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ESTUDOS DE LÍNGUA FALADA
variações e confrontos
VENDAS
LIVRARIA HUMANITAS-DISCURSO
Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 – Cid. Universitária
05508-900 – São Paulo – SP – Brasil
Tel: 3818-3728 / 3818-3796
HUMANITAS – DISTRIBUIÇÃO
Rua do Lago, 717 – Cid. Universitária
05508-900 – São Paulo – SP – Brasil
Telefax: 3818-4589
e-mail: pubfflch@edu.usp.br
http://www.fflch.usp.br/humanitas
COMISSÃO EDITORIAL
PROJETO NURC/SP – NÚCLEO USP
FFLCH/USP
Área de Filologia e Língua Portuguesa
Av. Prof. Luciano Gualberto, 403
sala 205 – Cid. Universitária
05508-900 – São Paulo – SP – Brasil
Tel: (011) 818-4864
Fax: (00-55-11) 818-5035
Endereço para correspondência
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Prof. Dr. Jacques Marcovitch
Vice-Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Diretor: Prof. Dr. Francis Henrik Aubert
Vice-Diretor: Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz
PROJETO DE ESTUDO DA NORMA LINGÜÍSTICA
URBANA CULTA DE SÃO PAULO
(PROJETO NURC/SP - NÚCLEO USP)
© Copyright 1998 dos autores.
Os direitos de publicação desta edição são da Universidade de São Paulo.
Humanitas Publicações – novembro/1998
ESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADA
variações e confrontos
Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)
PUBLICAÇÕES
FFLCH/USP
33333Projetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SP
(Núcleo USP)(Núcleo USP)(Núcleo USP)(Núcleo USP)(Núcleo USP)
PUBLICAÇÕES
FFLCH/USP
1998
ISBN 85-86087-38-6
Série PROJETOS PARALELOS
Vol. 1 ANÁLISE DE TEXTOS ORAIS
Vol. 2 O DISCURSO ORAL CULTO
Vol. 3 ESTUDOS DE LÍNGUA FALADA: VARIAÇÕES E
CONFRONTOS
Direitos reservados
PROJETO NURC/SP – NÚCLEO USP
FFLCH/USP – Área de Filologia e Língua Portuguesa
Caixa Postal 2530 – Cidade Universitária
01060-970 – São Paulo – SP – Brasil
Tel: (00-55-11) 818-4864
Estudos de língua falada: variações e confrontos / organizado por Dino
Preti .– São Paulo, Humanitas/FFLCH/USP, 1998
236 p. (Projetos Paralelos, 3)
Publicação do Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta
de São Paulo (Projeto NURC/SP – Núcleo USP)
ISBN 85-86087-38-6
1. Sociolingüística 2. Português (Língua) 3.Português do Brasil
4. Comunicação verbal I. Preti, Dino II. Projeto de Estudo da Norma
Lingüística Urbana Culta de São Paulo III. Série
CDD 417
Ficha catalográfica elaborada por Márcia Elisa Garcia de Grandi – CRB 3608 SBD FFLCH USP
E 85
SUMÁRIO
Apresentação ........................................................................................... 7
Breve notícia sobre os autores ............................................................... 9
Normas para transcrição de exemplos ............................................... 12
1. Atividades de compreensão na interação verbal .......................... 15
Luiz Antônio Marcuschi
2. Procedimentos e recursos discursivos da conversação ................. 47
Diana Luz Pessoa de Barros
3. Tipos de frame e falantes cultos ..................................................... 71
Dino Preti
4. Elocução formal: o dinamismo da oralidade e as
formalidades da escrita ................................................................... 87
Beth Brait
5. Polidez na interação professor/aluno ........................................... 109
Luiz Antônio Silva
6. Variedades de planejamento no texto falado e no escrito .......... 131
Hudinilson Urbano
7. Os processos de representação da imagem pública
nas entrevistas ................................................................................ 153
Leonor Lopes Fávero
Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade
8. Língua falada: uso e norma ......................................................... 179
Marli Quadros Leite
9. O emprego do subjuntivo e de formas alternativas
na fala culta .................................................................................... 209
Paulo de Tarso Galembeck
APRESENTAÇÃO
Háuminteressecrescente,emtodoomundo,peloestudodalíngua
oral e de suas relações com a escrita. Abandona-se a idéia de atribuir aos
textos escritos uma importância exclusiva nos estudos lingüísticos e a de
estudar por seus métodos os fenômenos da oralidade. Procura-se, hoje,
entender as duas modalidades da língua (falada e escrita) como um
continuum em que se observam contrastes e aproximações. Seu estudo
vem sendo feito com novos métodos em várias disciplinas, como a Aná-
lise do Discurso, a Sociolingüística, a Análise da Conversação, a Socio-
lingüística Interacional, a Estilística, a Gramática, entre outras linhas de
pesquisa.
Dentro desse novo enfoque, a língua falada deve ser vista por
métodos próprios de análise, considerando-se as mais variadas formas
de interação verbal.
A série PROJETOS PARALELOS-NURC/SP vem tratando de
alguns dos problemas que envolvem as relações fala/escrita, a partir dos
referentes comuns de seus livros: os vários tipos de materiais gravados
na cidade de São Paulo, com falantes cultos, em situações de comunica-
ção diversas.
Em ESTUDOS DALÍNGUAFALADA: VARIAÇÕES E CON-
FRONTOS, terceiro volume da série, temos um grupo de ensaios varia-
dos, nos limites temáticos da coleção:
• comparação entre discurso oral e escrito (“Elocução
formal: o dinamismo da oralidade e as formalidades
da escrita”, de Beth Brait; “Variedades de planeja-
mento no texto falado e escrito”, de Hudinilson Ur-
bano;
• características do discurso oral e gêneros discursivos
(“Procedimentos e recursos discursivos da conversa-
ção”, de Diana Luz Pessoa de Barros; “Os processos
derepresentaçãodaimagempúblicanasentrevistas”,
8
de Leonor Lopes Fávero e Maria Lúcia da Cunha
Victório de Oliveira Andrade);
• análise de processos de cognição na língua falada
(“Atividades de compreensão na interação verbal”,
de Luiz Antônio Marcuschi; “Tipos de frame e
falantes cultos”, de Dino Preti);
• aspectos sociolingüísticos revelados na interação
verbal (“Língua falada: uso e norma”, de Marli
Quadros Leite; “Polidez na interação professor/
aluno”, de Luiz Antônio da Silva);
• variações sintáticas da língua falada (“O emprego do
subjuntivo e de formas alternativas na fala culta”, de
Paulo de Tarso Galembeck).
Os textos desta coleção têm sido sempre de responsabilidade dos
pesquisadores do Núcleo USP do Projeto NURC/SP, grupo constituído
por catorze estudiosos de várias universidades. Mas, a partir deste núme-
ro da série PROJETOS PARALELOS – NURC/SP, passamos a incluir a
colaboraçãodeumlingüistaconvidado.Assim,ESTUDOSDELÍNGUA
FALADA: VARIAÇÕES E CONFRONTOS traz um ensaio de Luiz
AntônioMarcuschi,daUniversidadeFederaldePernambucoedoNURC/
RECIFE, um dos nomes de ponta da lingüística brasileira contemporâ-
nea.
A aceitação dos volumes anteriores da série, o primeiro dos quais
jáemterceiraedição,nospermitepressuporqueacoleçãovematingindo
seus principais objetivos: divulgar estudos sobre a língua oral, realizados
na linha de uma bibliografia continuamente atualizada pelos pesquisado-
res do NURC/SP; provocar a discussão dos assuntos tratados; e iniciar
os leitores que desconhecem essas novas abordagens do fenômeno da
oralidade.
D.P.
9
BREVE NOTÍCIA SOBRE OS AUTORES
LUIZ ANTÔNIO MARCUSCHI, professor titular de Lingüística
daUniversidadeFederaldePernambuco,doutorou-seemFilosofiadaLin-
guagem na Friendrich Alexander Universitat de Erlangen, na Alemanha.
Tem dado cursos e conferências em vários países da Europa e daAmérica.
Foiointrodutor,noBrasil,dosestudosdeAnálisedaConversaçãoepubli-
cou inúmeros artigos, aqui e no exterior, além das obras Lingüística do
texto: o que é e como se faz; Linguagem e classes sociais e Análise da
Conversação.Tem desempenhado papel de relevo junto às sociedades ci-
entíficas do País, como ABRALIN, ANPOLL, SBPC etc., bem como na
assessoria científica de entidades oficiais como a CAPES e o CNPq. É,
hoje, no Brasil, um dos nomes de maior prestígio na área de Lingüística.
DIANA LUZ PESSOA DE BARROS, professora titular de Lin-
güística, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP,
foi presidente da ABRALIN e tem desenvolvido e orientado pesquisas,
bem como publicado obras, principalmente nas áreas deTeoria eAnálise
de Textos, Semiótica Discursiva e estudos de língua falada. Principais
livros: Teoria do discurso – fundamentos semióticos; Teoria semiótica
do texto; Dialogismo, polifonia e intertextualidade: em torno de Bakhtin
(em co-autoria com José Luiz Fiorin).
DINOPRETI,professortitulardeLínguaPortuguesanaUSP(apo-
sentado) e, atualmente, professor de Língua Portuguesa da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, é Coordenador Científico do Proje-
to NURC/SP (Núcleo USP) e seus trabalhos se encontram nas áreas de
língua oral, vocabulário popular (principalmente, gíria urbana) e Socio-
lingüística Interacional. Tem realizado pesquisas em áreas interligadas,
como a Sociolingüística e Análise da Conversação, a Sociolingüística e
Literatura Brasileira. Principais publicações: Sociolingüística – os níveis
de fala; A linguagem proibida – um estudo sobre a linguagem erótica
(prêmio Jabuti, l984); A gíria e outros temas; A linguagem dos idosos.
BETH BRAIT é professora do programa de pós-graduação da
PUC/SP, Departamento de Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua, e
10
professora convidada do programa de pós-graduação da USP, de onde é
professora aposentada. Pela Universidade de São Paulo formou-se, obte-
ve os títulos de doutora em Letras, em 1981, e o de livre-docente em
1994.Éautoradevárioslivros,entreeles,Apersonagem(1985);Ferreira
Gullar (1981); Guimarães Rosa (1983); Gonçalves Dias (1983); Ironia
em perspectiva polifônica (1996). É, também, autora de inúmeros capí-
tulos de livros e artigos publicados em anais de congressos e em revistas
especializadas.
LUIZ ANTÔNIO DA SILVA é doutor pela Faculdade de Filoso-
fia,Letrase CiênciasHumanasdaUSP,ondelecionanaáreadeFilologia
e Língua Portuguesa. Participa do grupo de pesquisadores do Projeto
NURC/SP e tem desenvolvido pesquisas na área de Análise da Conver-
sação. Também atua no ensino médio, lecionando no Colégio Bandei-
rantes em São Paulo. Além de artigos em revistas especializadas, é autor
da obra O nome e seus determinantes, publicada pela editora Atual.
HUDINILSON URBANO é doutor pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP, na área de Filologia e Língua Portu-
guesa. Tem-se dedicado ao estudo específico da língua falada, com par-
ticipação ativa dentro do Projeto NURC/SP (Núcleo USP) e Projeto
Nacional de Gramática do Português Falado. Nos dois projetos realizou
e publicou, individualmente ou em co-autoria, pesquisas sobre estratégi-
as e mecanismos de produção do texto oral.
LEONOR LOPES FÁVERO, doutora pela Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo e livre-docente pela USP, trabalha como Pro-
fessora Associada do Departamento de Lingüística da Faculdade de Fi-
losofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Sua especialidade abrange
os campos da Lingüística Textual, estudos de língua falada e História
das Idéias Lingüísticas. Principais obras: Coesão e coerência textuais;
As concepções lingüísticas no século XVIII.
MARIA LÚCIA DA CUNHA VICTÓRIO DE OLIVEIRA AN-
DRADE é professora do Departamento de Letras Clássicas eVernáculas
da FFLCH/USP, onde leciona Língua Portuguesa, desde 1992. Defen-
deu Mestrado em Língua Portuguesa, na PUC/SP, em 1990, sobre o tema
Contribuição à gramática do português falado: estudo dos marcadores
conversacionais então, aí, daí. Doutorou-se em Semiótica e Lingüística
pela USP, em 1995, com a tese Digressão: uma estratégia na condução
11
do jogo textual interativo. Tem capítulos e artigos publicados, indivi-
dualmente e em co-autoria, sobre a Lingüística Textual e os estudos de
língua falada, em livros, revistas especializadas e anais de congressos
nacionais e internacionais.
MARLI QUADROS LEITE é professora do Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên-
cias Humanas da USP, onde leciona Língua Portuguesa. Defendeu Mes-
trado e Doutorado em Lingüística, na mesma universidade, e sua espe-
cialidade é língua falada. Ocupa o cargo de Secretária Geral do Projeto
NURC/SP( Núcleo USP).Tem no prelo um livro sobre purismo lingüís-
tico, tema de sua tese.
PAULO DE TARSO GALEMBECK leciona Língua Portuguesa
na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – campus de Araraquara.
Defendeu Mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
doutorou-se pela USP, com uma tese sobre Um estudo dos elementos
anafóricos em textos conversacionais – Projeto NURC/SP.Tempublica-
do um grande número de artigos sobre problemas conversacionais, em
revistas e coletâneas científicas ligadas a diversas áreas da Lingüística,
mais comumente à da Análise da Conversação.
12
NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
( )
(hipótese)
/
maiúscula
::podendo
aumentar
para:::
ou mais
–
?
...
((minúscula))
do nível de renda( )
nível de renda nominal
(estou) meio preocupado
(com o gravador)
e comé/ e reinicia
porque as pessoas reTÊM
moeda
ao emprestarem...
éh::: ... dinheiro
por motivo tran-sa-ção
e o Banco... Central...
certo?
são três motivos... ou três
razões... que fazem com
que se retenha moeda...
existe uma... retenção
((tossiu))
Incompreensão de palavras ou
segmentos.
Hipótese do que se ouviu.
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou
timbre).
Entonação enfática.
Prolongamento de vogal e
consoante (como s, r).
Silabação.
Interrogação.
Qualquer pausa.
Comentários descritivos do
transcritor.
* Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP nº 388 EF e 331 D2
13
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Comentários que quebram a
seqüência temática da exposi-
ção; desvio temático.
Superposição, simultaneidade
de vozes.
Indicação de que a fala foi
tomada ou interrompida em
determinado ponto. Não no seu
início, por exemplo.
Citações literais ou leituras de
textos, durante a gravação.
- - - -
ligando
as linhas
(...)
“ ”
...a demanda de moeda - -
vamos dar essa notação - -
demanda de moeda por
motivo
A. na casa da sua irmã
B. sexta-feira?
A. fizeram LÁ...
B. cozinharam lá?
(...) nós vimos que existem...
Pedro Lima...ah escreve
na ocasião... “O cinema fa-
lado em língua estrangeira
não precisa de nenhuma
baRREIra entre
nós”...
OBSERVAÇÕES:
1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.).
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?).
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.
4. Números: por extenso.
5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa).
6. Não se anota o cadenciamento da frase.
7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::...(alongamento e pausa).
8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula,
ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.
ATIVIDADES DE COMPREENSÃO NA
INTERAÇÃO VERBAL
Luiz Antônio Marcuschi
1. Considerações iniciais
Admite-se, hoje, que a compreensão, na interação verbal face a
face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades
colaborativas e coordenadas de co-produção de sentido e não de uma
simples interpretação semântica de enunciados proferidos. Contudo, não
se tem ainda uma noção clara do tipo de atividade que deve ser observa-
do como particularmente relevante em cada caso (v. Clark & Wilkes-
Gibbs, 1986). Também não se tem clareza quanto ao peso da contribui-
ção de cada um dos elementos intervenientes. Por exemplo, qual o peso
dos conhecimentos enciclopédicos e dos conhecimentos lingüísticos? O
que se pode assegurar é que isto, se não chega a pôr a língua num segun-
do plano, sugere atenção para outros aspectos envolvidos na construção
desentidoemsituaçõesnaturaisdefala.Entreestesoutrosaspectosestão
as faces (Brown & Levinson, 1978), as crenças pessoais, os conheci-
mentos (partilhados ou não) (Tannen, 1985, 1986), as normas e práticas
sociais, as pistas de contextualização (Gumperz, 1982), a natureza da
relação entre os interlocutores e as condições situacionais de produção
da fala.
Neste ensaio, apresento algumas sugestões para análise de ações
conjuntas desenvolvidas nas interações verbais face a face, que podem
ser caracterizadas como atividades de compreensão. Centrado em um
conjunto relativamente pequeno de situações de fala autênticas, observa-
rei como os participantes constroem espaços cognitivos e semânticos
que permitem dar sentidos específicos a suas contribuições. Os materiais
analisados provém docorpus levantado pelo Projeto NURC de São Pau-
16
lo.1
A restrição no recorte dos dados deve-se à natureza da obra em que
este ensaio se insere. Saliento que, apesar de os materiais não serem
típicos de fala espontânea, dado o objetivo original de sua coleta, são
adequados para observar aspectos centrais das questões aqui tratadas.2
Para o desenvolvimento do estudo, assumo algumas premissas
básicas que podem ser assim enunciadas:
• A língua não é um instrumento autônomo de codificação, produção
e transmissão de sentidos objetivos, unívocos e claramente inscritos
no texto. Embora apresente certa estabilidade formal, a língua é uma
atividade contextualmente situada, cognitivamente determinada, so-
cial e historicamente constituída.
• O texto, oral ou escrito, mais do que uma unidade de sentido é um
evento discursivo (Beaugrande, 1997) e a interação verbal, realizada
numa estrutura conversacional ou não, é uma atividade semântica,
isto é, um espaço de significações (Eggins & Slade, 1997).
• A coerência conversacional não é fruto de uma simples relação en-
tre conteúdos linearmente encadeados, mas se constrói como um
esforço de encadeamento multiplamente comandado, de modo que
os sentidos são conduzidos tanto por processos léxico-gramaticais
como por processos colaborativos exercidos na atividade discursiva
e por suposições mútuas (Wilkes-Gibbs, 1995).
• Acoordenação e sincronização de ações, seja na seqüenciação das
idéias ou na coordenação rítmica (sincronia prosódica), entre ou-
tras, contribui de maneira decisiva para criar espaços e oportunida-
des de significação. Isto torna a qualidade da coordenação relevan-
te como fonte de significação e base para entendimento ou desen-
tendimento.
(1)
Todos os exemplos analisados são do corpus do Projeto NURC-SP e serão aqui
referidos como D2 = Diálogo entre 2 Informantes; DID = Diálogo entre Informante
e Documentador (entrevistas) e EF = Elocuções Formais (aulas e conferências). São
citados os números dos inquéritos e as páginas dos livros com as linhas dos segmen-
tos. Na bibliografia, podem-se ver as fontes.
(2)
Questões similares no texto oral foram recentemente tratadas por Ingedore Villaça
Koch (1997), que observa em especial as estratégias de (re)formulação com relevân-
cia na produção de sentido, partindo de premissas semelhantes às aqui adotadas para
o tratamento da compreensão.
17
• Negociação e produção conjunta são atividades essenciais para a
produção de sentidos em todos encontros sócio-comunicativos em
que dois ou mais indivíduos estiverem engajados e tiverem como
um dos objetivos a compreensão mútua.
Embora não pretenda comentar cada uma das premissas enuncia-
das, vale a pena retomar brevemente a primeira que diz respeito à noção
de língua e se situa em contexto teórico movediço. A premissa desafia a
idéia cartesiana de que a mente e a sociedade seriam categoricamente
distintas(Jacoby&Ochs,1995:173),enfatizandoarelaçãoentrementee
sociedade, na medida em que as toma como mutuamente constitutivas.
Certamente, há muitos modos de se ver esta relação: para o socio-cons-
trutivismo vigotskiano (Vigostsky, 1984), por exemplo, a mente seria
socialmente constituída; para o cognitivismo (Sweetser & Fauconnier,
1996), de posição teoricamente diversa, mas de conseqüências similares,
persistem estreitas relações entre cognição humana e contextualização e
para o sócio-interacionismo etnometodológico dos anos 60, a racionali-
dade como construção de ordem superior seria um “affair” essencial-
mente interacional, mediado pela língua em ações conjuntas praticadas
em situações sociais. Como se nota, está se tornando cada vez mais co-
mumcorrelacionarculturaecognição(v.Cole,1985),assimcomoprag-
mática e cognição (v. Silveira & Feltes, 1997), sendo que tanto cultura
como pragmática envolvem ações interativas sócio-históricas.
No seu conjunto, as premissas acima constituem a base mínima
que permite construir os princípios que dariam forma ao que se poderia
chamar de modelo sócio-interacional da compreensão. Para que este
modelo seja desenhado é ainda conveniente considerar que entre suas
características estão: dinamicidade e temporalidade, o que impede que
seja montado como um esqueleto formal. Em todos os casos lidamos
com seres humanos concretos em interação altamente complexa, dife-
renciada e instável. Identidade e determinação acontecem como estados
finais de um trabalho em que a língua é apenas um dos fatores essenciais.
Em suma, segundo argumenta Wilkes-Gibbs (1995:240),
“para que o discurso opere apropriadamente, os participantes devem
coordenar entre si mais do que a ‘mecânica’ de sua interação. O im-
18
portante para os ouvintes não é imaginar o que uma palavra ou enun-
ciado pode significar abstratamente, mas o que o falante pretende que
se entenda com eles ao tê-los dito naquela situação e naquele momen-
to do discurso. Para administrar isso, os participantes precisam mais
do que cooperar no sentido de Grice. Eles devem também coordenar
suas ações e o que eles devem entender com essas ações.”
Na realidade, temos aqui uma dupla perspectiva: por um lado,
necessita-se coordenar conteúdos e, por outro, coordenar ações. Em con-
seqüência, idéias e ações podem ser tidas como interpendentes na cons-
trução de sentido. É isto que torna a produção de sentido uma atividade
multiplamente organizada e uma conquista essencialmente coletiva (um
projeto conjunto) e não fruto de atividades individuais. A compreensão
pode ser tomada, pois, como um esforço mútuo dos falantes para cons-
truir coerência, isto é, sentido.
Posição semelhante a esta é defendida por Cook-Gumperz &
Gumperz (1984:3) que, num trabalho sobre compreensão entre exami-
nadores de uma tese de doutorado, defendem a premissa de
“que a interação verbal é uma atividade cooperativa que requer uma
coordenaçãoativadosatosporpartededoisoumaisparticipanteseque
tudo o que é realizado, tudo o que é interpretado e toda a informação
atingida não é inerente aos signos verbais ou não-verbais como tal, mas
deve emergir dessas trocas interativas seqüencialmente organizadas”.
Esta premissa sugere que não podemos confiar apenas nas carac-
terísticas estruturais da interação nem nas propriedades comunicativas
da língua, nem nos contextos situacionais imediatos de produção da inte-
ração, mas devemos estar atentos para o que os falantes fazem com tudo
isso, se queremos perceber como eles se entendem. O importante não é a
identificação das regras da estrutura conversacional, mas a habilidade
desenvolvida pelos falantes no uso das estratégias conversacionais com
o objetivo de se entenderem e atingirem metas comuns em situações
sociais de fala.
É evidente que em todo esse procedimento metodológico de re-
cortes e interpretações a compreensão é dada como garantida para os
participantes da interação. Ao analista no entanto parece ser mais pro-
19
funda a questão e não lhe cabe apenas identificar e admitir que há com-
preensão. Ele deve dar conta da seguinte questão: como é que os partici-
pantes de uma interação resolvem suas estratégias e processos de com-
preensão de forma tão competente? O presente ensaio é uma tentativa
ainda preliminar de responder a esta questão com algumas análises.
2. A negociação e seus limites
Embora a negociação seja um aspecto central para a produção de
sentido na interação verbal enquanto projeto conjunto, nem tudo é nego-
ciável. Por exemplo, não negociamos crenças nem convicções, o que
tem conseqüências por vezes relevantes na continuidade de um tópico e
pode ditar sua “morte”. Pois a atenção dos falantes para a qualidade de
suas relações (preservação das faces, por exemplo) pode sacrificar um
tópico ao perceberem que não há condições de consenso: a única forma
de cooperar é o aborto do tópico. Vejamos um caso típico, embora nada
dramático, que conduz a demonstrações de desinteresse e abandono do
tópico por ausência de negociação.
