
Europa, nomeadamente em
Portugal. Fernando Ruas enviou
uma pergunta escrita, com
carácter prioritário, sobre a
eventual adopção, por Bruxelas,
de “medidas extraordinárias para
minimizar os impactos destes
fenómenos climáticos”.
Adalberto Campos Fernandes
“esteve muito bem” ao pedir
desculpas aos portugueses,
disse ontem Marcelo Rebelo
de Sousa. O ministro também
frisara que serão apuradas
responsabilidades pelas mortes
por Legionella num hospital
público e o Presidente não
perdeu a oportunidade para
deixar claro que não esquece
outro tema: o roubo de material
militar. “Eu já tinha tido a
mesma posição no caso de
Tancos”, comentou Marcelo.
Breves
TancosMarcelonãoesquece
RICARDOGRAÇA/LUSA
“FoiBarretoXavierquepôs
amesaeacendeuasvelasdo
jantarnoPanteão”,dissea
antigaministradaCulturadoPS
GabrielaCanavilhas
“F
am
ja
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12. Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
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12 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
SOCIEDADE
Droga:coordenadoresdemitem-se
emprotestocontraoGoverno
Fartos da indefinição em torno das
estruturas que tutelam o tratamento
das dependências, os coordenado-
res da Divisão de Intervenção nos
Comportamentos Aditivos e nas De-
pendências (DICAD) da região norte
bateram com a porta. Numa carta à
Administração Regional de Saúde
(ARS) do Norte, que tutela aquele
serviço, os 13 profissionais falam de
uma “situação de ingovernabilidade”
que se perpetua desde que, há cinco
anos, o Governo decidiu extinguir
o Instituto da Droga e da Toxicode-
pendência (IDT), fazendo transitar as
suas estruturas para as ARS, com o
objectivo, até agora adiado, de inte-
grar a intervenção na área das drogas
na rede de cuidados primários.
Nesse âmbito, a DICAD foi esvazia-
da da sua estrutura intermédia, fican-
do a ser gerida unicamente por um
coordenador regional, Adelino Vale
Ferreira, que, “sem possibilidade de
delegar”, ficou também “sem capaci-
dade de despachar a burocracia em
tempo útil e sem tempo para as ques-
tões mais da gestão técnica e clínica”.
Adelino Ferreira é agora um dos de-
missionários. Com ele, demitiram-
se dos seus cargos os restantes dois
coordenadores regionais, bem como
os coordenadores dos sete Centros
de Respostas Integradas da região
Norte (três no Porto e os restantes
em Braga, Viana do Castelo, Vila Real
e Bragança), e da Unidade de Desabi-
Treze coordenadores do Norte do serviço
que tutela tratamento de dependências
demitiram-se. Motivo: ausência de um
modelo de governabilidade que fez
disparar listas de espera entre os utentes
Dependências
NatáliaFaria
eAmílcarCorreia
tuação, da Unidade de Alcoologia e
da Comunidade Terapêutica.
“É natural que mais demissões
aconteçam noutras zonas do país.
No centro, vai haver uma reunião
dentro de dias, e a hipótese de de-
missão está em cima da mesa”, avisa
Emídio Abrantes, médico e porta-voz
do chamado “Grupo de Aveiro”, que,
em Janeiro de 2016, reuniu cerca de
650 assinaturas de profissionais da
área para reivindicar junto do mi-
nistro da Saúde, Adalberto Campos
Fernandes, o regresso ao modelo an-
tigo, isto é, a aglutinação, numa úni-
ca organização, de todas as compe-
tências na área dos comportamentos
aditivos (da definição de estratégias
à operacionalização das políticas e
ao tratamento dos utentes).
Até ao final de 2011, o IDT concen-
trou em si todas as competências na
prevenção, tratamento e redução dos
danos associados às toxicodependên-
cias, num trabalho que, associado à
descriminalização do consumo das
drogas leves, transformou Portugal
num exemplo internacional. No iní-
cio de 2012, a pretexto das medidas
de redução da despesa pública im-
postas pela troika, o Governo de Pas-
sos Coelho e Paulo Portas extinguiu
aquele instituto público e substituiu-
o pelo Serviço de Intervenção nos
Comportamentos Aditivos e nas De-
pendências (SICAD), pulverizando as
competências que lhe estavam aco-
metidas entre a nova direcção-geral
e as cinco ARS.
Na prática, o que aconteceu foi que
o SICAD ficou esvaziado de funções,
limitando-se a produzir normas de
actuação na área, e os técnicos do
então IDT foram transferidos para as
ARS, que ganharam competências na
área do tratamento, redução de ris-
cos e minimização de danos, preven-
ção e reinserção social. Em cada uma
delas foi criada uma DICAD. E os Cen-
tros de Respostas Integradas (CRI)
substituíram os antigos centros de
atendimento a toxicodependentes.
“Passámos a ter uma coordena-
ção bicéfala e muito fragmentada.
Momentos-chavedoserviçodetratamentodasdependências
Dezembrode2011
Poucos meses depois de assumir
funções como primeiro-ministro,
Passos Coelho publicou o
Decreto-Lei n.º 124/2011, de
29 de Dezembro, que criou o
Serviço de Intervenção nos
Comportamentos Aditivos
e Dependências (SICAD) e
extinguiu o Instituto da Droga
e da Toxicodependência,
cometendo às administrações
regionais de saúde a
operacionalização das políticas
na área das drogas. Esvaziado
de competências, o SICAD, cujo
director-geral transitou do IDT,
viu também as competências de
fiscalização transitarem para a
Inspecção-Geral das Actividades
em Saúde.
