O documento discute a evolução humana e as dificuldades da vida moderna, como a solidão em meio à tecnologia e a dificuldade de muitos pais educarem os filhos. Também anuncia eventos da Sobrames como o aniversário de 40 anos da Sobrames Pernambuco e a posse de uma nova membro.
1. Jornal
O Bandeirante
Ano XX - no 234 - maio de 2012
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
Josyanne Rita de Arruda Franco
Médica Pediatra
Presidente da Sobrames SP / Biênio 2011-2012
A existência humana acusa do tipo grande mal: há o traba- que nos sucederem se não forem
milhares de anos, mas existir é lho escravo no mundo globali- transmitidos a eles os conceitos
muito pouco perto do que signi- zado, a oscilação tresloucada da que alicerçarão seu viver huma-
fica viver. Questionamentos sobre economia mundial, os produtos no, se oferecermos apenas aces-
a vida e seu significado datam de encalhando em pátios e pratelei- so ao conforto e à tecnologia dos
longo tempo, ultimamente inda- ras, as máquinas paradas, o abu- novos tempos? Retornaremos ao
gamos mais sobre a evolução que so de drogas tão generalizado, tempo das cavernas, cheios de ta-
nos tirou dos galhos e atualmen- religiosos mais preocupados com petes e confortáveis almofadas.
te nos obriga à reclusão das co- o estrelato do que com suas ove- No berço chora uma criança,
pas envidraçadas nas gigantescas lhas, corrupção fora de controle, pedindo colo e alimento. No dia
árvores de pedra. Até nossa pos- perversidade exibicionista, cinis- seguinte visitará o pediatra à pro-
tura, que contabilizou milênios mo e indiferença. Não vivemos: cura de um remédio para dormir,
para ficar ereta, hoje se encurva existimos. pois já não é tolerável chorar. É
novamente diante das telas de No céu da cidade, pássaros apenas um novo ser para existir,
computador por horas extensas, metálicos circulam entre libélu- para que seus pais exerçam o di-
quase intermináveis. Será que es- las de aço e vidro, transportando reito de ter um filho, sem o com-
tamos de fato evoluindo? passageiros, empresários e cine- promisso com a responsabilida-
Viver tem sido um grande grafistas de plantão. No chão, de. O pequeno ser, encastelado,
exercício de equilíbrio e auto- carros, motos, ônibus e congestio- olhará pela janela de seu palácio
controle nos desafios do faroeste namento. Algum refúgio paradi- de vidro a vida passando lá fora...
moderno. O que tem provocado síaco receberá os afortunados que A televisão ligada em alto volume
tanta desordem e prometido o fugirão da confusa cidade grande chamará novamente sua atenção
caos? O descompromisso cultiva- para assistir às imagens do caos depois do intervalo. Seus pais
do desde o berço nas famílias dis- transmitidas pela internet: pon- retornarão do trabalho à noite,
persadas em afazeres e ganhos de tos de incêndio que assolam o ela já terá voltado da escolinha.
capital ou a falta de projetos mais mundo, índices de poluição e tra- Serão permissivos por estarem
humanizados dentro dos interes- gédias naturais em vários lugares cheios de culpa, explicarão o
ses pessoais? Quantos pais estão do planeta, violência e atentados inexplicável e quase pedirão per-
conseguindo educar e orientar transmitidos em tempo real. dão. A criança, sozinha com seu
seus filhos para o futuro? Quan- As conquistas da humanida- universo fantástico, inventará al-
tos filhos podem olhar para seus de são grandiosas, expressivas, guma coisa para continuar viven-
pais e reconhecer neles um mo- incontestáveis e necessárias, não do como criança, pois já existe
delo a seguir? acontecem apenas tragédias e cri- como gente... Quando será que
O mundo está em convulsão ses. No entanto, o que restará aos viverá como pessoa?
2. 2 O BANDEIRANTE - Maio de 2012
EXPEDIENTE Sobrames Paulista nos
Jornal O Bandeirante
ANO XX - no 234 - Maio 2012 40 Anos de Fundação da
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores
- Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP Sede: Rua
.
Sobrames Pernambuco
Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros - São Paulo
- SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editores: Josyanne Vive-se em uma época em que a rede de relações
Rita de Arruda Franco e Carlos Augusto Ferreira Galvão.
