Três regimentos se rebelaram contra o primeiro-ministro visconde de Ouro Preto e marcharam para o Campo da Aclamação. O marechal Deodoro da Fonseca foi convencido a liderar o movimento, inicialmente para depor Ouro Preto, mas acabou por proclamar a República Brasileira depois de assinar decretos preparados por Rui Barbosa. A família imperial teve 48 horas para deixar o país.
PROJETO DE EXTENSÃO I - AGRONOMIA.pdf AGRONOMIAAGRONOMIA
República
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3. Desde a noite anterior que três regimentos haviam-se
deslocado dos quartéis em São Cristóvão para o Campo
da Aclamação, depois Praça da República e mais tarde
Campo de Santana. Duas dessas unidades eram de
Artilharia, com canhões e cunhetes de munição.
Declaravam-se rebelados contra o primeiro-ministro,
visconde de Ouro Preto, a quem queriam ver substituído
por ato do imperador. Desde junho, quando assumira,
Ouro Preto se demonstrara um verdadeiro representante
do poder civil aristocrático. Não queria os militares no
palco, eles que desde a Guerra do Paraguai passaram a
atores importantes. Boatos corriam as ruas da velha
capital dando conta de que Ouro Preto preparava-se para
dissolver o Exército, fazendo voltar à antiga Guarda
Nacional, oligárquica porque dominada por fazendeiros e
nobres, sem maiores destinações militares.
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5. O ministério encontrava-se reunido bem defronte à tropa
revoltada, no prédio do antigo Ministério da Guerra,
depois demolido e substituído pelo palácio atual, ao lado
da Central do Brasil. Faltava apenas o ministro da
Marinha. Ouro Preto, cioso de sua autoridade, chamou à
janela do segundo andar o secretário-geral do Exército,
obviamente legalista, general Floriano Peixoto.
Passou-lhe uma descompostura dizendo dispor o governo
de tropa superior àqueles baderneiros, estacionada nos
fundos do ministério. Exortou-o a atacar os rebeldes à
baioneta, mesmo que os canhões começassem a
disparar: "No Paraguai, entre uma descarga e outra, em
condições muito mais adversas, tomávamos as peças
deles à baioneta.“
A resposta definiria os destinos do regime monárquico:
"É, senhor visconde, mas no Paraguai lutávamos contra
paraguaios..."
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7. A madrugada do dia 15 ia alta e nada acontecia. Foi
quando dois dos majores comandantes da rebelião
chegaram à conclusão de que nada aconteceria mesmo
se não dispusessem de um chefe de invulgar
popularidade para conduzi-los.
Alguém lembrou que numa casinha simples, logo ali ao
lado, morava um dos mais prestigiados chefes militares,
herói da Guerra do Paraguai e posto em desgraça por
desavenças com o governo civil. Era o marechal Deodoro
da Fonseca, que dias atrás, procurado por meia-dúzia de
republicanos, negara-se com veemência a aderir à
conspiração de papel. Era amigo pessoal do imperador e,
como a quase totalidade da população, só admitiria
pensar na República depois que o imperador morresse.
Bateram na porta e a mulher do marechal os atendeu
com o cabo de vassoura na mão. "Querem o quê? O
Manoel está doente, com 40 graus de febre. Vão
embora!"
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9. O marechal Manoel Deodoro da Fonseca, de pijamas,
acordou e quis saber o que se passava. Um dos majores
mentiu, informando que naquela manhã Ouro Preto assinaria
decreto dissolvendo o Exército. O velho soldado irritou-se,
vestiu a farda e dispôs-se a liderar o movimento para a
substituição do primeiro-ministro. O imperador que nomeasse
outro.
Trouxeram um cavalo encilhado, Deodoro não conseguiu
montar, tão fraco estava. Veio uma charrete, que tomou o
rumo de São Cristóvão, pois as notícias eram de que mais
tropas vinham de lá, aderindo aos rebeldes. Na altura do
Canal do Mangue a charrete fez meia volta e seguiu na frente
de novos batalhões. Até banda de música havia. Nenhuma
resistência dos legalistas.
As grades do pátio do Ministério da Guerra estavam fechadas
a cadeado. Já montado num cavalo baio, Deodoro exigiu que
abrissem os portões, o que aconteceu. Atrás dele ia a massa
de soldados revoltados, sem formação militar, entusiasmados
e gritando a todo instante: "Viva Deodoro! Viva Deodoro!”
