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17 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010
V
ocê está numa cidade imaginária. Siga pela Avenida Baden Powell e
entre na Travessa Elis Regina. No fim da viela, descanse na Praça João
Nogueira, junto ao Monumento à Clara Nunes, bem no Cantinho do
Sabiá,emfrenteaoconservatóriomusicalDorivalCaymmi.Passepara
a outra quadra, e na esquina da Rua Eduardo Gudin com a Maurício
Tapajós tome alguma coisa no Bar Pixinguinha, onde não entra quem não tem ca-
ráter. É possível que Vinicius e Tom estejam por lá. Depois, caminhe pelo Bulevar
Aldir Blanc. Você verá o Museu de Arte Mauro Bolacha Duarte e o Grupo Escolar
RadamésGnatalli–talveznojardimespieaprofessoraLucianapastorandoLenine,
Diogo,Marcel,Bena,Aliceeoutrascrianças,observadadelongepeladiretoraSuely
Costa. Pare no caixa automático do Banco Sivuca e saque algumas notas musicais,
a moeda corrente nessa cidade, com população de mais de 2 mil composições, cha-
mada Paulo César Pinheiro. Trata-se de um lugar sem pragas nem ervas daninhas,
sem armas nem homens de mal, espécies extintas pelas cinzas de um carnaval.
Nesta entrevista, concedida numa tarde de setembro no Bar Getúlio, em
Copabacana, PC Pinheiro fala um pouco dessa cidade da criação, e da inex-
plicável inspiração que o torna o compositor da música popular de mais vasta
obra de todos os tempos. Levam sua assinatura obras tramadas com parceiros
de cinco gerações, de Pixinguinha, que hoje teria 113 anos, a Alice, 20, filha
A música
me ama
Paulo César Pinheiro
não tem controle
sobre o que cria. As
canções brotam, como
que de uma nascente.
Elas já renderam
parcerias com gente
de cinco gerações e
um baú pronto para
servir a outras tantas
Por Paulo Donizetti
de Souza
ENTREVISTA
18 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010
TRABALHO
de Dori Caymmi. Uma pequena amostra desse acervo o poe-
ta, de 61 anos, descreve no saboroso livro Histórias das Minhas
Canções­
, lançado recentemente pela Editora Leya. E como ele
não consegue nem faz questão de explicar direito, em prosa, de
onde vem seu poder da criação, os versos a seguir, que não es-
tão no livro, talvez o faça:
“A música me ama, ela me deixa fazê-la. A música é uma estrela­,
deitada na minha cama. Ela me chega sem jeito, quase sem eu
perceber­
. Quando me dou conta e vou ver, ela já entrou no meu
peito. No que ela entra a alma sai, fica meu corpo sem vida. Volta­
depois comovida, e eu nunca soube onde vai. Meu olho dana a
brilhar.­Meu dedo corre o papel, e a voz repete o cordel que se
derrama­do olhar. Fico algum tempo perdido até me recuperar,
quase sem acreditar se tudo teve sentido. A música parte e eu
desperto­pro mundo cruel que aí está. Com medo de ela não mais
voltar.Maselaestásempreporperto.Nadaqueexisteémaisforte,
e eu quero aprender-lhe a medida de como compõe minha vida,
que é para eu compor minha morte.” (Do disco Parceria, gravad­o
em 1994, com João Nogueira.)
Em meio a uma obra tão vasta, como conseguiu eleger as can-
ções que botou no livro?
Já estou preparando o volume 2. Eu já tinha listado, a princípio,
100 histórias, só por ser um número redondo. Mas quando chegou
na sexagésima eu percebi que o livro estava ficando muito gran-
de. Eu não tinha ideia de que as histórias iam se estender. Achei
por bem parar, porque se fosse fazer as 100, o livro iria para umas
600 páginas, ia ficar muito caro. A produção acabou ficando boa,
a editora é muito boa. Todo mundo que me diz que leu, diz que
leu numa tacada só. Eu comecei a compor até antes de Viagem – a
primeira música, feita aos 14 anos (Oh, tristeza me desculpe, estou
de malas prontas...). Daí em diante, fui fazendo sem nem me dar
conta do que aquilo era na minha vida.
Você foi compondo as canções e elas compondo você?
Com certeza. É uma simbiose. A música começa a fazer parte
da sua história, da sua vida. Música é isso: observação. É muita
inspiração, mas muita observação da vida, das pessoas, dos per-
sonagens, do sentimento humano.