Jornalista Responsável e Revisora: Ligia Terezinha Pezzuto humanas é cada vez mais intensa. Basta abrir a tela
(MTb 17.671-SP). Redação e Correspondência: Rua Francisco
Pereira Coutinho, 290, ap. 121 A – V. Municipal – CEP 13201- do computador, acessar a internet, para uma conexão
100 – Jundiaí – SP E-mail: josyannerita@gmail.com Tels.: (11)
4521-6484 Celular (11) 9937-6342. Colaboradores desta edição: direta com o mundo. As distâncias foram encurtadas
Aida Lucia Pullin Dal Sasso Begliomini, Alitta Guimarães
Costa Reis, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Josyanne Rita
de uma forma absurda. Diariamente pode-se acom-
de Arruda Franco, Márcia Etelli Coelho, Roberto Antônio
Aniche, Suzana Grunspun.
panhar a vida de pessoas, não pertencentes ao círculo
íntimo em detalhes, através das mídias sociais, o que em outros tempos seria
Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de
1.000 exemplares PDF enviados por e-mail. inviável.
Diretoria - Gestão 2011/2012 - Presidente: Josyanne Rita Claro, para isso paga-se um preço alto chamado solidão. Por comodismo
de Arruda Franco. Vice-Presidente: Luiz Jorge Ferreira.
Primeiro-Secretário: Márcia Etelli Coelho. Segundo- muitas vezes senta-se em frente à tela teclando durante horas, visitando varia-
Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-
Tesoureiro: José Alberto Vieira. Segundo-Tesoureiro: Aida dos sites, respondendo e enviando mensagens, bisbilhotando a vida alheia e
Lúcia Pullin Dal Sasso Begliomini. Conselho Fiscal Efetivos:
Hélio Begliomini, Carlos Augusto Ferreira Galvão e Roberto substituindo dessa forma o contato físico pelo virtual. Quantos beijos e abraços
Antonio Aniche. Conselho Fiscal Suplentes: Alcione Alcântara
Gonçalves, Flerts Nebó e Manlio Mário Marco Napoli. são enviados diariamente via e-mail, mas efetivamente não sentidos.
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus Ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico beneficia a humanidade
autores e não representam, necessariamente, a opinião
da Sobrames-SP de forma imensurável, por outro lado o grande paradoxo contemporâneo é
Editores de O Bandeirante estar só, no meio da multidão.
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994 Aida Lucia Pullin Dal Sasso Begliomini
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - 2010
Josyanne R. A. Franco e Carlos A.F. Galvão - janeiro 2011
Presidentes da Sobrames – SP
1º. Flerts Nebó (1988-1990)
2º. Flerts Nebó (1990-1992)
3º. Helio Begliomini (1992-1994)
4º. Carlos Luiz Campana (1994-1996)
5º. Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
O Malho
6º. Walter Whitton Harris (1999-2000) Brilhante no comparecimento: velhas figuras que há muito não víamos,
7º. Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
8º. Luiz Giovani (2003-2004) novos associados. Mas – e sempre tem um mas – desta vez houve muitos
9º. Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
10º. Flerts Nebó (out/2005 a dez/2006) preâmbulos antes da leitura dos textos (que, por sinal, “bem comportados”)
11º. Helio Begliomini (2007-2008)
12º. Helio Begliomini (2009-2010)
e longas cerimônias de entronização...
13º. Josyanne Rita de Arruda Franco (2011-2012) Não foi chata, mas em alguns momentos bateu um cheiro de chatice...
