Apresentação proferida, em abril de 2015, na Mesa de Debates da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABDF), contemplando os seguintes temas:
- Análise da coisa julgada em matéria tributária, especialmente quanto às relações continuativas.
- Ponderação entre a proteção à coisa julgada e o princípio da igualdade e da livre concorrência.
- Formas de superação da coisa julgada quando esta se forma em sentido contrário à jurisprudência posteriormente consolidada.
- Cabimento e possibilidades da ação rescisória e ação revisional, à luz da jurisprudência do STF.
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A Coisa Julgada nas Relações Tributárias Continuativas: Revogação, Rescisão e Modulação de Efeitos
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Coisa julgada nas relações tributárias
continuativas: solução entre a
segurança jurídica e a isonomia
Donovan Mazza Lessa
MESA DE DEBATES 01/04/15
2. Coisa Julgada
• Eficácia da Coisa Julgada Material: “a imutabilidade do
comando emergente de uma sentença” (Liebmam)
• “que faz do branco, preto, do quadrado, Redondo...”
(Carnelutti)
• Proteção à Coisa Julgada: representação máxima do
Princípio da Segurança Jurídica, expressamente assegurada
pelo Constituinte (garantia individual - cláusula pétrea);
• Coisa Julgada x Igualdade: o sistema jurídico brasileiro, ao
adotar o controle difuso sem o stare decisis, admite a
existência de decisões conflitantes (ação julgada procedente
para um contribuinte e improcedente para outro).
3. • Ação Rescisória: art. 485 do CPC;
• “Flexibilização” da Coisa Julgada Inconstitucional: art.
741, II, paragrafo único e art. 475-L, II § 1º - inexigibilidade
de título judicial fundado em lei (ou interpretação de lei)
declarada inconstitucional pelo STF;
• “Revogação” da Coisa Julgada: art. 471 do CPC,
mudança no estado de fato ou de direito.
Superação da Coisa Julgada
4. Relativização da Coisa Soberanamente Julgada
• Coisa julgada inconstitucional: decisão fundada em
norma posteriormente declarada inconstitucional pelo
STF;
• Pressupostos: a) supremacia da Constituição; b)
máxima eficácia da norma constitucional; c) teoria da
nulidade da lei inconstitucional;
• Justiça > Coisa Julgada: Candido Dinamarco,
Humberto Theodoro Jr., etc
Ex: Exame de DNA em ação de investigação de
paternidade – REsp nº 226436
5. • Eficácia rescisória: afasta-se completamente os efeitos da coisa julgada
(mesmo após o prazo de dois anos e independentemente de novo
pronunciamento judicial);
• Críticas à relativização: segurança jurídica é a base do estado de direito;
a proteção à coisa julgada é um mandamento da própria Constituição; a
coisa julgada não pode ceder por critérios subjetivos de justiça (opção do
Constituinte);
• “existe uma clara opção do ordenamento: o que ele faz, para evitar a
eternização de incertezas, é preexcluir, de certo momento em diante, e
com ressalvas expressas a seu ver aceitáveis, que se volte a cogitar do
´justo ou injusto´ no concernente ao teor da sentença. Se assim, num caso
ou noutro, se leva à eternização de alguma injustiça, esse é o preço que o
ordenamento entendeu razoável pagar como contrapartida da preservação
de outros valores.” (Barbosa Moreira)
Relativização da Coisa Soberanamente Julgada
6. • Desfazimento integral dos efeitos da coisa julgada: o
contribuinte pode repetir o indébito e a Fazenda poder
exigir os tributos não pagos (questão: é possível sustentar
a proteção da irretroatividade na ação rescisória julgada
procedente em favor da Fazenda Pública?);
• Sujeita à prazo: 2 anos (obs: capítulos independentes –
STF);
• Cabimento em situações excepcionais: documento novo
capaz de mudar o curso da lide - exemplo exame de DNA
na ação de paternidade; prova falsa; vício grave da
sentença - incompetência absoluta do juízo, corrupção,
coisa julgada, etc.);
Ação Rescisória
7. • Erro de direito: art. 485, V do CPC – violação literal à
dispositivo de lei;
• Violação literal à lei: interpretação absolutamente
inaceitável da norma (CPC de 39 – interpretação aberrante
da lei);
• Súmula 343 do STF: “não cabe rescisória por ofensa a
literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se
tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida
nos tribunais”;
• Se havia controvérsia, a interpretação da lei dada pela
decisão não é “aberrante”.