O fato reproduzido em (1) situa-se no momento em que duas
mulheres de 60 anos, após terem falado sobre a televisão, o teatro, a
música e a literatura dos anos 70, passam a focalizar um detalhe do tópi-
co. O caso ilustra a tese de que, quando conhecimentos e convicções se
confundem, a negociação torna-se difícil. Observe-se que entre as linhas
603 e 621 não ocorre negociação. Ali a questão é se a cantora Marília é
ou não irmã do maestro Júlio Medaglia. A falante L2 diz (linha 603) que
a Marília é irmã do maestro, sendo contraditada por L1 (linha 605) que
para tanto alega a diferença no sobrenome. Nesse momento, L2 acres-
centa que ambos têm uma irmã muito inteligente que é poetisa; L1 (li-
nhas 608-9) contradiz L2 novamente. Na realidade, L1 não estava con-
tradizendo a afirmação imediatamente anterior de que eles tinham uma
irmã poetisa, mas a primeira, relativa à cantora e ao maestro serem ir-
mãos. O interessante é que L1 (linhas 611-12) apresenta a diferença de
sobrenomes como argumento para sua afirmação, no que é retrucada por
L2 com a hipótese de mudança intencional do nome, sendo que L1 não
aceita e volta a se repetir (linhas 615-18) e L2 também se repete (linhas
20
618-619) criando o confronto. Como este ponto não é negociável, só
resta o abandono do tópico e a inserção de um ponto negociável (linhas
622-25), como sinal de desinteresse, quando L1 concorda com L2 na
questãomenoraoadmitirquesetratadeuma“poetisa”.Adocumentadora
tanto percebeu o impasse que promoveu uma brusca mudança de tópico.
Exemplo (1)
/…/
603 L2 é família toda interessante inteligente ela o irmão ...
o irmão {de Marília} é maestro né ?
605 L1 (que) acho que [não ...
L2 [o irmão ela tem uma irmã que é poetisa
que é muito inteligente também [(né ?)
L1 [é mas eu acho
[que não I.
610 L2 [jornalista e poetisa
L1 eu acho que o maestro Júlio Medaglia ele é
Meda-gli-a e ela é [Medalha com L e H
L2 [eu acho que ela modificou
e ele é irmão dela
615 L1 não não((clique)) parece que não eu não POsso
jurar sobre os evangelhos mas me parece que ... ahn::
ela seria Medalha com L e H ...
L2 [ eu acho que ela modificou
seu nome ... ela( ) [nome
620 L1 e ele MeDA-glia
L2 ( ) tenho impressão
L1 a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça
jornalista
L2 poetisa…
625 L1 poetisa
Doc. e sobre o cinema… [o cinema atual?
L1 [o cinema nacional?
Olha o cinema na/ o atu/ o atual brasileiro /…/
D2 – Inq. 333, p. 249
21
O exemplo (1) traz um caso claro de como se constrói coletiva-
mente uma discordância e como se opera com ela sem resolvê-la. Já que
não se negociam crenças, negocia-se o tópico, ou seja, aborta-se e pros-
segue-se para outro ponto como forma de preservar a relação. As linhas
624-625, com uma repetição mútua lacônica, é indício claro de esgota-
mento de interesse. A documentadora, que percebe o fato, soluciona a
continuidade da relação com uma proposta alternativa logo aceita, inclu-
sive em sobreposição de vozes. O aspecto essencial desse caso reside na
consciência de que mais vale sacrificar um tema do que as relações pes-
soais, caso se queira continuar interagindo. E esta consciência é sinaliza-
da na construção progressiva do desinteresse. Além disso, é oportuno
não confundir colaboração com consenso ou concordância, pois a cola-
boração é apenas uma forma cooperativa de produzir ações cordenadas e
não um procedimento de atingir consensos.
3. Construindo um foco comum
Se em (1) as interlocutoras tinham um foco comum mas insufi-
ciente em virtude de crenças diversas sobre o mesmo tópico, em (2)
dá-se o inverso: não há foco comum e tudo o que se tem é uma tenta-
tiva de construir um foco de atenção comum. Pois numa interação
face a face, a base do sucesso das trocas é a presença de interesses
comuns e referentes partilhados, previamente existentes ou construídos
no processo da interação. Em entrevistas, por exemplo, os tópicos
são sugeridos pelo entrevistador que deve criar condições de
responsibilidade ao seu entrevistado. É assim que o entrevistador não
apenas deve indagar, mas situar sua indagação num quadro de expec-
tativas. Às vezes, o trabalho mais duro é o da busca de sintonia refe-
rencial e produção de interesse mútuo. Nem sempre se é bem-sucedi-
do nessa tarefa, como se observa em (2).
O problema central no trecho citado em (2) é o interesse muito
específico da entrevistadora (Doc.) que desejava obter informações para
seu trabalho lingüístico. A primeira tentativa seria a de estabelecer refe-
rentes comuns e não simplesmente supô-los, como ocorre no momento
em que a Documentadora (linhas 530-2) pede para “descrever um cine-
22
ma” imaginando tratar-se de uma ação e um referente inambíguos. Na
dúvida, a Informante (linha 533) solicita uma confirmação antes de res-
ponder, pois não sabe se cinema é equivalente a “filme”, sendo-lhe
explicitado pela Doc. (linha 534) que se trata do “cinema em si”, “o
local”, “o cinema”. Nada disso adiantou e a Inf. (linha 535) produz uma
das mais temidas assertivas no processo interacional, “eu não entendi a
pergunta”, o que pode significar duas coisas: (a) isso não faz sentido ou
(b) esclareça o que você está dizendo. Em ambos os casos há uma ame-
aça à face da interlocutora e tudo pode acabar ali mesmo. Vejamos o que
acontece.
Exemplo (2)
/…/
530 Doc. uhn uhn ... Dona I. como é que a senhora descreveria um
cinema ... com todos os elementos assim que compõem
o cinema?...
Inf como você diz descrever um:: um um filme?
Doc. não o cinema em si o local o cinema...
535 Inf eu não entendi a pergunta
Doc. o interior do cinema do que que se compõe o cinema? na
hora que a senhora en:: tra antes de entrar:: o que que
aconte::ce eu gostaria que a senhora me dissesse como se
a senhora fosse entrar no cinema tá?... então a senhora
540 o que que a senhora faz primeiro? a senhora chega no
cinema a senhora vai para onde? faz o quê?
Inf certo eu acho que o o o antigamente os cinemas... o
ambiente era era outro... a gente ia ao cinema tinha em
São Paulo tinha uns cinemas ótimos eu acho que aGOra
545 o:: o pessoa::l sei lá eles vão de qualquer jeito ao cinema
do jeito que estão::... eles emendam saem do trabalho
vão ao cinema saem da escola vão ao cinema quer dizer
éh éh a gente encontra no cinema no ah ah ah para
assistir um filme vários éh grupos de pessoas de de de de
550 várias camadas você encontra estuDANte você encontra
pessoa da iDAde eu acho que eh o cinema perdeu
23
muito por causa da televisão... agora se você pergunta o que
eu acho quando eu entro no cinema eu entro...
Doc. não antes de entrar no cinema a senhora... o que que
555 acontece? o que que a senhora faz?
Inf bom adquiro o bilhete para entrar
Doc. uhn
Inf entramos... x: a eu acho que éh o:: ... os cinemas... são::
você vê as poltronas bem acomodadas senta-se assiste-se
560 um filme BEM acomodado os cinemas que nós ternos em
São Paulo não tenho mais ido quase a cinema mas eu acho
que eram::... uns cinemas assim bem::... bem construidos...
o:: ... o Marabá o:: éh sentava-se a gente se sentia bem à
vontade porque era um... um ambiente:: muito assim::
565 requintado hoje já não é mais /…/
DID – Inq. 234, p. 116-7
Note-se que a longa explicação pouco elucidativa da Doc (linhas
536-41) de nada serviu, pois recebeu uma longa resposta da Inf (linhas
542-53) que divagou sobre tudo o que se pode imaginar, inclusive com
dúvidas sobre sua resposta (linha 552-3), sem um foco definido e longe do
pretendido pela Doc, quando diz (linha 554):“não”, que contrasta de ma-
neira significativa com a marca de satisfação “uhn” (linha 557) sinalizan-
do: “agora sim!”. O mais curioso, porém, ouvindo-se o resto da explana-
ção nos momentos seguintes, é perceber que persistiu a falta de sintonia
cognitiva entre Doc e Inf, dando-se o inverso do caso (1), ou seja, a Doc
desiste de insistir, já que percebe tratar-se de empresa sem futuro e deixa
sua interlocutora falar qualquer coisa.
O exemplo (2) mostra que a compreensão é um processo de
sinalização múltipla: referentes comuns, atenção centrada e interesse
construído conjuntamente. Sem esses elementos não só faltará com-
preensão, como não haverá engajamento suficiente para o desenvol-
vimento de atividades cognitivamente sintonizadas e interativamente
coordenadas. Casos como este são possíveis em interações com pa-
péis assimétricos como as entrevistas, em que o entrevistador pro-
põe, mas não comanda.
24
4. Demonstração de (des)interesse e (não)partilhamento
Dois interlocutores podem não ter previamente os mesmos inte-
resses nem conhecimentos partilhados, sendo que, neste caso, devem
construí-los dando sinais explícitos de que os construíram, caso estejam
seriamente engajados. Em (2), isto não ocorreu, mas em (3) temos um
caso de nítida mostra de atenção com antecipação/continuidade que re-
velam partilhamento construído previamente e sinalizado (linha 384) e
atenção (linha 392) bem como interesse (linhas 402…) que dão continui-
dade ao tópico.
Exemplo (3)
/…/
372 L1 eu não sei eu ouvi parece que o:: eh:: o curso Objetivo
né? está lançando um um ... [curso de::
L2 [existe uma Faculdade
375 Interamericana aí que lançou dois ou três anos
seriam ... cursos vagos ... entende né? ... agora o::
[é eu quando
L1 [
L2 adentrei numa faculdade eu:: para mim foi uma decepção
380 ... eu esperava um negócio completamente diferente
você o que é que você sentiu?
L1 não inclusive eu estava respondendo para você:: colega
o o o:: fato de eu ter escolhido a profissão do do ...
L2 economista ...
385 L1 economista né? ... então realmente :: quando:: ... eu fiz
o ginásio estava fazendo o ginásio ... em algumas ocasiões
pensei em ser ... éh arquiteto depois eu uma ocasião ...
((risos)) fiz a inscrição para o para o no Objetivo ...
depois eu resolvi ser médico ... mas nesse meio tempo
390 eu já estava trabalhando e procurei realmente uma
uma profissão ... que se::
L2 enquadrasse
L1 coadunasse mais (com) aquele tipo de serviço ... enfim
também foi em função do tempo ... porque::não havia
25
395 uma possibilidade de perder mais alguns alguns anos
enfrentando um vestibular para uma escola de Medicina
ou uma escola de Engenharia ... mas atendeu plenamente
e:: hoje estou satisfeito com o curso ... ele realmente
pôde me dar assim ... uma visão ... do global ... e:: está
400 atendendo não sei aconteceu isso no no seu caso também
ou não?
L2 não o:: eu eu senti um choque quando eu adentrei a
faculdade entende? /…/
D2 – Inq. 62, p. 70
Quando L1 (linha 383) hesita e solicita socorro, L2 (linha 384)
não titubeia em antecipar a palavra chave “economista”, um conheci-
mento construído em partes anteriores do diálogo às quais L1 acabara de
se referir (linha 382) e que aceita para prosseguir; no final dessa sua
contribuição, L1 (linha 391) hesita novamente e é outra vez auxiliado
por L2 que sugere continuidade, assumida por L1 parafraseadamente na
mesma forma verbal. Por fim, o interesse prossegue quando L1 (linha
400-1) entrega o turno na certeza de que seu interlocutor retomaria
topicamente o tema.
Em termos estratégicos, o que se observa em (3) é uma tripla sin-
tonia: cognição, interesse e atenção. Três requisitos para que a compre-
ensão se dê sem a necessidade de concordância e para que o tópico con-
tinue fluindo. Se observarmos o caso(4), veremos uma situação típica de
desinteresse pelo tópico em andamento. Isto pode ser observado pela
rarefação nas contribuições de um dos parceiros do diálogo e pelo seu
baixo engajamento no assunto.
Os dois interlocotures são um engenheiro de 26 anos (L1) e uma
psicóloga de 25 anos (L2), convidados a discorrer sobre o comércio e a
cidade de São Paulo. Na realidade, discorriam sobre seus interesses e
eventualmente sobre o tema proposto pela documentadora do diálogo.
Num dado momento falavam sobre compra, valor de troca, mercadorias
e gastos. O tema fluia muito pouco e cheio de digressões sem engaja-
mento efetivo demonstrado pela lentidão no fluxo da fala e num tom
monótono. Veja-se, no trecho (4) um exemplo claro dessa situação.
26
Exemplo (4)
663 L1 outro dia aí então o (Fábio) contando umas
histórias de um::... de um de um boy barato aí né?...
665 carro envenenadíssinto então temos que quando o cara
vai acelerar assim:: ... ele aGArra a direção assim::
pisa no acelerador:: ... e faz um movimento assim como
estivesse caval/ cavalgando
L2 ahn ((ri))
670 L1 e agarra a máquina [assim ((ri))
L2 [queria estar num cavalo
L1 por quê? … analogia... ele está cavalgando né?
é o::… o:…
L2 ((ri)) o rei do oeste ahn
675 L1 não tem oeste aqui... ((ri))
L2 não tudo bem:: eu sei entendi
D2- Inq. 343, p. 33-34
Observe-se que L1 (linhas 663-668) tentava apresentar uma situ-
ação para depois analisá-la em relação com o tópico que introduzia. Ele
estava propondo uma analogia do boy barato com o mundo da selva.
Nesse momento, L2 (linha 671) dá uma demonstração de completa dis-
tração e dissintonia tópica ao dizer “queria estar num cavalo”, o que
leva L1 (linhas 672-3) a indagar surpreso “por quê?”, pois só estava
fazendo uma analogia, não sendo conveniente aquela observação. A fal-
ta de engajamento de L2 torna-se mais evidente quando ela associa o boy
barato ao “rei do oeste”, o que não agrada a L1 que retruca “não tem
oeste aqui”. Nesse ponto L2 busca dar uma demonstração de que estava
entendendo, mas não estava interessada no assunto.
O exemplo (4) mostra como se constroi uma relação de não-cola-
boração tópica, quando um dos interolcutores discorre num faixa (faixa
séria) e o outro discorre em outra faixa (faixa não-séria): um toma literal-
mente o que o outro propõe como analogia. Trocas deste tipo são utiliza-
das intencionalmente para produzir humor ou então construir piadas ou
xistes, pois mostram interlocutores jogando em campos diversos, sem
sintonia cognitiva.
27
5. Construindo conhecimento interativamente
Situação típica de construção de conhecimento é a da sala de aula,
embora não lhe seja exclusiva, pois ela se dá também no dia a dia. Contu-
do, é no contexto de sala de aula que ocorre o exemplo (5)e ilustra como a
compreensãoseconstroiinterativamentenumaredederelaçõescomespa-
çoscognitivossobrepostoseinterconectados.Em(5)temosocasodeuma
aula de Antropologia dada por um professor de 51 anos que dissertava
sobre a relação “linguagem e pensamento” e se ocupava em mostrar que a
percepção é uma elaboração cognitivamente ativa e não simples sensação
passiva do organismo ou dos sentidos. Na realidade, ele defendia a tese de
que os estímulos externos não têm todos o mesmo peso, nem recebem dos
indivíduos a mesma atenção. Sempre procedemos a uma seleção coman-
dada por condições prévias (uma espécie de conhecimentos-âncoras) que
permitem identificações e manifestação de interesse. Após introduzir este
aspectoteórico,oprofessorpercebequenãoestásendoclaroosuficientee
recorre a uma das estratégias mais comuns e indicadas nessas situações: a
exemplificação. Vejamos o caso em (5):
Exemplo (5)
/…/
252 por exemplo... bom... deixe eu dar um exemplo...
bom... um exemplo clássico ... um índio... que foi
trazido ... de uma reserva ... do norte do Canadá ...
255 para Otawa se não me engano uma das cidades
canadenses ... levaram este índio a ver tudo pela
primeira vez que ele tinha contato com uma cidade ...
do mundo do Ocidente... quer dizer ele passou por
aquilo olhando de repente ele parou embasbacado
260 ficou olhando o quê? um indivíduo subindo num
poste elétrico para consertar… fios… coisa
equivalente... esse indivíduo tinha um cinturão de
couro ... não sei se vocês já viram isso nas ruas de São
Paulo? ... não é?... tem um cinturão de couro que
265 tem nos calcanhares uma espécie de esporão então
... ele finca o esporão no... no - - eu acho que isso
28
não há mais em São Paulo porque não há mais postes
de madeira os postes todos são de cimento não é?...
de concreto... e... de vez em quando... vocês
270 percebem que eu sou um indivíduo de outra
geração já... sou um quadrado mesmo não é?...
mas enfim isso também é um::... é um exemplo bastante
antigo... é de Franz Boas não é?... digamos mil
novecentos e vinte... - - ((risos)) então havia o poste
275 de madeira com esse esporão foi isso que o índio
percebeu ... vocês compreendem?... porque... na cidade
de Otawa ... tudo o que existia... era de tal modo
novo... que não podia ser relacionado com a
experiência anterior desse índio certo?... quer dizer
280 imagine que ele visse pela primeira vez a locomotiva.
aquela coisa imensa que se move ... com que ele tinha
relacionado com nada de preciso ... a máquina... é um
universo estranho a ele... mas ele viu um indivíduo
subindo num poste de uma maneira muito fácil ora
285 em toda esta região os índios sobem em certas
árvores... por exemplo... certas formas de( )... que
chama-se... em português chama-se boldo parece
é uma planta que dá uma seiva açucarada... da qual
se faz uma rapadura que aliás é deliciosa e um ...
290 uma espécie de melado então eles sobem até certa
altura da árvore e talham… subir numa árvore por
meios relativamente simples como seja esporão...
furo... e uma correia de couro passada na cintura que
o indivíduo se apóia na árvore... foi qualquer coisa
295 que a experiência anterior do índio permitiu que ele
compreendesse ele tinha um esquema anterior no
qual os estímulos novos podiam ser enquadrados
certo?... isto é... para que haja. percepção... é
necessário antes que já haja uma organização do
300 campo perceptivo claro? quer dizer é preciso
que haja... um certo modo de estruturar este mundo
porque senão as coisas não fazem sentido ... /…/
29
A estratégia da exemplificação foi o recurso interacionalmente
eficaz escolhido pelo professor para ilustrar suas teorias da percepção
cognitiva como diversa da percepção meramente sensorial. E ele o faz
situando o problema (linhas 253-56) e identificando o momento e o fato
que despertou o interesse daquele índio perdido na “selva urbana” (li-
nhas 259-61). Aproveita a oportunidade para estabelecer um paralelo/
ponte com o momento atual numa auto-ironia bem estudada (linhas 269-
71) que leva os alunos ao riso (linha 274), indicando empatia com a
sugestão. Essencial nesta seqüência tópica não é o caso particular do
índio, mas a conclusão que aparece no final (linhas 294-300), verdadeiro
objetivo da digressão.
O segmento (5) situa-se parenteticamente no contexto da argu-
mentação e explanação geral da aula, promovendo nos alunos a com-
preensão necessária para prosseguir. É uma ação-muleta praticada como
trampolim para a construção das condições de possibilidade de com-
preensão com efeitos auto-aplicativos. Depois disso, os alunos já esta-
vam em condições de saber do que se tratava, ou seja, tinham saído da
condição de ignorância para o conhecimento.
O que acabei de mostrar é precisamente a estratégia mais comum
de que nos servimos em todas as situações em que pretendemos cons-
truir no outro condições ideais de recepção de conteúdos futuros. A
exemplificação situada é uma das estratégias mais eficazes para produ-
ção de sentidos pretendidos e estabelecer a compreensão. Ela é comum
no dia a dia e nunca é sentida como digressão do tópico.
6. Construindo conhecimentos, condições e regras de
jogo
Antes de dois (ou mais) indivíduos entrarem em interação verbal,
dependendo do contexto e das condições em que o fato se dá, as expecta-
tivas são muito diversificadas. Seja pela diferença de perspectiva ou de
conhecimentos partilhados. Um encontro ao acaso entre estranhos na
porta do elevador não promete muito, já o encontro de dois namorados
no final da tarde promete mais; difícil mesmo é o encontro do réu na
acareação com testemunhas da acusação; menos complicado é o encon-
30
tro do orientador de tese com seu orientando; dependendo das circuns-
tâncias, é fácil ou então imprevisível o encontro de marido e mulher e
assim por diante. Em todos os casos haverá algo a dizer, mas as expecta-
tivas com respeito ao que será dito não são as mesmas. Como lidamos
com este aspecto nas nossas interações?
Em primeiro lugar, por menos que o façamos, sempre temos ex-
pectativas prévias; em segundo lugar, sempre fazemos algo para que elas
ocorram; em terceiro lugar, ficamos alerta para o que ocorre do “outro
lado”. Vista assim, a interação assemelha-se a um jogo cuja primeira mis-
sãoéestabelecersuasprópriasregras.Interagiréjogarcomregrasdinami-
camente escolhidas, por isso é um jogo perigoso: nem sempre se escolhe a
regra certa. Vejamos três trechos breves que mostram como esse jogo e
suas regras são construídos. Esses segmentos procedem de uma entrevista
em que uma mulher de 44 anos, preocupada com sua silhueta, responde,
entre outras, a questões sobre suas preferências culinárias. Vejamos:
Exemplo (6)
/…
22 Doc. e o que que você costuma comer em cada uma dessas
refeições?
Inf. bem::... eu não estou entendendo BEM aonde você quer
25 chegar com esse “o que você costuma COmer em cada
uma dessas refeições”
Doc. desde o café da manhã até a hora do jantar... o que você
costuma comer em cada um deles?
Inf. ah como eu já disse né? as comidas comuns arroz
30 verduras:: carne peixe não porque eu não gosto de peixe
ah::… às vezes… massas né?… e nadaa mais de
tanto extraordinário
DID – Inq. 235, p. 120
A pergunta da Doc (linhas 22-23) foi aparentemente clara, mas
poderia ser uma cilada, já que antes a a Inf havia dito que se preocupava
muito com sua linha. Assim, na dúvida quanto à intenção de sua
interlocutora, a Inf precisa de garantias para aprosseguir. Daí o par inseri-
31
do (linhas 24-28) entre a pergunta inicial e a resposta final (linhas 29-32).
Quando a Inf diz “eu não estou entendendo BEM aonde você quer
chegar…” ela está ameaçando a face de sua interlocutora, com elevação
do tom em “BEM”, o que sugere “segundas intenções”. Isto obriga a
Doc a refazer sua pergunta mudando a expressão “em cada uma destas
refeições” que poderia sugerir “muitas refeições”, para uma formulação
mais adequada e menos ameaçadora “desde o café da manhã até a
hora do jantar”, o que deixa a Inf livre para definir comidas em geral,
sem um número de refeições específicas, tal como se nota na resposta
(linhas 29-32).
A questão aqui é muito sutil e revela como uma pergunta, por
maisinocenteeclara,semprepodeserrecebidanumcontextocongnitivo
que gera significações tidas como inadequadas, mesmo que não preten-
didas pela indagação. Veja-se o caso (7) que é muito diferente do anteri-
or. Aqui a Inf (linhas 141-142) pede um esclarecimento com o objetivo
de certificar-se de que compreendeu corretamente a indagação: o proble-
ma é de conteúdo e se trata de construir uma expectativa partilhada. Ve-
jamos o exemplo:
Exemplo (7)
/…/
138 Doc. você disse que gosta de car::ne... que tipo de carne que
você gosta e quais os seus pratos prediletos que são
140 feitos com carne?