Editores: Josyanne R. A. Franco e Carlos A.F. Galvão
Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto
Diagramação: Mateus Marins Cardoso
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica
CUPOM DE ASSINATURAS*
Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00
Aniversário
Nome:___________________________________________________________
End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________
abr: nesta data querida,
________________________________ nº. _______ complemento _________ nossos parabéns!
Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________ Ester Maria Bittencourt - 27/05
Grazielly Martins Peixoto – 02/05
Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante
receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF) Leda Maria Rezende de Almeida – 05/05
Márcia Etelli Coelho – 03/05
*Disponível para o público em geral e para não sócios da SOBRAMES-SP
Preencha este cupom, recorte e envie juntamente com cheque nominal à SOBRAMES-SP para REDAÇÃO Maria do Céu Coutinho Louzã – 20/05
“O Bandeirante” R. Francisco Pereira Coutinho, 290, ap. 121 A - V. Municipal - CEP 13201-100 - Jundiaí - SP Wilma Lúcia da Silva Moraes – 30/05
Dê uma assinatura de “O BANDEIRANTE” de presente para um colega
l
3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Maio de 2012 3
Fatos e olhares
Márcia Etelli Coelho
40 Anos de Sobrames-PE
Durante reunião da Sobrames-PE do dia 2 de abril, Helio
Begliomini proferiu palestra sobre sua vivência na Sobrames-SP. O
carisma do casal Begliomini já é conhecido nos meios sobramistas e
rotarianos. Admirável foi saber que o evento ocorreu na cidade praiana
do Recife, em uma bela manhã de segunda-feira, com participação
de quase 60 pessoas. Qual o segredo para atrair tanta gente?
Sabatina Literária
Se a reunião da Sobrames-PE foi um sucesso, o mesmo não
aconteceu com a programada Sabatina Literária na APM.
Compromissos profissionais e familiares impediram a adesão, o que
motivou seu cancelamento. Perdemos uma ótima oportunidade de
confraternização. Por que será que o dia é tão curto que não dá para
fazer tudo o que queremos? Ou somos nós que não conseguimos
administrar o tempo de modo mais eficiente.
Reportagem
Excelente a reportagem da revista DOC (edição março-abril) que
entrevistou nossa presidente Josyanne Rita de Arruda Franco e os
membros da diretoria Helio Begliomini e Márcia Etelli Coelho. É a
SOBRAMES-SP expandindo seus horizontes.
Pizza Literária
Dia 19 de abril, durante a Pizza Literária, a médica psiquiatra
Suzana Grunspun tomou posse como membro titular da Sobrames-SP.
Para o progresso de uma Sociedade, não basta reforçar seus alicerces,
é preciso também se abrir para novos integrantes. Seja bem-vinda!
Lançamento de Livro
Em 27 de abril, Itu foi palco de palestra e lançamento do livro “Postura é Fundamental” de Nelson Jacintho,
reforçando o vínculo da Sobrames com a Academia Ituana de Letras (ACADIL), sob a presidência de Bernardo
Jerônimo. Um exemplo a ser seguido: em vez de ficar esperando passivamente a venda de um livro, Nelson Jacintho
promove encontros em diversas cidades, angariando cada vez mais leitores. Ele também comanda o Movimento dos
Escritores junto à Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, cuja décima segunda edição se realizará de 24 de maio
a 03 de junho com leitura de textos, debates e apresentações musicais.
Vale a pena conferir o site feiradolivroribeirao.com.br
4. 4 O BANDEIRANTE - Maio de 2012
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Outras notícias
O Dr. Manlio Mario Marco Napoli recebeu merecida homenagem
por ocasião de seu nonagésimo aniversário, na edição de no 62 do
Boletim da ABTPÉ, publicação da Associação Brasileira de Medicina e
Cirurgia do Tornozelo e Pé. Reconhecimento justo ao trabalho de um
profissional dedicado, exigente e estudioso, competente e renomado
cirurgião que engrandece a Medicina e nos concede a honra e o
privilégio de pertencer à Sociedade Brasileira de Médicos Escritores
Regional São Paulo. Obrigado, doutor!
A Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto contará com a
participação de nosso associado Carlos Roberto Ferriani. Diversos
eventos assinalarão a presença do escritor, que fará o lançamento de
seu livro Fragmentos de Uma Vida em território ribeirão-pretano. Sucesso e muitas alegrias na prestigiada
feira literária é o que desejam seus confrades e confreiras.
A Rumo Editorial está organizando e já diagramando
os trabalhos enviados para a Décima Segunda Fornada
de “A Pizza Literária”, coletânea que apresenta trabalhos
em prosa e verso escolhidos pelos associados para a sua
edição bienal. A obra recebe o tratamento profissional
e artístico do nosso grande sócio colaborador Marcos
Salun e brindará os escritores com uma surpresa que
marcará a trajetória da publicação na edição 2012. Não
deixe de participar desse momento histórico!