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11. Desde o Paraguai que o marechal introduzira um novo
costume: em vez de bater continência, à maneira dos
ingleses, tirava diversas vezes o quépi da cabeça e o
abanava para a tropa. Repetiu o gesto, gritando alto para
ser ouvido: "Viva o imperador! Viva o imperador!“
Subiram a escadaria que levava ao segundo andar, onde
encontraram o ministério reunido ao redor de larga
mesa, com Ouro Preto ao centro. O primeiro-ministro não
teve a delicadeza de pedir a Deodoro que se sentasse, para
conversarem. De pé, e com a febre ainda mais adiantada, o
marechal não conseguia articular direito as palavras.
Repetiu diversas vezes a indignação do Exército diante das
grosserias do poder civil, sempre intercalando o comentário
de que "nós que nos sacrificamos nos pântanos do
Paraguai, nós que nos sacrificamos nos pântanos do
Paraguai"...
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13. Foi quando Ouro Preto, irritado, deu um soco na mesa e
exclamou: "Olha aqui, marechal, sacrifício muito maior do
que os senhores fizeram nos pântanos do Paraguai estou eu
fazendo agora, ouvindo as baboseiras de Vossa Excelência!“
A reação foi o célebre "teje todo mundo preso!" Aquele
mesmo grupo de republicanos de papel, que caberiam
numa Kombi se já existissem Kombis, aproximou-se do
marechal pedindo-lhe que considerasse a hipótese de
naquele momento proclamar a República. Ele se insurgiu,
repetindo sua amizade com o imperador. O coronel
Benjamim Constant, seu pupilo, atalhou: "Mas marechal, se
a República for proclamada, será governada por um ditador.
E esse ditador é o senhor!".
Diz a crônica que os olhos de Deodoro se arregalaram. A
febre passou e menos de uma hora depois de haver
invadido o pátio do ministério gritando "Viva o imperador!
Viva o imperador!", Deodoro montava de novo o cavalo baio
e retirava-se, saudado pela tropa em paroxismo e
respondendo às saudações com "Viva a República! Viva a
República!". Estava proclamada a República...
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15. (...) Em cerca de 40 minutos o marechal Deodoro da
Fonseca mudara de idéia. Chefiara um movimento militar
rebelde para depor o primeiro-ministro, visconde de Ouro
Preto, mas terminara depondo o imperador e proclamado a
República.
Os revoltosos dividiram-se naquele instante. Alguns levaram
Ouro Preto preso, para um quartel nas proximidades. O
ministro da Marinha, barão de Ladário, chegara atrasado, não
conseguiu entrar no prédio do Ministério da Guerra e, ao
tentar, foi baleado por oficiais insurrectos. Morreu o seu
ajudante de ordens, no único tiroteio havido em todo o
episódio.
O grosso da tropa, com Deodoro à frente, organizou-se para
desfilar pela Rua Larga, hoje Rua Marechal Floriano e outras
do centro do Rio. Com banda de música e um povo
apatetado nas calçadas, sem saber o que era aquilo. A notícia
da proclamação da República custou a chegar à Rua do
Ouvidor, onde ficavam as redações dos principais jornais. O
marechal-ditador logo deixou a Parada da Vitória e voltou
para casa e o repouso imprescindível ao seu estado de saúde.
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17. Os republicanos reuniram-se na casa de Benjamin Constant,
em Laranjeiras, para preparar os decretos necessários ao
novo regime. Eram poucos, além do anfitrião: Rui Barbosa,
Quintino Bocaiúva, o major Sólon Ribeiro, Aristides Lobo
(autor da frase posterior de que o povo assistiu bestificado à
proclamação da República) e mais dois ou três.
E o imperador? O imperador estava em Petrópolis,
veraneando. De madrugada recebeu um telegrama de Ouro
Preto, avisando da rebeldia militar e pedindo-lhe que viesse à
capital. Antes de pegar o trem, que naqueles idos ligava as
duas cidades, telegrafou de volta a Ouro Preto, perguntando
quem liderava a rebelião. Ao ser informado de que era o
marechal Deodoro da Fonseca, comentou com a imperatriz:
"Ora, o Manoel é meu amigo...".
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19. Dispunha-se D. Pedro II a continuar a prática de muitos anos: se
havia reclamações contra os primeiros-ministros, simplesmente os
demitia e substituía por outros, até adversários. Ao descer a serra
estava disposto a mandar Ouro Preto passear e até chegou a
comentar com auxiliares que nomearia o gaúcho Gaspar de Silveira
Martins. Alguém o avisou da impossibilidade, porque Silveira
Martins, além de inimigo declarado de Deodoro, estava inatingível.
Embarcara dois dias antes, de vapor, do Rio Grande do Sul para a
capital federal. Só chegaria dentro de uma semana ou mais.
O imperador dirigiu-se ao paço da Quinta da Boa Vista e ficou
aguardando os acontecimentos. Surpreendeu-se quando, às
primeiras horas da tarde, viu retirada a guarnição de Cavalaria que
fazia a guarda de sua residência, substituída por tropa com ordens
para mantê-lo preso.