Inf bom aí o tipo que você pergunta é a maneira como eles
são feitos?
Doc. também
Inf. bom eu prefiro carnes assadas... carne de porco... um
145 pernil um lindo dum pernil cheio de bataTInhas assim em
volta é uma delícia né? ((risos)) (então)... lombo de
porco... ahn frango... urn franguinho dum frango assado né?
que vocês devem estar acostumadas também a...
Doc. uhn::: ...
150 Inf ((riu)) a saborear por aí né? ... frangos:: ... carne de vaca
bife... bife à milanesa:: bifes ... éh grelhados:: não é?...
são os:: tipos que eu prefiro de carne...
DID – Inq. 235, p. 123
32
A questão era, inicialmente, o esclarecimento da expressão “tipo
de carne”, que poderia ser duas coisas: (a) espécies de carne (bovina,
suina, aves etc) ou (b) modo de cozinhar (tipos de pratos). A Inf dá uma
sugestão de interpretação (linhas 141-142) que é aceita pela Doc com a
resposta “também”, indicando que esta era uma possibilidade correta. A
partir daí, a Inf descreveu seus pratos prediletos com uma sugestão de
engajamento direto da(s) Doc ao dizer “que vocês devem estar acostu-
madas também a …”, recebendo da Doc um sinal de concordância na
entoação típica “hun:::” com alongamento de vogal que levou a Inf à
satisfação com manifestação de riso e prosseguimento com mais pratos
saborosos.
A diferença entre a indagação da Inf em (6) e em (7) está precisa-
mente na natureza da certificação buscada: em (6) trata-se de certificar-
se de umaintençãoe em(7) deumconteúdo. Isso se revela até mesmo na
formulação da pergunta, que num caso leva à repetição da indagação e
no outro apenas à certificação de uma expressão. Em ambos os casos, as
condições do prosseguimento foram construídas mutuamente e não pre-
viamente dadas.
Semelhante a (6 e 7), o caso (8) traz elementos novos que ilustram
como as pessoas conseguem construir interesses comuns e condições ide-
ais para suas contribuições. Em geral, quando uma pergunta genérica é
feita e admite muitas alternativas, somos levados a criar um contexto para
o qual construímos nossa escolha. Este é o caso típico da pergunta da Doc
(linhas 330-1): “ se você fosse preparar(…) pruma visita (…) que tipo
(…)?”queéabertaecontémtrêsvariáveis.AprimeirareaçãodaInffoide
estupefação“IH::meuDeus”indicandodúvida,maslogosugerindouma
hipótese de contexto: “vocês por exemplo?” concretizando a escolha no
ambiente imediato. A sugestão gerou risos e tumulto, indicando que não
era prevista, mas aceitável. Este caso é ilustrativo para a construção de
regras de jogo interativas ad hoc. Vejamos o que acontece.
Exemplo (8)
/…/
330 Doc. se você fosse preparar um almoço... pruma visita tal...
que tipo de almoço você faria?
Inf IH:: meu Deus (o) que será que eu ia fazer quem seria a
visita? vocês por exemplo? ((riu))
33
Doc. ali é:: pode ser a gente ((vozes superpostas e risos))
335 Inf. se vocês (fossem::)... não um jantar já teria um pouquinho
de mais sofisticado né? então vamos fazer um almoço o
almoço é mais comunzi::nho
assim [(então)
Doc. [((risos e vozes superpostas)) merece
340 Inf não não é questão que mereça nós vamos... vamos então
assim:: ... éh::... conservar o:: protocolo né? um jantar
exige:: ... um:: preparo mais sofistica::do à no:::ite né?
vocês sabem as companhi::as são diFEREN::tes agora
num jantar vocês (viriam) lá em casa seriam sozi::nhas eu
345 sozinha assim né? ((risos)) não teriam ((riu))
acompaNHAN::tes nada disso ... então ((falou rindo))
então o negócio seria diferente ... eu primeiro ia saber o
que é que vocês preferem comer né?... porque não teria
cabimento eu che/ convidá-las pra jan/ pra almoçar em
350 casa e preparar um:: um prato do meu gosto não é?
então teria que saber o que é que vocês preferem...
e o que é que vocês preferem?
Doc. não vamos supor que a gente omita a opinião gente::
eduCAda (como eu sou) ((risos)) assim “não:: qualquer
355 coisa ser::ve e tal e não sei que” e o que que você
prepararia se a gente... deixasse... tudo a seu encargo
Inf . bom... suponho que a gente... que eu agora fosse:: fossem
dez horas da manhã por exemplo ... então daqui a pouco
estaria na hora de ir embora né? ... então fala “vamo::
360 vamos almoçar comigo?” então vocês “Vamos” … eu teria
que preparar um negócio bem:: bem mais rápido né?...
então eu iria pra casa... ia dar uma:: vistoria na geladeira
pra ver o que que tinha lá:: e supondo que tivesse... carne
né?
faria... bife... /…/
DID – Inq. 235, p. 127-128
Aqui ocorre uma seqüência de negociações bem humoradas que
pretendem conduzir a um objetivo comum com condições contextuais
34
definidas. A Inf assume o jogo e dita as regras, embora a Doc faça algum
esforço para manter uma distância relativa (linhas 353-56) sem conseguir
o intento e entregando a decisão à Inf ao dizer “tudo a seu encargo”.
Note-se que a questão inicial era: “se você fosse preparar um
almoço (…)?”. A resposta não foi relativa à questão mas às condições
em que a questão poderia ser respondida com o engajamento da(s) Doc
para a decisão final que vem na forma de uma hipótese “suponho que a
gente (…)” situada num ponto do dia “almoçarcomigo”decididohoras
antes “dez horas da manhã”. Daí por diante, tudo fica mais fácil e inicia
a resposta.
O exemplo(8)evidencia alguns aspectos muito importantes a res-
peito do engajamento dos interlocutores em ações comuns para constru-
ção de condições favoráveis à compreensão na interação. Se comparar-
mos este caso com o exemplo (1), percebemos com clareza o que signi-
fica co-produção de condições interativas. Neste caso, o prefixo co- na
expressão co-produção recobre uma série de processos, tais como cola-
boração, coordenação e cooperação que resultam na construção con-
junta (co-construção) de compreensão, sem a necessidade de haver con-
senso ou concordância (v. Jacoby & Ochs 1995). Certamente, as repos-
tas da Inf em (8) não foram as pretendidas pela Doc, mas foram as obti-
das num processo colaborativo.
7. Marcas de atenção
Construirsentidoscolaborativamentenainteraçãosignificavoltar
aatençãoparaumatarefacomumesinalizá-la.Estasinalizaçãotemmarcas
que se dão em atividades rituais como os olhares, os movimentos do
corpo, os sinais de atenção e os marcadores conversacionais produzidos
com uma certa carga entoacional e assim por diante. Assim, um dos
indicadores de compreensão entre os participantes da interação é a forma
como sincronizam suas atividades e não apenas como conduzem os con-
teúdos de seus tópicos. Uma boa sincronia pode indicar maior atenção
para o que está em andamento e uma má sincronização pode ser até
mesmo um indicador de problemas de compreensão.
35
Um dos recursos importantes neste caso é a prosódia que é usada
com enorme intensidade e funciona como um sistema de sinalização ou
de“pistadecontextualização”,adotandoaexpressãodeGumperz(1982).
Ela se compõe de: (a) entoação; (b) mudança de altura do som; (c) inten-
sidade; (d) alongamento de vogais; (e) pausa e velocidade; (f) ritmo e (g)
mudanças de registro no som.
É evidente que todos estes aspectos estão correlacionados, de
maneira que não se pode, a rigor, diferenciá-los de forma estanque. A
prosódia é aqui vista como um componente gramatical, fazendo parte
tanto da fonologia como da sintaxe da oração, mas tem sua importância
também na semântica e na pragmática. Contudo, segundo frisa Gumperz
(1982:100), o essencial é perceber “que tipo de informação os falantes
depositam na prosódia em suas interações verbais”.
Segundo Gumperz (1982:104), o valor de sinalização semântica
da informação prosódica tem dois componentes: (a) ajuda a selecionar
entre uma série de possíveis interpretações ao dirigir o ouvinte pelos
meandros da significação inerente aos elementos lexicais utilizados, (b)
une os traços semânticos chave ao tema e define a linha do argumento.
Gumperz lembra que as pistas prosódicas baseiam-se sistematica-
menteempadrõesdeusosprosódicosconvencionalizados.Estespadrões
não funcionam ou significam isoladamente, mas sim no contexto em que
são empregados e em relação com uma série de outros fatores, por exem-
plo, os elementos lexicais, a organização sintática etc., no contexto do
discurso em andamento e na dependência das experiências do ouvinte.
Observemos o caso(9a,b,c),uma situação interessante no final de
um diálogo, em que a(s) documentadora(s) tenta(m) negociar com uma
das informantes mais tempo de gravação. O curioso, neste caso, é que
tudo foi desencadeado por uma observação fortuita da Locutora L1 (li-
nha 1565) que (na ausência de gravação em vídeo podemos supor) deve
ter olhado para seu relógio dizendo “meu relógio está atrapalhando a
nossa”, indicando com isso que estava com pressa de acabar. Essa obser-
vação inserida vem desconectada do contexto do tópico; mas não inter-
rompe a fala que prossegue (linhas 1568-1594, aqui suprimidas). Pode-
mos imaginar que durante essa fala L1 deve ter olhado várias vezes para
o relógio, o que suscitou a observação da Doc que intrerrompe L1 em
sobreposição de vozes (linha 1600) sem a menor motivação tópica. Isto
36
modificatodooandamentododiscursoetrazumadigressãoqueconstroi
outra relação entre os participantes e conduz a gravação ao fim.
Exemplo (9a)
1561 Doc e você por que que você fez?
L1 havia perdido o meu pai fazia:: ah no no primeiro colegial ...
e:: eu
o meu pai fazia:: ah no primeiro colegial… e:: eu
precisava ter uma ah optar por uma carreira pro/
1565 meu relógio está atrapalhando a nossa-- por uma
carreira profissionalizante... eu achei que as coisas dali
para frente seriam mais difíceis eu comecei o colegial...
((aqui foi suprimida uma parte da fala ininterrupta de L1 entre as linhas
1568-1595))
1595 lecionei no secundário sabe? então daí o motivo de eu ter
escolhido Pedagogia ... e gosto gosto muito... da::
psicologia da criança ... do adolescente a psicologia em
geral me cativa sabe? ... então... aí está o motivo pelo
qual... eu [escolhi esse curso
1600 Doc. [a senhora está com horário?
L1 eu estou vocês teriam muito mais teriam necessidade
de mais tempo?... é?...
L2 muito mais?
Doc. uhn::... dez minutos
1605 L1 dez minutos? sim... porque eu tenho crianças várias
para pegar na escola... sabe? eu tenho que ir até em casa
buscar o carro senão não cabe ... ((risos)) num táxi
D2 – Inq. 360 p. 175-9
Nesse momento do diálogo a atenção está voltada não mais para o
tópico em andamento e sim para a solução conjunta de dois problemas
em que todos os participantes se angajam vivamente:
(a) buscar as crianças no colégio?
ou
(b) prosseguir com a gravação por mais tempo?
37
No caso de (a) ter a preferência, encerrar-se-ia o diálogo, mas no
caso de (b) deveria haver uma solução alternativa para (a). É o que a Doc
tenta sugerir ao propor (linha 1604): “uhn::… dez minutos”.
Observe-se que a prosódia ocorre aqui com um marcador de dú-
vida (um som nasal alongado), como quem diz: “deixa eu pensar um
pouco”,para então propor, num ritmo rápido e uma entoação impositiva,
sem maiores comentários: “dez minutos”. A tomada de turno de L1 se
dá com a repetição da proposta indagativamente, como quem quem diz:
“tudo isso?”, acrescentando as razões da dúvida.
Daí por diante, desenvolve-se uma sucessão rápida de turnos cur-
tos, todos com marcas prosódicas características e repetidas mutuamen-
te, sugerindo engajamento com o mesmo objetivo.Vejamos a continui-
dade do diálogo em (9b):
Exemplo (9b)
L2 não teria possibilidade... dela::... falar um pouco mais…
1610 mais uns dois minutos ou três depois eu complementaria
o resto? ... [ou precisa papo mesmo?
Doc. [porque)( ) entre vocês duas né?
L1 pois é
Doc. ahn ahn
1615 L2 onde é que elas estão?...
L1 no Fernão Dias em [Pinheiros
Doc. [eu posso buscá-las para a senhora
L1 é?
Doc. é
L1 depois voltaríamos aqui?
Doc. é...
L2 se ficássemos mais dez minutos já levaria direto
[(tudo direto)
L1 [ ah está bom... então está bom...
1625 Doc. a senhora acha que... vai criar problema?
L1 tem telefone aqui não?
Doc. aqui não
D2 – Inq. 360 p. 175-9
38
É interessante observar que todas as contribuições de L1, a partir
domomentoemquesituouseuproblema,foramlacônicasouindagativas:
L1 pois é
L1 no Fernão Dias em Pinheiros
L1 é?
L1 depois voltaríamos aqui?
L1 ah está bom … então está bom
L1 tem telefone aqui não?
Com isto estava construindo uma solução negativa para o proble-
ma, ou seja, indicava propensão a não continuar o diálogo. Isto se torna
evidente quando L1 coloca mais uma condição: encontrar um telefone
para avisar as crianças. Isto tornava as coisas mais difícieis e apontava
para o fim iminente da gravação. Observe-se como agora L1 aumenta
seus turnos com uma dificuldade adicional de cada vez:
Exemplo (9c)
L1 não tem {telefone} é longe lá embaixo tem algum público...
não tem?
nesse prédio?
1630 Doc. tem no bê ((vozes superpostas; trecho inintelível)) no cê...
L2 no cê lá no [cê tem porque foi de lá
L1 [ ( )
L2 que [eu liguei
Doc. [ ( )
1635 L2 é no cê
Doc. é...
L2 no cê tem um telefone público... que horas as crianças
saem da escola?
L1 eh:: umas saem umas cinco e meia esperariam as das
1640 seis
L2 ahn ahn
L1 e as das seis iriam se encontrar com as das seis e vinte os
das cinco e meia eu ainda((risos))
L2 ahn ahn
39
1645 L1 ((risos)) então quer dizer que se fossem só os meus não
teria problema é que eu levo ... ah... ah filhas de::: uma
vizinha sabe?... daria para
esperar [um minutinho?
L2 [quantos são?
1650 L1 eu vou telefonar são dois eu vou telefonar e já venho
é público lá embaixo?
Doc. é não não... a senhora poderia usar... o telefone
não é público
L1 não?
1655 Doc. não é:: da secretaria lá da da portaria da
L1 ( )o número do prédio?...
L2 eu vou com a senhora...
L1 é?
L2 então um minutinho só...
D2 – Inq. 360 p. 175-9
Isolando os trechos assinalados acima, temos a fala de L1, inter-
calando as pontuações (marcas de atenção) de L2:
L1 eh:: umas saem umas cinco e meia esperariam as das seis (L2 ahn ahn) e as
das seis iriam se encontrar com as das seis e vinte os das cinco e meia eu ainda((risos))
(L2 ahn ahn) ((risos)) então quer dizer que se fossem só os meus não teria problema
que eu levo ... ah... ah filhas de::: uma vizinha sabe?... daria para esperar um
minutinho? (L2 quantos são?) eu vou telefonar são dois eu vou telefonar e já venho é
público lá embaixo?
Ao tomar a palavra com todas essas observações e apenas com a
participação de L2 e não mais das documentadoras, tudo indicava que
não havia mais nada a fazer e combinar. Não sabemos se depois disso o
diálogo prosseguiu, pois o certo é que a gravação conclui neste ponto.
O interessante neste caso é como as duas locutoras e as documen-
tadoras conduziram este final de diálogo cada uma com intenções bem
marcadas pela própria prosódia adotada e pela natureza das contribuibui-
ções. É claro que as documentadoras estavam em posição desvantajosa
para impor condições. A Locutora L1 tinha mais argumentos, mas ope-
40
rou competentemente, ganhando tempo e conduzindo o desfecho para o
pretendido: término do diálogo.
O caso reproduzido em (9a,b,c) ilustra claramente como se pode
construir conjuntamente, com marcas de atenção mútua, sincronização
prosódica, falas rápidas e soluções alternativas, a compreensão mútua
sem ameaças às faces e preservando as identidades.
A entoação é um recurso interessante e fundamental como ele-
mento sinalizador de construção de interesse. Nós sabemos que os
marcadores conversacionais (MC) produzidos pelos falantes são muitas
vezes demonstrações de interesse e sugestões de continuidade da fala.
Esta propriedade funcional dos MC produzidos com uma entoação em
tom de surpresa ou curiosidade (alongamentos de vogais) levam o falan-
te a se “soltar” mais e a desenvolver seu tópico com mais minúcias. O
trecho reproduzido em (10) ilustra um caso desses com muita proprieda-
de. Trata-se de um diálogo entre duas pessoas idosas: L1 é um homem de
81 anos, viúvo, e L2 é uma mulher, irmã de L1, com 85 anos, também
viúva. Ambos vinham narrando fatos pitorescos de sua vida, coisas do
início do século, particularmente certos aspectos da moral daquele tem-
po. Em (10) observa-se como a documentadora constroi o interesse no
assunto e motiva L1 a prosseguir utilizando apenas MC de atenção com
uma entoação instigadora.
Exemplo (10)
/…/
196 L1 NÓS rapazes então (vamos lá já que está-se a
falar) em toalete era::nosso ponto ficava na
rua Direita ali al/ali na esquina da::... da:: da
rua José Bonifácio... rua José Bonifácio que encaixa na rua
200 Direita justamente ali era o ali tinha um tinha tinha
o::... a drogaria... drogaria Amarante... e ali o bo/ o
bonde (segue) o bonde se/... era um ponto de bonde
o bonde parava ali... então nós rapazes ficávamos ali para
ver as moças descer... para ver dois dedos de perna das
205 moças nada mais do que dois dedos porque está/estava
(oculto)((riu))
41
L2 é:: hoje é diferente...
L1 ((riu))dois dedos de perna das moças... estavam(evi/
evid/)evi/evidentemente (ocultas)...
210 Doc. ahn::...
L1 e:: as moças (quer dizer::)... havia muito mais…
diFIculda:: de de um ra /rapaz (era) di Ficilmente um
rapaz saia com uma moça… muito difícil… a não
ser quando havia muita intimidade… os namorados
geralmente namoravam:: ... ( ) [de lon::ge de esquina
L2 [na janela
L1 de janela...
Doc. [NO:::ssa
L1 [e conversazinha
220 L2 [tinha hora para namorar e fechar a janela
L1 é [(no)nosso tempo isso por volta de mil novecentos
L2 [(quer dizer:: lá em casa)
L1 e quin::ze mil noventos e dezesseis:: mil novecentos
e quator::ze... nas pri/primeiras décadas nas duas
225 primeiras décadas depois os costumes foram se::
se:: li/liberando mais...
Doc. é::...
L1 nas duas nas duas primeiras até na terceira década ...
ainda::... havia muito muito reca::to ... e::... naquele
230 tempo apontava-se uma moça mais ... mais escandalosa
Doc. uhn::...
D2- Inq. 396 p. 184-5
Os MC “anh::”, “NO:::ssa”, “é::” e “uhn::”, todos produzidos
com entoação alongada em tom de surpresa, são as únicas contribuições
da documentadora neste trecho, mas servem adequadamente como inter-
pretação um tanto maliciosa do dito que visam a incentivar o falante a
prosseguir em suas observações pitorescas. Tanto L1 compreende esta
interpretação que apesar de ser muito recatado, como se nota ouvindo o
restante do diálogo, aprofunda com uma ponta de malícia suas observa-
ções. A reação de L1 teria sido seguramente muito outra se a Doc não
tivesse dados esses sinais com aquela entoação.
42
8. Considerações finais
As análises feitas neste ensaio objetivam sugerir que muito do que
acontece na interação verbal face a face deve-se a inferências produzidas
em atenção a atividades sincronizadas e a sinalizações para-lingüísticas
interpretáveis e não a simples conteúdos proposicionais. Esta era tam-
bém a sugestão inicial: nem tudo o que se compreende numa interação
social vem envelopado em linguagem verbal, mas muito está na própria
relação construída entre os indivíduos e nas atividades contextualizadas.
Em relação a isto lembraria Goffman (1998:12), quando afirma em seu
fascinante ensaio programático “The Neglected Situation”, de 1966:
“As características de um discurso que podem ser claramente transfe-
ridas para o papel através da escrita têm sido enfocadas já de longa
data; entretanto são as peças intricadas da fala que estão agora rece-
bendo cada vez mais atenção. O movimento da língua (em certos ní-
veis de análise) é na verdade apenas uma das partes de um complexo
ato humano cujo significado deve também ser buscado no movimento
das sobrancelhas e da mão.”
Seguramente, esse complexo ato humano que é a liguagem em
situações sociais autênticas continua desafiando os estudiosos da intera-
ção verbal. Goffman lembrava que um gesto produzido pelos indivíduos
engajados numa interação não é o mesmo que quando produzido fora da
interação; um tom de voz alto produzido por dois indivíduos em intera-
ção a uma distânctia razoável não é o mesmo que quando produzido em
interação próxima e assim por diante. Portanto, as ações são contextuais,
engajadas, localmente significativas e vivenciadas.
Paraainvestigaçãoaquisugeridagostariadeadotaranoçãodesitu-
ação social tal como proposta pelo mesmo Goffman (p. 13), quando diz:
“Eu definiria uma situação social como um ambiente que proporcio-
na possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que
um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros
que estão ‘presentes’, e para quem os outros indivíduos são acessíveis
de forma semelhante. De acordo com esta definição, uma situação so-
cial emerge a qualquer momento em que dois ou mais indivíduos se
43
encontrem na presença imediata um do outro e ela dura até que a pe-
núltima pessoa saia.”
Um encontro social dá origem a uma conversação. Na conversa-
ção, que é socialmente organizada sob vários aspectos, por exemplo,
pela mesma língua, por um tópico em comum, por conhecimentos parti-
lhados, por engajamentos múltiplos para fins comuns etc., temos tam-
bém “um pequeno sistema de ações face a face que são mutuamente
ratificadas e ritualmente governadas, em suma, um encontro social”.
(Goffman 1998:15).
Neste ensaio só foram analisados alguns aspectos dos processos
de produção de sentido situadamente. Muitos outros poderiam ser aqui
tratados, tais como as correções (auto e hetero-correções), as seqüências
de pares inseridos (com funções diversas) e as digressões ou inserções
parentéticas como movimentos típicos de construção de sentidos. Espe-
ro que os elementos trazidos e os exemplos analisados já sejam suficien-
tes para dar uma noção de como se organizam e conduzem as atividades
na interaçaão face a face. Trata-se de uma primeira entrada num tema
queestáamereceraprofundamento,considerando-sesuarelevânciapara
um melhor entendimento dos processos de produção de sentido nos en-
contros sociais na vida diária, de modo especial em sociedades tão com-
plexas e problemáticas como a nossa.
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PROCEDIMENTOS E RECURSOS
DISCURSIVOS DA CONVERSAÇÃO
Diana Luz Pessoa de Barros
Considerações iniciais
Neste texto retomo resultados de trabalhos anteriores sobre refor-
mulação discursiva e sobre interação verbal, para apresentar algumas
reflexões sobre dois mecanismos de construção dos discursos orais, pro-
visoriamente denominados procedimentos e recursos do discurso oral.
Para tanto organizei este estudo em duas partes: a primeira, sobre as
diferentes funções assumidas pelos procedimentos discursivos na intera-
ção verbal; a segunda, mais especificamente sobre a distinção entre re-
cursos lingüístico-discursivos e procedimentos discursivos de constru-
ção do texto falado.
Essas questões serão examinadas em dois tipos de inquéritos do
Projeto NURC-SP, na perspectiva teórica da Análise da Conversação e
da Semiótica Narrativa e Discursiva.