As Pizzas Literárias estão acontecendo com a casa
cheia, onde viceja a amizade e desabrocham afetos. Vá-
rios associados que residem no interior estão voltando às atividades, enriquecendo as noites literárias
da nossa SOBRAMES-SP com suas queridas presenças. Encontre um intervalo em seu cotidiano atribu-
lado e venha confraternizar com nossos talentosos escritores, as portas estão abertas.
Perfil 2012 Sobrames-SP
Hildette Rangel Enger
Atuação: Médica anestesiologista, aposentada.
Cidade de nascimento: Salvador / Bahia.
Comida preferida: Bem simples: arroz, feijão, bife, batatas fritas e
salada.
Esporte: nenhum.
Livro de cabeceira atual: Palavras para Desatar Nós (Rubem Alves).
Filme: Morangos Silvestres (Ingmar Bergmann).
Fim de semana: em casa, fazendo churrasco com filhos e netos no meu
quintal.
Viagem inesquecível: de trem pelos Alpes suíços, com a primavera
chegando!
Sonho: ver meu País livre destes corruptos.
Intolerância: com a impunidade.
Características pessoais: sou curiosa com a vida, uma eterna aprendiz.
Filosofia de vida: viver o mais livre que puder.
Projeto futuro: nunca tive, simplesmente vou vivendo o que dá para viver. Bom é viver de verões... Julho na Suécia,
janeiro em Salvador; ficarmos cheios de sol e de luz!
5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Maio de 2012 5
Guerra e Paz
Márcia Etelli Coelho
Cheguei ao Memorial da América Latina ansiosa para conhecer “Guerra e Paz” de Cândido Portinari.
Assim que entrei no Salão dos Atos, fiquei perdida sem saber para onde olhar e com uma grande dúvida: Qual
dos painéis é a “Guerra”, qual é a “Paz”?
A verdade é que a minha tendência convencional esperava encontrar um quadro com o vermelho do sangue e
outro com azul celeste. Mas o que eu via eram dois imensos murais. E ambos em azul.
Confesso que me senti desconfortável naquele ambiente. Muitas figuras embaralhavam minha visão. Provavelmente
pelo cansaço de ter ficado vinte minutos na fila para entrar, eu quase me desapontei com as linhas geométricas de
uma arte cubista que, por sinal, nunca foi meu estilo preferido. Se não fosse o extraordinário tamanho (14 metros de
altura por 10 metros de comprimento), eu até poderia considerar estar diante de uma pintura comum.
Comum?!
Como pode ser comum a obra-prima do mais famoso pintor brasileiro que dedicou quatro anos de sua vida para
concretizar seu projeto mesmo sabendo que a intoxicação pelas tintas estragaria ainda mais a sua saúde?
Como pode ser comum uma tela que representa o Brasil na sede da ONU em Nova Iorque?
Comum era eu, espremida entre oitenta pessoas, sob um forte ar condicionado que contrastava com o calor intenso
do lado de fora.
Óbvio que eu sabia que aquela era uma oportunidade única e eu seria uma tola se saísse dali sem aproveitá-la. Por
isso detive-me em um dos painéis e percebi tigres com bocas abertas e dentes afiados em posição de ataque.
Pronto! Havia descoberto. Aquele era o painel da “Guerra”.
Perto dos tigres, uma mulher cabisbaixa carregava no colo um menino morto. A comparação com a Pietá de
Michelangelo foi inevitável. Ali, porém, não se via o rosto triste da mulher, totalmente encoberto pelos longos
cabelos pretos. Seria uma adolescente com sonhos destruídos por uma gravidez precoce e que se encurvava sobre
o filho caquético? Teria sido a desnutrição a causa da sua morte?
É! Diferente de Picasso que no quadro Guernica representou o bombardeio alemão de 1937, Portinari não assi-
nalou nenhuma batalha em especial, nenhuma arma nem soldados. A guerra ficou simbolizada pela vida sofrida de
um povo.
– Nossa, parecem aqueles retirantes nordestinos fugindo da seca! – comentou uma moça ao meu lado.
De fato notei que na tela as pessoas ou cobriam seus rostos com as mãos ou erguiam os braços para o céu como a
perguntarem: Por que, meu Deus? Poucas olhavam para a frente e o que eu via nelas era um inegável semblante de
dor, talvez pela injustiça social, quem sabe pela fome...
