O documento discute a abordagem do Direito Civil-Constitucional, que parte da premissa de que a Constituição é a norma máxima que deve orientar todo o ordenamento jurídico, incluindo o Direito Civil. Ele também discute como essa abordagem reconstrói o Direito Privado com base nos valores constitucionais e busca a realização dos direitos fundamentais e do Estado Social de Direito.
1. O Direito Civil-Constitucional é uma corrente doutrinária dentro do direito civil que parte da
premissa de que a Constituição, como norma hierarquicamente superior a todas as demais, é
portadora de uma determinada hierarquia de valores que devem ser observados por todo o
ordenamento jurídico e, portanto, pelo próprio direito civil, que assim deixa de encontrar seu
único fundamento no Código Civil e na legislação ordinária.
Inicialmente, importava na mera consideração das relações de Direito Civil no núcleo
constitucional. Em seu aspecto material, importa em uma reconstrução axiológica do Direito
Privado, em face dos valores constitucionais, na busca de realização dos direitos
fundamentais e concretização de um Estado Social de Direito.
Reorientado pelo princípio da dignidade da pessoa humana e devidamente alinhado ao
compromisso constitucional de construção de uma sociedade igualitária, justa e fraterna, uma
mutação se pôs em curso, desencadeando um Direito Civil renovado, cuja mobilidade é a única
certeza, à qual pode garantir um mínimo de instrumentalidade.
Um olhar investigativo sobre as relações interpretadas, dos projetos parentais ao trânsito
jurídico, das titularidades ao biodireito, implica uma serena superposição de objetos de estudo,
que oscila entre o patrimônio e o sujeito.
Em um ambiente ductil, onde ator se confunde com cenário e tema transforma-se em fio
condutor, não existem obviedades ou neutralidades. Distinções nascem do criar diferenças e
isso geradesigualdades, que não raro traduzem-se em dominação (ex vi dominium).
No arco histórico que parte do apogeu do Direito Romano para alcançar a Revolução
Francesa - útero do Direito Civil Clássico, ou seja, do olhar do pater famílias para o
comerciante burguês, tanto a dicotomia entre ius civile e ius gentium, quanto a distinção
entre Direito Público e Direito Privado, são exemplos que bem circunstanciam e denunciam a
primeva assertiva.
Uma monocompreensão dogmática do fenômeno jurídico privado, há de ser prisma para
revelar os múltiplos fatores que a compõe, publicizando o tradicionalmente apontado fenômeno
privado, pluralizando os multifacetários atores sociais e democratizando o acesso ao reservado
mundo do Direito Civil.
Neste horizonte de repersonalização e publicização do Direito Privado, os três pilares do Direito
Civil clássico, as titularidades, o trânsito jurídico e os projetos parentais, não encerram o
desafio das relações interprivadas, cujo rol de personagens há de ser plural, a exemplo da
sociedade a que se destina, concretizando um Estado Social, nos moldes da teleologia
constitucional que alicerçou a tecitura jurídica a partir de 1988.
Os afazeres epistemológicos, da temática em análise, não são poucos. Há de se tratar de um
Direito Civil-Constitucional, visto até hoje granjear, no cenário doutrinário, produções ubicadas
naracionalidade oitocentista, de muito desafiada e vencida na pós-modernidade.
Importa na busca e operação à luz de novos paradigmas, à luz de novos elementos
epistemológicos como as Complexidades, dialógicas, Teoria de Sistemas, não-
linearidade, Teoria do Discurso eTeoria do Caos.
Ainda que se proclame não existir Direito fora do escopo constitucional, vasta parte da doutrina
brasileira, principalmente a manualística, se preserva conceitualista, formal e abstrata, sem
qualquer compromisso com a realidade social ou mesmo jurisprudencial, insistindo em
identificar o próprio Direito Civil com o Código Civil.
2. Sinal do que ora se explicita, assenta-se no fato de asseverar-se com o advento do,
falaciosamente novo, Código Civil Brasileiro, a re-unificação do Direito Privado.
Tal questão, além de remontar a dicotomia Público versus Privado, é falaciosa, guardando um
discurso conservador e conservacionista travestido de inovação. Importa prosseguir a reflexão
iniciada a partir do que é doutrinariamente apontado como o fenômeno da
"constitucionalização" do Direito Civil, em sentido não meramente passivo, descritivo e acrítico.
Sem dúvida, esta não pode ser a postura indicada ao jurista, em um panorama constitucional
que não mais privilegia o status quo; tão caro ao Direito Civil forjado na Revolução
Francesa após ter sido embalado nos braços burgueses do jusracionalismo. Plural, como a
sociedade contemporânea, haverá a jurisprudência e doutrina civil-constitucional de articular a
interlocução, sem compromisso com a dogmática em esclerose, mas sem queimar as pontes
que nos trouxeram até aqui ou ignorando o asfalto que pavimenta nosso percurso. Mais que
um refutar, trata-se de um transcender.
Empresa, codificação, titularidades, normatividade, família, teoria geral, trânsito jurídico,
espaços públicos compartilhados, biodireito, meio-ambiente, enfim, toda a complexidade da
sociedade pós-moderna e seus liames interpessoais, há de ser compreendida dentro da linha
de pesquisa que nucleia a temática civil-constitucional, que envolve hodiernamente a vida em
sociedade.
Funda-se, pois, na epistemologia da pós-modernidade, reconhecendo o pensamento tópico-
sistemático, nos moldes formulados por Canaris, como lente apta a desvendar
teleologicamente a axiologiada tecitura aberta da matéria prima jurídica, a normatividade, sem
soçobrar no positivismo herdado do século XIX.
Assim, é a epistemologia de uma comunidade de interpretes (Habermas), uma nova ekklesia,
uma nova ágora, de juristas alijados do conformismo dogmático ou do ceticismo acéptico, com
vistas a repor o homem como sujeito de sua própria história, não se há de abrir mão da
interdisciplinariedade.
Os conhecimentos hão de ser vertidos de modo dialético, pois o Direito não pode e não deve
ser compreendido a partir de si mesmo, inclusive pelo fato de se descobrir, dentro dos novos
paradigmas, como ciência exo-axiológica, já que todos os valores que a ordem jurídica busca e
deve garantir são valores vindos da sociedade, externa a seu campo como contribuição de
outros saberes, razão pela qual
a Filosofia, História, Sociologia, Psicanálise, Economia, Educação, Geografia, Ciência
Política, Medicina, entre outras, são ciências das quais o jurista não pode abrir mão.
A constitucionalização do Direito Civil trouxe uma nova racionalidade; estranha ao civilista
tradicional. O dado, com isso, perde espaço perante o construído. Este último, não se legitima
mais pelo processo que o valida, legitima-se pela axiologia que prepondera na inflexão
principiológica.