1. Funções dos procedimentos discursivos na
interação verbal
A distinção entre procedimentos ou processos discursivos e re-
cursos discursivos será estabelecida sobretudo a partir das funções que
exercem na conversação. Na primeira parte deste estudo tratarei das fun-
ções dos procedimentos discursivos na construção da conversação e no
estabelecimento da interação entre sujeitos.
Tendo examinado os procedimentos de reformulação por corre-
ção em dois tipos de inquéritos do Projeto NURC-SP – os diálogos entre
48
informantes (Barros e Melo, 1990; Barros, 1993) e as entrevistas entre
documentador e informante (Barros, 1990) –, cheguei a algumas conclu-
sões que podem ser tomadas como hipóteses mais gerais sobre o funcio-
namento dos procedimentos discursivos da fala e sobre o papel que assu-
mem na construção das relações de interação verbal entre sujeitos.
Serão apontadas duas funções dos procedimentos discursivos na
interaçãoverbal:adeconstruçãododispositivopersuasivo-argumentativo
dotextofalado;adeestabelecimentodesuaorganizaçãoafetivo-passional.
1.1. Construção do dispositivo persuasivo-argumentativo
Para Gülich e Kotschi (1987) a função principal dos atos de refor-
mulação, como a correção ou a paráfrase, é a de garantir a intercompre-
ensão na conversação ou em qualquer outro tipo de texto. Tais atos, in-
cluídos pelos autores entre os atos de composição textual, resultam do
trabalho de cooperação dos participantes da conversação, de seu esforço
comum de construção do texto falado. Dessa forma, a competência do
falante para produzir textos, principalmente orais, e a do ouvinte para
compreendê-los dependem, em larga medida, do conhecimento dos pro-
cessos de reformulação. Essas observações aplicam-se, sem dúvida, a
outros processos discursivos.
Nos estudos sobre a reformulação por correção determinamos
(Barros e Melo, 1990) para tais procedimentos as funções gerais de ade-
quação e intercomprensão e, nesse quadro, especificamos as finalidades
de adequação e compreensão cognitivo-informativa e de bom entendi-
mento das relações intersubjetivas. No primeiro caso, a reformulação
contribui para a precisão referencial ou anáfórica dos conteúdos, no se-
gundo, para a explicitação dos desejos, anseios, dúvidas e emoções do
falante, em relação a seu interlocutor.Aoposição é clássica entre conteú-
dosefunçõesinformativasoureferenciaiseconteúdosefunçõesemotivas
e apelativas. Na direção dos estudos de O. Ducrot preferimos não separar
fatos semânticos e pragmáticos e considerar que o uso dos procedimen-
tos de reformulação (e de outros também, como a inserção, por exemplo)
é sempre argumentativo ou persuasivo-argumentativo. No exemplo que
49
segue, em que se substitui “não fala muito” por “fala muito pouco”,
observa-seuma“correção” tambémdeforçaededireçãoargumentativa:
L2- (...) porque ela não fala muito... ela fala muito pouco (...) (Castilho e Preti,
1987; INQ 360, p. 146, l. 405).
O fim último desses processos é, portanto, levar o interlocutor
a certas conclusões e ações. Há para o sentido geral argumentativo de
“interprete-me bem” ou “compreenda-me” muitas variações do tipo
de “estou cooperando com você”, “eu falo bem”, “discordo de você”,
“pertenço às camadas X da sociedade”, portanto, “conclua e aja como
proposto”.
Em outras palavras, os interlocutores, por meio dos processos dis-
cursivos mencionados constroem-se enquanto papéis conversacionais e
enquanto papéis sociais e pessoais. O tipo de conversação, sua simetria
ou assimetria definem-se por esses diferentes papéis.
1.1.1. Papéis conversacionais
Os papéis conversacionais são aqueles que os participantes da in-
teração assumem nos diferentes tipos de conversação, tais como a entre-
vista, o debate ou a conversação espontânea.
O uso de procedimentos discursivos diferentes constrói organiza-
ções argumentativas diferentes e, portanto, diferentes papéis conversa-
cionais e tipos diversos de conversação. Mostrarei a construção discursi-
va desses papéis com os procedimentos de reparação e de reformulação
por correção, que conheço melhor, nos dois tipos de inquéritos do Proje-
to NURC-SP, já mencionados, os diálogos entre informantes e as entre-
vistas entre documentador e informante.
Apontarei cinco elementos de aproximação ou de distanciamento
entre os dois tipos de conversação examinados, quais sejam o uso de
reparações, a preferência por autocorreções em detrimento das hetero-
correções, a opção por correções totais ou parciais, os tipos de “erros”
corrigidos e os esquemas e marcadores de correção utilizados.
50
Tendo como critério o modelo da conversação em sistema de tur-
nos de fala (Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974), distinguiram-se dois
tipos de correção, a reparação e a correção propriamente dita.
A reparação deve ser entendida como a correção de uma infração
conversacional, de uma violação das regras que organizam a conversa-
ção. Os interlocutores cometem “erros” no sistema de tomada de turnos,
desobedecem às regras e essas falhas são reparadas. A presença ou a
ausência de reparações em um texto, assim como os tipos de reparação
empregados, constroem as classes de conversação e os papéis que os
locutores nelas realizam.
Os dois tipos de inquéritos do NURC caracterizam-se pelo pouco
uso de reparações. Na verdade, elas são praticamente inexistentes nesses
textos. A ausência desse procedimento parece indicar que:
a) os diálogos entre informantes não são conversações espontâne-
as (as entrevistas não o são, por definição);
b) o objetivo dos interlocutores dos diálogos é causar boa impres-
são no documentador presente e nos pesquisadores ausentes, mostrar
que falam bem e que conhecem a “etiqueta” da conversação; há uma
certa cumplicidade entre eles, que os leva a procurar não cometer viola-
ções que devam ser reparadas e a não reparar explicitamente ou dura-
mente as raras infrações do parceiro; do mesmo modo e de forma mais
aguda, na entrevista em que, por definição, se estabelecem três diálogos
– entre entrevistador e entrevistado, entre entrevistado e audiência e en-
tre entrevistador e audiência – a ausência de reparações mostra que en-
trevistador e entrevistado estão interessados em bem impressionar a au-
diência e esforçam-se, portanto, em não violar as regras da conversação
(as reparações, por conseguinte, deixam de ser necessárias);
c) tanto os diálogos como as entrevistas mascaram os traços do
conflito, da agressividade, da polêmica que, com a cooperação e o acor-
do, caracterizam as interações verbais.
Essas conclusões decorrentes do pobre emprego de reparações
são corroboradas, nos diálogos, pelo uso do que poderíamos chamar de
“reparações implícitas ou disfarçadas” e, nas entrevistas, por certas
reformulações que põem em jogo as regras da entrevista como tipo de
conversação.
51
As “reparações implícitas” dos diálogos fazem uso de mecanis-
mos como a sobreposição de voz e a tomada ou sustentação do turno,
para reparar de modo “disfarçado” as infrações do interlocutor. Essas
reparações constroem sujeitos aparentemente cooperativos e pouco po-
lêmicos ou agressivos. São reparações “implícitas” os casos em que um
dos falantes tenta tomar o turno do outro que, no entanto, não cede a vez
e não pára de falar. O falante que não cede a palavra está recriminando,
de modo implícito, o interlocutor que procura assumir o turno, sem que
estelhesejaatribuídosegundoasregras.Damesmaforma,ointerlocutor
que se esforça por obter a vez acusa, indiretamente, o falante que mono-
poliza a conversa. Nos exemplos abaixo, os colchetes assinalam as so-
breposições de vozes:
L2- (...) e agora não eu estou sempre correndo estou sempre falando tudo depressa
porque não dá tempo....
L1- é... se impôs
L2-
[
se a gente for parar...
L1- essa atitude sua
L2- é ((risos)) exatamente se a gente for parar para fazer as coisas calmamente não
dá... (...) (Castilho e Preti, 1987; INQ.360, p. 139, L. 127-134).
O “ocultamento” das reparações coaduna-se com o tipo de con-
versação que se constrói, pois sujeitos preocupados em causar boa im-
pressão a documentadores e a analistas dificilmente farão uso de repara-
ções diretas e “grosseiras”.
Asentrevistas,porsuavez,usamcertasreformulaçõesqueseapli-
cam às regras e aos papéis dos sujeitos desse tipo de conversação e que
podem, por isso, ser consideradas casos marginais de reparações, como
no exemplo que segue:
Inf (...) agora quem sabe se vocês PREcisando... melhor... ou melhor insistindo em
determinadas perguntas eu poderia dizer mais alguma coisa... (Preti e Urbano,
1988; INQ.250, p. 134, l. 54-56).
O exemplo acima mostra como os papéis se constroem: cabe ao
entrevistadorperguntar“bem”,paraqueoentrevistadotambémsejabem
sucedido nas respostas.
52
No que diz respeito às correções propriamente ditas predominam,
tanto nos diálogos, quanto nas entrevistas, as autocorreções (o falante
reformulaseuspróprios“erros”)autoiniciadasenomesmoturnodo“erro”
cometido.As heterocorreções, em que o falante corrige seu interlocutor,
são bem menos freqüentes que as autocorreções nos diálogos entre infor-
mantes (16%) e praticamente inexistentes nas entrevistas.
A maior freqüência de autocorreções parece ser a regra geral
(Schegloff, Jefferson e Sacks, 1977; Marcuschi, 1986; Gülich e
Kotschi, 1987):
– o falante não quer deixar passar a oportunidade de reparar o
seu próprio erro, pois teme suas conseqüências “conversacionais”
negativas;
– o falante procura corrigir-se o mais rapidamente possível,
pois a pressa em corrigir-se é garantia de correção “em tempo”.
O número muito pequeno de heterocorreções nos diálogos en-
tre informantes e sua ausência nas entrevistas constroem conversa-
ções cooperativas (daí a cumplicidade dos interlocutores) ou apenas
com menor tensão conversacional e laços interacionais mais frouxos.
Como foi já observado, nessas conversações a preocupação dos par-
ticipantes é a de bem impressionar o documentador e os analistas,
nos diálogos, a audiência, nas entrevistas.
Nessa mesma tarefa coerente de construção dos papéis con-
versacionais, as entrevistas utilizam, em lugar das heterocorreções,
as chamadas “negações polêmicas” (Ducrot, 1973), em que, por meio
de pressupostos ou de subentendidos, o entrevistado corrige a voz do
outro (a do senso comum), identificada com a da audiência, com quem,
em última instância, está argumentando; e os diálogos usam procedi-
mentos de atenuação das raras heterocorreções empregadas. Os tex-
tos abaixo exemplificam a negação polêmica nas entrevistas e a ate-
nuação das heterocorreções nos diálogos:
a) Doc (...) e:: de quem vocês tiveram mais apoio... pra poder realizar essas
peças?...
Inf- de quem nós tivemos mais apoio? de ninguém... mas... DE NINGUÉM
MESMO... (Preti e Urbano, 1988; INQ – 161, p. 40-41, l. 118-121).
53
O informante nega e corrige o conteúdo pressuposto da pergunta
do entrevistador: “vocês tiveram apoio”.
b) Doc- então e qual era a dieta de seu regime?
Inf- não era nada extraordinário viu era:: até muito comum... (Preti e Urbano, 1988;
INQ 235, p. 122, l. 76-77).
O informante “corrige” o subentendido de que as dietas de regime
são muito rígidas e difíceis.
c) L2- (...) pensar em termos de:: culpa coletiva por exemplo
L1-
[
só que isso não tem importan/
certo mas só que não tem nada que ver uma coisa com a outra porque (...) (Castilho e
Preti, 1987; INQ 343, p. 23, l. 250-254).
L1- interrompe sua correção da fala de L2 (“só que isso não tem
importan/”), emprega uma fórmula de concordância (“certo”), que ate-
nua a heterocorreção, e só então retoma a correção.
A opção por correções totais ou parciais separa os diálogos das
entrevistas. Os diálogos preferem as correções totais, em que aparecem
explícita ou implicitamente as duas fases da correção, a de negação do
elemento a ser corrigido e a de afirmação do elemento reformulador.
Com as correções totais, reforça-se o ato de correção e o “erro” a ser
corrigido e, nas heterocorreções, a discordância entre os interlocutores,
como no caso abaixo:
L2- (...) assim comunicação em cida/ em cidade grande o metrô é uma forma... de
comunicação né? de levar e trazer.
L1- transporte né?
L2- [pessoas e...
L1- não é bem comunicação é transporte (Castilho e Preti, 1988; INQ.343, p. 27,
l. 422-427).
O falante, primeiramente, corrige comunicação por transporte.
Trata-se de uma correção total, com a primeira fase, a da negação do
“erro”, implícita. Em seguida, ele aumenta a força argumentativa da cor-
54
reção, explicitando a primeira fase “não é bem comunicação (1ª fase) é
transporte” (2ª fase), mas, coerentemente com o que foi dito antes, ate-
nua um pouco o impacto interacional da correção, dizendo “não é bem
comunicação”, em lugar de “não é comunicação”.
As entrevistas, por sua vez, utilizam principalmente as correções
parciais que são formas já atenuadas de correção, em que não se nega,
nem explícita, nem implicitamente o elemento a ser corrigido. A corre-
ção parcial visa apenas à ampliação ou à restrição semântica do termo
“corrigido” e constrói, por isso mesmo, conversações mais contratuais
ou com laços interacionais mais fracos.
Essa falta de definição clara ou mesmo essa espécie de mascara-
mento dos procedimentos empregados é uma das estratégias da entrevis-
ta: enquanto os diálogos usam, como recursos, sobretudo as pausas (em
50% dos casos de correção), para marcar a produção da correção na fala,
as entrevistas servem-se, para a mesma finalidade, principalmente dos
prolongamentos de vogais (em 50% dos casos de correção). Pausas e
prolongamentos de vogais são, ambos, recursos marcadores da produção
que asseguram ao falante o tempo e o meio lingüístico necessários à
formulação e à reformulação da fala. A diferença é que o prolongamento
de vogais mascara, mais que a pausa, o ato de correção na fala. Os meca-
nismos utilizados são, portanto, coerentes: nos diálogos, predominam as
correções totais precedidas de pausas; nas entrevistas, as correções par-
ciais com prolongamento de vogais. Da mesma forma, as entrevistas
raramente usam o marcador “não”, que facilita o reconhecimento e a
interpretação da correção, a não ser no caso das negações polêmicas
mencionadas.
Nesse mesmo traçado em que se constroem os dois tipos de texto,
devem ser examinados os “erros” a serem corrigidos. Em ambos os in-
quéritos predominam as correções semântico-pragmáticas. É bem me-
nor o número de correções fonético-fonológicas e morfossintáticas, que
são sempre correções totais, pouco utilizadas nas entrevistas.
Resta mencionar, ainda, a esse respeito, que, nas entrevistas, ocor-
re um número significativo de correções de precisão anafórica, entre as
correçõessemântico-pragmáticas.Umadasrazõeséqueosinquéritosdo
Projeto NURC constituem um tipo específico de entrevista. Se a entre-
vistaé,emgeral,classificadaentreosgênerosinformativos,nasdoNURC
55
não interessa o que o entrevistado diz, mas, principalmente, como, do
ponto de vista lingüístico, o faz. O documentador não está preocupado
com as informações que o entrevistado possa dar sobre o tema, mas ape-
nas em fazê-lo falar. Daí o grande número de elementos fáticos utiliza-
dos, as questões sobre elementos que o entrevistado considera já trata-
dos, as perguntas repetidas (Barros, 1991). Explicam-se as correções de
precisão anafórica:
Doc- você disse que você faz regime não?
Inf- não eu JÁ fiz...(Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p.121-122, l. 74-75).
Oinformante,noexemploacima,corrigeodocumentador,aquem
já dissera, anteriormente (p. 120, l. 5): “bem... agora que eu já terminei o
meu regime”.
É necessário examinar outros tipos de entrevista para que se veri-
fique se essa classe de correção caracteriza, como acredito, a entrevista
como tipo de conversação. Para bem argumentar, indiretamente, com a
audiência, entrevistado e entrevistador devem, a meu ver, fazer uso, com
freqüência, de reformulações anafóricas.
Espero ter conseguido apontar como os procedimentos de refor-
mulação por correção e, disto estou convencida, os demais processos
discursivos constroem os papéis conversacionais dos interlocutores e, a
partir daí, os tipos diferentes de conversação (no caso examinado, a en-
trevista e o diálogo entre informantes, nos inquéritos do Projeto NURC).
1.1.2. Papéis sociais e pessoais
Também os papéis sociais e as características individuais dos in-
terlocutores fazem parte da organização persuasivo-argumentativa da
conversação e são fabricados pelos processos discursivos.
Em outras palavras, os papéis sociais não resultam apenas do co-
nhecimento das posições sociais dos falantes, mas se constroem nos pro-
cessosdiscursivoscomomecanismospersuasivo-argumentativosdacon-
versação.
56
Numa entrevista em que o entrevistador é um jovem estudante e o
entrevistado um velho professor universitário, os papéis conversacionais
podem-se inverter, como vimos ocorrer com o uso das reparações. Nesse
inquérito (Preti e Urbano, 1987; INQ 250), apenas o entrevistado faz
reparações ao entrevistador, trocando de papéis conversacionais (de en-
trevistador e de entrevistado) e construindo seu papel social (de profes-
sor), sua posição social “superior” à do entrevistador: é o entrevistado
quem julga, aprova ou desaprova o fazer do entrevistador, ou mesmo lhe
faz perguntas:
a) Inf- ... agora quem sabe se vocês PREcisando... melhor... ou melhor insistindo
em determinadas perguntas eu poderia dizer mais alguma coisa... (Preti e Urbano,
1987; INQ 250, p. 134, l. 54-56).
b) Inf- ... foi até muito bom é/êh... muito boa essa pergunta porque... ficou mais
claro talvez agora... ficou mais clara a explicação (Preti e Urbano, 1987; INQ 250,
p. 136, l. 133-135).
Em outra entrevista (Preti e Urbano, 1987; INQ 235), em que a
informante é uma professora primária, solteira, de trinta e oito anos, com
papel social igual ou “inferior” ao do jovem estudante universitário que a
entrevista, quando o entrevistador repete as mesmas perguntas, em lugar
de críticas ou elogios ao fazer do entrevistador, a entrevistada responde
apenas com uma heterocorreção de precisão anafórica:
a) Doc- você disse que você faz regime não?
Inf- não eu JÁ fiz... (Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p. 121-122, l. 74-75).
b) Doc- desde o café da manhã até a hora do jantar... o que você costuma comer em
cada um deles?
Inf- ah como eu já disse né? (Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p. 120, l. 27-29).
Quando a mesma entrevistada tenta assumir o papel conversacio-
nal próprio do entrevistador, o entrevistador “repara” a infração e volta a
ser ele a perguntar, ao contrário do que ocorre no inquérito anteriormente
mencionado, em que a inversão dos papéis entre o professor e o estudan-
te não é reparada:
Inf- (...) então teria que saber o que é que vocês preferem... e o que é que vocês
preferem?
57
Doc- não vamos supor que a gente omita a opinião gente:: eduCAda (como eu sou)
((risos)) assim “não:: qualquer coisa serve:: vê e tal e não sei que”... e o que que
você prepararia se a gente... deixasse... tudo a seu encargo? (Preti e Urbano, 1988;
INQ 235, p. 128, L. 351-356).
Da mesma forma, os papéis pessoais são construídos pelos pro-
cessos discursivos da conversação. Pode-se ilustrar o fato com um diálo-
go entre informantes (Castilho e Preti, 1987; INQ 333), em que as inter-
locutoras têm o mesmo papel conversacional (ambas são informantes
que dialogam entre si), os mesmos papéis sociais (“externos” – mesma
idade, sexo, nível cultural e posição na sociedade – e “internos”,
construídos pelos processos discursivos), e, ainda assim, a conversação é
desequilibrada: uma das locutoras, jornalista, conserva o turno por mais
tempo que a outra, escritora; controla a escolha e a mudança de temas;
responde sempre em primeiro lugar às perguntas do documentador. São
fatores de “estilo” na condução da conversação. Nesse diálogo, o uso dos
procedimentos de correção por cada uma das locutoras se dá de modo
marcadamente diferente.
Apenas a escritora (L2) utiliza, algumas vezes, procedimentos de
reparação implícita, em geral de infrações à regra de que deve haver pelo
menos uma troca de falante na conversação, para, com sobreposição de
voz, recuperar o turno, já que a jornalista (L1) domina a conversação
com suas longas falas:
L1- retratando determinado mundo”... eu acho que é muito bom... que o Brasil
em literatura pelos seus grandes escritores há bastante tempo... já deixou de ter o
seu cordão umbilical... preso à Europa... e:: e todo o:: ... toda a América Latina já se
desprendeu... desse cordão umbilical fazendo uma literatura muito ... da terra muito
do homem ... nativo ... que é o caso de Gabriel Garcia Márquez ... e de tantos
outros e aqui:: ... no Brasil ... JorgeAma::do e tantos outros ... e:: então agora ... no
cinema parece também que está havendo essa desvinculação... do figurino europeu
dofigurinoamericano...infelizmentehámuitotambémdachamadapornochanchada
não é? ... que é uma maneira comercial mas o que se pode dizer ...
da pornochanchada aqui se ela impera na França se ela impera no
L2-
[
H...
L1- mundo todo
L2- um belo filme foi Orfeu do Carnaval
58
L1- foi ... mas esse já é antigo e foi uma co-produção não é?
L2-
[
já antigo já faz muito tempo
é
(Castilho e Preti, 1987; INQ 333, p. 250, L. 662-682)
Percebe-se com clareza a tentativa de reparação de L2, que procu-
ra ter vez após a longa fala de L1.
Com o mesmo objetivo de reparação das infrações de L1 e de
garantia de espaço a L2, o documentador (que sempre dirige suas per-
guntas às duas informantes, usando os verbos na terceira pessoa do plu-
ral e o pronome “vocês”, e recebe respostas apenas ou em primeiro lugar
da locutora jornalista, como se lhe tivessem atribuído o turno diretamen-
te) dirige, em sua última intervenção, sua questão única e diretamente à
locutora escritora (Barros, 1994):
Doc- (...)... e só para terminar vocês acham que no futuro a TV vai realmente
sobrepujar o cinema? ... aqui no nosso caso principalmente
L1- olha ... eu não digo sobrepujar mas (...)
(.....)
Doc. e a dona I. também ...
L2- ah sim naturalmente nem há nem há dúvida ... nem há dúvida (Castilho e Preti,
1987; INQ 333, p. 263-264, l. 1188-1191, l. 1215-1217)
Nesse diálogo é sempre a escritora (ou o documentador) quem
tentarepararindiretamenteasinfraçõesconversacionaisdojornalistaque
nãocedeavezouque,comfreqüência,tomaoturnodesuainterlocutora.
O emprego das reparações define, assim, “estilos” conversacionais pró-
prios, no quadro das regras gerais de “etiqueta” da fala.