Janeirode2016
Um grupo ad hoc de profissionais
do extinto IDT, conhecido como
“Grupo de Aveiro”, por ter sido
nesta cidade que se realizou a
primeira reunião, põe a circular
um abaixo-assinado, que viria a
ser subscrito por cerca de 650
profissionais dos cerca de mil
que compõem aqueles serviços,
reivindicando a reactivação do
IDT e apontando o falhanço do
novo modelo organizativo.
Fevereirode2017
Na sequência do que emanava
da Lei do Orçamento de Estado
para 2017, em que o Governo
se propunha “proceder ao
levantamento das consequências
da extinção do IDT e à avaliação
das condições para a criação,
no âmbito da administração
pública, de uma entidade dotada
de autonomia administrativa e
financeira que tenha por missão
a coordenação, o planeamento,
a investigação e a intervenção no
combate à toxicodependência,
ao alcoolismo e a outras
dependências”, o secretário
de Estado da Saúde, Fernando
Araújo, cria um grupo de trabalho
para estudar o problema. O
relatório foi inconclusivo.
400Os13coordenadoressão
responsáveisporumcorpo
decercade400profissionais
responsáveisporserviçosque,
nofinalde2016,somavam
15.736utentesemtratamento
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 13
NELSON GARRIDO
Responsáveis
domesmo
serviço
nocentro
também
ameaçamcom
demissão
na carta a que o PÚBLICO teve aces-
so. No documento, entregue no dia
20 de Outubro mas que não rece-
beu até ontem qualquer resposta,
os coordenadores demissionários
dizem-se colocados em stand by e
afundados num modelo de total in-
governabilidade.
Governação “insustentável”
“Cinco anos passados, constatamos
que, apesar das insistentes chamadas
de atenção à tutela para a precarie-
dade da estrutura orgânica e a inde-
finição sobre a política nacional em
matéria de organização dos cuidados
de saúde, estes têm-se degradado, a
capacidade e motivação dos profis-
sionais decrescido e a capacidade de
governação administrativa, clínica e
técnica é insustentável neste modelo
indefinido.”
No que toca ao corpo médico, por
exemplo, a falta de profissionais tem
sido colmatada com recurso pontual
a profissionais em regime de outsour-
cing, quando, aponta Emídio Abran-
tes, “esta é uma área muito frágil que
requer um corpo especializado em
matéria de comportamentos aditi-
vos e toxicodependências”. O que
resulta disto tudo é um cenário de
contínua degradação da resposta aos
utentes, ainda segundo Abrantes:
“Somos cada vez menos a fazer um
trabalho que é imenso, sendo que a
complexidade dos problemas que
nos chegam se tem agravado. Entre
os utentes, temos mais gente com
perturbações mentais, na linha do
‘perdido por cem, perdido por mil’,
porque, embora haja hoje um maior
controlo da heroína, quem está nos
consumos está numa situação muito
mais aguda do que há uns anos.”
A norte, por exemplo, as listas de
espera dispararam. “A espera para
uma primeira consulta varia entre
os dois e os seis meses, consoante
os serviços”, precisou um profissio-
nal da área, dizendo-se preocupado
com a ausência de condições para
adequar, como se impunha, as estra-
tégias de actuação no curto prazo aos
novos perfis de consumidores: “Nos
anos 90 tínhamos heroinómanos e
agora temos jovens com consumos
problemáticos de cannabis, temos
mulheres com problemas relaciona-
dos com álcool e temos o jogo patoló-
gico, sobretudo entre os jovens.”
O Governo parece querer continuar
a marcar passo na decisão sobre o
novo modelo organizacional para
a intervenção no campo dos com-
portamentos aditivos. “Numa área
em que somos um exemplo em
termos internacionais, as medidas
que este Governo venha a tomar
devem ser o mais fundamentadas
possível para termos a certeza de
que vão melhorar a realidade ac-
tual”, justificou o secretário de Es-
tado adjunto da Saúde, Fernando
Araújo, anteontem, no Parlamento.
Na resposta às interpelações das
deputadas Elza Pais (PS) e Carla Cruz
(PCP), ambas sustentadas nos ecos
que lhes chegaram sobre a degrada-
ção dos serviços, o secretário de Es-
tado disse que conta ter, até ao final
do ano, as propostas em cima da sua
secretária. “A partir daí espero que
possamos tomar decisões bem fun-
damentadas”, acrescentou, adian-
tando que o Governo já pediu a ava-
liação do custo-benefício das várias
alternativas postas em cima da mesa,
além de ter pedido à Comissão Parla-
mentar de Saúde que promova, entre
outras, a audição de autarquias, sin-
dicatos, ordens profissionais e orga-
nizações não governamentais.
No final de Novembro, expira o
novo prazo dado pelo Governo ao
grupo de trabalho que, em Fevereiro,
foi criado para avaliar o problema. E
cujo primeiro relatório, apresentado
em Junho, foi inconclusivo, basica-
mente porque os diferentes sectores
com assento no grupo (do coorde-
nador nacional para os problemas
da droga, João Goulão, ao director
do Programa Nacional para a Saúde
Mental, Álvaro de Carvalho, e aos
representantes das cinco adminis-
trações regionais de saúde, entre
outros) divergem na interpretação
do melhor caminho a seguir: a re-
activação do ex-Instituto da Droga e
da Toxicodependência — ou criação
de um novo organismo dotado de
igual autonomia, para o que pode-
ria bastar o reforço das competên-
cias do actual Serviço de Intervenção
nos Comportamentos Aditivos e nas
Dependências (SICAD) — ou o apro-
fundamento da integração nas ARS
dos serviços de resposta ao problema
das drogas.
Quanto à situação actual, todos
concordam: é má. “A intenção de
reforma que presidiu à mudança de
2012 não foi, até à data, plenamente
alcançada, persistindo diferentes ti-
pos de dificuldades”, diagnosticam,
apontando entropias na comunica-
ção entre os diversos interlocutores.
