1. Terça-feira, 20 de dezembro de 2011 OPINIÃO ●
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O GLOBO
Ajuda a LUIZ GARCIA
quem tem
dívidas O pedaço ruim
A
Aopinião pública , obviamente, re- de corrupção”. tado senador Fernando Collor foi o pri-
JULIANA BUMACHAR pudia e pune episódios de deso- Governantes de nações como Noruega e meiro e único presidente brasileiro a re-
A
possível combinação nestidade e safadeza em geral. E Finlândia — países sem folha corrida de de- nunciar ao mandato para fugir a uma ine-
entre a superoferta de todo governo que se preza repu- sonestidade governamental, possivelmen- vitável cassação por uma quantidade ex-
crédito e os impactos dia e pune episódios de desonestidade e te porque nas vizinhanças do Círculo Polar traordinária de delitos. Hoje, finge que
de uma possível nova
safadeza em geral. Não duvidem, existem Ártico o frio inibe os esforços físicos indis- não tem folha corrida.
crise econômica tende a difi-
cultar a capacidade do cidadão aqueles que não se prezam, mas isso só pensáveis à ladroagem — parecem imunes Depois de Collor, tornou-se mais eviden-
para equacionar orçamentos, acontece nas chamadas republiquetas, e o a escândalos nas altas esferas do poder po- te e importante para chefes do Governo
honrar dívidas e continuar Brasil — que, pelo menos aos nossos olhos lítico e administrativo. Não costumam per- parecerem honestos, tanto quanto serem
consumindo. É chegada a hora
de se pensarem mecanismos patrióticos, é uma republicona — vamos der tempo alegando “tolerâncias zero” a honestos. Pode parecer redundante, mas
que ajudem a resolver da me- dizer que não está nesse caso. respeito. Nos trópicos, pelo visto e ouvido, pode-se desconfiar que não é.
lhor forma possível situações Por aí pode parecer que nada teve de é diferente: sem anúncios da tal tolerância, Em seu último pronunciamento, Dilma
críticas de endividamento. surpreendente na afirmação da presi- Dilma se considerava em risco de ter a sua afirmou que em seu governo há tolerân-
Atualmente, fora a possibili-
dade de tentar um acordo ami- dente Dilma Rousseff de que em seu go- administração comparada com, sei lá, para cia zero com bandidagens em geral. É
gável com o credor, mediante verno existe tolerância zero “com qual- citar só um exemplo, o governo Collor. boa notícia, em parte: o pedaço ruim é a
parcelamento ou mesmo redu- quer prática inadequada , de malfeito e Para quem chegou agora, o hoje respei- necessidade de dizê-lo.
ção da dívida, no Brasil, a pes-
soa física só tem a opção legal
de pedir a declaração da insol-
À espera do melhor
vência civil, que é a falência da
pessoa física. Não existe ain-
da, para o cidadão comum, um
instrumento jurídico tal como
a recuperação judicial criada Cavalcante
para as empresas. HASAN TULUY bro. O estímulo do Peru é voltado pa-
Iniciado o processo judicial ra projetos de obras públicas em ní-
A
de insolvência civil, que pode América Latina e o Caribe co- vel local e regional, bem como para o
durar até dez anos, ou mais, meçaram 2011 em alta. Após financiamento de exportações não
todas as dívidas vencem ante- a rápida recuperação da cri- tradicionais. A vantagem desses ti-
cipadamente. Os bens do de- se global de 2008-2009, a re- pos de investimentos é que eles não
vedor têm que ser vendidos e gião teve níveis recordes de cresci- apenas ajudam os países a avançar
o apurado na venda tem que mento em 2010, com alguns países em meio à incerteza, mas também
ser entregue aos credores. Fei- atingindo índices semelhantes aos do lançam as bases para inovação e pro-
to isso, o cidadão é declarado Leste asiático, entre 7% e 10% — tão dutividade que lhes permitirão sair
insolvente. Passados cinco rápido que no início deste ano as fortalecidos da crise.
anos da declaração de insol- preocupações eram com o superaque- Seja por meio de investimentos na
vência, o saldo remanescente cimento, a valorização das moedas, o infraestrutura ou do aumento da alo-
do débito em aberto é conside- excesso de crédito ao consumidor e cação de recursos para a população
rado extinto e o devedor pode- as pressões inflacionárias. mais vulnerável, o segredo é estar
rá voltar à ativa. Contudo, chegado o fim do ano, pronto e assegurar a existência de me-
Não é um processo simples, muito havia mudado no mundo com a canismos e instituições necessários
nem rápido. É uma solução ra- fraqueza das economias europeia e para a adoção de medidas contracícli-
dical. As consequências são norte-americana. De súbito, a região cas quando, e se, houver um choque.