A música é uma estrela, deitada
na minha cama. Ela me chega
sem jeito, quase sem eu perceber.
Quando me dou conta e vou ver,
ela já entrou no meu peito
LUCIANA
WHITAKER
19 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010
Quem
compra CD
por R$ 5 em
camelô não
paga R$ 35
em loja. O
preço devia
ser mais
razoável. O
processo de
feitura do
disco é caro,
mas não a
ponto de ter
de custar
R$ 35. Tem
de ter um
meio-termo
Era uma época privilegiada da criação musical do
Brasil, né? Tudo que vinha do DNA do Caymmi, do
Pixinguinha, Noel Rosa, Ary Barroso, Villa Lobos es-
tava em plena ebulição na obra de sua geração.
A minha talvez tenha sido, até agora, a última gran-
de geração de compositores do Brasil. Isso vai desem-
bocar em algum momento em algum lugar. Mas acho
que ainda são os mais atuantes.
Aliás, você...
Eu sou o compositor de maior obra na música popular­
detodosostempos.JáfalaramatéqueécasoparaoGuiness­
Book. Tenho mais de 1.150 músicas gravadas e outras mil
ainda na gaveta. E não parei. Tem muita gente gravando­
músicas minhas, alguns discos inteiros só de músicas
minhas­
. Na história da música brasileira, talvez o mais
próximo disso seja o Braguinha, que deve ter umas 700.
O Baden Powell foi o cara que sacou tudo isso. Eu digo
sempre com gratidão e com um misto de assombro. Na-
quele momento, eu era parceiro do João de Aquino, que
era primo do Baden, a quem conheci por meio dele. Nós
éramos vizinhos de bairro, numa pracinha em São Cris-
tóvão(zonanortedoRio).OJoãotocavaacordeon–opai
deleeracearense–,depoisaprendeupandeiro,violão.Eu,
menino ainda, já tinha muita admiração pelo Baden, que
já era um nome mundial. E na década de 1960 inteira a
parceria Baden-Vinícius já era muito forte. Meu assom-
bro foi a visão do Baden diante de um menino começan-
do a fazer música, ele já celebridade, referência de toda a
minha geração. Eu tinha 16 anos quando ele me ofereceu
uma parceria. “Vamos fazer música juntos?” Aquilo pra
mim foi um choque, um espanto. Mas ele já estava ante-
vendo o que ia acontecer comigo.
Você nem imaginava que ia viver da sua música?
MeuespantopeloBadenéessaantevisãoqueeleteve
de que eu poderia ser o que sou. Quando fizemos La-
pinha eu tinha 16 anos (Quando eu morrer me enterre
na Lapinha/ Calça, culote, paletó e almofadinha). Dali
em diante fizemos cerca de 100 músicas. Muita coisa
está na cabeça das pessoas até hoje. Baden me apresen-
tou todo mundo.
E daí veio a ciumeira do Vinicius de Morais?
O Vinícius sempre foi ciumento, possessivo. Por que
umhomemde52anos,diplomata,escritormaravilhoso­,
poderia ter ciúme de uma criança? O tempo botou as
coisas no lugar e nos tornamos grandes amigos.
O bilhete que você recebeu dele e reproduz no livro
é algo antológico na vida de alguém.
Pra você ver até que grau ia a amizade depois... (“Para
o Paulinho, De pai pra filho e de filho pra pai, sem pai e
semfilho,semfilhoesempai,ecommuitoamorpelofilho
queeupoderiater(enãotive)masqueécomosetivesse.E
aproveitandopramandarelepraputaquemepariu,oco-
ração amigo, paterno, fraterno, inferno do seu Vinicius.”)
Você compôs e conviveu com gente que participou
intensamente da sua vida que já se foi. Crer que “a
vida é uma missão” ajudou a suportar as perdas?
Com certeza, perdi muitos parceiros. De minha ge-
raçãoedegeraçõesanteriores.Pixinguinhahojeestaria
fazendo 113 anos, estou com 61. Teve o Radamés Gna-
talli (1906-1988), o Mirabeau Pinheiro (1924-1991),
Alcyr Pires (1906-1994), e outros do meu momento,
Baden, Tom, João Nogueira, Mauro Duarte, Maurício
Tapajós, Raphael Rabello, Sivuca... Foram morrendo
meus parceiros... (pausa). Mas hoje tenho parceiros de
19anos.Querdizer,tenhoumde113eumde19(risos).
O João Nogueira foi das mais intensas?
Foi. Começamos em 1972, foi uma parceria muito
longa. Era parceiro, companheiro de farra, de boemia.
