O documento discute parcerias público-privadas para resolver o problema dos resíduos sólidos na América Latina, envolvendo os 4 milhões de catadores que trabalham em condições precárias. Programas no Brasil e em outros países estão formalizando os catadores e inserindo-os na cadeia de valor da reciclagem, com apoio de governos, empresas e organizações como o BID.
La Iniciativa Regional para el Reciclaje Inclusivo amplia su red de socios en...
Modelos de coleta sustentável que beneficiem catadores
1. Jornal Valor --- Página 1 da edição "24/10/2013 1a CAD F" ---- Impressa por edazevedo às 23/10/2013@15:44:23
Jornal Valor Econômico - CAD F - ESPECIAIS - 24/10/2013 (15:44) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW
Enxerto
Quinta-feira, 24 de outubro de 2013
| F1
Exemplo de Severino
Lima ilustra a força
da atividade de
catador em Natal F4
Especial
Resíduos urbanos
FOTOS: KEVIN WOLF/AP
No Brasil existem 800
cidades com coleta seletiva e é esse
modelo complementar que
precisamos reforçar
Os problemas do
Hoje há muitas entre as
desenvolvimento são complexos e
grandes cidades que já convivem
somente o governo e o setor privado com o esgotamento de espaço nos
não conseguem resolvê-los
aterros sanitários
Victor Bicca
Fernando Jimenez-Ontiveros
Horacio Terraza
Cadeia de valor
Reunião na
sede do BID
discute
modelo de
coleta
sustentável
que beneficie
os catadores.
Por Célia
Rosemblum,
de
Washington
P
arcerias público privadas
(PPPs) podem ser uma
das bases para solucionar
um problema socioambiental
comum aos países da América
Latina, o mercado informal de
resíduos sólidos, que envolve,
apenas no vácuo da coleta seletiva de lixo escassamente realizada pelo poder público, um
exército de 4 milhões de catadores que, na grande maioria, trabalham em condições precárias. É esse o caminho por onde
seguem, com bons resultados
em algumas experiências, projetos que contemplam três frentes: organização dos trabalhadores em associações, mudanças na legislação que ajudem a
formalizar a rede de coleta e
triagem dos materiais, e estímulos ao mercado, para inserir a
atividade dos catadores na cadeia de valor da reciclagem.
Em torno dessas questões orbitaram os debates das reuniões
anual da Aliança Global para a
Reciclagem e Desenvolvimento
Sustentável (Garsd) e do terceiro conselho consultivo da Iniciativa Regional para a Reciclagem Inclusiva (IRR), segunda e
terça-feira, em Washington, na
sede do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), um
dos parceiros das ações, ao lado
da Fundação Avina, do Fomin
(fundo multilateral de investimentos do BID) e da Coca-Cola.
“Os problemas do desenvolvimento são muito complexos e somente o governo, o banco ou o setor privado, sozinhos, não conseguem resolver”, diz Fernando Jiménez-Ontiveros, vice-diretor do
Fomin, que em 20 anos de operação soma 1700 projetos apoiados
em diferentes áreas. No campo
dos resíduos sólidos, reforçado
há dois anos com a IRR, ele defende a busca de modelos de negócios sustentáveis, “rentáveis não
somente para os beneficiários, os
catadores, mas para toda a cadeia, inclusive para as finanças
públicas, com o pagamento de
impostos a partir da formalização da atividade”.
A escolha de parceiros que ajudem a multiplicar os projetos é
estratégica. “Nesse tema, aprendemos que é importante trabalhar primeiro com uma grande
corporação, que pode atrair empresas da cadeia de valor. Ao mesmo tempo, se tivermos sucesso na
iniciativa, é muito mais fácil convencer outras corporações”, diz
Ontiveros. “A Coca-Cola é um parceiro fundamental precisamente
para influir na cadeia de valor.”
Mas a presença de uma multinacional também pode provocar
resistências. Aí entra em cena a
participação da sociedade civil,
no caso a Fundação Avina e o próprio BID. “Isso dá uma tranquilidade para esses coletivos que às
vezes podem achar que existe
problema na correlação de forças”, analisa Ontiveros.
Para a fabricante de bebidas, a
adesão à iniciativa, traduzida por
apoio operacional e por parte dos
US$ 8,4 milhões disponíveis para
os três anos de operação inicial da
IRR, está inserida nas metas socioambientais fixadas para 2020.
Ao lado de objetivos como zerar a
pegada hídrica da produção, a
companhia quer avançar na sustentabilidade das embalagens,
explica Rafael Fernández, vicepresidente de assuntos governamentais e comunicação da CocaCola na América Latina. “Acreditamos que podemos promover
uma mudança positiva nas comunidades e apoiamos concretamente essa mudança com os catadores”, diz. O apoio a IRR é complementado por ações locais na
área de resíduos.
Um estudo feito pela Accenture em 15 países da região mostra
a complexidade da tarefa. Não
existem números oficiais confiá-
veis, nem transparência em relação a preços, diz Manuel Torres,
executivo sênior da consultoria.
“A captura de valor por parte dos
atravessadores chega a 200% do
preço pago aos catadores”, afirma. No retrato traçado — com as
dimensões de regulação, organização e mercado — o Brasil está
na liderança. Não se trata de um
ranking, mas de desempenho em
determinados indicadores, ressalva o executivo. Na outra ponta
estão Haiti, Nicarágua e Paraguai.