Epa! O que era aquilo? Um cavaleiro do Apocalipse?
Sempre tive medo do fim... Se o término de um relacionamento já me deixa angustiada, o que dizer da possibili-
dade de o mundo se acabar...
Uma súbita inquietude me fez virar o rosto para a parede do outro lado da sala procurando a “Paz”.
E olha que curioso: Se à primeira vista eu achei os dois murais semelhantes, naquela hora as nuances das cores
ficaram mais evidentes. Sim! O painel da “Guerra” carregava-se de azul forte e preto ao passo que no painel da “Paz”
o azul tornava-se mais claro, intercalando-se com amarelo e tons pastéis.
Como eu não percebi isso antes?
Por certo as cores leves me transmitiram uma sensação agradável: crianças lendo, brincando em gangorras, cam-
balhotas, coral unindo várias raças. Imaginei que Portinari teria se inspirado na sua infância em Brodowski.
Aí então moças bailarinas e homens trabalhando no campo desfilaram diante dos meus olhos. E eu reconheci
animais, porém domesticados: duas cabras dançavam, um cavalo branco conduzia recém-casados.
Para mim toda noiva é bonita, mesmo sendo tão simples como aquela. Até parecia a encarnação da esperança e
talvez ela, como eu, acreditava que somente com o amor o futuro poderá ser mais feliz.
Enquanto meus pensamentos divagavam, as luzes se apagaram para a projeção de um vídeo com imagens de
Cândido Portinari no seu ateliê.
Ao ouvir trechos dos belíssimos poemas de Carlos Drummond de Andrade e Fernando Brant, eu finalmente me
identifiquei. Sem dúvida a literatura é a forma artística que mais me emociona e as palavras me sensibilizavam à
medida que muitos esboços eram exibidos acompanhados do resultado final.
“Uma pintura que não fala ao coração não é arte porque só ele a entende” afirmou Portinari diversas vezes dedi-
cando seu gigantesco trabalho para a humanidade.
E assim aconteceu comigo. Terminado o vídeo, eu pude apreciar melhor tudo o que diante de mim se apresentava
naquela tarde de sábado.
Os painéis criaram vida com cenas do cotidiano que bem poderiam ser as minhas, que também tenho os meus
momentos de discórdia, união, lamúria e sorrisos... Às vezes guerra... Quase sempre paz...
6. 6 O BANDEIRANTE - Maio de 2012
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Galileia
Suzana Grunspun
Fiz uma boa viagem sentindo-me adaptada ao grupo que acabara de conhecer. Ao mesmo tempo, os reais compa-
nheiros naquele momento eram os pensamentos, repercutiam a história de uma vida inteira.
O primeiro dia foi muito intenso. Passear nas imediações do Mar Galileia seria uma imersão no tempo. Disse o guia
ser a paisagem semelhante à época de Jesus. Adentramos nele com um barco turístico, mas com garantias de assemelhar-
se aos originais. Experiência intensa, que fomentou fantasias, parecendo que iria levitar naquelas águas claras e doces.
A paisagem ao fundo, além de tranquila era rica em tradições bíblicas, via-se Tiberíades! Como os integrantes eram
de credos variados, o rapaz que nos explicava a região fez um esforço para nos integrar. Ele nos absorveu por completo,
tanto com suas informações detalhadas da região, como em relação aos costumes e conhecimento religioso.
Ficamos num Hotel Resort, muito agradável, as janelas do quarto se abriam para um campo e o limite eram as águas
desse mar. O anoitecer calmo nos contaminou, celebramos o início da viagem com um jantar típico regado a vinho
aromatizado. Os integrantes foram se conhecendo, as
afinidades se tocaram e arranjos naturais facilitaram en-
contros, eu me inseri entre quatro pessoas. Três da mesma
área profissional e outra com habilidades sociais e boa
comunicação. Ficamos juntos até o final da viagem.
Dia seguinte: Rio Jordão. Ele se estende do mar da Ga-
lileia até o Mar Morto. São águas políticas, pois alimentam
outros países que podem manter relações cordiais com
sua pátria. Lá pessoas também se batizam, águas transpa-
rentes, local para fotos, muita gente. Lugar de peregrinos
onde a Terra Santa pode literalmente ser transportada em
pequenos vidros para casa. Já tendo visto essas imagens
pela TV, constatei sensorialmente querer respirar o local;
e não somente marcar as imagens mentais.