Como fazia todas as manhãs, a princesa Isabel e o marido, o conde
D'Eu, saíram cedo do Palácio Guanabara, onde residiam, para
cavalgar num areal chamado Botafogo. Retornaram por volta do
meio-dia e souberam que alguma confusão acontecia no centro da
cidade e que o pai retornara de Petrópolis. Dirigiram-se
imediatamente à Quinta da Boa Vista.
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21. Enquanto isso se espalhava a notícia da
proclamação da República. Na Câmara de
Vereadores do Rio um vereador republicano e
jornalista, José do Patrocínio, convocou os colegas
a aderirem ao novo regime. Juntou pequena
multidão e conclamou-a a comparecerem à casa de
Deodoro, para homenageá-lo. Chegaram ao fim da
tarde, quando o marechal acordava.
Assustou-se ao abrir a janela da sala e deparar
com o povo entusiasmado, entre discursos de
Patrocínio e outros. Agradeceu meio espantado,
dando lugar à versão de que a República havia sido
proclamada duas vezes: uma no Ministério da
Guerra, outra diante de sua casa.
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23. Logo chegaram os republicanos ditos históricos e
insistentes, com Benjamin Constant e Rui Barbosa à
frente. O baiano havia preparado os primeiros decretos
para Deodoro assinar, extinguindo a monarquia e os
títulos nobiliárquicos, considerando cidadãos brasileiros
quantos se encontrassem no Brasil, mesmo
estrangeiros, desde que nada declarassem, revogando a
Constituição do império, fechando Câmara e Senado,
retirando da Igreja o privilégio de ser a religião do
Estado e outros.
Improvisaram-se cadeiras. Diz a lenda que Deodoro
reagiu. Se não esquecera, ao menos duvidava da
eficiência do gesto anterior, quando o sol nascia. Foi
convencido de que a República era irrevogável.
Foi quando o major Sólon Ribeiro, esfogueado, indagou
sobre o que fariam com a família real. Ele mesmo
sugeriu: "Vamos fuzilá-los a todos para evitar qualquer
movimento pela restauração!"
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25. (...) Na tarde de 15 de novembro de 1889, Deodoro da Fonseca quis
ou não voltar atrás no golpe perpetrado de madrugada, quando o
sol começava a nascer? De qualquer forma, ao acabar com o
Império, o generalíssimo cedeu ao império das circunstâncias.
Assinou todos os decretos que Rui Barbosa preparara mas indignou-
se quando o major Sólon Ribeiro sugeriu o fuzilamento de toda a
família real. O imperador era seu amigo. Assim, mandou preparar
outro decreto, dando a D. Pedro II uma dotação orçamentária capaz
de prover-lhe o sustento na Europa, para onde seria exilado.
O decreto não demorou a chegar à Quinta da Boa Vista, recebido
pela princesa Isabel, que, a pedido do pai, recusou. A família real
tinha 48 horas para deixar o Brasil e o faria apenas com seus
pertences, jóias e prataria. E um saquinho de terra brasileira tirada
do jardim, que o imperador destinou à almofada de seu sarcófago,
quando morresse.
A reunião na pequena casa de Deodoro prosseguia, ele começaria a
governar como presidente provisório da República, mas convocaria
no ano seguinte eleições para uma Assembléia Nacional
Constituinte, onde todos poderiam votar, menos os mendigos e as
mulheres.
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27. Foi quando voltou-se à questão da família real. Havia, no porto do
Rio, um pequeno navio em condições de levar D. Pedro II até um
vapor maior, estacionado nas costas da Ilha Grande, e que logo
seguiria para a Europa. Estava tudo acertado quando veio a
pergunta: "E sob que bandeira o imperador viajará? Não pode ser
a bandeira do Império, seria uma desmoralização para nós!".
Nessa hora ficou clara a precipitação da implantação da República
entre nós. A República não tinha bandeira! Mandaram chamar
uma costureira, vizinha de Deodoro, dando-lhe instruções para
preparar nossa primeira bandeira republicana. Parece que a
sugestão veio de Rui Barbosa, e assim foi feito.
Ainda desfila nas paradas de 7 de setembro essa bandeira que
durou apenas alguns dias, sendo felizmente substituída pela antiga
bandeira do Império, mas sem o brasão imperial no centro, posto
em seu lugar o lema positivista de "Ordem e Progresso", em meio
às constelações do Hemisfério Sul. Mas o imperador viajou para a
Europa debaixo de um pavilhão igualzinho ao dos Estados
Unidos, com stars and stripes, só que, em vez de listras brancas e
vermelhas, apresentava listras verdes e amarelas... Qualquer
semelhança terá sido apenas mera coincidência?