A responsabilidade compartilhada pelos resíduos pós-consumo, introduzida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS), é um diferencial importante para o Brasil, citado como
exemplo de sucesso em vários debates. Governos, empresas e cidadãos devem ser envolvidos no
processo de coleta, tratamento e
reciclagem da fração seca do lixo.
O azeite da engrenagem é a garantia de compra, pela indústria,
do material. Para Vitor Bicca, presidente do Compromisso Empresarial pela Reciclagem (Cempre),
pioneiro da aliança global de reciclagem (Garsd), esse é um ponto fundamental na proposta que
a entidade, junto com 22 associações, apresentou ao governo no
contexto de acordos setoriais pa-
ra a logística reversa de embalagens da PNRS. “Mesmo o modelo
informal tem tido sucesso no
país”, diz Bicca, citando estudo da
consultoria LCA encomendado
pelo Cempre que aponta taxa média de 65,3% de recuperação de
embalagens descartadas. A corrente oficial não assegura que o
material chegue ao reciclador,
afirma. “No Brasil existem 800 cidades com coleta seletiva e é esse
modelo complementar que precisamos reforçar, com garantia de
compra de matérias-primas para
embalagem pela indústria.”
É preciso, porém, ampliar o alcance das iniciativas, avalia Horacio Terraza, especialista em água e
saneamento do BID. Bons exemplos precisam ser replicados. A situação requer, diz, capacidade
técnica e um sistema de tarifas
para os resíduos recicláveis.
Os projetos do Fomin são uma
das facetas do trabalho do BID na
área de resíduos sólidos, cujo
portfólio de investimentos no
campo soma US$ 305 milhões,
traduzidos por empréstimos a sete países. Estão em espera para
aprovação US$ 401 milhões a serem alocados em outros seis países. Os projetos em cooperativas
atingem US$ 10 milhões, em 11
nações, informa Terraza.
Programas capacitam trabalhadores para mercado formal
Sergio Lamucci
De Washington
O avanço nos programas de reciclagem com a participação de catadores caminha hoje com dinheiro e apoio do setor público, das
empresas e de instituições multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Essa
combinação de recursos e esforços
ajuda a capacitar os trabalhadores,
facilitar a sua organização em cooperativas e contribui para que entrem de modo formal na cadeia de
reciclagem de resíduos sólidos.
Em meados deste ano, teve início a terceira etapa do programa
do governo federal chamado Cata-
forte — Negócios Sustentáveis em
Redes Solidárias, para investir
R$ 200 milhões em empreendimentos de catadores de materiais
recicláveis. Segundo a coordenadora do Comitê Interministerial
de Inclusão Social e Econômica
dos Catadores de Materiais Recicláveis da Secretaria-geral da Presidência da República, Daniela Gomes Mettello, do total de recursos,
R$ 30 milhões devem ser desembolsados em 2013 ano e R$ 100 milhões no ano que vem. O objetivo
do projeto é ajudar a estruturar redes de cooperativas e associações
para que possam prestar serviços
de coleta seletiva para prefeituras,
atuem no mercado de logística re-
versa e na comercialização e beneficiamento de recicláveis.
O presidente do Compromisso
Empresarial para a Reciclagem
(Cempre), Vitor Bicca, diz que o
segmento depende menos de
apoio financeiro do que há alguns
anos. Nota que a inclusão dos catadores é política do governo, mas
que há diferentes níveis de organização das cooperativas. “Há algumas que já têm oportunidades de
trabalhar dentro da cadeira produtiva, enquanto outras ainda estão no começo dela, coletando materiais recicláveis”. Bicca e Daniela
participaram do evento sobre reciclagem promovido pelo BID.
Nesse cenário, há necessidade
de iniciativas como as realizadas
pelo governo para que os catadores e as suas cooperativas ganhem
independência. Bicca observa que
ainda há muitos lixões no Brasil, e
um grande desafio será capacitar
os catadores que trabalham neles.
Parte desses trabalhadores deverá
se integrar a cooperativas e ser absorvida pela seleta coletiva, enquanto outros partirão para outras funções. Segundo Daniela,
ainda existem 2 mil lixões no país,
que devem ser fechados até agosto
de 2014, de acordo com a Política
Nacional de Resíduos Sólidos.
O apoio das empresas ocorre
por meio da capacitação e infraestrutura das organizações, com
equipamentos e com gestão, e
oportunidades de contratos de
fornecimento de material, diz Bicca. “ As cooperativas podem ser os
braços das empresas na coleta do
material”. As organizações de catadores, nesse quadro, fazem parte
do trabalho que normalmente seria feito pelo governo local na coleta seletiva. Hoje, dos mais de 5.500
municípios do Brasil, cerca de 800
realizam coleta seletiva, segundo
dados do Cempre.
A importância de garantir a inclusão dos catadores está foco da
ação do Fundo Multilateral de Investimento (Fomin) do BID. Desde
2008, o Fomin aprovou 19 operações em 15 países, num total de
US$ 14 milhões, dos quais US$ 5
milhões foram para o Brasil, como
o projeto Catação. No centro das
preocupações da instituição, está a
melhora de renda e qualidade de
vida dos catadores e de suas comunidades. Segundo a especialistasênior do Fomin, Estrella PeinadoVara, o fundo trabalha com o setor
público e o setor privado, enfatiza
ela. Os projetos financiados são de
pequeno porte, para que possam
ser replicados e ganhem escala.
A questão econômica também
importa. Segundo Bicca, o Brasil
perde R$ 8 bilhões por ano por
deixar de reciclar resíduos recicláveis encaminhados para aterros sanitários e lixões.