Ação Rescisória
8. • Julgamento contrário à jurisprudência já uniformizada pelos Tribunais
Superiores (ADIN, ADC, Repercussão Geral, Repetitivo): violação à literal
dispositivo da lei já definitivamente interpretada; o que possibilitaria o
ajuizamento da rescisória;
• Súmula 343: inaplicabilidade em matéria constitucional, em decorrência da
Supremacia da CF (a interpretação dada pelo STF à Constituição deve
prevalecer mesmo em face da coisa julgada) – Precedentes STJ e STF;
• Ministro Gilmar Mendes (RE 328.812): “negar a via rescisória para fins de fazer
valer a interpretação constitucional do Supremo importa, a rigor, em admitir uma
violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a
uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional
realizada (...) Se por um lado a rescisão da sentença representa certo fator de
instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma
decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois
representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o
sistema”
Ação Rescisória
9. • Distinção Relevante: a) coisa julgada que envolve lei declarada
constitucional pelo Supremo; b) coisa julgada que envolve lei declarada
inconstitucional pelo STF;
• A Súmula 343 só deve ser afastada no segundo caso: esta é a
origem dos julgados que afastam a Súmula, de modo que não basta
tratar de questão constitucional, mas sim de aplicação de lei
posteriormente declarada inconstitucional pelo STF (teoria da nulidade);
• Exemplos: 1) coisa julgada que declara constitucional a Lei 9718/98,
posteriormente declarada inconstitucional pelo STF: caberia a
rescisória; 2) coisa julgada que declara inconstitucional a Lei nº 7689/88
(Contribuição Social sobre o Lucro), foi posteriormente declarada
constitucional pelo STF: não caberia a rescisória.
Ação Rescisória
10. • RE 590.809/RS – Rescisória da PFN contra acórdão transitado em
julgado em 2004 em favor da Metabel Industria Metalúrgica,
reconhecendo o direito ao crédito presumido de IPI pelas entradas não
tributadas: coisa julgada contrária ao posicionamento posterior do STF
que rejeitou o direito ao crédito no RE 353.657/PR;
• Voto do Rel. Min. Marco Aurélio: a coisa julgada deve ser prestigiada
mesmo quando houver decisão posterior do STF em sentido oposto; o
fato da matéria ser constitucional não afasta a Súmula 343;
Ação Rescisória
11. • Divergência: Min. Teori Zavascki e Min. Gilmar Mendes: a) a
Sumula 343 deve ser afastada sempre que a matéria de fundo
for constitucional; b) o STF, no RE 353.657, expressamente
deixou modular os efeitos (por entender que não ocorreu
modificação de sua jurisprudência já que não havia transito em
julgado de decisões anteriores sobre o tema); a consequência
prática da improcedência da rescisória seria a modulação dos
efeitos da decisão do RE 353.657;
• E quanto aos efeitos futuros da coisa julgada da Metabel: a
empresa está autorizada a tomar os créditos de IPI em
entradas não tributadas para sempre? A questão das relações
continuativas não foi expressamente tratada no RE 590.809/RS.
Ação Rescisória
12. Coisa Julgada nas Relações Continuativas.
Ação Revisional – Art. 471 do CPC.
• Coisa julgada que afronta consolidação jurisprudencial posterior em
sentido diverso: choque entre a segurança jurídica representada pela
coisa julgada e os princípios da isonomia e livre concorrência;
• Questão: Transitada em julgado decisão desfavorável ao contribuinte em
ação de natureza declaratória, o contribuinte estará obrigado ao
pagamento de tributo posteriormente afastado pelos tribunais? Pode o
contribuinte deixar de pagar tributo por força de coisa julgada enquanto
todos os demais deverão pagar em função da uniformização da
jurisprudência em sentido contrario à coisa julgada?