E, ressalvando que é impossível
medir a que ponto o recrudesci-
mento dos consumos aditivos dos
últimos anos resultou directamente
da extinção do IDT ou das dificulda-
des orçamentais decorrentes da crise
económica e social, a cujos efeitos os
consumidores de substâncias “são
particularmente sensíveis”, o grupo
de trabalho aponta ainda a ausência
de autonomia das estruturas regio-
nais e processos de decisão “moro-
sos, com risco para a eficácia das
intervenções”.
A carência de recursos humanos e
materiais, a ineficiência no processo
de licenciamento de unidades priva-
das (que saltou para as ARS) e as difi-
culdades na integração das respostas
aoscomportamentosaditivosnosser-
viços nacionais de saúde são outros
NatáliaFaria
Numa área em que somos
um exemplo em termos
internacionais, as medidas que
este Governo venha a tomar devem
ser o mais fundamentadas possível
FernandoAraújo
Secretário de Estado adjunto da Saúde
Decisão sobre reactivação do Instituto
da Droga adiada para 2018
dos “pontos fracos” identificados,
embrulhados numa ameaça de cres-
cente “indefinição organizacional” e
pela “insatisfação e desmotivação”
generalizadas face a uma mudança
que “apesar de planeada, acabou por
se constituir como uma imposição”.
A necessidade de reforçar a inter-
venção terapêutica junto dos consu-
midores e de garantir a equidade de
tratamento no território nacional é
algo com que todos concordam tam-
bém. No que os membros do Grupo
de Trabalho não concordam é no
fundamental da tarefa que lhes foi
pedida: há ou não vantagem na re-
constituição de um organismo com
as funções e estrutura do extinto
IDT?
Para os representantes do Con-
selho Nacional de Saúde Mental, a
resposta é não. Estes defendem a ma-
nutenção das actuais competências
do SICAD e das diferentes estruturas
regionais e propõem que as unidades
de desintoxicação sejam integradas
em estrutura hospitalar. E, ao mes-
mo tempo, propõem-se “absorver”
na rede nacional de cuidados inte-
grados em saúde mental as comu-
nidades terapêuticas. Já a proposta
do SICAD, que vai ao encontro das
reivindicações dos profissionais que
trabalham na área, é radicalmente
diferente e igualmente clara: “Urge
recuperar a unicidade demonstrada
pelo anterior dispositivo de respos-
tas” que contribuiu para o sucesso
nacional e internacional do modelo
português.
Equivale isto a dizer que o SICAD
deverá recuperar competências no
tratamento das toxicodependências,
no licenciamento das unidades de
prestação de cuidados nesta área e
no estabelecimento de contratos de
convenção com privados. Nesse sen-
tido, defende o serviço tutelado por
João Goulão, todas as unidades de
intervenção local e os profissionais
que nelas trabalham devem voltar
para a alçada do SICAD. Este servi-
ço reforçado absorveria igualmente
as instalações, os equipamentos e os
orçamentos atribuídos às ARS para
o tratamento dos utentes.
Governanteesperapropostas
atéaofinaldoano
nfaria@publico.pt
amilcar.correia@publico.pt
Nas questões administrativas, res-
pondemos às ARS, e nas técnicas e
operativas, ao SICAD. Na prática, é
uma confusão”, resume uma fonte.
Tome-se como exemplo a questão
da metadona. A sua prescrição só
é possível graças à existência de
uma autorização de introdução no
mercado de que o SICAD é titular.
A aquisição, transformação e distri-
buição são também responsabilidade
do SICAD. No entanto, e apesar de
ser um medicamento sob controlo,
aquela direcção-geral não tem qual-
quer intervenção sobre a prescrição
e controlo de stocks.
O cenário agrava-se porque o pro-
pósito inicial de integrar os diferen-
tes CRI, onde os toxicodependentes
são tratados em regime de ambula-
tório, na rede de cuidados de saúde
primários nunca saiu do papel. “A
integração ficou-se pelos aspectos
meramente administrativos”, lê-se
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14 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
SOCIEDADE
FERNANDO VELUDO/NFACTOS
Hámaisdoentescomasuperbactéria
quecausamortesemhospitais
PortugaltemumataxadeinfecçãohospitalarsuperioràmédiadaUE
Nos mapas que o Centro Europeu de
Prevenção e Controlo de Doenças
(ECDC, sigla em inglês) desenvolveu
para ilustrar a percentagem de resis-
tências às bactérias que hoje mais
alarmam os especialistas, Portugal
aparece várias vezes a vermelho. Há
boas e más notícias nos últimos da-
dos que hoje vão ser apresentados
em Bruxelas pelo ECDC, mas a pior
para Portugal é a de que em 2016 —
contrariando a tendência para a esta-
bilização deste problema observada
na maior parte de países europeus —,
voltámos a assistir a um aumento da
percentagem de doentes infectados
com Klebsiellapneumoniae resistente
a vários antibióticos de largo espec-
tro (como quinolonas e cefalospori-
nas de terceira geração) e também a
carbapenemes.
Os carbapenemes são antibióti-
cos de fim de linha usados exclusi-
vamente nos hospitais para tratar
infecções graves e cujas bactérias já
desenvolveram resistências a outros
fármacos. Quando não funcionam,
a alternativa é recorrer a antibióti-
cos antigos, mais tóxicos, como a
colistina.
O problema é que mesmo em re-
lação a esta última já começaram a
surgir resistências em vários países
europeus. “A emergência de resis-
tências à colistina é um sério aviso
de que as opções estão a tornar-se
ainda mais limitadas”, alerta o ECDC
que, em colaboração com a Comis-
são Europeia, organiza hoje em Bru-
xelas um encontro para assinalar o
Dia Europeu dos Antibióticos, que
se assinala no sábado.