Esse diálogo, além disso, apresenta mais casos de heterocorre-
ções que os demais diálogos entre informantes do Projeto, pois, devido
ao equilíbrio dos papéis conversacionais e sociais, é um diálogo mais
simétrico e mais próximo das conversações espontâneas. As heterocor-
reções são, em geral, efetuadas pela jornalista, que domina a conversa-
ção. A reação da locutora escritora é a de teimar um pouco, ou seja, a de
não aceitar as correções da outra, pois, sabendo que a jornalista lhe deixa
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  • 2. VENDAS LIVRARIA HUMANITAS-DISCURSO Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 – Cid. Universitária 05508-900 – São Paulo – SP – Brasil Tel: 3818-3728 / 3818-3796 HUMANITAS – DISTRIBUIÇÃO Rua do Lago, 717 – Cid. Universitária 05508-900 – São Paulo – SP – Brasil Telefax: 3818-4589 e-mail: pubfflch@edu.usp.br http://www.fflch.usp.br/humanitas COMISSÃO EDITORIAL PROJETO NURC/SP – NÚCLEO USP FFLCH/USP Área de Filologia e Língua Portuguesa Av. Prof. Luciano Gualberto, 403 sala 205 – Cid. Universitária 05508-900 – São Paulo – SP – Brasil Tel: (011) 818-4864 Fax: (00-55-11) 818-5035 Endereço para correspondência UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor: Prof. Dr. Jacques Marcovitch Vice-Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS Diretor: Prof. Dr. Francis Henrik Aubert Vice-Diretor: Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz PROJETO DE ESTUDO DA NORMA LINGÜÍSTICA URBANA CULTA DE SÃO PAULO (PROJETO NURC/SP - NÚCLEO USP) © Copyright 1998 dos autores. Os direitos de publicação desta edição são da Universidade de São Paulo. Humanitas Publicações – novembro/1998
  • 3. ESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADAESTUDOS DE LÍNGUA FALADA variações e confrontos Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)Dino Preti (org.)Dino Preti (org.) PUBLICAÇÕES FFLCH/USP 33333Projetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SPProjetos Paralelos - NURC/SP (Núcleo USP)(Núcleo USP)(Núcleo USP)(Núcleo USP)(Núcleo USP) PUBLICAÇÕES FFLCH/USP 1998 ISBN 85-86087-38-6
  • 4. Série PROJETOS PARALELOS Vol. 1 ANÁLISE DE TEXTOS ORAIS Vol. 2 O DISCURSO ORAL CULTO Vol. 3 ESTUDOS DE LÍNGUA FALADA: VARIAÇÕES E CONFRONTOS Direitos reservados PROJETO NURC/SP – NÚCLEO USP FFLCH/USP – Área de Filologia e Língua Portuguesa Caixa Postal 2530 – Cidade Universitária 01060-970 – São Paulo – SP – Brasil Tel: (00-55-11) 818-4864 Estudos de língua falada: variações e confrontos / organizado por Dino Preti .– São Paulo, Humanitas/FFLCH/USP, 1998 236 p. (Projetos Paralelos, 3) Publicação do Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta de São Paulo (Projeto NURC/SP – Núcleo USP) ISBN 85-86087-38-6 1. Sociolingüística 2. Português (Língua) 3.Português do Brasil 4. Comunicação verbal I. Preti, Dino II. Projeto de Estudo da Norma Lingüística Urbana Culta de São Paulo III. Série CDD 417 Ficha catalográfica elaborada por Márcia Elisa Garcia de Grandi – CRB 3608 SBD FFLCH USP E 85
  • 5. SUMÁRIO Apresentação ........................................................................................... 7 Breve notícia sobre os autores ............................................................... 9 Normas para transcrição de exemplos ............................................... 12 1. Atividades de compreensão na interação verbal .......................... 15 Luiz Antônio Marcuschi 2. Procedimentos e recursos discursivos da conversação ................. 47 Diana Luz Pessoa de Barros 3. Tipos de frame e falantes cultos ..................................................... 71 Dino Preti 4. Elocução formal: o dinamismo da oralidade e as formalidades da escrita ................................................................... 87 Beth Brait 5. Polidez na interação professor/aluno ........................................... 109 Luiz Antônio Silva 6. Variedades de planejamento no texto falado e no escrito .......... 131 Hudinilson Urbano 7. Os processos de representação da imagem pública nas entrevistas ................................................................................ 153 Leonor Lopes Fávero Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade 8. Língua falada: uso e norma ......................................................... 179 Marli Quadros Leite 9. O emprego do subjuntivo e de formas alternativas na fala culta .................................................................................... 209 Paulo de Tarso Galembeck
  • 6.
  • 7. APRESENTAÇÃO Háuminteressecrescente,emtodoomundo,peloestudodalíngua oral e de suas relações com a escrita. Abandona-se a idéia de atribuir aos textos escritos uma importância exclusiva nos estudos lingüísticos e a de estudar por seus métodos os fenômenos da oralidade. Procura-se, hoje, entender as duas modalidades da língua (falada e escrita) como um continuum em que se observam contrastes e aproximações. Seu estudo vem sendo feito com novos métodos em várias disciplinas, como a Aná- lise do Discurso, a Sociolingüística, a Análise da Conversação, a Socio- lingüística Interacional, a Estilística, a Gramática, entre outras linhas de pesquisa. Dentro desse novo enfoque, a língua falada deve ser vista por métodos próprios de análise, considerando-se as mais variadas formas de interação verbal. A série PROJETOS PARALELOS-NURC/SP vem tratando de alguns dos problemas que envolvem as relações fala/escrita, a partir dos referentes comuns de seus livros: os vários tipos de materiais gravados na cidade de São Paulo, com falantes cultos, em situações de comunica- ção diversas. Em ESTUDOS DALÍNGUAFALADA: VARIAÇÕES E CON- FRONTOS, terceiro volume da série, temos um grupo de ensaios varia- dos, nos limites temáticos da coleção: • comparação entre discurso oral e escrito (“Elocução formal: o dinamismo da oralidade e as formalidades da escrita”, de Beth Brait; “Variedades de planeja- mento no texto falado e escrito”, de Hudinilson Ur- bano; • características do discurso oral e gêneros discursivos (“Procedimentos e recursos discursivos da conversa- ção”, de Diana Luz Pessoa de Barros; “Os processos derepresentaçãodaimagempúblicanasentrevistas”,
  • 8. 8 de Leonor Lopes Fávero e Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade); • análise de processos de cognição na língua falada (“Atividades de compreensão na interação verbal”, de Luiz Antônio Marcuschi; “Tipos de frame e falantes cultos”, de Dino Preti); • aspectos sociolingüísticos revelados na interação verbal (“Língua falada: uso e norma”, de Marli Quadros Leite; “Polidez na interação professor/ aluno”, de Luiz Antônio da Silva); • variações sintáticas da língua falada (“O emprego do subjuntivo e de formas alternativas na fala culta”, de Paulo de Tarso Galembeck). Os textos desta coleção têm sido sempre de responsabilidade dos pesquisadores do Núcleo USP do Projeto NURC/SP, grupo constituído por catorze estudiosos de várias universidades. Mas, a partir deste núme- ro da série PROJETOS PARALELOS – NURC/SP, passamos a incluir a colaboraçãodeumlingüistaconvidado.Assim,ESTUDOSDELÍNGUA FALADA: VARIAÇÕES E CONFRONTOS traz um ensaio de Luiz AntônioMarcuschi,daUniversidadeFederaldePernambucoedoNURC/ RECIFE, um dos nomes de ponta da lingüística brasileira contemporâ- nea. A aceitação dos volumes anteriores da série, o primeiro dos quais jáemterceiraedição,nospermitepressuporqueacoleçãovematingindo seus principais objetivos: divulgar estudos sobre a língua oral, realizados na linha de uma bibliografia continuamente atualizada pelos pesquisado- res do NURC/SP; provocar a discussão dos assuntos tratados; e iniciar os leitores que desconhecem essas novas abordagens do fenômeno da oralidade. D.P.
  • 9. 9 BREVE NOTÍCIA SOBRE OS AUTORES LUIZ ANTÔNIO MARCUSCHI, professor titular de Lingüística daUniversidadeFederaldePernambuco,doutorou-seemFilosofiadaLin- guagem na Friendrich Alexander Universitat de Erlangen, na Alemanha. Tem dado cursos e conferências em vários países da Europa e daAmérica. Foiointrodutor,noBrasil,dosestudosdeAnálisedaConversaçãoepubli- cou inúmeros artigos, aqui e no exterior, além das obras Lingüística do texto: o que é e como se faz; Linguagem e classes sociais e Análise da Conversação.Tem desempenhado papel de relevo junto às sociedades ci- entíficas do País, como ABRALIN, ANPOLL, SBPC etc., bem como na assessoria científica de entidades oficiais como a CAPES e o CNPq. É, hoje, no Brasil, um dos nomes de maior prestígio na área de Lingüística. DIANA LUZ PESSOA DE BARROS, professora titular de Lin- güística, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, foi presidente da ABRALIN e tem desenvolvido e orientado pesquisas, bem como publicado obras, principalmente nas áreas deTeoria eAnálise de Textos, Semiótica Discursiva e estudos de língua falada. Principais livros: Teoria do discurso – fundamentos semióticos; Teoria semiótica do texto; Dialogismo, polifonia e intertextualidade: em torno de Bakhtin (em co-autoria com José Luiz Fiorin). DINOPRETI,professortitulardeLínguaPortuguesanaUSP(apo- sentado) e, atualmente, professor de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é Coordenador Científico do Proje- to NURC/SP (Núcleo USP) e seus trabalhos se encontram nas áreas de língua oral, vocabulário popular (principalmente, gíria urbana) e Socio- lingüística Interacional. Tem realizado pesquisas em áreas interligadas, como a Sociolingüística e Análise da Conversação, a Sociolingüística e Literatura Brasileira. Principais publicações: Sociolingüística – os níveis de fala; A linguagem proibida – um estudo sobre a linguagem erótica (prêmio Jabuti, l984); A gíria e outros temas; A linguagem dos idosos. BETH BRAIT é professora do programa de pós-graduação da PUC/SP, Departamento de Lingüística Aplicada ao Ensino de Língua, e
  • 10. 10 professora convidada do programa de pós-graduação da USP, de onde é professora aposentada. Pela Universidade de São Paulo formou-se, obte- ve os títulos de doutora em Letras, em 1981, e o de livre-docente em 1994.Éautoradevárioslivros,entreeles,Apersonagem(1985);Ferreira Gullar (1981); Guimarães Rosa (1983); Gonçalves Dias (1983); Ironia em perspectiva polifônica (1996). É, também, autora de inúmeros capí- tulos de livros e artigos publicados em anais de congressos e em revistas especializadas. LUIZ ANTÔNIO DA SILVA é doutor pela Faculdade de Filoso- fia,Letrase CiênciasHumanasdaUSP,ondelecionanaáreadeFilologia e Língua Portuguesa. Participa do grupo de pesquisadores do Projeto NURC/SP e tem desenvolvido pesquisas na área de Análise da Conver- sação. Também atua no ensino médio, lecionando no Colégio Bandei- rantes em São Paulo. Além de artigos em revistas especializadas, é autor da obra O nome e seus determinantes, publicada pela editora Atual. HUDINILSON URBANO é doutor pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, na área de Filologia e Língua Portu- guesa. Tem-se dedicado ao estudo específico da língua falada, com par- ticipação ativa dentro do Projeto NURC/SP (Núcleo USP) e Projeto Nacional de Gramática do Português Falado. Nos dois projetos realizou e publicou, individualmente ou em co-autoria, pesquisas sobre estratégi- as e mecanismos de produção do texto oral. LEONOR LOPES FÁVERO, doutora pela Pontifícia Universi- dade Católica de São Paulo e livre-docente pela USP, trabalha como Pro- fessora Associada do Departamento de Lingüística da Faculdade de Fi- losofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Sua especialidade abrange os campos da Lingüística Textual, estudos de língua falada e História das Idéias Lingüísticas. Principais obras: Coesão e coerência textuais; As concepções lingüísticas no século XVIII. MARIA LÚCIA DA CUNHA VICTÓRIO DE OLIVEIRA AN- DRADE é professora do Departamento de Letras Clássicas eVernáculas da FFLCH/USP, onde leciona Língua Portuguesa, desde 1992. Defen- deu Mestrado em Língua Portuguesa, na PUC/SP, em 1990, sobre o tema Contribuição à gramática do português falado: estudo dos marcadores conversacionais então, aí, daí. Doutorou-se em Semiótica e Lingüística pela USP, em 1995, com a tese Digressão: uma estratégia na condução
  • 11. 11 do jogo textual interativo. Tem capítulos e artigos publicados, indivi- dualmente e em co-autoria, sobre a Lingüística Textual e os estudos de língua falada, em livros, revistas especializadas e anais de congressos nacionais e internacionais. MARLI QUADROS LEITE é professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên- cias Humanas da USP, onde leciona Língua Portuguesa. Defendeu Mes- trado e Doutorado em Lingüística, na mesma universidade, e sua espe- cialidade é língua falada. Ocupa o cargo de Secretária Geral do Projeto NURC/SP( Núcleo USP).Tem no prelo um livro sobre purismo lingüís- tico, tema de sua tese. PAULO DE TARSO GALEMBECK leciona Língua Portuguesa na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – campus de Araraquara. Defendeu Mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutorou-se pela USP, com uma tese sobre Um estudo dos elementos anafóricos em textos conversacionais – Projeto NURC/SP.Tempublica- do um grande número de artigos sobre problemas conversacionais, em revistas e coletâneas científicas ligadas a diversas áreas da Lingüística, mais comumente à da Análise da Conversação.
  • 12. 12 NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO ( ) (hipótese) / maiúscula ::podendo aumentar para::: ou mais – ? ... ((minúscula)) do nível de renda( ) nível de renda nominal (estou) meio preocupado (com o gravador) e comé/ e reinicia porque as pessoas reTÊM moeda ao emprestarem... éh::: ... dinheiro por motivo tran-sa-ção e o Banco... Central... certo? são três motivos... ou três razões... que fazem com que se retenha moeda... existe uma... retenção ((tossiu)) Incompreensão de palavras ou segmentos. Hipótese do que se ouviu. Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre). Entonação enfática. Prolongamento de vogal e consoante (como s, r). Silabação. Interrogação. Qualquer pausa. Comentários descritivos do transcritor. * Exemplos retirados dos inquéritos NURC/SP nº 388 EF e 331 D2
  • 13. 13 OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO Comentários que quebram a seqüência temática da exposi- ção; desvio temático. Superposição, simultaneidade de vozes. Indicação de que a fala foi tomada ou interrompida em determinado ponto. Não no seu início, por exemplo. Citações literais ou leituras de textos, durante a gravação. - - - - ligando as linhas (...) “ ” ...a demanda de moeda - - vamos dar essa notação - - demanda de moeda por motivo A. na casa da sua irmã B. sexta-feira? A. fizeram LÁ... B. cozinharam lá? (...) nós vimos que existem... Pedro Lima...ah escreve na ocasião... “O cinema fa- lado em língua estrangeira não precisa de nenhuma baRREIra entre nós”... OBSERVAÇÕES: 1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.). 2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?). 3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados. 4. Números: por extenso. 5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa). 6. Não se anota o cadenciamento da frase. 7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh:::...(alongamento e pausa). 8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.
  • 14. ATIVIDADES DE COMPREENSÃO NA INTERAÇÃO VERBAL Luiz Antônio Marcuschi 1. Considerações iniciais Admite-se, hoje, que a compreensão, na interação verbal face a face, resulta de um projeto conjunto de interlocutores em atividades colaborativas e coordenadas de co-produção de sentido e não de uma simples interpretação semântica de enunciados proferidos. Contudo, não se tem ainda uma noção clara do tipo de atividade que deve ser observa- do como particularmente relevante em cada caso (v. Clark & Wilkes- Gibbs, 1986). Também não se tem clareza quanto ao peso da contribui- ção de cada um dos elementos intervenientes. Por exemplo, qual o peso dos conhecimentos enciclopédicos e dos conhecimentos lingüísticos? O que se pode assegurar é que isto, se não chega a pôr a língua num segun- do plano, sugere atenção para outros aspectos envolvidos na construção desentidoemsituaçõesnaturaisdefala.Entreestesoutrosaspectosestão as faces (Brown & Levinson, 1978), as crenças pessoais, os conheci- mentos (partilhados ou não) (Tannen, 1985, 1986), as normas e práticas sociais, as pistas de contextualização (Gumperz, 1982), a natureza da relação entre os interlocutores e as condições situacionais de produção da fala. Neste ensaio, apresento algumas sugestões para análise de ações conjuntas desenvolvidas nas interações verbais face a face, que podem ser caracterizadas como atividades de compreensão. Centrado em um conjunto relativamente pequeno de situações de fala autênticas, observa- rei como os participantes constroem espaços cognitivos e semânticos que permitem dar sentidos específicos a suas contribuições. Os materiais analisados provém docorpus levantado pelo Projeto NURC de São Pau-
  • 15. 16 lo.1 A restrição no recorte dos dados deve-se à natureza da obra em que este ensaio se insere. Saliento que, apesar de os materiais não serem típicos de fala espontânea, dado o objetivo original de sua coleta, são adequados para observar aspectos centrais das questões aqui tratadas.2 Para o desenvolvimento do estudo, assumo algumas premissas básicas que podem ser assim enunciadas: • A língua não é um instrumento autônomo de codificação, produção e transmissão de sentidos objetivos, unívocos e claramente inscritos no texto. Embora apresente certa estabilidade formal, a língua é uma atividade contextualmente situada, cognitivamente determinada, so- cial e historicamente constituída. • O texto, oral ou escrito, mais do que uma unidade de sentido é um evento discursivo (Beaugrande, 1997) e a interação verbal, realizada numa estrutura conversacional ou não, é uma atividade semântica, isto é, um espaço de significações (Eggins & Slade, 1997). • A coerência conversacional não é fruto de uma simples relação en- tre conteúdos linearmente encadeados, mas se constrói como um esforço de encadeamento multiplamente comandado, de modo que os sentidos são conduzidos tanto por processos léxico-gramaticais como por processos colaborativos exercidos na atividade discursiva e por suposições mútuas (Wilkes-Gibbs, 1995). • Acoordenação e sincronização de ações, seja na seqüenciação das idéias ou na coordenação rítmica (sincronia prosódica), entre ou- tras, contribui de maneira decisiva para criar espaços e oportunida- des de significação. Isto torna a qualidade da coordenação relevan- te como fonte de significação e base para entendimento ou desen- tendimento. (1) Todos os exemplos analisados são do corpus do Projeto NURC-SP e serão aqui referidos como D2 = Diálogo entre 2 Informantes; DID = Diálogo entre Informante e Documentador (entrevistas) e EF = Elocuções Formais (aulas e conferências). São citados os números dos inquéritos e as páginas dos livros com as linhas dos segmen- tos. Na bibliografia, podem-se ver as fontes. (2) Questões similares no texto oral foram recentemente tratadas por Ingedore Villaça Koch (1997), que observa em especial as estratégias de (re)formulação com relevân- cia na produção de sentido, partindo de premissas semelhantes às aqui adotadas para o tratamento da compreensão.
