O documento descreve a carreira do bailarino brasileiro Thiago Soares, atualmente no Royal Ballet de Londres. Ele falará sobre seu próximo papel como Jack, o Estripador em um novo balé, e como chegou tão longe partindo de origens humildes no Rio de Janeiro.
1. O
Mônica Imbuzeiro
6 • REVISTA O GLOBO• 26 DE FEVEREIRO DE 2012
a conta...
Doisguaranáse
por Mauro Ventura
O ...com Thiago Soares
maior bailarino brasileiro
vivendo o mais famoso serial
killer de todos os tempos. Thiago
Soares, estrela do Royal Ballet de
REVISTA O GLOBO: Como será o balé sobre Jack, o que estava com uniforme de escola pública e,
Londres, vai interpretar Jack, o Estripador. Estripador? E como será seu papel? por falta de dinheiro, entrei de graça no 232 para
Os ensaios já começaram, e a estreia é THIAGO SOARES: O mais difícil é fazer sem ser um ir de casa, em Vila Isabel, à aula de dança, no
em abril. “O papel foi criado para mim filme de terror. A primeira cena é um pas de deux Méier. Como não ia para o colégio, não podia
em que corto a garganta de uma mulher. Tem andar sem pagar. Mas ficava envergonhado de
pelo coreógrafo Liam Scarlett, de 24
muito sangue e violência, mas é um balé ele- pedir a meus pais dinheiro para aula de balé.
anos, um gênio”, diz Soares, em rápida gante e com muito bom gosto. É um passo à Eles tinham que botar comida na mesa.
passagem pelo Rio, onde resolveu frente da dança, um tipo de trabalho que vai
E hoje você está no topo...
questões familiares e visitou o Ballet de atrair novos públicos para o balé. É maravilhoso
Onze anos depois desse dia em 1994 eu estava
Santa Teresa, no Morro da Coroa, do qual ter as obras românticas, tradicionais, mas é
na fazenda do príncipe Charles, numa visita do
importante criar outro repertório e trazer para a
é padrinho. Nascido em São Gonçalo, de Royal Ballet. Ficamos conversando, ele falou do
dança a linguagem de hoje. Faço um artista que
família classe média baixa, ele fez quanto admirava o Brasil. Uns dois anos depois,
foi acusado de ser Jack. É um papel dark.
minha mulher havia dançado com outro bai-
capoeira, escola de circo e street dance Sempre fui o herói, o príncipe, mas à medida que
larino, ele foi ao camarim cumprimentá-la e
antes do balé. “Meu irmão tinha o grupo você fica mais velho tem menos medo de ir para
perguntou: “E o seu noivo, o brasileiro?” Falou
lugares mais sombrios. Quero continuar fa-
Jazz de Rua”, diz ele, que prepara um como se fosse amigo meu. Fiquei brincando
zendo “Lago dos cisnes”, “Oneguin”, que nunca
projeto ainda sigiloso, “e arriscado”, com com os amigos: “Qualquer coisa fala comigo
vão morrer, mas quero a chance de pôr minha
que dou uma ligada para o príncipe Charles.”
o diretor Henrique Goldman (de “Jean assinatura em personagens novos.
Charles”). “Entrei de mascote no grupo. Os brasileiros verão o balé? Como foi chegar tão longe?
Via todo mundo em volta deles e também Há a possibilidade de o Royal Ballet vir ao Brasil A vida foi boa comigo, mas ao mesmo tempo sei
em 2014. Seria maravilhoso mostrar essa obra e tudo que perdi, deixei de fazer e tive que engolir
queria atenção.” Foi o coreógrafo do Jazz para estar ali com o príncipe Charles. Não foi
o repertório da companhia. O Brasil é uma bolha
de Rua que viu seu talento e sugeriu que que vai explodir. Tem talento e capacidade para uma fada que veio com sua varinha, fez plin e eu
fosse para o Centro de Dança Rio. A dar e vender. No caso da dança, a diferença para estava lá. Tem muito de persistência, de ter uma
carreira, iniciada aos 15 anos, foi a Europa é que lá ela é vista como indústria, que meta, de dizer “quero ser primeiro-bailarino do
gera emprego, mídia. Aqui falta dinheiro, apoio. Royal”. Perdi muita coisa na adolescência: tem-
meteórica, sob as bênçãos de Dalal po de noitadas, de surtar, de viajar. Tanto que os
Quem se forma não tem muito trabalho.
Achcar e Dino Carrera. Hoje, aos 30 anos, 23, 24 anos foram minha época de rock’n’roll.
ele ocupa um posto que já foi de Nureyev Em menos de dez anos de carreira você chegou ao Estava no Royal, com o rei na barriga, e fiquei
Royal Ballet de Londres... insuportável. Fazia noitadas muito loucas, nin-
e Baryshnikov. Em setembro, sai o Às vezes, quando estou num voo corrido, tipo guém me parava. Até que aos 26 anos comecei
documentário “All I am”, que a britânica Mônaco-Londres, lembro que lá no começo a me avaliar, vi que tinha uma responsabilidade
Beadie Finzi faz sobre Soares e a mulher, meus voos rápidos eram no ônibus 232. Vem e que era muito egoísmo destruir uma história
a bailarina argentina Marianela Nuñez. um flash na minha cabeça do dia, em 1994, em que podia servir de exemplo para os outros.
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