“Manter os antibióticos a funcio-
nar” é o mote do encontro e o título
da campanha que o ECDC vai lançar
nos media sociais, chamando a aten-
ção das pessoas para usarem estes
medicamentos apenas quando são
mesmo necessários e para não os
tomarem como forma de combater
gripes, por exemplo, pois estas são
causadas por vírus. Em simultâneo,
o ECDC vai lançar um novo guia para
o controlo das infecções associadas
Palos, do Programa de Prevenção,
Controlo da Infecção e Resistência
aos Antimicrobianos, da Direcção-
Geral da Saúde, que participa neste
encontro.
Surtos de Gaia e Coimbra
Mas é de facto a Klebsiella pneumo-
niae que causa mais dores de cabeça
aos especialistas nacionais. A Kleb-
siella resistente a carbapenemes, a
que alguns já chamam “superbacté-
ria” e que pode provocar infecções
urinárias, respiratórias e da corren-
te sanguínea, saltou para a ribalta
em Portugal depois de vários surtos
hospitalares se terem sucedido em
2015 e 2016, provocando mortes e
obrigando os hospitais a reverem as
suas práticas e a colocar doentes em
isolamento.
Dois destes surtos, um no Centro
Hospitalar de Vila Nova de Gaia e ou-
tro no Centro Hospitalar e Universi-
tário de Coimbra, afectaram dezenas
de doentes e foram fatais para seis,
três em cada unidade hospitalar.
“Temos de facto um agravamento
da Klebsiella resistente a carbapene-
mes e isto resulta da generalização
do uso destes antibióticos”, lamenta
Carlos Palos. Portugal era, aliás, em
2015 o segundo país da UE que mais
utilizava estes antibióticos de última
linha, “apesar de um grande esforço
que tem sido feito” para combater a
prescrição inadequada, assinala.
Em contrapartida, destaca o mé-
dico, nas outras bactérias que se
tornaram multirresistentes e que
provocam surtos de infecções hos-
pitalares, estamos a melhorar ou a
estabilizar. Ainda assim, segundo os
últimos dados de infecção hospita-
lar conhecidos (de 2012), Portugal
tem uma taxa de infecção hospitalar
muito superior à da média da UE.
E no último relatório prioritário do
programa da DGS notava-se que
em 2013 as mortes associadas a es-
te problema suplantavam as 4600,
sete vezes mais do que as mortes por
acidentes rodoviários.
alexandra.campos@publico.pt
Ajornalistaviajouaconvitedo
CentroEuropeudePrevençãoe
ControlodeDoenças(ECDC)
A resistência combinada a antibióticos de última geração é um problema crescente. Cirurgias de rotina
e até simples partos podem tornar-se de novo potencialmente fatais, diz comissário europeu
Saúde
AlexandraCampos,
emBruxelas
à Klebsiella e outras bactérias deste
grupo (Enterobacteriaceae), as que
maior alarme estão a provocar na
actualidade.
“Com a crescente resistência mes-
mo a antibióticos de fim de linha,
enfrentamos um futuro preocupante
em que cirurgias de rotina, partos,
pneumonias e mesmo infecções
de pele poderão tornar-se de no-
vo potencialmente fatais”, alerta o
comissário europeu para a Saúde e
Segurança Alimentar, Vytenis An-
driukaitis, que falará na sessão de
abertura do encontro.
“Apesar de começarmos a ver al-
guns progressos, é preciso continu-
armos vigilantes e trabalharmos ain-
da mais para reduzirmos os níveis de
resistência antimicrobiana”, reforça
Andrea Ammon, directora do ECDC.
A Klebsiella não é a única bactéria
multirresistente a causar preocupa-
ção. “Ainda se verificam aumentos
significativos na resistência combi-
nada para a Escherichia coli e a Aci-
nobacter na Europa, e a situação é
muito preocupante, porque os do-
entes infectados com estas bactérias
multirresistentes dispõem de opções
de tratamento muito limitadas”, su-
blinha a directora do ECDC.
Relativamente a estas duas últimas
bactérias a situação melhorou nos
últimos anos em Portugal. O mes-
mo aconteceu com outra bactéria
que há anos deixa os especialistas
à beira de um ataque de nervos, a
MRSA (Staphylococcus aureus resis-
tente a meticilina), causa de infec-
ções hospitalares em todo o mun-
do e que é um problema grave em
Portugal. “A diminuição foi de quase
30% nos últimos anos. No entanto,
a taxa continua bastante acima da
média e permanecemos no mapa do
ECDC a vermelho”, explica Carlos
Hoje é lançada
uma campanha
europeia que
alerta para o
perigo do uso
incorrecto de
antibióticos
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 15
SOCIEDADE
Graça Freitas é candidata ao car-
go de directora-geral da Saúde,
adiantou a própria ao PÚBLICO. A
responsável desempenha a função
actualmente de forma interina des-
de a saída de Francisco George, a
20 de Outubro, por ter atingido o
limite de idade para trabalhar na
administração pública (70 anos).
Graça Freitas é candidata
a directora-geral da Saúde
Desde 1899, Portugal teve 19
directores-gerais da Saúde e entre
eles houve apenas uma mulher, Ma-
ria Luísa van Zeller.
A Comissão de Recrutamento
e Selecção para a Administração
Pública (Cresap) confirmou que
recebeu sete candidaturas para a
chefia da Direcção-Geral da Saúde.
O prazo para envio decorreu entre
os dias 30 de Outubro e 13 de No-
vembro.