sérias, pois que, entre o pedi- não mais estava em risco de tornar-se Embora a esperança seja de que ou-
do de insolvência e sua decla- vítima de seu próprio sucesso, mas ví- tra recessão global seja evitada, o fato
ração, mais o prazo de cinco tima, uma vez mais, de falhas sistêmi- é que, caso não seja, a América Latina
anos para extinção das dívi- cas nos países industrializados. e o Caribe ficariam em situação muito
das, o consumidor poderá fi- Potência econômica da região, o pior sem esses preparativos.
car até vinte anos sem ter Brasil já está sentindo o aperto da cri- A região começou 2011 enfrentando
acesso a serviços bancários. se da zona do euro. Seu produto inter- seus próprios desafios de como sus-
Também não vai poder com- no bruto parou de crescer no terceiro tentar índices de crescimento acima
prar bens em seu nome, sob o trimestre deste ano, pela primeira vez de 5% no longo prazo. Estava claro
risco de os credores pedirem a desde 2009. Mais desconcertante ain- que, para avançar, os países precisa-
venda e a divisão destes bens. da é o fato de que a China, uma grande vam aumentar a produtividade com
Na divisão entre os credores, força por trás da recuperação da Amé- investimentos em infraestrutura, ino-
salvam-se apenas a casa pró- rica Latina, pode estar dando sinais vação e capital humano por meio da
pria e o salário, que são impe- de desaceleração. melhoria da qualidade da educação e
nhoráveis. Da forma como é Embora ainda não haja clareza dos serviços de saúde.
feita, a insolvência acaba sen- quanto à magnitude da repercussão Paradoxalmente, enquanto a re-
do vista como uma última saí- da crise da dívida da zona do euro na gião engata uma nova marcha para
da. região, temos certeza de que, mesmo concentrar-se nas ameaças externas,
Cabe ao Estado, em tais cir- que não seja de forma drástica, ela se- a linha de ação é bastante semelhan-
cunstâncias, criar os mecanis- rá sentida na economia real por meio te. As políticas contracíclicas são am-
mos necessários para viabili- de arrocho no crédito, perdas no co- plamente consistentes com boas me-
zar que o devedor pessoa físi- mércio e queda nos preços das com- didas pró-crescimento. Sabemos que
ca possa superar a situação de modities. Embora a América Latina alguns países menores, sobretudo no
crise, pagando aquilo que de- ainda se encontre em uma forte posi- Caribe e na América Central, não ti-
ve aos seus credores, na medi- ção financeira e macroeconômica em veram o vigoroso crescimento de
da de suas possibilidades, sem comparação com outras regiões, es- seus vizinhos, carecem de capacida-
prejudicar a geração de em- tão em risco os grandes ganhos so- de de absorção de choques e teriam
pregos, a arrecadação e o bom ciais dos últimos dez anos: 60 milhões dificuldade para fazer esse tipo de in-
funcionamento da economia. de pessoas retiradas da pobreza e ga- vestimento.
Não são poucos os países nhos contra a desigualdade. Essas Porém, a maioria dos países da re-
em que a legislação disponibi- conquistas precisam ser protegidas, e gião ainda colhe os benefícios da mais
liza ao cidadão comum a opor- estamos prontos para ajudar. prolongada e generalizada alta de
tunidade de reorganizar as Estou otimista de que o pior será evi- gião nos últimos anos aumentou o das. Há uma década, o Brasil e vários commodities, e é provável que eles
suas finanças. Nos EUA, a lei tado. Tenho a sensação, com base em prestígio político dos líderes latino- de seus vizinhos estavam na posição possam continuar a registrar cresci-
de falências trata da insolvên- interações recentes, de que os líderes americanos no cenário mundial. A par- dos países em apuros, buscando o fi- mento econômico e ao mesmo tempo
cia temporária do indivíduo. O da região não estão dispostos a ficar tir de dezembro, o México assume a li- nanciamento do FMI. aumentar a igualdade social.
cidadão comum pode apresen- passivos e aceitar um resultado provo- derança do G-20, enquanto o Brasil se- No plano interno, alguns países es- Com o risco de calote abalando ou-
tar um plano geral de paga- cado pelas dificuldades externas. Eles diará a Conferência das Nações Unidas tão se preparando por meio da contra- tras regiões, convém lembrar que o
mento de suas dívidas, explici- e elas sabem que o mais sensato é pre- sobre Desenvolvimento Sustentável (a tação de linhas de crédito flexíveis ou conjunto certo de políticas, conjuga-
tando a forma como pretende parar-se ativamente para o pior, mas Rio+20) no próximo mês de junho, 20 da gestão da política monetária e das da ao conjunto certo de líderes, pode
quitá-las. Pode, ainda, quitar esperar pelo melhor, ao mesmo tempo anos após a Cúpula da Terra, de 1992. taxas de juros, para ter proteção adi- mudar o curso do destino.