  • 16. 17 • Negociação e produção conjunta são atividades essenciais para a produção de sentidos em todos encontros sócio-comunicativos em que dois ou mais indivíduos estiverem engajados e tiverem como um dos objetivos a compreensão mútua. Embora não pretenda comentar cada uma das premissas enuncia- das, vale a pena retomar brevemente a primeira que diz respeito à noção de língua e se situa em contexto teórico movediço. A premissa desafia a idéia cartesiana de que a mente e a sociedade seriam categoricamente distintas(Jacoby&Ochs,1995:173),enfatizandoarelaçãoentrementee sociedade, na medida em que as toma como mutuamente constitutivas. Certamente, há muitos modos de se ver esta relação: para o socio-cons- trutivismo vigotskiano (Vigostsky, 1984), por exemplo, a mente seria socialmente constituída; para o cognitivismo (Sweetser & Fauconnier, 1996), de posição teoricamente diversa, mas de conseqüências similares, persistem estreitas relações entre cognição humana e contextualização e para o sócio-interacionismo etnometodológico dos anos 60, a racionali- dade como construção de ordem superior seria um “affair” essencial- mente interacional, mediado pela língua em ações conjuntas praticadas em situações sociais. Como se nota, está se tornando cada vez mais co- mumcorrelacionarculturaecognição(v.Cole,1985),assimcomoprag- mática e cognição (v. Silveira & Feltes, 1997), sendo que tanto cultura como pragmática envolvem ações interativas sócio-históricas. No seu conjunto, as premissas acima constituem a base mínima que permite construir os princípios que dariam forma ao que se poderia chamar de modelo sócio-interacional da compreensão. Para que este modelo seja desenhado é ainda conveniente considerar que entre suas características estão: dinamicidade e temporalidade, o que impede que seja montado como um esqueleto formal. Em todos os casos lidamos com seres humanos concretos em interação altamente complexa, dife- renciada e instável. Identidade e determinação acontecem como estados finais de um trabalho em que a língua é apenas um dos fatores essenciais. Em suma, segundo argumenta Wilkes-Gibbs (1995:240), “para que o discurso opere apropriadamente, os participantes devem coordenar entre si mais do que a ‘mecânica’ de sua interação. O im-
  • 17. 18 portante para os ouvintes não é imaginar o que uma palavra ou enun- ciado pode significar abstratamente, mas o que o falante pretende que se entenda com eles ao tê-los dito naquela situação e naquele momen- to do discurso. Para administrar isso, os participantes precisam mais do que cooperar no sentido de Grice. Eles devem também coordenar suas ações e o que eles devem entender com essas ações.” Na realidade, temos aqui uma dupla perspectiva: por um lado, necessita-se coordenar conteúdos e, por outro, coordenar ações. Em con- seqüência, idéias e ações podem ser tidas como interpendentes na cons- trução de sentido. É isto que torna a produção de sentido uma atividade multiplamente organizada e uma conquista essencialmente coletiva (um projeto conjunto) e não fruto de atividades individuais. A compreensão pode ser tomada, pois, como um esforço mútuo dos falantes para cons- truir coerência, isto é, sentido. Posição semelhante a esta é defendida por Cook-Gumperz & Gumperz (1984:3) que, num trabalho sobre compreensão entre exami- nadores de uma tese de doutorado, defendem a premissa de “que a interação verbal é uma atividade cooperativa que requer uma coordenaçãoativadosatosporpartededoisoumaisparticipanteseque tudo o que é realizado, tudo o que é interpretado e toda a informação atingida não é inerente aos signos verbais ou não-verbais como tal, mas deve emergir dessas trocas interativas seqüencialmente organizadas”. Esta premissa sugere que não podemos confiar apenas nas carac- terísticas estruturais da interação nem nas propriedades comunicativas da língua, nem nos contextos situacionais imediatos de produção da inte- ração, mas devemos estar atentos para o que os falantes fazem com tudo isso, se queremos perceber como eles se entendem. O importante não é a identificação das regras da estrutura conversacional, mas a habilidade desenvolvida pelos falantes no uso das estratégias conversacionais com o objetivo de se entenderem e atingirem metas comuns em situações sociais de fala. É evidente que em todo esse procedimento metodológico de re- cortes e interpretações a compreensão é dada como garantida para os participantes da interação. Ao analista no entanto parece ser mais pro-
  • 18. 19 funda a questão e não lhe cabe apenas identificar e admitir que há com- preensão. Ele deve dar conta da seguinte questão: como é que os partici- pantes de uma interação resolvem suas estratégias e processos de com- preensão de forma tão competente? O presente ensaio é uma tentativa ainda preliminar de responder a esta questão com algumas análises. 2. A negociação e seus limites Embora a negociação seja um aspecto central para a produção de sentido na interação verbal enquanto projeto conjunto, nem tudo é nego- ciável. Por exemplo, não negociamos crenças nem convicções, o que tem conseqüências por vezes relevantes na continuidade de um tópico e pode ditar sua “morte”. Pois a atenção dos falantes para a qualidade de suas relações (preservação das faces, por exemplo) pode sacrificar um tópico ao perceberem que não há condições de consenso: a única forma de cooperar é o aborto do tópico. Vejamos um caso típico, embora nada dramático, que conduz a demonstrações de desinteresse e abandono do tópico por ausência de negociação. O fato reproduzido em (1) situa-se no momento em que duas mulheres de 60 anos, após terem falado sobre a televisão, o teatro, a música e a literatura dos anos 70, passam a focalizar um detalhe do tópi- co. O caso ilustra a tese de que, quando conhecimentos e convicções se confundem, a negociação torna-se difícil. Observe-se que entre as linhas 603 e 621 não ocorre negociação. Ali a questão é se a cantora Marília é ou não irmã do maestro Júlio Medaglia. A falante L2 diz (linha 603) que a Marília é irmã do maestro, sendo contraditada por L1 (linha 605) que para tanto alega a diferença no sobrenome. Nesse momento, L2 acres- centa que ambos têm uma irmã muito inteligente que é poetisa; L1 (li- nhas 608-9) contradiz L2 novamente. Na realidade, L1 não estava con- tradizendo a afirmação imediatamente anterior de que eles tinham uma irmã poetisa, mas a primeira, relativa à cantora e ao maestro serem ir- mãos. O interessante é que L1 (linhas 611-12) apresenta a diferença de sobrenomes como argumento para sua afirmação, no que é retrucada por L2 com a hipótese de mudança intencional do nome, sendo que L1 não aceita e volta a se repetir (linhas 615-18) e L2 também se repete (linhas
  • 19. 20 618-619) criando o confronto. Como este ponto não é negociável, só resta o abandono do tópico e a inserção de um ponto negociável (linhas 622-25), como sinal de desinteresse, quando L1 concorda com L2 na questãomenoraoadmitirquesetratadeuma“poetisa”.Adocumentadora tanto percebeu o impasse que promoveu uma brusca mudança de tópico. Exemplo (1) /…/ 603 L2 é família toda interessante inteligente ela o irmão ... o irmão {de Marília} é maestro né ? 605 L1 (que) acho que [não ... L2 [o irmão ela tem uma irmã que é poetisa que é muito inteligente também [(né ?) L1 [é mas eu acho [que não I. 610 L2 [jornalista e poetisa L1 eu acho que o maestro Júlio Medaglia ele é Meda-gli-a e ela é [Medalha com L e H L2 [eu acho que ela modificou e ele é irmão dela 615 L1 não não((clique)) parece que não eu não POsso jurar sobre os evangelhos mas me parece que ... ahn:: ela seria Medalha com L e H ... L2 [ eu acho que ela modificou seu nome ... ela( ) [nome 620 L1 e ele MeDA-glia L2 ( ) tenho impressão L1 a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça jornalista L2 poetisa… 625 L1 poetisa Doc. e sobre o cinema… [o cinema atual? L1 [o cinema nacional? Olha o cinema na/ o atu/ o atual brasileiro /…/ D2 – Inq. 333, p. 249
  • 20. 21 O exemplo (1) traz um caso claro de como se constrói coletiva- mente uma discordância e como se opera com ela sem resolvê-la. Já que não se negociam crenças, negocia-se o tópico, ou seja, aborta-se e pros- segue-se para outro ponto como forma de preservar a relação. As linhas 624-625, com uma repetição mútua lacônica, é indício claro de esgota- mento de interesse. A documentadora, que percebe o fato, soluciona a continuidade da relação com uma proposta alternativa logo aceita, inclu- sive em sobreposição de vozes. O aspecto essencial desse caso reside na consciência de que mais vale sacrificar um tema do que as relações pes- soais, caso se queira continuar interagindo. E esta consciência é sinaliza- da na construção progressiva do desinteresse. Além disso, é oportuno não confundir colaboração com consenso ou concordância, pois a cola- boração é apenas uma forma cooperativa de produzir ações cordenadas e não um procedimento de atingir consensos. 3. Construindo um foco comum Se em (1) as interlocutoras tinham um foco comum mas insufi- ciente em virtude de crenças diversas sobre o mesmo tópico, em (2) dá-se o inverso: não há foco comum e tudo o que se tem é uma tenta- tiva de construir um foco de atenção comum. Pois numa interação face a face, a base do sucesso das trocas é a presença de interesses comuns e referentes partilhados, previamente existentes ou construídos no processo da interação. Em entrevistas, por exemplo, os tópicos são sugeridos pelo entrevistador que deve criar condições de responsibilidade ao seu entrevistado. É assim que o entrevistador não apenas deve indagar, mas situar sua indagação num quadro de expec- tativas. Às vezes, o trabalho mais duro é o da busca de sintonia refe- rencial e produção de interesse mútuo. Nem sempre se é bem-sucedi- do nessa tarefa, como se observa em (2). O problema central no trecho citado em (2) é o interesse muito específico da entrevistadora (Doc.) que desejava obter informações para seu trabalho lingüístico. A primeira tentativa seria a de estabelecer refe- rentes comuns e não simplesmente supô-los, como ocorre no momento em que a Documentadora (linhas 530-2) pede para “descrever um cine-
  • 21. 22 ma” imaginando tratar-se de uma ação e um referente inambíguos. Na dúvida, a Informante (linha 533) solicita uma confirmação antes de res- ponder, pois não sabe se cinema é equivalente a “filme”, sendo-lhe explicitado pela Doc. (linha 534) que se trata do “cinema em si”, “o local”, “o cinema”. Nada disso adiantou e a Inf. (linha 535) produz uma das mais temidas assertivas no processo interacional, “eu não entendi a pergunta”, o que pode significar duas coisas: (a) isso não faz sentido ou (b) esclareça o que você está dizendo. Em ambos os casos há uma ame- aça à face da interlocutora e tudo pode acabar ali mesmo. Vejamos o que acontece. Exemplo (2) /…/ 530 Doc. uhn uhn ... Dona I. como é que a senhora descreveria um cinema ... com todos os elementos assim que compõem o cinema?... Inf como você diz descrever um:: um um filme? Doc. não o cinema em si o local o cinema... 535 Inf eu não entendi a pergunta Doc. o interior do cinema do que que se compõe o cinema? na hora que a senhora en:: tra antes de entrar:: o que que aconte::ce eu gostaria que a senhora me dissesse como se a senhora fosse entrar no cinema tá?... então a senhora 540 o que que a senhora faz primeiro? a senhora chega no cinema a senhora vai para onde? faz o quê? Inf certo eu acho que o o o antigamente os cinemas... o ambiente era era outro... a gente ia ao cinema tinha em São Paulo tinha uns cinemas ótimos eu acho que aGOra 545 o:: o pessoa::l sei lá eles vão de qualquer jeito ao cinema do jeito que estão::... eles emendam saem do trabalho vão ao cinema saem da escola vão ao cinema quer dizer éh éh a gente encontra no cinema no ah ah ah para assistir um filme vários éh grupos de pessoas de de de de 550 várias camadas você encontra estuDANte você encontra pessoa da iDAde eu acho que eh o cinema perdeu
  • 22. 23 muito por causa da televisão... agora se você pergunta o que eu acho quando eu entro no cinema eu entro... Doc. não antes de entrar no cinema a senhora... o que que 555 acontece? o que que a senhora faz? Inf bom adquiro o bilhete para entrar Doc. uhn Inf entramos... x: a eu acho que éh o:: ... os cinemas... são:: você vê as poltronas bem acomodadas senta-se assiste-se 560 um filme BEM acomodado os cinemas que nós ternos em São Paulo não tenho mais ido quase a cinema mas eu acho que eram::... uns cinemas assim bem::... bem construidos... o:: ... o Marabá o:: éh sentava-se a gente se sentia bem à vontade porque era um... um ambiente:: muito assim:: 565 requintado hoje já não é mais /…/ DID – Inq. 234, p. 116-7 Note-se que a longa explicação pouco elucidativa da Doc (linhas 536-41) de nada serviu, pois recebeu uma longa resposta da Inf (linhas 542-53) que divagou sobre tudo o que se pode imaginar, inclusive com dúvidas sobre sua resposta (linha 552-3), sem um foco definido e longe do pretendido pela Doc, quando diz (linha 554):“não”, que contrasta de ma- neira significativa com a marca de satisfação “uhn” (linha 557) sinalizan- do: “agora sim!”. O mais curioso, porém, ouvindo-se o resto da explana- ção nos momentos seguintes, é perceber que persistiu a falta de sintonia cognitiva entre Doc e Inf, dando-se o inverso do caso (1), ou seja, a Doc desiste de insistir, já que percebe tratar-se de empresa sem futuro e deixa sua interlocutora falar qualquer coisa. O exemplo (2) mostra que a compreensão é um processo de sinalização múltipla: referentes comuns, atenção centrada e interesse construído conjuntamente. Sem esses elementos não só faltará com- preensão, como não haverá engajamento suficiente para o desenvol- vimento de atividades cognitivamente sintonizadas e interativamente coordenadas. Casos como este são possíveis em interações com pa- péis assimétricos como as entrevistas, em que o entrevistador pro- põe, mas não comanda.
  • 23. 24 4. Demonstração de (des)interesse e (não)partilhamento Dois interlocutores podem não ter previamente os mesmos inte- resses nem conhecimentos partilhados, sendo que, neste caso, devem construí-los dando sinais explícitos de que os construíram, caso estejam seriamente engajados. Em (2), isto não ocorreu, mas em (3) temos um caso de nítida mostra de atenção com antecipação/continuidade que re- velam partilhamento construído previamente e sinalizado (linha 384) e atenção (linha 392) bem como interesse (linhas 402…) que dão continui- dade ao tópico. Exemplo (3) /…/ 372 L1 eu não sei eu ouvi parece que o:: eh:: o curso Objetivo né? está lançando um um ... [curso de:: L2 [existe uma Faculdade 375 Interamericana aí que lançou dois ou três anos seriam ... cursos vagos ... entende né? ... agora o:: [é eu quando L1 [ L2 adentrei numa faculdade eu:: para mim foi uma decepção 380 ... eu esperava um negócio completamente diferente você o que é que você sentiu? L1 não inclusive eu estava respondendo para você:: colega o o o:: fato de eu ter escolhido a profissão do do ... L2 economista ... 385 L1 economista né? ... então realmente :: quando:: ... eu fiz o ginásio estava fazendo o ginásio ... em algumas ocasiões pensei em ser ... éh arquiteto depois eu uma ocasião ... ((risos)) fiz a inscrição para o para o no Objetivo ... depois eu resolvi ser médico ... mas nesse meio tempo 390 eu já estava trabalhando e procurei realmente uma uma profissão ... que se:: L2 enquadrasse L1 coadunasse mais (com) aquele tipo de serviço ... enfim também foi em função do tempo ... porque::não havia
  • 24. 25 395 uma possibilidade de perder mais alguns alguns anos enfrentando um vestibular para uma escola de Medicina ou uma escola de Engenharia ... mas atendeu plenamente e:: hoje estou satisfeito com o curso ... ele realmente pôde me dar assim ... uma visão ... do global ... e:: está 400 atendendo não sei aconteceu isso no no seu caso também ou não? L2 não o:: eu eu senti um choque quando eu adentrei a faculdade entende? /…/ D2 – Inq. 62, p. 70 Quando L1 (linha 383) hesita e solicita socorro, L2 (linha 384) não titubeia em antecipar a palavra chave “economista”, um conheci- mento construído em partes anteriores do diálogo às quais L1 acabara de se referir (linha 382) e que aceita para prosseguir; no final dessa sua contribuição, L1 (linha 391) hesita novamente e é outra vez auxiliado por L2 que sugere continuidade, assumida por L1 parafraseadamente na mesma forma verbal. Por fim, o interesse prossegue quando L1 (linha 400-1) entrega o turno na certeza de que seu interlocutor retomaria topicamente o tema. Em termos estratégicos, o que se observa em (3) é uma tripla sin- tonia: cognição, interesse e atenção. Três requisitos para que a compre- ensão se dê sem a necessidade de concordância e para que o tópico con- tinue fluindo. Se observarmos o caso(4), veremos uma situação típica de desinteresse pelo tópico em andamento. Isto pode ser observado pela rarefação nas contribuições de um dos parceiros do diálogo e pelo seu baixo engajamento no assunto. Os dois interlocotures são um engenheiro de 26 anos (L1) e uma psicóloga de 25 anos (L2), convidados a discorrer sobre o comércio e a cidade de São Paulo. Na realidade, discorriam sobre seus interesses e eventualmente sobre o tema proposto pela documentadora do diálogo. Num dado momento falavam sobre compra, valor de troca, mercadorias e gastos. O tema fluia muito pouco e cheio de digressões sem engaja- mento efetivo demonstrado pela lentidão no fluxo da fala e num tom monótono. Veja-se, no trecho (4) um exemplo claro dessa situação.
  • 25. 26 Exemplo (4) 663 L1 outro dia aí então o (Fábio) contando umas histórias de um::... de um de um boy barato aí né?... 665 carro envenenadíssinto então temos que quando o cara vai acelerar assim:: ... ele aGArra a direção assim:: pisa no acelerador:: ... e faz um movimento assim como estivesse caval/ cavalgando L2 ahn ((ri)) 670 L1 e agarra a máquina [assim ((ri)) L2 [queria estar num cavalo L1 por quê? … analogia... ele está cavalgando né? é o::… o:… L2 ((ri)) o rei do oeste ahn 675 L1 não tem oeste aqui... ((ri)) L2 não tudo bem:: eu sei entendi D2- Inq. 343, p. 33-34 Observe-se que L1 (linhas 663-668) tentava apresentar uma situ- ação para depois analisá-la em relação com o tópico que introduzia. Ele estava propondo uma analogia do boy barato com o mundo da selva. Nesse momento, L2 (linha 671) dá uma demonstração de completa dis- tração e dissintonia tópica ao dizer “queria estar num cavalo”, o que leva L1 (linhas 672-3) a indagar surpreso “por quê?”, pois só estava fazendo uma analogia, não sendo conveniente aquela observação. A fal- ta de engajamento de L2 torna-se mais evidente quando ela associa o boy barato ao “rei do oeste”, o que não agrada a L1 que retruca “não tem oeste aqui”. Nesse ponto L2 busca dar uma demonstração de que estava entendendo, mas não estava interessada no assunto. O exemplo (4) mostra como se constroi uma relação de não-cola- boração tópica, quando um dos interolcutores discorre num faixa (faixa séria) e o outro discorre em outra faixa (faixa não-séria): um toma literal- mente o que o outro propõe como analogia. Trocas deste tipo são utiliza- das intencionalmente para produzir humor ou então construir piadas ou xistes, pois mostram interlocutores jogando em campos diversos, sem sintonia cognitiva.
  • 26. 27 5. Construindo conhecimento interativamente Situação típica de construção de conhecimento é a da sala de aula, embora não lhe seja exclusiva, pois ela se dá também no dia a dia. Contu- do, é no contexto de sala de aula que ocorre o exemplo (5)e ilustra como a compreensãoseconstroiinterativamentenumaredederelaçõescomespa- çoscognitivossobrepostoseinterconectados.Em(5)temosocasodeuma aula de Antropologia dada por um professor de 51 anos que dissertava sobre a relação “linguagem e pensamento” e se ocupava em mostrar que a percepção é uma elaboração cognitivamente ativa e não simples sensação passiva do organismo ou dos sentidos. Na realidade, ele defendia a tese de que os estímulos externos não têm todos o mesmo peso, nem recebem dos indivíduos a mesma atenção. Sempre procedemos a uma seleção coman- dada por condições prévias (uma espécie de conhecimentos-âncoras) que permitem identificações e manifestação de interesse. Após introduzir este aspectoteórico,oprofessorpercebequenãoestásendoclaroosuficientee recorre a uma das estratégias mais comuns e indicadas nessas situações: a exemplificação. Vejamos o caso em (5): Exemplo (5) /…/ 252 por exemplo... bom... deixe eu dar um exemplo... bom... um exemplo clássico ... um índio... que foi trazido ... de uma reserva ... do norte do Canadá ... 255 para Otawa se não me engano uma das cidades canadenses ... levaram este índio a ver tudo pela primeira vez que ele tinha contato com uma cidade ... do mundo do Ocidente... quer dizer ele passou por aquilo olhando de repente ele parou embasbacado 260 ficou olhando o quê? um indivíduo subindo num poste elétrico para consertar… fios… coisa equivalente... esse indivíduo tinha um cinturão de couro ... não sei se vocês já viram isso nas ruas de São Paulo? ... não é?... tem um cinturão de couro que 265 tem nos calcanhares uma espécie de esporão então ... ele finca o esporão no... no - - eu acho que isso
  • 27. 28 não há mais em São Paulo porque não há mais postes de madeira os postes todos são de cimento não é?... de concreto... e... de vez em quando... vocês 270 percebem que eu sou um indivíduo de outra geração já... sou um quadrado mesmo não é?... mas enfim isso também é um::... é um exemplo bastante antigo... é de Franz Boas não é?... digamos mil novecentos e vinte... - - ((risos)) então havia o poste 275 de madeira com esse esporão foi isso que o índio percebeu ... vocês compreendem?... porque... na cidade de Otawa ... tudo o que existia... era de tal modo novo... que não podia ser relacionado com a experiência anterior desse índio certo?... quer dizer 280 imagine que ele visse pela primeira vez a locomotiva. aquela coisa imensa que se move ... com que ele tinha relacionado com nada de preciso ... a máquina... é um universo estranho a ele... mas ele viu um indivíduo subindo num poste de uma maneira muito fácil ora 285 em toda esta região os índios sobem em certas árvores... por exemplo... certas formas de( )... que chama-se... em português chama-se boldo parece é uma planta que dá uma seiva açucarada... da qual se faz uma rapadura que aliás é deliciosa e um ... 290 uma espécie de melado então eles sobem até certa altura da árvore e talham… subir numa árvore por meios relativamente simples como seja esporão... furo... e uma correia de couro passada na cintura que o indivíduo se apóia na árvore... foi qualquer coisa 295 que a experiência anterior do índio permitiu que ele compreendesse ele tinha um esquema anterior no qual os estímulos novos podiam ser enquadrados certo?... isto é... para que haja. percepção... é necessário antes que já haja uma organização do 300 campo perceptivo claro? quer dizer é preciso que haja... um certo modo de estruturar este mundo porque senão as coisas não fazem sentido ... /…/
  • 28. 29 A estratégia da exemplificação foi o recurso interacionalmente eficaz escolhido pelo professor para ilustrar suas teorias da percepção cognitiva como diversa da percepção meramente sensorial. E ele o faz situando o problema (linhas 253-56) e identificando o momento e o fato que despertou o interesse daquele índio perdido na “selva urbana” (li- nhas 259-61). Aproveita a oportunidade para estabelecer um paralelo/ ponte com o momento atual numa auto-ironia bem estudada (linhas 269- 71) que leva os alunos ao riso (linha 274), indicando empatia com a sugestão. Essencial nesta seqüência tópica não é o caso particular do índio, mas a conclusão que aparece no final (linhas 294-300), verdadeiro objetivo da digressão. O segmento (5) situa-se parenteticamente no contexto da argu- mentação e explanação geral da aula, promovendo nos alunos a com- preensão necessária para prosseguir. É uma ação-muleta praticada como trampolim para a construção das condições de possibilidade de com- preensão com efeitos auto-aplicativos. Depois disso, os alunos já esta- vam em condições de saber do que se tratava, ou seja, tinham saído da condição de ignorância para o conhecimento. O que acabei de mostrar é precisamente a estratégia mais comum de que nos servimos em todas as situações em que pretendemos cons- truir no outro condições ideais de recepção de conteúdos futuros. A exemplificação situada é uma das estratégias mais eficazes para produ- ção de sentidos pretendidos e estabelecer a compreensão. Ela é comum no dia a dia e nunca é sentida como digressão do tópico. 6. Construindo conhecimentos, condições e regras de jogo Antes de dois (ou mais) indivíduos entrarem em interação verbal, dependendo do contexto e das condições em que o fato se dá, as expecta- tivas são muito diversificadas. Seja pela diferença de perspectiva ou de conhecimentos partilhados. Um encontro ao acaso entre estranhos na porta do elevador não promete muito, já o encontro de dois namorados no final da tarde promete mais; difícil mesmo é o encontro do réu na acareação com testemunhas da acusação; menos complicado é o encon-
  • 29. 30 tro do orientador de tese com seu orientando; dependendo das circuns- tâncias, é fácil ou então imprevisível o encontro de marido e mulher e assim por diante. Em todos os casos haverá algo a dizer, mas as expecta- tivas com respeito ao que será dito não são as mesmas. Como lidamos com este aspecto nas nossas interações? Em primeiro lugar, por menos que o façamos, sempre temos ex- pectativas prévias; em segundo lugar, sempre fazemos algo para que elas ocorram; em terceiro lugar, ficamos alerta para o que ocorre do “outro lado”. Vista assim, a interação assemelha-se a um jogo cuja primeira mis- sãoéestabelecersuasprópriasregras.Interagiréjogarcomregrasdinami- camente escolhidas, por isso é um jogo perigoso: nem sempre se escolhe a regra certa. Vejamos três trechos breves que mostram como esse jogo e suas regras são construídos. Esses segmentos procedem de uma entrevista em que uma mulher de 44 anos, preocupada com sua silhueta, responde, entre outras, a questões sobre suas preferências culinárias. Vejamos: Exemplo (6) /… 22 Doc. e o que que você costuma comer em cada uma dessas refeições? Inf. bem::... eu não estou entendendo BEM aonde você quer 25 chegar com esse “o que você costuma COmer em cada uma dessas refeições” Doc. desde o café da manhã até a hora do jantar... o que você costuma comer em cada um deles? Inf. ah como eu já disse né? as comidas comuns arroz 30 verduras:: carne peixe não porque eu não gosto de peixe ah::… às vezes… massas né?… e nadaa mais de tanto extraordinário DID – Inq. 235, p. 120 A pergunta da Doc (linhas 22-23) foi aparentemente clara, mas poderia ser uma cilada, já que antes a a Inf havia dito que se preocupava muito com sua linha. Assim, na dúvida quanto à intenção de sua interlocutora, a Inf precisa de garantias para aprosseguir. Daí o par inseri-
  • 30. 31 do (linhas 24-28) entre a pergunta inicial e a resposta final (linhas 29-32). Quando a Inf diz “eu não estou entendendo BEM aonde você quer chegar…” ela está ameaçando a face de sua interlocutora, com elevação do tom em “BEM”, o que sugere “segundas intenções”. Isto obriga a Doc a refazer sua pergunta mudando a expressão “em cada uma destas refeições” que poderia sugerir “muitas refeições”, para uma formulação mais adequada e menos ameaçadora “desde o café da manhã até a hora do jantar”, o que deixa a Inf livre para definir comidas em geral, sem um número de refeições específicas, tal como se nota na resposta (linhas 29-32). A questão aqui é muito sutil e revela como uma pergunta, por maisinocenteeclara,semprepodeserrecebidanumcontextocongnitivo que gera significações tidas como inadequadas, mesmo que não preten- didas pela indagação. Veja-se o caso (7) que é muito diferente do anteri- or. Aqui a Inf (linhas 141-142) pede um esclarecimento com o objetivo de certificar-se de que compreendeu corretamente a indagação: o proble- ma é de conteúdo e se trata de construir uma expectativa partilhada. Ve- jamos o exemplo: Exemplo (7) /…/ 138 Doc. você disse que gosta de car::ne... que tipo de carne que você gosta e quais os seus pratos prediletos que são 140 feitos com carne? Inf bom aí o tipo que você pergunta é a maneira como eles são feitos? Doc. também Inf. bom eu prefiro carnes assadas... carne de porco... um 145 pernil um lindo dum pernil cheio de bataTInhas assim em volta é uma delícia né? ((risos)) (então)... lombo de porco... ahn frango... urn franguinho dum frango assado né? que vocês devem estar acostumadas também a... Doc. uhn::: ... 150 Inf ((riu)) a saborear por aí né? ... frangos:: ... carne de vaca bife... bife à milanesa:: bifes ... éh grelhados:: não é?... são os:: tipos que eu prefiro de carne... DID – Inq. 235, p. 123
  • 31. 32 A questão era, inicialmente, o esclarecimento da expressão “tipo de carne”, que poderia ser duas coisas: (a) espécies de carne (bovina, suina, aves etc) ou (b) modo de cozinhar (tipos de pratos). A Inf dá uma sugestão de interpretação (linhas 141-142) que é aceita pela Doc com a resposta “também”, indicando que esta era uma possibilidade correta. A partir daí, a Inf descreveu seus pratos prediletos com uma sugestão de engajamento direto da(s) Doc ao dizer “que vocês devem estar acostu- madas também a …”, recebendo da Doc um sinal de concordância na entoação típica “hun:::” com alongamento de vogal que levou a Inf à satisfação com manifestação de riso e prosseguimento com mais pratos saborosos. A diferença entre a indagação da Inf em (6) e em (7) está precisa- mente na natureza da certificação buscada: em (6) trata-se de certificar- se de umaintençãoe em(7) deumconteúdo. Isso se revela até mesmo na formulação da pergunta, que num caso leva à repetição da indagação e no outro apenas à certificação de uma expressão. Em ambos os casos, as condições do prosseguimento foram construídas mutuamente e não pre- viamente dadas. Semelhante a (6 e 7), o caso (8) traz elementos novos que ilustram como as pessoas conseguem construir interesses comuns e condições ide- ais para suas contribuições. Em geral, quando uma pergunta genérica é feita e admite muitas alternativas, somos levados a criar um contexto para o qual construímos nossa escolha. Este é o caso típico da pergunta da Doc (linhas 330-1): “ se você fosse preparar(…) pruma visita (…) que tipo (…)?”queéabertaecontémtrêsvariáveis.AprimeirareaçãodaInffoide estupefação“IH::meuDeus”indicandodúvida,maslogosugerindouma hipótese de contexto: “vocês por exemplo?” concretizando a escolha no ambiente imediato. A sugestão gerou risos e tumulto, indicando que não era prevista, mas aceitável. Este caso é ilustrativo para a construção de regras de jogo interativas ad hoc. Vejamos o que acontece. Exemplo (8) /…/ 330 Doc. se você fosse preparar um almoço... pruma visita tal... que tipo de almoço você faria? Inf IH:: meu Deus (o) que será que eu ia fazer quem seria a visita? vocês por exemplo? ((riu))
  • 32. 33 Doc. ali é:: pode ser a gente ((vozes superpostas e risos)) 335 Inf. se vocês (fossem::)... não um jantar já teria um pouquinho de mais sofisticado né? então vamos fazer um almoço o almoço é mais comunzi::nho assim [(então) Doc. [((risos e vozes superpostas)) merece 340 Inf não não é questão que mereça nós vamos... vamos então assim:: ... éh::... conservar o:: protocolo né? um jantar exige:: ... um:: preparo mais sofistica::do à no:::ite né? vocês sabem as companhi::as são diFEREN::tes agora num jantar vocês (viriam) lá em casa seriam sozi::nhas eu 345 sozinha assim né? ((risos)) não teriam ((riu)) acompaNHAN::tes nada disso ... então ((falou rindo)) então o negócio seria diferente ... eu primeiro ia saber o que é que vocês preferem comer né?... porque não teria cabimento eu che/ convidá-las pra jan/ pra almoçar em 350 casa e preparar um:: um prato do meu gosto não é? então teria que saber o que é que vocês preferem... e o que é que vocês preferem? Doc. não vamos supor que a gente omita a opinião gente:: eduCAda (como eu sou) ((risos)) assim “não:: qualquer 355 coisa ser::ve e tal e não sei que” e o que que você prepararia se a gente... deixasse... tudo a seu encargo Inf . bom... suponho que a gente... que eu agora fosse:: fossem dez horas da manhã por exemplo ... então daqui a pouco estaria na hora de ir embora né? ... então fala “vamo:: 360 vamos almoçar comigo?” então vocês “Vamos” … eu teria que preparar um negócio bem:: bem mais rápido né?... então eu iria pra casa... ia dar uma:: vistoria na geladeira pra ver o que que tinha lá:: e supondo que tivesse... carne né? faria... bife... /…/ DID – Inq. 235, p. 127-128 Aqui ocorre uma seqüência de negociações bem humoradas que pretendem conduzir a um objetivo comum com condições contextuais
  • 33. 34 definidas. A Inf assume o jogo e dita as regras, embora a Doc faça algum esforço para manter uma distância relativa (linhas 353-56) sem conseguir o intento e entregando a decisão à Inf ao dizer “tudo a seu encargo”. Note-se que a questão inicial era: “se você fosse preparar um almoço (…)?”. A resposta não foi relativa à questão mas às condições em que a questão poderia ser respondida com o engajamento da(s) Doc para a decisão final que vem na forma de uma hipótese “suponho que a gente (…)” situada num ponto do dia “almoçarcomigo”decididohoras antes “dez horas da manhã”. Daí por diante, tudo fica mais fácil e inicia a resposta. O exemplo(8)evidencia alguns aspectos muito importantes a res- peito do engajamento dos interlocutores em ações comuns para constru- ção de condições favoráveis à compreensão na interação. Se comparar- mos este caso com o exemplo (1), percebemos com clareza o que signi- fica co-produção de condições interativas. Neste caso, o prefixo co- na expressão co-produção recobre uma série de processos, tais como cola- boração, coordenação e cooperação que resultam na construção con- junta (co-construção) de compreensão, sem a necessidade de haver con- senso ou concordância (v. Jacoby & Ochs 1995). Certamente, as repos- tas da Inf em (8) não foram as pretendidas pela Doc, mas foram as obti- das num processo colaborativo. 7. Marcas de atenção Construirsentidoscolaborativamentenainteraçãosignificavoltar aatençãoparaumatarefacomumesinalizá-la.Estasinalizaçãotemmarcas que se dão em atividades rituais como os olhares, os movimentos do corpo, os sinais de atenção e os marcadores conversacionais produzidos com uma certa carga entoacional e assim por diante. Assim, um dos indicadores de compreensão entre os participantes da interação é a forma como sincronizam suas atividades e não apenas como conduzem os con- teúdos de seus tópicos. Uma boa sincronia pode indicar maior atenção para o que está em andamento e uma má sincronização pode ser até mesmo um indicador de problemas de compreensão.