O processo passa agora por uma
fase de avaliação, que de forma ge-
ral tem levado cerca de dois meses
a ficar concluída, dependendo do
número de candidatos.
Daqui resultará uma lista com
três nomes, os considerados mais
aptos para o cargo, para propos-
Administraçãopública
AnaMaia
Cresap recebeu mais seis
candidaturas. Processo
de avaliação poderá estar
concluído dentro de dois
meses
ta de designação que é enviada ao
Ministério da Saúde, que tutela a
Direcção-Geral da Saúde. Caberá
ao ministro da Saúde, Adalberto
Campos Fernandes, fazer a esco-
lha final.
Antes de substituir interinamen-
te Francisco George, Graça Freitas
desempenhava as funções de sub-
directora-geral da Saúde, ligada
sobretudo às questões da vacina-
ção. Entre 1996 e 2005 foi chefe de
Divisão de Doenças Transmissíveis
da Direcção-Geral da Saúde e coor-
denadora do Programa Nacional de
Vacinação.
Apoio a outra candidata
Em Agosto, a SIC Notícias adiantou
que o Ministério da Saúde patro-
GraçaFreitaséaactual
directorainterina
cinava o nome de Raquel Duarte
para directora-geral da Saúde, ape-
sar de o gabinete do ministro Adal-
berto Campos Fernandes não ter
confirmado oficialmente o apoio
à médica.
Raquel Duarte recolheu então
o apoio de Francisco George, que
disse ao PÚBLICO que “gostava que
ela fosse directora-geral”.
Na Cresap estão também em fase
de avaliação os candidatos ao lugar
de director dos centros distritais
da Segurança Social do Porto (15
candidaturas) e de Lisboa (20 can-
didaturas) e de director adjunto do
centro distrital da Segurança Social
do Porto (24 candidaturas).
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16 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
SOCIEDADE
ForçasArmadasentregaramajuste
directoafirmasuspeitadecorrupção
NUNO FERREIRA SANTOS
AjustedirectovisouofornecimentodeprodutosparapólodeLisboadoHospitaldasForçasArmadas
O Estado-Maior General das For-
ças Armadas entregou por ajuste
directo um fornecimento de bens
alimentares à empresa Pac e Bom
dois meses depois de ela ter sido
constituída arguida no âmbito da
Operação Zeus, em que foi desco-
berta uma vasta rede de corrupção
envolvendo todas as messes da For-
ça Aérea.
Apesar de as Forças Armadas se
poderem constituir como assisten-
tes neste processo judicial, e de com
esse mecanismo pedirem o reem-
bolso do que foi roubado à institui-
ção através de um esquema de so-
brefacturação em que participavam
quatro dezenas de militares e quase
outras tantas empresas, até ontem
isso não tinha sucedido.
Questionado sobre por que razão
não o fez, o Estado-Maior General
das Forças Armadas limitou-se a
responder que o assunto “está em
análise”. Se se tivessem constituído
como assistentes, as Forças Arma-
das poderiam ainda ter tido aces-
so privilegiado a uma investigação
que, apesar de ter começado em
2014, se encontrava até há poucos
dias em segredo de justiça.
Concurso “não se concluiu”
Quanto ao ajuste directo à Pac e
Bom, destinado ao fornecimento
de 13.543 euros de produtos hortí-
colas para o pólo de Lisboa do Hos-
pital das Forças Armadas, a cúpula
da hierarquia militar alega que a
adjudicação “decorreu de um con-
curso público que, por razões de
tramitação procedimental, não se
concluiu”, sendo a firma em cau-
sa aquela que apresentou o preço
mais baixo. Questionado sobre se
tenciona continuar a fazer ajustes
directos a empresas suspeitas de te-
rem roubado as Forças Armadas, o
Estado-Maior não respondeu.
Estes fornecedores facturavam às
messes montantes muito superiores
ao que lhes entregavam, com a cum-
plicidade de uma rede de militares
que tanto incluía sargentos como
altas patentes, um general e vários
do actuado a seguir como agente
infiltrado, fotografando provas e
gravando conversas. Posto ao cor-
rente da operação, o anterior chefe
do Estado-Maior General das Forças
Armadas da altura, José Pinheiro,
não hesitou, conta fonte ligada ao
processo: “Disse que não queria sa-
ber qual era o posto de quem fos-
se apanhado.” O agente encober-
to trabalha agora para a Judiciária
Militar.
Já em 2009 um sargento da base
aérea de Beja havia denunciado a
rede criminosa, tendo as suas infor-
mações sido transmitidas à hierar-
quia. Por razões que se desconhe-
cem não foi aberta nenhuma investi-
gação na altura. Foi preciso esperar
por 2014, altura em que chegou à
Polícia Judiciária Militar uma carta
anónima no mesmo sentido.
Mas apesar de a hierarquia da
Força Aérea estar há muito alerta-
da para o esquema fraudulento, até
ao Verão passado - altura em que as
empresas foram constituídas argui-
das - este ramo das Forças Armadas
continuava a entregar ajustes direc-
tos de bens alimentares às firmas em
questão. Já para não falar dos con-
cursos públicos que também têm
continuado a ganhar, porque não
podem, por lei, ser impedidas de
neles participar até serem condena-
das pela justiça de forma definitiva.
A Marinha, a GNR e a PSP também
trabalham com estes fornecedores,
que abastecem ainda alguns estabe-
lecimentos de ensino.
O Ministério Público explica, no
despacho de acusação da Operação
Zeus, como os militares corruptos
por várias vezes arranjaram manei-
ra de serem as empresas com que
mantinham este esquema a vencer
os concursos, passando-lhes infor-
mação privilegiada.