as dívidas que possui, median- influenciando a agenda internacional. O Brasil também afirmou que esta- cional, caso seja necessário.
te a liquidação total de seu pa- Em nível regional, estão coordenan- ria preparado para contribuir para o Outros estão adotando estímulos HASAN TULUY assumirá o cargo de vice-
trimônio. Neste último caso, do ações por meio da Unasul. Em nível fundo especial do FMI para auxiliar os fiscais, como o pacote de US$ 500 mi- presidente do Banco Mundial para a América
se o valor arrecadado for infe- global, o desempenho exemplar da re- países em dificuldades com suas dívi- lhões do Peru, anunciado em outu- Latina e Caribe a partir do dia 1 o de janeiro.
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rior ao montante devido, res-
salvadas algumas exceções
Lições de Londres
previstas na lei, fica o devedor
dispensado de pagar o saldo
remanescente.
Já na França, a legislação
privilegia, em um primeiro mo-
mento, a tentativa de composi- JOSÉ LUIZ ALQUÉRES nhein, sem contar com bons bairros, fios para que isso possa ocorrer: fa- ra voltar em 60 dias. Deu tchau e em
ção amigável. Se isso não for casas e oferta de bons empregos. vorecer a imigração dos melhores, 15 dias vendeu a firma para uma em-
U
possível, pode o Judiciário re- m seminário realizado na Heathrow impossível de ampliar e as qualidade de vida e mobilidade urba- presa da Califórnia ( "60 dias para
duzir juros, parcelar dívidas, semana passada em Lon- taxas da City impossíveis de dimi- na (Londres começa o maior projeto mim é uma eternidade!", exclamou
dar descontos, suspender exe- dres juntou 500 pessoas nuir inviabilizam de vez de metrô do mundo, e aos aplausos para a plateia, sob o
cuções, decretar moratória e para debater seu futuro, este sonho. atualiza o seu vitoriano olhar pasmo do burocrata da agên-
adotar outras medidas neces- dentre as quais o prefeito atual, seu A educação, a cultura, sistema de esgoto) . E cia governamental).
sárias para viabilizar a reorga- provável sucessor, membros de go- a formação profissional? Temos que ser ambiente de negócios. Um problema grave : o número de
nização das finanças do deve- verno e ONGs e acadêmicos. Sim, por enquanto, mas O que encanta esta gen- pobres, quatrocentos mil numa ci-
dor pessoa física. A falência Tentando fazer humor, o presiden- cada vez perdendo espa- competitivos, te nos setores high-te- dade que breve chegará a 8 milhões,
(ou declaração de insolvência te da Câmara de Comércio iniciou di- ço para escolas na Ásia ch, mas também na mo- muitos atribuindo isso aos custos
civil) é a última opção. O Bra- zendo que impunha a cidade se e na América. As Olim- e isso significa da, no design e na in- da habitação. Londres é pouco den-
sil precisa de um novo marco transformar, de capital do "British píadas trarão um sopro, dústria cultural? A di- sa: exatamente oito vezes menos do
regulatório para o tema. É um Empire", em capital do "Brics Empi- porém efêmero, de mo- sacrifícios no versidade de Londres, que Hong Kong . Seria caso de aden-
imperativo de ordem econômi- re". Logo lhe foi apontado que isso vimento, já com uma en- o seu multiculturalis- sá-la um pouquinho? Menos par-
ca e, acima de tudo, de justi- era impossível : o percurso mais cur- tidade gestora do lega- curto prazo mo, a variedade de co- ques para menos cortiços?
ça. to entre os 2 centros de gravidade da do olímpico focadérri- mida, espetáculos, pro- Um consenso absoluto: temos
economia mundial no Leste — Ásia ma em criar programa- dutos e coisas instigan- que ser competitivos, o desafio é
JULIANA BUMACHAR é advogada. — e no Oeste (América) passa sobre ção para manter o equi- tes. Gente é o maior va- mundial, isso impõe sacrifícios no
Dubai e Abu Dhabi, hoje com magní- pamento em uso. lor. E esses empreendedores não to- curto termo.
O GLOBO NA INTERNET ficos aeroportos, regime tributário Sediar uma nova economia com leram burocracia. Um deles foi obter
OPINIÃO Leia mais artigos favorável , e crescente equipamento gente jovem criativa de todo o mun- recurso numa agência oficial. Preen- JOSÉ LUIZ ALQUÉRES é integrante do
oglobo.com.br/opiniao cultural, com até Louvre e Gugge- do é a questão. Três grandes desa- cheu o formulário e lhe disseram pa- Conselho da Cidade do Rio.