  • 34. 35 Um dos recursos importantes neste caso é a prosódia que é usada com enorme intensidade e funciona como um sistema de sinalização ou de“pistadecontextualização”,adotandoaexpressãodeGumperz(1982). Ela se compõe de: (a) entoação; (b) mudança de altura do som; (c) inten- sidade; (d) alongamento de vogais; (e) pausa e velocidade; (f) ritmo e (g) mudanças de registro no som. É evidente que todos estes aspectos estão correlacionados, de maneira que não se pode, a rigor, diferenciá-los de forma estanque. A prosódia é aqui vista como um componente gramatical, fazendo parte tanto da fonologia como da sintaxe da oração, mas tem sua importância também na semântica e na pragmática. Contudo, segundo frisa Gumperz (1982:100), o essencial é perceber “que tipo de informação os falantes depositam na prosódia em suas interações verbais”. Segundo Gumperz (1982:104), o valor de sinalização semântica da informação prosódica tem dois componentes: (a) ajuda a selecionar entre uma série de possíveis interpretações ao dirigir o ouvinte pelos meandros da significação inerente aos elementos lexicais utilizados, (b) une os traços semânticos chave ao tema e define a linha do argumento. Gumperz lembra que as pistas prosódicas baseiam-se sistematica- menteempadrõesdeusosprosódicosconvencionalizados.Estespadrões não funcionam ou significam isoladamente, mas sim no contexto em que são empregados e em relação com uma série de outros fatores, por exem- plo, os elementos lexicais, a organização sintática etc., no contexto do discurso em andamento e na dependência das experiências do ouvinte. Observemos o caso(9a,b,c),uma situação interessante no final de um diálogo, em que a(s) documentadora(s) tenta(m) negociar com uma das informantes mais tempo de gravação. O curioso, neste caso, é que tudo foi desencadeado por uma observação fortuita da Locutora L1 (li- nha 1565) que (na ausência de gravação em vídeo podemos supor) deve ter olhado para seu relógio dizendo “meu relógio está atrapalhando a nossa”, indicando com isso que estava com pressa de acabar. Essa obser- vação inserida vem desconectada do contexto do tópico; mas não inter- rompe a fala que prossegue (linhas 1568-1594, aqui suprimidas). Pode- mos imaginar que durante essa fala L1 deve ter olhado várias vezes para o relógio, o que suscitou a observação da Doc que intrerrompe L1 em sobreposição de vozes (linha 1600) sem a menor motivação tópica. Isto
  • 35. 36 modificatodooandamentododiscursoetrazumadigressãoqueconstroi outra relação entre os participantes e conduz a gravação ao fim. Exemplo (9a) 1561 Doc e você por que que você fez? L1 havia perdido o meu pai fazia:: ah no no primeiro colegial ... e:: eu o meu pai fazia:: ah no primeiro colegial… e:: eu precisava ter uma ah optar por uma carreira pro/ 1565 meu relógio está atrapalhando a nossa-- por uma carreira profissionalizante... eu achei que as coisas dali para frente seriam mais difíceis eu comecei o colegial... ((aqui foi suprimida uma parte da fala ininterrupta de L1 entre as linhas 1568-1595)) 1595 lecionei no secundário sabe? então daí o motivo de eu ter escolhido Pedagogia ... e gosto gosto muito... da:: psicologia da criança ... do adolescente a psicologia em geral me cativa sabe? ... então... aí está o motivo pelo qual... eu [escolhi esse curso 1600 Doc. [a senhora está com horário? L1 eu estou vocês teriam muito mais teriam necessidade de mais tempo?... é?... L2 muito mais? Doc. uhn::... dez minutos 1605 L1 dez minutos? sim... porque eu tenho crianças várias para pegar na escola... sabe? eu tenho que ir até em casa buscar o carro senão não cabe ... ((risos)) num táxi D2 – Inq. 360 p. 175-9 Nesse momento do diálogo a atenção está voltada não mais para o tópico em andamento e sim para a solução conjunta de dois problemas em que todos os participantes se angajam vivamente: (a) buscar as crianças no colégio? ou (b) prosseguir com a gravação por mais tempo?
  • 36. 37 No caso de (a) ter a preferência, encerrar-se-ia o diálogo, mas no caso de (b) deveria haver uma solução alternativa para (a). É o que a Doc tenta sugerir ao propor (linha 1604): “uhn::… dez minutos”. Observe-se que a prosódia ocorre aqui com um marcador de dú- vida (um som nasal alongado), como quem diz: “deixa eu pensar um pouco”,para então propor, num ritmo rápido e uma entoação impositiva, sem maiores comentários: “dez minutos”. A tomada de turno de L1 se dá com a repetição da proposta indagativamente, como quem quem diz: “tudo isso?”, acrescentando as razões da dúvida. Daí por diante, desenvolve-se uma sucessão rápida de turnos cur- tos, todos com marcas prosódicas características e repetidas mutuamen- te, sugerindo engajamento com o mesmo objetivo.Vejamos a continui- dade do diálogo em (9b): Exemplo (9b) L2 não teria possibilidade... dela::... falar um pouco mais… 1610 mais uns dois minutos ou três depois eu complementaria o resto? ... [ou precisa papo mesmo? Doc. [porque)( ) entre vocês duas né? L1 pois é Doc. ahn ahn 1615 L2 onde é que elas estão?... L1 no Fernão Dias em [Pinheiros Doc. [eu posso buscá-las para a senhora L1 é? Doc. é L1 depois voltaríamos aqui? Doc. é... L2 se ficássemos mais dez minutos já levaria direto [(tudo direto) L1 [ ah está bom... então está bom... 1625 Doc. a senhora acha que... vai criar problema? L1 tem telefone aqui não? Doc. aqui não D2 – Inq. 360 p. 175-9
  • 37. 38 É interessante observar que todas as contribuições de L1, a partir domomentoemquesituouseuproblema,foramlacônicasouindagativas: L1 pois é L1 no Fernão Dias em Pinheiros L1 é? L1 depois voltaríamos aqui? L1 ah está bom … então está bom L1 tem telefone aqui não? Com isto estava construindo uma solução negativa para o proble- ma, ou seja, indicava propensão a não continuar o diálogo. Isto se torna evidente quando L1 coloca mais uma condição: encontrar um telefone para avisar as crianças. Isto tornava as coisas mais difícieis e apontava para o fim iminente da gravação. Observe-se como agora L1 aumenta seus turnos com uma dificuldade adicional de cada vez: Exemplo (9c) L1 não tem {telefone} é longe lá embaixo tem algum público... não tem? nesse prédio? 1630 Doc. tem no bê ((vozes superpostas; trecho inintelível)) no cê... L2 no cê lá no [cê tem porque foi de lá L1 [ ( ) L2 que [eu liguei Doc. [ ( ) 1635 L2 é no cê Doc. é... L2 no cê tem um telefone público... que horas as crianças saem da escola? L1 eh:: umas saem umas cinco e meia esperariam as das 1640 seis L2 ahn ahn L1 e as das seis iriam se encontrar com as das seis e vinte os das cinco e meia eu ainda((risos)) L2 ahn ahn
  • 38. 39 1645 L1 ((risos)) então quer dizer que se fossem só os meus não teria problema é que eu levo ... ah... ah filhas de::: uma vizinha sabe?... daria para esperar [um minutinho? L2 [quantos são? 1650 L1 eu vou telefonar são dois eu vou telefonar e já venho é público lá embaixo? Doc. é não não... a senhora poderia usar... o telefone não é público L1 não? 1655 Doc. não é:: da secretaria lá da da portaria da L1 ( )o número do prédio?... L2 eu vou com a senhora... L1 é? L2 então um minutinho só... D2 – Inq. 360 p. 175-9 Isolando os trechos assinalados acima, temos a fala de L1, inter- calando as pontuações (marcas de atenção) de L2: L1 eh:: umas saem umas cinco e meia esperariam as das seis (L2 ahn ahn) e as das seis iriam se encontrar com as das seis e vinte os das cinco e meia eu ainda((risos)) (L2 ahn ahn) ((risos)) então quer dizer que se fossem só os meus não teria problema que eu levo ... ah... ah filhas de::: uma vizinha sabe?... daria para esperar um minutinho? (L2 quantos são?) eu vou telefonar são dois eu vou telefonar e já venho é público lá embaixo? Ao tomar a palavra com todas essas observações e apenas com a participação de L2 e não mais das documentadoras, tudo indicava que não havia mais nada a fazer e combinar. Não sabemos se depois disso o diálogo prosseguiu, pois o certo é que a gravação conclui neste ponto. O interessante neste caso é como as duas locutoras e as documen- tadoras conduziram este final de diálogo cada uma com intenções bem marcadas pela própria prosódia adotada e pela natureza das contribuibui- ções. É claro que as documentadoras estavam em posição desvantajosa para impor condições. A Locutora L1 tinha mais argumentos, mas ope-
  • 39. 40 rou competentemente, ganhando tempo e conduzindo o desfecho para o pretendido: término do diálogo. O caso reproduzido em (9a,b,c) ilustra claramente como se pode construir conjuntamente, com marcas de atenção mútua, sincronização prosódica, falas rápidas e soluções alternativas, a compreensão mútua sem ameaças às faces e preservando as identidades. A entoação é um recurso interessante e fundamental como ele- mento sinalizador de construção de interesse. Nós sabemos que os marcadores conversacionais (MC) produzidos pelos falantes são muitas vezes demonstrações de interesse e sugestões de continuidade da fala. Esta propriedade funcional dos MC produzidos com uma entoação em tom de surpresa ou curiosidade (alongamentos de vogais) levam o falan- te a se “soltar” mais e a desenvolver seu tópico com mais minúcias. O trecho reproduzido em (10) ilustra um caso desses com muita proprieda- de. Trata-se de um diálogo entre duas pessoas idosas: L1 é um homem de 81 anos, viúvo, e L2 é uma mulher, irmã de L1, com 85 anos, também viúva. Ambos vinham narrando fatos pitorescos de sua vida, coisas do início do século, particularmente certos aspectos da moral daquele tem- po. Em (10) observa-se como a documentadora constroi o interesse no assunto e motiva L1 a prosseguir utilizando apenas MC de atenção com uma entoação instigadora. Exemplo (10) /…/ 196 L1 NÓS rapazes então (vamos lá já que está-se a falar) em toalete era::nosso ponto ficava na rua Direita ali al/ali na esquina da::... da:: da rua José Bonifácio... rua José Bonifácio que encaixa na rua 200 Direita justamente ali era o ali tinha um tinha tinha o::... a drogaria... drogaria Amarante... e ali o bo/ o bonde (segue) o bonde se/... era um ponto de bonde o bonde parava ali... então nós rapazes ficávamos ali para ver as moças descer... para ver dois dedos de perna das 205 moças nada mais do que dois dedos porque está/estava (oculto)((riu))
  • 40. 41 L2 é:: hoje é diferente... L1 ((riu))dois dedos de perna das moças... estavam(evi/ evid/)evi/evidentemente (ocultas)... 210 Doc. ahn::... L1 e:: as moças (quer dizer::)... havia muito mais… diFIculda:: de de um ra /rapaz (era) di Ficilmente um rapaz saia com uma moça… muito difícil… a não ser quando havia muita intimidade… os namorados geralmente namoravam:: ... ( ) [de lon::ge de esquina L2 [na janela L1 de janela... Doc. [NO:::ssa L1 [e conversazinha 220 L2 [tinha hora para namorar e fechar a janela L1 é [(no)nosso tempo isso por volta de mil novecentos L2 [(quer dizer:: lá em casa) L1 e quin::ze mil noventos e dezesseis:: mil novecentos e quator::ze... nas pri/primeiras décadas nas duas 225 primeiras décadas depois os costumes foram se:: se:: li/liberando mais... Doc. é::... L1 nas duas nas duas primeiras até na terceira década ... ainda::... havia muito muito reca::to ... e::... naquele 230 tempo apontava-se uma moça mais ... mais escandalosa Doc. uhn::... D2- Inq. 396 p. 184-5 Os MC “anh::”, “NO:::ssa”, “é::” e “uhn::”, todos produzidos com entoação alongada em tom de surpresa, são as únicas contribuições da documentadora neste trecho, mas servem adequadamente como inter- pretação um tanto maliciosa do dito que visam a incentivar o falante a prosseguir em suas observações pitorescas. Tanto L1 compreende esta interpretação que apesar de ser muito recatado, como se nota ouvindo o restante do diálogo, aprofunda com uma ponta de malícia suas observa- ções. A reação de L1 teria sido seguramente muito outra se a Doc não tivesse dados esses sinais com aquela entoação.
  • 41. 42 8. Considerações finais As análises feitas neste ensaio objetivam sugerir que muito do que acontece na interação verbal face a face deve-se a inferências produzidas em atenção a atividades sincronizadas e a sinalizações para-lingüísticas interpretáveis e não a simples conteúdos proposicionais. Esta era tam- bém a sugestão inicial: nem tudo o que se compreende numa interação social vem envelopado em linguagem verbal, mas muito está na própria relação construída entre os indivíduos e nas atividades contextualizadas. Em relação a isto lembraria Goffman (1998:12), quando afirma em seu fascinante ensaio programático “The Neglected Situation”, de 1966: “As características de um discurso que podem ser claramente transfe- ridas para o papel através da escrita têm sido enfocadas já de longa data; entretanto são as peças intricadas da fala que estão agora rece- bendo cada vez mais atenção. O movimento da língua (em certos ní- veis de análise) é na verdade apenas uma das partes de um complexo ato humano cujo significado deve também ser buscado no movimento das sobrancelhas e da mão.” Seguramente, esse complexo ato humano que é a liguagem em situações sociais autênticas continua desafiando os estudiosos da intera- ção verbal. Goffman lembrava que um gesto produzido pelos indivíduos engajados numa interação não é o mesmo que quando produzido fora da interação; um tom de voz alto produzido por dois indivíduos em intera- ção a uma distânctia razoável não é o mesmo que quando produzido em interação próxima e assim por diante. Portanto, as ações são contextuais, engajadas, localmente significativas e vivenciadas. Paraainvestigaçãoaquisugeridagostariadeadotaranoçãodesitu- ação social tal como proposta pelo mesmo Goffman (p. 13), quando diz: “Eu definiria uma situação social como um ambiente que proporcio- na possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão ‘presentes’, e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante. De acordo com esta definição, uma situação so- cial emerge a qualquer momento em que dois ou mais indivíduos se
  • 42. 43 encontrem na presença imediata um do outro e ela dura até que a pe- núltima pessoa saia.” Um encontro social dá origem a uma conversação. Na conversa- ção, que é socialmente organizada sob vários aspectos, por exemplo, pela mesma língua, por um tópico em comum, por conhecimentos parti- lhados, por engajamentos múltiplos para fins comuns etc., temos tam- bém “um pequeno sistema de ações face a face que são mutuamente ratificadas e ritualmente governadas, em suma, um encontro social”. (Goffman 1998:15). Neste ensaio só foram analisados alguns aspectos dos processos de produção de sentido situadamente. Muitos outros poderiam ser aqui tratados, tais como as correções (auto e hetero-correções), as seqüências de pares inseridos (com funções diversas) e as digressões ou inserções parentéticas como movimentos típicos de construção de sentidos. Espe- ro que os elementos trazidos e os exemplos analisados já sejam suficien- tes para dar uma noção de como se organizam e conduzem as atividades na interaçaão face a face. Trata-se de uma primeira entrada num tema queestáamereceraprofundamento,considerando-sesuarelevânciapara um melhor entendimento dos processos de produção de sentido nos en- contros sociais na vida diária, de modo especial em sociedades tão com- plexas e problemáticas como a nossa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEUAGRANDE, Robert de. (1997) New Foundations for a Science of Text and Discourse: Cognition, Communication, and the Freedom of Access to Knowledge and Society. Norwod, New Jersey,Ablex. BROWN, Penelope & LEVINSON, Stephen (1978) Universals in Language Usage: Politeness Phenomena. In: E.N. GODDY (ed.), Questions and Politeness. Cambridge, Cambridge University Press p. 56-289. CASTILHO,Ataliba Teixeira de /PRETI, Dino (Org.) (1986) A Lingua- gem Falada Culta na Cidade de São Paulo. Vol I: Elocuções For- mais. São Paulo, T.A. Queiroz/FAPESP.
  • 43. 44 ________.(1987) A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo. Vol. II: Diálogos entre dois informantes. São Paulo, T.ª Queiroz/ FAPESP. CLARK, Herbert H. & Deanna WILKES-GIBBS (1986) Referring as a colaborative process, Cognition, 22:1-39. COLE, M. (1985) The zone of proximal development: Where culture and cognition create each other. In: J. WERTSCH (Ed.). Culture, communication, and cognition: Vigotskian perspectives. Cambridge, Cambridge Uiversity Press, p. 146-161. COOK-GUMPERZ, Jenny & John J. GUMPERZ (1984) The politics of a conversation: conversational inference in discussion. Berkeley Cognitive Science Report Series. Institute of Cgnitive Studies. University of California at Berkeley. Mimeo, 19 pp. EGGINS, Suzanne / Diana SLADE (1997) Analysing Casual Conversa- tion. London, Cassell. GIBBS, Raymond W. (1987) Mutual knowledge and the psychology of conversational inference, Journal of Pragmatics, 11(1987):561-588 GOFFMAN, Erving. (1998) [1966]. A situação negligenciada. [The Neglected Situation]. In: RIBEIRO, Branca Telles & Pedro M. GARCÉZ (Orgs.) Sociolingüística Interacional: Antropologia, Lin- güística e Sociologia em Análise do Discurso. Porto Alegre, Age, p. 11-15. GRICE, Paul H. (1975) Logic and Conversation. In: P. COLE & J. MORGAN(eds.), Syntaxand Semantics:Vol.3-SpeechActs.London & New York, Academic Press, p. 41-58. GUMPERZ, John (1982) Discourse Strategies. Cambridge, Cambridge University Press. JACOBY,Sally/ElionorOCHS.(1995)Co-construction:NaIntroduction. Research on Language and Social interaction, 28(3): 171-183. KOCH, Ingedore Villaça.(1997) O texto e a construção dos sentidos. São Paulo, Contexto. PRETI, Dino / Hudinilson URBANO (Org.) (1988) A Linguagem Fala- da Culta na Cidade de São Paulo. Vol III: Entrevistas. São Paulo, T.A. Queiroz/FEPESP.
  • 44. 45 SILVEIRA, Jane Rita C. da / Heloísa Pedroso de M. FELTES. (1997) Pragmática e Cognição. A textualidade pela relevância. Porto Ale- gre, EDIPUCRS. SPERBER, Dan & Deirdre WILSON (1986) Relevance. Communica- tion and Cognition.Oxford, Basil Blackwell. SWEETSER, Eve/ Gilles FAUCONNIER. (1995) Cognitive Structure and Linguistic Structure. In: Gilles FAUCONNIER & Eve SWEETSER (Eds.). Spaces, Worlds, and Grammar. Chicago /Lon- don, The University of Chicago Press, p. 1-28. TANNEN,Deborah(1985)FramesandSchemasinInteraction,Quaderni di Semantica, VI:326-335. _________. (1986) That’s not What I Meant! New York, William Mor- row & Company. VIGOTSKY, L.S. (1984) A Formação Social da Mente: O Desenvolvi- mento dos Processos Psicológicos Superiores. São Paulo, Martins Fontes. WILKES-GIBBS, Deanna. (1995) Coherence in collaboration: Some examples from conversation. In: Morton Ann GERNSBACHER & Talmy GIVÓN (Eds.). Coherence in Spontaneous Text.Amsterdam / Philadelphia, John Benjamins, p. 239-267.