E se esta investigação está con-
cluída, encontrando-se vários dos
militares em prisão preventiva, não
quer dizer que as descobertas de
crimes de colarinho branco no meio
militar fiquem por aqui: o Ministé-
rio Público já mandou extrair uma
certidão deste processo, com vista à
abertura de um novo inquérito.
Estado-Maior General das Forças Armadas sublinha que o preço apresentado foi inferior ao da
concorrência. Empresas arguidas na Operação Zeus continuam a vencer concursos para fornecer messes
Justiça
AnaHenriques
abhenriques@publico.pt
coronéis incluídos. E se alguns de-
les, incluindo os mais graduados,
continuam a negar qualquer envol-
vimento neste esquema, outros há
que confessaram detalhadamente
como tudo se passou ao longo, nal-
guns casos, de mais de uma década.
A maior fatia dos lucros cabia aos
militares, em especial às altas pa-
tentes. O Ministério Público estima
que tenham ficado pelo menos com
2,1 milhões de euros indevidamen-
te, e as firmas que trabalhavam com
as cantinas com pelo menos cerca
de 400 mil. Mas diz também que os
prejuízos para o erário público se-
rão muito superiores à soma destas
duas parcelas.
Major foi agente infiltrado
A investigação começou por estar
a cargo da Polícia Judiciária Militar,
que mais tarde contou com a aju-
da da Polícia Judiciária civil. Mas
só conseguiu avançar quando, no
final de 2015, um major de Monte
Real resolveu aliciar um colega seu,
que denunciou tudo à hierarquia
mas fingiu alinhar no esquema, ten-
Redecriminosacomorganizaçãomilitar
D
iz o Ministério Público que a
rede criminosa descoberta
na Operação Zeus
replicava, na sua forma de
organização, o funcionamento
das instituições militares. E não
só porque os militares mais
graduados eram quem mais
recebia. A própria distribuição
do dinheiro estava organizada
com a mesma lógica.
Um comandante de
esquadra, por exemplo, podia
lucrar mil euros mensais. Um
major de Monte Real confessou
ter ganho com o esquema
cerca de 30 mil euros em 2014
e outro tanto no ano seguinte.
As autoridades apreenderam
envelopes em que circulavam
os pagamentos ilícitos aos
militares. Continham inscrições
muito precisas: três traços
verticais, um grosso e dois
finos significava que o dinheiro
se destinava a um tenente-
coronel, enquanto dois traços,
um grosso e um fino, indicavam
a patente de major.
Os militares envolvidos
evitavam mostrar sinais
exteriores de riqueza. Na
garagem de um deles foram
encontrados mais de 23 mil
euros em moedas distribuídas
por baldes, enquanto outros
investiram o dinheiro em
certificados de aforro. Além
da sobrefacturação, havia
outra forma de os homens
da Força Aérea conseguirem
dinheiro extra: inflaccionavam
o número de convivas dos
almoços e jantares de gala. Foi
por exemplo o que sucedeu
quando, em Setembro de 2016,
o Presidente Marcelo Rebelo de
Sousa visitou Monte Real.
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 17
SOCIEDADE
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A Ordem dos Médicos deu parecer
favorável ao primeiro pedido de ges-
tação de substituição em Portugal, o
de uma avó que está disposta a gerar
um filho da sua filha, que retirou o
útero por razões clínicas. O processo
regressa agora ao Conselho Nacional
de Procriação Medicamente Assistida
(CNPMA), que quer tomar a decisão
final a 15 de Dezembro, confirmou
ao PÚBLICO Eurico Reis, presidente
daquela entidade.
O parecer da Ordem dos Médicos
foi enviado na semana passada ao
CNPMA depois de ter sido avaliado
pelo colégio da subespecialidade de
medicina de reprodução. “A avalia-
ção da ordem incide sobre questões
puramente técnicas. A ordem não
faz pronúncias sobre questões éticas
e deontológicas, que são feitas pelo
CNPMA”, explicou o bastonário Mi-
guel Guimarães.
Depois de elaborado, o parecer foi
votado pelo conselho nacional execu-
tivo da Ordem dos Médicos, uma de-
cisão tomada “por maioria, porque
houve abstenções relacionadas com
questões de princípio, éticas”. A or-
dem tinha 60 dias para se pronunciar
e o parecer emitido não é vinculativo,
embora seja tido em conta na decisão
final do Conselho Nacional de Pro-
criação Medicamente Assistida. E faz
parte da regulamentação da gestação
de substituição, publicada em Diário
da República a 31 de Julho deste ano.
O processo regressa agora ao CNP-
MA, que tem mais 60 dias úteis para
tomar a decisão final, mas que deve-
rá ser tomada a meio de Dezembro.
“O modelo de contrato tem de ser
concluído na próxima reunião do
conselho a 24 de Novembro, porque
os 60 dias já começaram a contar.
Temos de fazer entrevistas aos re-
querentes, casal e gestantes, e tomar
uma decisão final — se aprovamos ou
não a celebração do contrato — a 15
de Dezembro, que é a última reu-
nião do ano e deste mandato, que
termina no dia 31 de Dezembro”,
disse Eurico Reis.
Primeira gestação de substituição
já tem luz verde dos médicos.
Decisão final só em Dezembro
Em causa está um pedido feito
em Agosto, e que foi aprovado a 8
de Setembro pelo CNPMA, de um
casal português cuja mulher, Isabel,
ficou sem útero por causa de uma do-
ença chamada endometriose e que
propunha que fosse a mãe desta, que
tem 50 anos, a substituir a filha na
gravidez.
Eurico Reis explicou que “o pa-
recer da Ordem dos Médicos incide
apenas na avaliação do elemento
feminino do casal e não sobre a ges-
tante”. E neste caso, adiantou, “havia
Saúde
AnaMaia
Conselho Nacional de
Procriação Medicamente
Assistida quer tomar
a decisão final a 15 de
Dezembro
este seja um elemento a ter em con-
sideração, não é o único.