Foi ele que o convenceu a fazer um tributo à Clara
Nunes.
Exatamente. [Clara Nunes morreu aos 39 anos, em
1983, vítima de um choque anafilático. Cinquenta mil
pessoas velaram seu corpo na quadra da Portela. Paulo
César, casado com ela desde 1975, recolheu-se a ponto
de mal conseguir falar do assunto. João Nogueira insis-
tiu que fizesse um samba-tributo. Dizia: “Só você tem
autoridade pra fazer esse samba. Se não fizer, vai pintar
uma enxurrada de samba ruim sobre o assunto”. E saiu
Um ser de Luz: “... Mas aconteceu um dia/ Foi quando o
menino Deus chamou/ E ela se foi pra cantar/ Para além
do luar/ Onde moram as estrelas (...) Canta, meu sabiá,
voameusabiá,adeus,meusabiá/Atéumdia!”]Joãoera
meu amigo, meu compadre, sou padrinho de uma filha
dele. Aliás, parceria não é só um trabalho de compor
junto. É amizade, é convivência, senão não funciona.
Você ainda assina em baixo da tese do Pixinguinha,
“beber só faz mal pra quem é mau caráter”...
Não é bem assim. É “beber só faz mal pra quem não
tem caráter”. E assino embaixo.
Sua Trilogia no Alumbramento – as músicas Súplica,
O Poder da Criação e Quando Eu Canto – explica so-
bre como trabalha a cabeça do compositor?
Tentei explicar o que muita gente me pergunta sem-
pre. “Como é que você faz?” “Você precisa estar triste,
ou feliz?” “Precisa de alguma coisa especial?”... Essas
perguntas eu ouvi a vida inteira. Não preciso de nada
disso exatamente. A música brota, não sou quem faz,
ela nasce sozinha.
Esse lance que você diz de ter sensações, visões,
ouvir vozes, foi pontual, episódico, ou é recorrente?
É recorrente. Quando eu comecei a fazer meus pri-
meiros versos, compor minhas primeiras melodias,
isso começou em mim. São histórias intermináveis,
misteriosas. Não sei explicar. Mas vejo gente, escuto
coisas, acontecem coisas sobrenaturais comigo.
20 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010
A música
nasce
sozinha.
Não preciso
estar triste
ou feliz,
num lugar
especial.
Posso estar
preso num
cubículo
que faço
música. Ela
extrapola
qualquer
tipo de
ambiente, a
música não
é racional. É
uma missão
FOTOS
LUCIANA
WHITAKER
E as mil e poucas músicas que você ainda tem guar-
dadas, tem planos pra elas?
Não, elas vão saindo lentamente. Da mesma forma
que eu vou fazendo por fazer, às vezes eu faço por en-
comenda. É um filme, e pedem uma canção tema, é te-
atro,énovela...Àmedidaqueaspessoasvãomeprocu-
rando pra perguntar se tem alguma nova, vou tirando
do baú. Eu sempre tenho. Quando me procuram, só
pergunto qual é o gênero que a pessoa quer (risos).
“Samba-canção­? Bolero? Valsa? Samba? Choro? O que
você quer? Tem, está no baú, é só vasculhar e escolher.”
Quando você fala de “encomenda” não é só profis-
sional, mas pedidos pessoais também, né?
É. A Elis era a rainha das encomendas.
Você menciona no livro uma cantora, nos anos
1970, que enciumou a Elis. Ela até pediu um samba
(Cai Dentro) pra cutucar a concorrente. Quem era?
Ah, isso eu não posso falar.
Pô, eu juro que não conto pra ninguém.
De jeito nenhum (risos).
Você parece carregar um traço de generosidade. É
característica nata, ou desenvolveu com o tempo,
com as parcerias?
Nasci em berço pobre. Meu pai era operário, tinha
dois empregos. Conheci meu pai praticamente com 11
anosdeidade,porqueanteseununcaoviadetantoque
ele trabalhava. A gente morava numa vila de operários,
da Light, em Jacarepaguá (zona oeste do Rio). A famí-
lia dele, paraibano, é toda nordestina. Eu visitando pa-
rentes meus via a miséria que era. Da parte da minha
mãe, meu avô era pescador, com família grande. Na
casa dele não tinha luz, era lampião de querosene; não
tinha gás, era fogão a lenha; a água era a de um riacho
do lado. A casa era uma tapera. Minha avó, por parte
de mãe, é índia guarani de uma tribo que ainda existe
em Angra dos Reis, Bracuí. Saído desse meio não pode
dar ninguém que não seja assim. Eu sou meio índio,
meio sertanejo, tenho isso na minha essência, está no
meu sangue, está no gene.