• Em casos como estes (consolidação da jurisprudência em caso sentido
contrário ao da decisão transitada em julgado), a proteção da segurança
jurídica representada pela coisa julgada deverá ceder em favor da
isonomia e da igualdade de concorrência.
13. Coisa Julgada nas Relações Continuativas.
Ação Revisional – Art. 471 do CPC.
• A solução, no entanto, não está na rescisória, mas sim no art. 471, I do
CPC;
• Modificação do Estado de Direito: a rigor, esta modificação seria da
legislação que fundamenta a decisão transitada em julgado; entretanto,
as decisões finais uniformizadoras dos tribunais superiores também
representam uma modificação no “estado de direito”; isto é mais
evidente nas decisões do STF com eficácia expansiva (controle
concentrado, repercussão geral e sumula vinculante), mas também
ocorre nas decisões do STJ tomadas em recurso repetitivo;
• Entretanto, a modificação do Estado de Direito – art. 471, I do CPC –
implica a “revogação da coisa julgada”, ou seja, o reconhecimento da
perda de sua eficácia diante do novo cenário de fato ou de direito; é que
a coisa julgada foi formada em um ambiente diverso deste novo cenário,
por isso ela não mais subsiste;
14. Coisa Julgada nas Relações Continuativas.
Ação Revisional – Art. 471 do CPC.
• A coisa julgada não é rescindida (anulada); apenas deixa de valer em
razão da alteração do cenário jurídico; logo, seus efeitos se preservam
até a modificação do “estado de direito”;
• Se a modificação do “estado de direito” tiver caráter geral, então
não será preciso ação revisional para se reconhecer a perda de
eficácia da coisa julgada;
• Exemplo: a) lei revogada ou modificada em sua essência (obs: mudanças
pontuais na legislação que não alteram a estrutura da obrigação tributária
não alteram a coisa julgada – ex: CSLL); b) lei declarada inconstitucional
em controle concentrado (efeitos erga omnes), ou no controle difuso com
resolução do Senado.
15. Coisa Julgada nas Relações Continuativas.
Ação Revisional – Art. 471 do CPC.
• Na última hipótese (ADIN ou RE com resolução do Senado), a lei sai do
ordenamento, motivo pelo qual não gera mais efeitos e
consequentemente a coisa julgada deixa de existir;
• Súmula Vinculante: como o Poder Executivo não poderá mais exigir o
tributo (e tampouco o Poder Judiciário poderá julgar de modo distinto),
pode-se concluir pela desnecessidade da ação revisional;
• Se a modificação do “estado de direito” não tiver caráter geral, será
preciso o ajuizamento de ação revisional do art. 471, I: necessária a
manifestação do Poder Judiciário para confirmar a “revogação” da coisa
julgada no caso concreto;
16. Coisa Julgada nas Relações Continuativas.
Ação Revisional – Art. 471 do CPC.
• Exemplo: a) declaração de inconstitucionalidade em RE sem aplicação de medidas de
expansão dos efeitos (súmula vinculante ou declaração do Senado), inclusive em
casos de repercussão geral (não gera eficácia “erga omnes” pois apenas obriga os
Tribunais a seguirem o precedente) b) decisão em repetitivo do STJ, cujos efeitos
alcançam apenas entre as partes envolvidas no processo.
• No entanto, quanto à Fazenda Pública, haverá uma peculiaridade: quando a coisa
julgada for contrária à decisão que posteriormente declarar o tributo devido, sempre
será necessário o ajuizamento da ação revisional, mesmo quando o caso for de
controle concentrado;
• É que, apesar do efeito da decisão da ADC ser “erga omnes”, a lei não é retirada do
ordenamento jurídico. Pelo contrário, ela é reafirmada. A razão para se afastar de
plano a coisa julgada quando a ADIN é procedente (e em outros casos de efeitos
“erga omnes” de controle de constitucionalidade) é a retirada do mundo jurídico da
norma. Como na ADC isto não ocorre, os efeitos “erga omnes” não permitem a
cessação imediata da coisa julgada, sendo necessário o ajuizamento da ação
revisional.
17. Coisa Julgada nas Relações Continuativas.
Ação Revisional – Art. 471 do CPC.