  • 45. PROCEDIMENTOS E RECURSOS DISCURSIVOS DA CONVERSAÇÃO Diana Luz Pessoa de Barros Considerações iniciais Neste texto retomo resultados de trabalhos anteriores sobre refor- mulação discursiva e sobre interação verbal, para apresentar algumas reflexões sobre dois mecanismos de construção dos discursos orais, pro- visoriamente denominados procedimentos e recursos do discurso oral. Para tanto organizei este estudo em duas partes: a primeira, sobre as diferentes funções assumidas pelos procedimentos discursivos na intera- ção verbal; a segunda, mais especificamente sobre a distinção entre re- cursos lingüístico-discursivos e procedimentos discursivos de constru- ção do texto falado. Essas questões serão examinadas em dois tipos de inquéritos do Projeto NURC-SP, na perspectiva teórica da Análise da Conversação e da Semiótica Narrativa e Discursiva. 1. Funções dos procedimentos discursivos na interação verbal A distinção entre procedimentos ou processos discursivos e re- cursos discursivos será estabelecida sobretudo a partir das funções que exercem na conversação. Na primeira parte deste estudo tratarei das fun- ções dos procedimentos discursivos na construção da conversação e no estabelecimento da interação entre sujeitos. Tendo examinado os procedimentos de reformulação por corre- ção em dois tipos de inquéritos do Projeto NURC-SP – os diálogos entre
  • 46. 48 informantes (Barros e Melo, 1990; Barros, 1993) e as entrevistas entre documentador e informante (Barros, 1990) –, cheguei a algumas conclu- sões que podem ser tomadas como hipóteses mais gerais sobre o funcio- namento dos procedimentos discursivos da fala e sobre o papel que assu- mem na construção das relações de interação verbal entre sujeitos. Serão apontadas duas funções dos procedimentos discursivos na interaçãoverbal:adeconstruçãododispositivopersuasivo-argumentativo dotextofalado;adeestabelecimentodesuaorganizaçãoafetivo-passional. 1.1. Construção do dispositivo persuasivo-argumentativo Para Gülich e Kotschi (1987) a função principal dos atos de refor- mulação, como a correção ou a paráfrase, é a de garantir a intercompre- ensão na conversação ou em qualquer outro tipo de texto. Tais atos, in- cluídos pelos autores entre os atos de composição textual, resultam do trabalho de cooperação dos participantes da conversação, de seu esforço comum de construção do texto falado. Dessa forma, a competência do falante para produzir textos, principalmente orais, e a do ouvinte para compreendê-los dependem, em larga medida, do conhecimento dos pro- cessos de reformulação. Essas observações aplicam-se, sem dúvida, a outros processos discursivos. Nos estudos sobre a reformulação por correção determinamos (Barros e Melo, 1990) para tais procedimentos as funções gerais de ade- quação e intercomprensão e, nesse quadro, especificamos as finalidades de adequação e compreensão cognitivo-informativa e de bom entendi- mento das relações intersubjetivas. No primeiro caso, a reformulação contribui para a precisão referencial ou anáfórica dos conteúdos, no se- gundo, para a explicitação dos desejos, anseios, dúvidas e emoções do falante, em relação a seu interlocutor.Aoposição é clássica entre conteú- dosefunçõesinformativasoureferenciaiseconteúdosefunçõesemotivas e apelativas. Na direção dos estudos de O. Ducrot preferimos não separar fatos semânticos e pragmáticos e considerar que o uso dos procedimen- tos de reformulação (e de outros também, como a inserção, por exemplo) é sempre argumentativo ou persuasivo-argumentativo. No exemplo que
  • 47. 49 segue, em que se substitui “não fala muito” por “fala muito pouco”, observa-seuma“correção” tambémdeforçaededireçãoargumentativa: L2- (...) porque ela não fala muito... ela fala muito pouco (...) (Castilho e Preti, 1987; INQ 360, p. 146, l. 405). O fim último desses processos é, portanto, levar o interlocutor a certas conclusões e ações. Há para o sentido geral argumentativo de “interprete-me bem” ou “compreenda-me” muitas variações do tipo de “estou cooperando com você”, “eu falo bem”, “discordo de você”, “pertenço às camadas X da sociedade”, portanto, “conclua e aja como proposto”. Em outras palavras, os interlocutores, por meio dos processos dis- cursivos mencionados constroem-se enquanto papéis conversacionais e enquanto papéis sociais e pessoais. O tipo de conversação, sua simetria ou assimetria definem-se por esses diferentes papéis. 1.1.1. Papéis conversacionais Os papéis conversacionais são aqueles que os participantes da in- teração assumem nos diferentes tipos de conversação, tais como a entre- vista, o debate ou a conversação espontânea. O uso de procedimentos discursivos diferentes constrói organiza- ções argumentativas diferentes e, portanto, diferentes papéis conversa- cionais e tipos diversos de conversação. Mostrarei a construção discursi- va desses papéis com os procedimentos de reparação e de reformulação por correção, que conheço melhor, nos dois tipos de inquéritos do Proje- to NURC-SP, já mencionados, os diálogos entre informantes e as entre- vistas entre documentador e informante. Apontarei cinco elementos de aproximação ou de distanciamento entre os dois tipos de conversação examinados, quais sejam o uso de reparações, a preferência por autocorreções em detrimento das hetero- correções, a opção por correções totais ou parciais, os tipos de “erros” corrigidos e os esquemas e marcadores de correção utilizados.
  • 48. 50 Tendo como critério o modelo da conversação em sistema de tur- nos de fala (Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974), distinguiram-se dois tipos de correção, a reparação e a correção propriamente dita. A reparação deve ser entendida como a correção de uma infração conversacional, de uma violação das regras que organizam a conversa- ção. Os interlocutores cometem “erros” no sistema de tomada de turnos, desobedecem às regras e essas falhas são reparadas. A presença ou a ausência de reparações em um texto, assim como os tipos de reparação empregados, constroem as classes de conversação e os papéis que os locutores nelas realizam. Os dois tipos de inquéritos do NURC caracterizam-se pelo pouco uso de reparações. Na verdade, elas são praticamente inexistentes nesses textos. A ausência desse procedimento parece indicar que: a) os diálogos entre informantes não são conversações espontâne- as (as entrevistas não o são, por definição); b) o objetivo dos interlocutores dos diálogos é causar boa impres- são no documentador presente e nos pesquisadores ausentes, mostrar que falam bem e que conhecem a “etiqueta” da conversação; há uma certa cumplicidade entre eles, que os leva a procurar não cometer viola- ções que devam ser reparadas e a não reparar explicitamente ou dura- mente as raras infrações do parceiro; do mesmo modo e de forma mais aguda, na entrevista em que, por definição, se estabelecem três diálogos – entre entrevistador e entrevistado, entre entrevistado e audiência e en- tre entrevistador e audiência – a ausência de reparações mostra que en- trevistador e entrevistado estão interessados em bem impressionar a au- diência e esforçam-se, portanto, em não violar as regras da conversação (as reparações, por conseguinte, deixam de ser necessárias); c) tanto os diálogos como as entrevistas mascaram os traços do conflito, da agressividade, da polêmica que, com a cooperação e o acor- do, caracterizam as interações verbais. Essas conclusões decorrentes do pobre emprego de reparações são corroboradas, nos diálogos, pelo uso do que poderíamos chamar de “reparações implícitas ou disfarçadas” e, nas entrevistas, por certas reformulações que põem em jogo as regras da entrevista como tipo de conversação.
  • 49. 51 As “reparações implícitas” dos diálogos fazem uso de mecanis- mos como a sobreposição de voz e a tomada ou sustentação do turno, para reparar de modo “disfarçado” as infrações do interlocutor. Essas reparações constroem sujeitos aparentemente cooperativos e pouco po- lêmicos ou agressivos. São reparações “implícitas” os casos em que um dos falantes tenta tomar o turno do outro que, no entanto, não cede a vez e não pára de falar. O falante que não cede a palavra está recriminando, de modo implícito, o interlocutor que procura assumir o turno, sem que estelhesejaatribuídosegundoasregras.Damesmaforma,ointerlocutor que se esforça por obter a vez acusa, indiretamente, o falante que mono- poliza a conversa. Nos exemplos abaixo, os colchetes assinalam as so- breposições de vozes: L2- (...) e agora não eu estou sempre correndo estou sempre falando tudo depressa porque não dá tempo.... L1- é... se impôs L2- [ se a gente for parar... L1- essa atitude sua L2- é ((risos)) exatamente se a gente for parar para fazer as coisas calmamente não dá... (...) (Castilho e Preti, 1987; INQ.360, p. 139, L. 127-134). O “ocultamento” das reparações coaduna-se com o tipo de con- versação que se constrói, pois sujeitos preocupados em causar boa im- pressão a documentadores e a analistas dificilmente farão uso de repara- ções diretas e “grosseiras”. Asentrevistas,porsuavez,usamcertasreformulaçõesqueseapli- cam às regras e aos papéis dos sujeitos desse tipo de conversação e que podem, por isso, ser consideradas casos marginais de reparações, como no exemplo que segue: Inf (...) agora quem sabe se vocês PREcisando... melhor... ou melhor insistindo em determinadas perguntas eu poderia dizer mais alguma coisa... (Preti e Urbano, 1988; INQ.250, p. 134, l. 54-56). O exemplo acima mostra como os papéis se constroem: cabe ao entrevistadorperguntar“bem”,paraqueoentrevistadotambémsejabem sucedido nas respostas.
  • 50. 52 No que diz respeito às correções propriamente ditas predominam, tanto nos diálogos, quanto nas entrevistas, as autocorreções (o falante reformulaseuspróprios“erros”)autoiniciadasenomesmoturnodo“erro” cometido.As heterocorreções, em que o falante corrige seu interlocutor, são bem menos freqüentes que as autocorreções nos diálogos entre infor- mantes (16%) e praticamente inexistentes nas entrevistas. A maior freqüência de autocorreções parece ser a regra geral (Schegloff, Jefferson e Sacks, 1977; Marcuschi, 1986; Gülich e Kotschi, 1987): – o falante não quer deixar passar a oportunidade de reparar o seu próprio erro, pois teme suas conseqüências “conversacionais” negativas; – o falante procura corrigir-se o mais rapidamente possível, pois a pressa em corrigir-se é garantia de correção “em tempo”. O número muito pequeno de heterocorreções nos diálogos en- tre informantes e sua ausência nas entrevistas constroem conversa- ções cooperativas (daí a cumplicidade dos interlocutores) ou apenas com menor tensão conversacional e laços interacionais mais frouxos. Como foi já observado, nessas conversações a preocupação dos par- ticipantes é a de bem impressionar o documentador e os analistas, nos diálogos, a audiência, nas entrevistas. Nessa mesma tarefa coerente de construção dos papéis con- versacionais, as entrevistas utilizam, em lugar das heterocorreções, as chamadas “negações polêmicas” (Ducrot, 1973), em que, por meio de pressupostos ou de subentendidos, o entrevistado corrige a voz do outro (a do senso comum), identificada com a da audiência, com quem, em última instância, está argumentando; e os diálogos usam procedi- mentos de atenuação das raras heterocorreções empregadas. Os tex- tos abaixo exemplificam a negação polêmica nas entrevistas e a ate- nuação das heterocorreções nos diálogos: a) Doc (...) e:: de quem vocês tiveram mais apoio... pra poder realizar essas peças?... Inf- de quem nós tivemos mais apoio? de ninguém... mas... DE NINGUÉM MESMO... (Preti e Urbano, 1988; INQ – 161, p. 40-41, l. 118-121).
  • 51. 53 O informante nega e corrige o conteúdo pressuposto da pergunta do entrevistador: “vocês tiveram apoio”. b) Doc- então e qual era a dieta de seu regime? Inf- não era nada extraordinário viu era:: até muito comum... (Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p. 122, l. 76-77). O informante “corrige” o subentendido de que as dietas de regime são muito rígidas e difíceis. c) L2- (...) pensar em termos de:: culpa coletiva por exemplo L1- [ só que isso não tem importan/ certo mas só que não tem nada que ver uma coisa com a outra porque (...) (Castilho e Preti, 1987; INQ 343, p. 23, l. 250-254). L1- interrompe sua correção da fala de L2 (“só que isso não tem importan/”), emprega uma fórmula de concordância (“certo”), que ate- nua a heterocorreção, e só então retoma a correção. A opção por correções totais ou parciais separa os diálogos das entrevistas. Os diálogos preferem as correções totais, em que aparecem explícita ou implicitamente as duas fases da correção, a de negação do elemento a ser corrigido e a de afirmação do elemento reformulador. Com as correções totais, reforça-se o ato de correção e o “erro” a ser corrigido e, nas heterocorreções, a discordância entre os interlocutores, como no caso abaixo: L2- (...) assim comunicação em cida/ em cidade grande o metrô é uma forma... de comunicação né? de levar e trazer. L1- transporte né? L2- [pessoas e... L1- não é bem comunicação é transporte (Castilho e Preti, 1988; INQ.343, p. 27, l. 422-427). O falante, primeiramente, corrige comunicação por transporte. Trata-se de uma correção total, com a primeira fase, a da negação do “erro”, implícita. Em seguida, ele aumenta a força argumentativa da cor-
  • 52. 54 reção, explicitando a primeira fase “não é bem comunicação (1ª fase) é transporte” (2ª fase), mas, coerentemente com o que foi dito antes, ate- nua um pouco o impacto interacional da correção, dizendo “não é bem comunicação”, em lugar de “não é comunicação”. As entrevistas, por sua vez, utilizam principalmente as correções parciais que são formas já atenuadas de correção, em que não se nega, nem explícita, nem implicitamente o elemento a ser corrigido. A corre- ção parcial visa apenas à ampliação ou à restrição semântica do termo “corrigido” e constrói, por isso mesmo, conversações mais contratuais ou com laços interacionais mais fracos. Essa falta de definição clara ou mesmo essa espécie de mascara- mento dos procedimentos empregados é uma das estratégias da entrevis- ta: enquanto os diálogos usam, como recursos, sobretudo as pausas (em 50% dos casos de correção), para marcar a produção da correção na fala, as entrevistas servem-se, para a mesma finalidade, principalmente dos prolongamentos de vogais (em 50% dos casos de correção). Pausas e prolongamentos de vogais são, ambos, recursos marcadores da produção que asseguram ao falante o tempo e o meio lingüístico necessários à formulação e à reformulação da fala. A diferença é que o prolongamento de vogais mascara, mais que a pausa, o ato de correção na fala. Os meca- nismos utilizados são, portanto, coerentes: nos diálogos, predominam as correções totais precedidas de pausas; nas entrevistas, as correções par- ciais com prolongamento de vogais. Da mesma forma, as entrevistas raramente usam o marcador “não”, que facilita o reconhecimento e a interpretação da correção, a não ser no caso das negações polêmicas mencionadas. Nesse mesmo traçado em que se constroem os dois tipos de texto, devem ser examinados os “erros” a serem corrigidos. Em ambos os in- quéritos predominam as correções semântico-pragmáticas. É bem me- nor o número de correções fonético-fonológicas e morfossintáticas, que são sempre correções totais, pouco utilizadas nas entrevistas. Resta mencionar, ainda, a esse respeito, que, nas entrevistas, ocor- re um número significativo de correções de precisão anafórica, entre as correçõessemântico-pragmáticas.Umadasrazõeséqueosinquéritosdo Projeto NURC constituem um tipo específico de entrevista. Se a entre- vistaé,emgeral,classificadaentreosgênerosinformativos,nasdoNURC
  • 53. 55 não interessa o que o entrevistado diz, mas, principalmente, como, do ponto de vista lingüístico, o faz. O documentador não está preocupado com as informações que o entrevistado possa dar sobre o tema, mas ape- nas em fazê-lo falar. Daí o grande número de elementos fáticos utiliza- dos, as questões sobre elementos que o entrevistado considera já trata- dos, as perguntas repetidas (Barros, 1991). Explicam-se as correções de precisão anafórica: Doc- você disse que você faz regime não? Inf- não eu JÁ fiz...(Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p.121-122, l. 74-75). Oinformante,noexemploacima,corrigeodocumentador,aquem já dissera, anteriormente (p. 120, l. 5): “bem... agora que eu já terminei o meu regime”. É necessário examinar outros tipos de entrevista para que se veri- fique se essa classe de correção caracteriza, como acredito, a entrevista como tipo de conversação. Para bem argumentar, indiretamente, com a audiência, entrevistado e entrevistador devem, a meu ver, fazer uso, com freqüência, de reformulações anafóricas. Espero ter conseguido apontar como os procedimentos de refor- mulação por correção e, disto estou convencida, os demais processos discursivos constroem os papéis conversacionais dos interlocutores e, a partir daí, os tipos diferentes de conversação (no caso examinado, a en- trevista e o diálogo entre informantes, nos inquéritos do Projeto NURC). 1.1.2. Papéis sociais e pessoais Também os papéis sociais e as características individuais dos in- terlocutores fazem parte da organização persuasivo-argumentativa da conversação e são fabricados pelos processos discursivos. Em outras palavras, os papéis sociais não resultam apenas do co- nhecimento das posições sociais dos falantes, mas se constroem nos pro- cessosdiscursivoscomomecanismospersuasivo-argumentativosdacon- versação.
  • 54. 56 Numa entrevista em que o entrevistador é um jovem estudante e o entrevistado um velho professor universitário, os papéis conversacionais podem-se inverter, como vimos ocorrer com o uso das reparações. Nesse inquérito (Preti e Urbano, 1987; INQ 250), apenas o entrevistado faz reparações ao entrevistador, trocando de papéis conversacionais (de en- trevistador e de entrevistado) e construindo seu papel social (de profes- sor), sua posição social “superior” à do entrevistador: é o entrevistado quem julga, aprova ou desaprova o fazer do entrevistador, ou mesmo lhe faz perguntas: a) Inf- ... agora quem sabe se vocês PREcisando... melhor... ou melhor insistindo em determinadas perguntas eu poderia dizer mais alguma coisa... (Preti e Urbano, 1987; INQ 250, p. 134, l. 54-56). b) Inf- ... foi até muito bom é/êh... muito boa essa pergunta porque... ficou mais claro talvez agora... ficou mais clara a explicação (Preti e Urbano, 1987; INQ 250, p. 136, l. 133-135). Em outra entrevista (Preti e Urbano, 1987; INQ 235), em que a informante é uma professora primária, solteira, de trinta e oito anos, com papel social igual ou “inferior” ao do jovem estudante universitário que a entrevista, quando o entrevistador repete as mesmas perguntas, em lugar de críticas ou elogios ao fazer do entrevistador, a entrevistada responde apenas com uma heterocorreção de precisão anafórica: a) Doc- você disse que você faz regime não? Inf- não eu JÁ fiz... (Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p. 121-122, l. 74-75). b) Doc- desde o café da manhã até a hora do jantar... o que você costuma comer em cada um deles? Inf- ah como eu já disse né? (Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p. 120, l. 27-29). Quando a mesma entrevistada tenta assumir o papel conversacio- nal próprio do entrevistador, o entrevistador “repara” a infração e volta a ser ele a perguntar, ao contrário do que ocorre no inquérito anteriormente mencionado, em que a inversão dos papéis entre o professor e o estudan- te não é reparada: Inf- (...) então teria que saber o que é que vocês preferem... e o que é que vocês preferem?
  • 55. 57 Doc- não vamos supor que a gente omita a opinião gente:: eduCAda (como eu sou) ((risos)) assim “não:: qualquer coisa serve:: vê e tal e não sei que”... e o que que você prepararia se a gente... deixasse... tudo a seu encargo? (Preti e Urbano, 1988; INQ 235, p. 128, L. 351-356). Da mesma forma, os papéis pessoais são construídos pelos pro- cessos discursivos da conversação. Pode-se ilustrar o fato com um diálo- go entre informantes (Castilho e Preti, 1987; INQ 333), em que as inter- locutoras têm o mesmo papel conversacional (ambas são informantes que dialogam entre si), os mesmos papéis sociais (“externos” – mesma idade, sexo, nível cultural e posição na sociedade – e “internos”, construídos pelos processos discursivos), e, ainda assim, a conversação é desequilibrada: uma das locutoras, jornalista, conserva o turno por mais tempo que a outra, escritora; controla a escolha e a mudança de temas; responde sempre em primeiro lugar às perguntas do documentador. São fatores de “estilo” na condução da conversação. Nesse diálogo, o uso dos procedimentos de correção por cada uma das locutoras se dá de modo marcadamente diferente. Apenas a escritora (L2) utiliza, algumas vezes, procedimentos de reparação implícita, em geral de infrações à regra de que deve haver pelo menos uma troca de falante na conversação, para, com sobreposição de voz, recuperar o turno, já que a jornalista (L1) domina a conversação com suas longas falas: L1- retratando determinado mundo”... eu acho que é muito bom... que o Brasil em literatura pelos seus grandes escritores há bastante tempo... já deixou de ter o seu cordão umbilical... preso à Europa... e:: e todo o:: ... toda a América Latina já se desprendeu... desse cordão umbilical fazendo uma literatura muito ... da terra muito do homem ... nativo ... que é o caso de Gabriel Garcia Márquez ... e de tantos outros e aqui:: ... no Brasil ... JorgeAma::do e tantos outros ... e:: então agora ... no cinema parece também que está havendo essa desvinculação... do figurino europeu dofigurinoamericano...infelizmentehámuitotambémdachamadapornochanchada não é? ... que é uma maneira comercial mas o que se pode dizer ... da pornochanchada aqui se ela impera na França se ela impera no L2- [ H... L1- mundo todo L2- um belo filme foi Orfeu do Carnaval
  • 56. 58 L1- foi ... mas esse já é antigo e foi uma co-produção não é? L2- [ já antigo já faz muito tempo é (Castilho e Preti, 1987; INQ 333, p. 250, L. 662-682) Percebe-se com clareza a tentativa de reparação de L2, que procu- ra ter vez após a longa fala de L1. Com o mesmo objetivo de reparação das infrações de L1 e de garantia de espaço a L2, o documentador (que sempre dirige suas per- guntas às duas informantes, usando os verbos na terceira pessoa do plu- ral e o pronome “vocês”, e recebe respostas apenas ou em primeiro lugar da locutora jornalista, como se lhe tivessem atribuído o turno diretamen- te) dirige, em sua última intervenção, sua questão única e diretamente à locutora escritora (Barros, 1994): Doc- (...)... e só para terminar vocês acham que no futuro a TV vai realmente sobrepujar o cinema? ... aqui no nosso caso principalmente L1- olha ... eu não digo sobrepujar mas (...) (.....) Doc. e a dona I. também ... L2- ah sim naturalmente nem há nem há dúvida ... nem há dúvida (Castilho e Preti, 1987; INQ 333, p. 263-264, l. 1188-1191, l. 1215-1217) Nesse diálogo é sempre a escritora (ou o documentador) quem tentarepararindiretamenteasinfraçõesconversacionaisdojornalistaque nãocedeavezouque,comfreqüência,tomaoturnodesuainterlocutora. O emprego das reparações define, assim, “estilos” conversacionais pró- prios, no quadro das regras gerais de “etiqueta” da fala. Esse diálogo, além disso, apresenta mais casos de heterocorre- ções que os demais diálogos entre informantes do Projeto, pois, devido ao equilíbrio dos papéis conversacionais e sociais, é um diálogo mais simétrico e mais próximo das conversações espontâneas. As heterocor- reções são, em geral, efetuadas pela jornalista, que domina a conversa- ção. A reação da locutora escritora é a de teimar um pouco, ou seja, a de não aceitar as correções da outra, pois, sabendo que a jornalista lhe deixa