Fomos nesse dia ao espaço dito Anunciação, lembrei-
me dos pintores italianos, Giotto, Da Vinci, pensei como
se aproximaram dessa paisagem da Galileia... Perto
visitamos onde Pedro vivia como discípulo, eram ruínas Modus vivendi
de sinagogas.
Rapidamente a paisagem mudou e estávamos nas Alitta Guimarães Costa Reis
Colinas de Golan, cercas, bunkers! Nosso guia marcou-me
profundamente. Jovem, loiro, cabelo rastafári, ex-comba-
tente do exército; contou da guerra, dos treinos, de suas A ausência presente era uma tortura.
histórias imiscuídas com a do seu povo. Disse a todos: a
Tu não me querias... nem me tocavas!
guerra? Como se luta? Coragem, estratégia e Fé!
A proximidade distante causava
Mil feridas narcísicas... sem suturas.
Meu coração batia forte... e escutavas?
Ficavas perto de mim, inatingível.
E eu, como um brinquedo quebrado, ao seu lado,
As faces do amor Esperava que me desses atestado.
De validade! Que me tornasses visível...
Mas, se eu chorava, ficavas impassível.
Carlos Augusto Ferreira Galvão Tanta indiferença beirava à crueldade!
E, por não privar de tua intimidade,
Muita emoção quedou desperdiçada.
O amor une, o desamor desune. Porque fomos bons companheiros de estrada,
O coração sofre, mas fica imune. Aguentei firme teus modos arredios,
Novamente o amor desperta, Sob o silêncio dos dias tão vazios,
Pedaços se unem o amor concerta. Sob a ressaca das noites mal dormidas,
Mais uma vez o amor junta, Mas sou alguém que não se rende. Jamais,
Mas esta vida só desconjunta O desejo, envolto em xale de tristeza,
Com coisas provincianas, de internato. Dentro da névoa de dor e estranheza,
Então, rotulam-no de Concubinato. Sempre esperou que tu me quisesses mais...
7. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Maio de 2012 7
Baú
Roberto Antônio Aniche
Morava na casa velha de paredes cinza perto da esquina
de uma rua qualquer, junto com o avô e um tio que não
fazia a mínima diferença. Desde que se conhecera por
gente vivia ali naquela casa sombria, cheirando a gente
velha e a pinga barata. Não entendia porque com ele era
assim, porque, se todos os outros meninos tinham pai, mãe,
irmãos e um cachorro, com ele era diferente.
Um avô rude beirando a estupidez, a barba sempre por
fazer, uma camiseta suada por baixo da camisa que também
nunca trocava. Não adiantava ser bom ou ruim, era trata-
do como se fosse de favor, aos gritos e palavrões, como se
aquele comportamento espantasse o cheiro de urina seca
que ele exalava. Um dia perguntara por que não conhecia
sua mãe e a resposta não foi boa. O velho chamou a mãe
do garoto de vagabunda, à toa e desandou uma série de
ofensas. No final ainda o acusou de ser o filho dela.
Não era possível e nem acreditava que a mãe fosse
assim, tudo o que o avô gritara na sala. Mas ainda venceria o velho, pegaria suas coisas e iria embora, assim, simples
assim. Mesmo não sendo tão adulto para trabalhar, nem muito criança para fugir. Não aguentava mais aquela casa,
aquela mesmice, o avô maldizendo a vida, o tio, sempre bêbado, caindo pelos cantos da casa, arrotando no meio das
refeições.
O tio nunca tomava partido de nada, aliás, muitas vezes sequer sabia onde estava, somente existia para beber, co-
mer o que visse pela frente quando sentia fome, às vezes até sem usar o garfo. O menino olhava assustado e não via a
hora de ir dormir em seu quarto. Trancava a porta por dentro com medo do zumbi em que o tio se transformava. Às
vezes, tarde da noite em que não conseguia dormir, ouvia o tio reclamar da vida, urinando de porta aberta e voltando
para a sala do próximo gole.
Bastava amanhecer para o avô arrebentar a porta de pancadas, e lá começava tudo de novo. Tomar café preto em
copo sujo, comer o pão amanhecido, pegar os cadernos e ir para a escola sozinho, a pé, seis quadras acima. Um dia
iria ganhar do avô, subir ao sótão e abrir o velho baú da família...