O recurso à gestação de substitui-
ção só é possível a título excepcional
e com natureza gratuita, nos casos
de ausência de útero e de lesão ou
doença deste órgão que impeça de
forma absoluta e definitiva a gravi-
dez da mulher ou em situações clí-
nicas que o justifiquem, segundo a
lei em vigor.
Só podem recorrer a este trata-
mento casais heterossexuais ou de
duas mulheres que não tenham útero
ou apresentem lesões que impossi-
bilitem gerar uma gravidez.
Até ao momento não foi emitido
mais nenhum parecer liminar, mas
há pelo menos mais um requerimen-
to em avaliação no CNPMA.
Este organismo recebeu até ao
momento 99 pedidos de intenção de
celebração do contrato de gestação
de substituição, dos quais 58 são de
portugueses e 41 são de estrangeiros,
adiantou a Lusa.
Bastonáriodiz
queOrdemnão
sepronuncia
sobrequestões
éticas.Só
sobrequestões
técnicas
documentação médica que corrobo-
rava a ausência de útero”.
Sobre a questão da idade da ges-
tante, Eurico Reis acrescentou que
“essa foi avaliada logo na decisão
liminar do CNPMA” e que, embora
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18 • Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017
SOCIEDADE
A“vidanormal”
dosCottim,
umafamília
comavoznas
Mãe, pai e filhos são surdos, mas têm a voz nas mãos
com a língua gestual. Vinte anos depois de a Constituição
a reconhecer, as barreiras persistem, apesar dos avanços
N
os intervalos das au-
las, olhava-a com o
seu ar mais galante,
enquanto ela, inte-
ressada noutro cole-
ga da escola, o igno-
rava. Mas ele insistia,
comosehouvesseum
“íman” entre os dois.
Foi preciso algum
tempo para conquistar algum espaço.
Trocaram olhares, algumas palavras,
mais tarde perderam-se em horas de
conversa. Tornaram-se próximos. Ele
poupava a semanada para lhe pagar o
bilhete do cinema. Escrevia-lhe cartas
de amor. Ataram namoro por sete
anos. Depois casaram-se. Tiveram
dois filhos. E já lá vão uns 40 anos.
“É uma vida normal, não é?”
Maria Cecília Dias é surda. Mário
Rui Cottim, também. Mas a história
deles, continua Maria Cecília, não
será muito diferente da de qualquer
outra história de amor. “Os ouvintes
e surdos são exactamente iguais, só
nos distingue a língua”, diz. “Somos
uma família como as outras. Só que
somos muito felizes.” Sentados no
sofá, os Cottim aprontam-se para a
entrevista. Cláudia Braga, intérprete
de língua gestual portuguesa (LGP)
que vai fazer a ponte entre o PÚBLI-
CO e a família, pega no comando da
televisão, avisa que vai desligar pa-
ra o som não interferir na conversa.
“Com som ou sem som, para nós é
igual”, responde Mário Cottim a ar-
rancar gargalhadas.
O humor tem as portas abertas
neste apartamento em Rio Tinto. Pais
e filhos são surdos — fazem parte de
uma comunidade linguística e cultu-
ral diferente —, mas querem deixar
bem claro que surdez não é sinónimo
de infelicidade. E só rima com pre-
conceito porque o mundo ainda não
girou o suficiente. Há uma diferença
abismal entre a infância dos pais e a
dos filhos, Joana e Ricardo Cottim, 31
e 28 anos. E, se tudo correr como eles
desejam, haverá um gigante fosso pa-
ra a geração dos filhos que virão.
A LGP, cujo dia nacional se celebra
hoje, foi incluída na Constituição em
1997. Em Portugal, estima a Associa-
ção Portuguesa de Surdos, existem
cerca de 120 mil pessoas com algum
grau de perda auditiva. Muito mu-
MarianaCorreiaPinto
mãosdou — mas outro tanto há por fazer.
Joana tem ideias muito claras so-
bre a comunidade da qual faz parte.
E recusa deixar decisões em mãos
alheias: “Como diz a Ana Sofia Antu-
nes [secretária de Estado para a In-
clusão das Pessoas com Deficiência],
‘nada para nós sem nós’”, sublinha.
É muito simples: “Um ouvinte nunca
vai sentir como uma pessoa surda.
Por isso, é importante ouvir-nos, tra-
balhar connosco.”
Era criança e já adorava acompa-
nhar o pai nas idas à Associação de
Surdos do Porto. Sentia-se bem no
mundo dos gestos. Aos 20 anos tor-
nou-se a mais jovem vogal de sempre
da Federação Portuguesa das Asso-
ciações de Surdos. “Aprendi muito
sobre direitos, como proteger a co-
munidade e a língua, quais as barrei-
ras, a luta pela acessibilidade.”
Foi ao adquirir novos conheci-
mentos que, depois de completar
um curso de LGP para formadores,
percebeu a possibilidade do ensino
superior: “Os meus pais não tinham
ido para a faculdade, nunca ninguém
me falou disso. Pensava que não era
possível um surdo fazê-lo.” Na Uni-
versidade do Porto conheceu novos
19. Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.
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Público • Quarta-feira, 15 de Novembro de 2017 • 19
SOCIEDADE
obstáculos. Mas não desistiu. Com
outros surdos, bateu-se pelo direi-
to a ter um intérprete nas aulas. E
conseguiu. Fez duas licenciaturas,
um mestrado. Em 2013, fundou a Co-
missão Nacional de Jovens Surdos.