• Parecer PGFN 492/2011: cessação automática da eficácia vinculante da
coisa julgada quando: a) houver julgamento em controle concentrado
(ADIN ou ADC), seja pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade da
lei; b) quando houver julgamento em controle difuso, com resolução do
Senado ou repercussão geral; c) em casos anteriores a 2007 (lei da
repercussão geral), quando houver julgamento em RE pelo plenário,
posteriormente confirmado em novos julgamentos das turmas.
• O parecer parte da premissa da objetivação do controle difuso (que hoje
em dia é julgado com base na tese deduzida e não simplesmente com
base no litigio das partes), e da expansividade dos efeitos do controle
difuso (que passaria ou deveria ter o mesmo alcance do controle
concentrado). Tese defendida pelo Min. Gilmar Mendes na Reclamação
4335, seguida pelo Min. Eros Grau (questão da necessidade da
Resolução do Senado para dar efeito “erga omnes” ao RE). Rejeitada
pelo Plenário.
18. • Em síntese: nas relações continuativas, a coisa soberanamente julgada
deve gerar efeitos até a modificação do “estado de direito” (quando tiver
caráter geral e implicar a retirada da norma do ordenamento), ou até o
ajuizamento da ação revisional. A partir daí, perde os efeitos.
• Esta forma concilia a proteção à coisa julgada (com seus efeitos
resguardados até a sua “revogação”) e o princípio da isonomia e livre
concorrência, para os fatos futuros;
• Logo, se o contribuinte tem coisa julgada contrária e posteriormente a lei
é declarada inconstitucional em controle concentrado ou difuso com
expansão (resolução e sumula vinculante), tem-se a imediata cessação
dos efeitos da coisa julgada para o futuro;
• Por outro lado, se o contribuinte tem coisa julgada contrária e
posteriormente a lei a lei é declarada inconstitucional em controle difuso
sem expansividade, ou, ainda, há consolidação da jurisprudência do
STJ em sentido contrário à coisa julgada, poderá ajuizar ação revisional
para superar a coisa julgada para o futuro;
Conclusões
19. • Se a Fazenda tem coisa julgada contrária e o tributo vem a ser
posteriormente declarado constitucional (seja em controle concentrado ou
difuso – com ou sem expansividade), ou, ainda, a jurisprudência do STJ se
firme em sentido contrário à coisa julgada, poderá ela ajuizar a ação
revisional para superar a coisa julgada para o futuro;
• E quanto ao passado (repetição do indébito e lançamento do tributo não
pago)?
• Quanto ao indébito, especificamente para os casos de declaração de
inconstitucionalidade da lei que fixa a obrigação tributária, o contribuinte
poderia pleitear a restituição (respeitado o prazo decadencial), pois a coisa
julgada não pode substituir a lei como fonte da obrigação tributária
(decorrência direta do princípio da legalidade);
Obs: Repercussão geral no RE 730.462: eficácia temporal da sentença
transitada em julgado fundada em norma supervenientemente declarada
inconstitucional pelo STF em sede de controle concentrado. Voto do Min.
Teori no sentido de que a coisa julgada subsiste mesmo se fundada em lei
declarada inconstitucional em ADIN. Matéria não tributária (Honorários em
Ação contra o FGTS)
Conclusões
20. • Já em caso de simples modificação da jurisprudência, sem a declaração de
inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo, há de se reconhecer a
eficácia da coisa julgada para o passado, de modo que o contribuinte não
terá direito ao indébito;
• Em nenhuma hipótese, a Fazenda poderá cobrar o tributo que deixou de ser
pago ao abrigo da coisa julgada, mas apenas aqueles decorrentes dos fatos
geradores ocorridos após sua superação (este é inclusive seu entendimento
tomado no Parecer 492/2011);
• Por fim, caso esteja em curso execução fiscal para cobrança débito declarado
inconstitucional (seja em ADIN ou em RE sem expansividade), o contribuinte
poderá resistir à cobrança com base nos art. 475-L, II, §1º e 741, II, paragrafo
único do CPC (inexigibilidade de título judicial fundado em norma declarada
inconstitucional). Ex: cobrança de débito de Cofins decorrentes do
alargamento de base promovido pela Lei 9718/98.
Conclusões