Voltou da escola mais cedo, ainda não eram cinco horas. A casa estava mais silenciosa do que de costume. Adentrou;
o tio deitado de barriga para baixo, roncava aos borbotões, um pé calçado e o outro com a mesma meia velha e furada.
Andou pelo corredor até o quintal e encontrou o avô na cadeira de balanço, barba por fazer, os olhos parados e fixos
em qualquer lugar. Nunca lembrara ter visto o avô de barba feita ou penteado. Foi pedir a bênção. Beijou uma mão
fria e cinzenta, assustou-se, gritou, pulou para trás enquanto a cabeça do velho pendia para o lado. Não sabe quanto
tempo ficou olhando, pasmado, sem saber o que fazer. Lembrou-se do tio bêbado.
Foi ao quarto, mexeu, chamou, o tio xingou, virou de lado e continuou roncando como um porco velho. O menino
voltou, sentou no degrau da escada e ficou a contemplar o velho. E agora? Lembrou-se do baú proibido, terminan-
temente proibido. Correu e subiu as escadas para o sótão, contemplou um baú antigo, fechado a cadeado. A chave!
Desceu correndo as escadas e foi ter com o avô, que continua com o olhar rude, como se fosse novamente gritar, mas
o neto fala mais alto: “Você não pode comigo agora!”.
Mergulhou a mão direita dentro da camiseta suja e no meio de um monte de pelos grisalhos achou a chave. Con-
seguiu retirá-la, não sem dificuldades enquanto o avô babava em sua mão. Saiu correndo limpando a mão na blusa e
subiu as escadas de novo. De frente para o baú, o coração aos saltos, tremia ao colocar a chave no cadeado enferrujado.
Fez força, conseguiu girá-la, soltou o cadeado. Colocou as duas mãos na tampa.
O coração salta pela boca. A dúvida: abre ou não abre? Tenta pensar, mas as mãos são mais rápidas e levantam a
tampa do baú proibido. Olha para dentro, espanto! Fica paralisado como se o avô morto estivesse agora ao seu lado.
Melhor não saber o que tem dentro do baú, melhor ainda teria sido não querer saber o que havia dentro do baú.
Melhor teria sido não ter a curiosidade e a coragem de abri-lo. Melhor fechar, fechou. Desce do sótão, corre ao cadá-
ver do avô, totalmente paralisado, frio, inerte e recoloca a chave no peito dentro da camiseta. O tio continua a roncar
sem a percepção do mundo ao seu redor. Corre ao quarto, coloca algumas roupas na mala da escola e sai para a rua
sem fechar a porta.
Anoitece, recebe no rosto o vento fresco da noite, livre, livre para a vida nova. Deixa o avô morto na cadeira de
balanço, deixa o tio bêbado que só vai descobrir a morte do velho no dia seguinte e deixa o baú.
Baús, nunca mais...
8. 8 O BANDEIRANTE - Maio de 2012
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Quem é? Quem é?
(Resposta da edição anterior)
Carlos Augusto Ferreira Galvão,
nosso querido associado e
dedicadíssimo profissional da
Medicina.
Lembretes e notas de rodapé
Nossas Pizzas Literárias: terceiras 5a feiras do mês, Rua Oscar Freire, 1.597, piso superior da Pizzaria Bonde
Paulista, a partir das 19h30.
Nosso blog: http://sobramespaulista.blogspot.com
Nosso e-mail: escritoressobramespaulista@gmail.com
Endereços eletrônicos da diretoria: josyannerita@gmail.com (presidente).
marciaetelli@ig.com.br (secretária).
jafmvieira@hotmail.com (tesoureiro).
Eventos da sociedade no calendário 2012
• Próxima Pizza Literária: dia 21 de junho.
• Eleições SOBRAMES-SP Biênio 2013-2014: setembro
• Congresso SOBRAMES em Curitiba - PR: outubro
• Coletânea SOBRAMES-SP (Décima Segunda Fornada): novembro
• Posse da nova diretoria SOBRAMES-SP: dezembro
Dr. Carlos Augusto Galvão
Psiquiatria e Psicoterapia REVISÃO Anuncie Aqui
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