Integrou um projecto pioneiro que
levou a LGP aos palcos do Teatro Na-
cional de São João e promoveu visitas
guiadas na Fundação de Serralves.
Actualmente, é professora de LGP
em Santa Maria da Feira.
“Sonho muito com o futuro. A
comunidade surda precisa de mim
e eu dela. Faltam muitas lutas.” Há
dias, um amigo surdo de Joana foi
atropelado e ficou em estado crítico.
Quando acordou no hospital, com se-
de, fez o gesto de água. Mas nenhum
médico ou enfermeiro o compreen-
dia. “Isto é muito grave. Vinte anos
depois do reconhecimento da LGP,
os hospitais não têm um intérprete
o dia inteiro? É muito grave.”
Não é só nos hospitais. Nos bancos,
no centro de emprego, no teatro ou
em exposições, em vários serviços
públicos. Muita coisa está por mudar
— “sobretudo mentalidades”.
Maria Cecília nasceu surda, depois
de um parto difícil. Mário Cottim não
tem a certeza: ou nasceu já sem ouvir
ou terá acontecido quando, ainda be-
bé, caiu da cadeirinha de refeições.
Os dois, nascidos em 1956, são filhos
de pais ouvintes, como acontece na
maioria dos casos.
Era uma outra realidade aquela em
que eles cresceram. Por essa altura,
ainda se procurava uma “normaliza-
ção” dos surdos, com cirurgias, utili-
zação de aparelhos de fonoaudiolo-
gia e o ensino da língua oral em detri-
mento da LGP. A escola tinha como
missão primeira ensinar os alunos
a falar — ainda que, sem os gestos,
muitos se limitassem a repetir as pa-
lavras sem lhes entender o sentido.
Depois do casamento, Mário e Ma-
ria puseram-se a falar sobre filhos.
Ambos tinham vontade de ser pais,
mas preocupava-os que eles herdas-
sem a surdez e, em paradoxo, que
fossem ouvintes com pais surdos:
como iriam comunicar depois? Joa-
na nasceu sem problemas auditivos,
mas foi perdendo a audição pelos
três anos. Os irmãos tiveram varice-
la ao mesmo tempo e poderá vir daí
a perda de Joana. A do irmão, mais
tarde diagnosticado com síndrome
de Asperger, devia ser anterior.
Para Maria Cecília, não foi fácil
aceitar. “Pensava no futuro, como é
que eles iam crescer”, conta. Proi-
bia a filha de gestualizar, insistia para
que falasse. “Foi um erro meu, pen-
sava de forma errada.” Joana olha-a
de forma terna. “A culpa não é dela,
era da sociedade. Na rua, as pessoas
ficavam a olhar com cara de parvas.
Havia muito preconceito. Era por is-
so que a minha mãe me proibia.”
Não foi por muito tempo: quando
percebeu que era com a LGP que a
filha se ia desenvolver, mudou o chip.
Tornou-se mãe protectora — e defen-
sora da língua. “Se diziam alguma
coisa por o Ricardo berrar, ficava lou-
ca. Dizia-lhes: ‘O meu filho é surdo e
autista!’ Pediam logo desculpa.”
Revolta foi sempre palavra fora do
dicionário de Joana. “A minha avó
ensinou-me que tinha de me integrar,
revoltar não. Ter pais surdos talvez
tenha ajudado. E o meu irmão: senti
sempre que tinha de o proteger.”
A síndrome de Asperger dificulta
a expressividade de Ricardo. Joana
sabe que não é científica a sua teoria,
mas acredita nela como num resul-
tado matemático: “A nossa comuni-
cação, muito visual, fez com que ele
tivesse menos dificuldades.” Depois
de terminar o 12.º ano, encontrou
emprego num armazém farmacêu-
tico. Faz uma vida normal.
Na família Cottim, todos estão em-
pregados, mas esse é um cenário in-
vulgar entre a comunidade surda, on-
de a baixa literacia e o desemprego
são problemas aumentados. “Depois
de terminarem a escola, muitos ficam
isolados. Não se integram! A socieda-
de não tem resposta para eles... Vinte
anos depois. Como é possível?”
Recentemente, o BE propôs no
Parlamento que a LGP passasse a ser
ensinada nas escolas de referência
também a alunos ouvintes. “Há sinais
de mudança”, admite Joana, feliz por
também os cursos superiores de LGP
estarem em crescimento. Também
ela tem ensinado crianças que ou-
vem, em idade pré-escolar: “Penso
no futuro e imagino-os a trabalhar
nos mais diversos serviços públicos.
Eu velhinha e eles a atenderem-me.
Em vez de se aprender mandarim,
porque não apostar numa língua por-
tuguesa? É o meu sonho.”
Há outros. Como o de ver a presta-
ção social de inclusão desaparecer e
ser substituída por verdadeira inclu-
são — “A prestação é, de certa forma,
uma maneira de abafar o problema”
— ou os filhos que quer ter. “Quatro!”,
responde perante o espanto sorri-
dente do pai. “Se for genético, terei
filhos na mesma. Serão felizes como
eu.” Ao ouvir falar de sonhos, Má-
rio idealiza: “O que gostava de voltar
atrás no tempo... Ter 20 anos e poder
fazer o curso de arquitectura”, diz
entristecido, para logo recuperar o
sorriso. “A minha vez já passou. A
dos meus filhos, não.”
O esforço, diz Joana, deve ser so-
bretudo dos ouvintes. Entre os dois
mundos há uma diferença de vícios:
uns são fixados no som, outros na
luz. Na escuridão, um surdo não co-
munica. Mário resume numa frase:
“Nós ouvimos com os olhos.” E a filha
completa: “E a voz sai-nos das mãos.”
FOTOS: MANUEL ROBERTO
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