Você, acolhido naquele meio criativo de sua época,
também acolheu gente jovem que veio depois, co-
mo o Lenine, que não voltou pro Nordeste porque
você insistiu pra ele ficar e deu no que deu.
Muita gente. Sempre fui assim.
Algumas composições suas parecem premonitó-
rias.“O Dia em que o morro descer e não for carna-
val, ninguém vai ficar pra assisitir o desfile final...”,
você fez com Wilson das Neves...
É observação. A gente que não está no meio da
correria­dasobrevivênciaaqualquercusto,podesentar­
e observar. Eu paro num balcão de bar pra tomar um
caféeescutoaquelaspessoasqueestãoali.Àsvezesuma
frase de um bêbado me faz fazer um samba. A obser-
vação é algo muito forte em mim, e tendo tempo pra
observar o seu tempo, você começa a ver na frente o
que vai acontecer. A previsão da violência urbana, dos
morros descendo pro asfalto, do medo do pessoal­do
asfalto,dasarmas.Dadestruiçãodanatureza.Amúsica
As Forças da Natureza é de 1976 e já alertava: vai haver
catástrofe, vai acontecer coisa ruim. Começa a passar
na cabeça uma sequência de filme, e você vai até 30, 40
anos adiante. Isso desemboca na minha obra.
E as novas gerações de compositores, e também
de consumidores de música, estão ligadas? Estão
observando o mundo ao seu redor?
Muita gente está. Não essa moçada da mídia. A mo-
çada que segue a mídia não está. Mas a moçada que
está ao largo da mídia, à margem da mídia, está bus-
cando caminhos, sim. Eu conheço muita gente, muito
compositor bom, que está escondido, em guetos prati-
camente, e que vive da música. Meus filhos, por exem-
plo, são compositores. A Escola Portátil, por exemplo,
é um foco disso. A Lapa, que voltou a ser a Lapa de
outros tempos, é o coração da vida noturna do Rio. A
zona sul acabou. A Lapa foi renascendo, crescendo, se
desenvolvendo e ramificando. Agora já está indo para
a praça Tiradentes, para o cais do porto...
São redutos que vão além das baladas comerciais?
Exatamente. E grande parte dos músicos que susten-
tam essa música da Lapa está saindo da Escola Portátil.
E o que é a Escola Portátil?
É uma escola que foi criada pela minha mulher, Lu-
cianaRabello,epeloMaurícioCarrilhopraensinarcho-
ro, principalmente porque os nossos filhos não tinham
muito ambiente musical. E foi crescendo. Conseguiu re-
centemente uma casa na Rua da Carioca, entre a Praça
Tiradentes e o Largo da Carioca – em frente ao Bar Luís,
prasermaisespecífico.Eraumpedidoantigoaogoverno
do estado. Uma casa tombada pelo patrimônio, caindo
aospedaços.Elesestãocomprojetos,mantendoafacha-
da e reformando tudo por dentro. É uma casa de quatro
andares, já começaram as primeiras obrinhas. As salas
de aula vão estar todas ali. Vai haver um teatro, como
espaço de espetáculos e para gravações. Vai haver um
estúdio para gravar tudo o que vai acontecer ali. Quer
dizer, as pessoas estudam ali, praticam lá em cima, num
terraço,numbotequimtomandocerveja,edepoisfazem
shows e gravam no teatro. É bem bolado. É um projeto
para formar cidadão e para ele sair dali um profissional
de alguma coisa da música. Não é só um projeto que vai
lá, tira o menino da rua e não ensina nada de arte.
Fale sobre as gravadoras, comparando aquela épo-
ca efervescente com os dias de hoje, em que se
produz tanta mediocridade.
21 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010
Nessa época rica a que você se refere, cada gravadora
tinha cerca de 90 artistas em seus elencos. A Odeon ti-
nha isso, a Phillips tinha por aí, a CBS, a RCA Victor. E
osdiretoresdaquelaépocaerampessoasdeoutrotipode
gosto. E às vezes até músicos. O (Roberto) Menescal foi
diretor da Phillips. Hoje a atribuição dessa escolha não
é artística, é do marketing, que dita as regras e opina o
quevaivendereoquenãovai.Asgravadorasporsuavez
estãoacabandonoBrasil.Foramdiminuindo,vendendo
seus estúdios, que eram maravilhosos, e reduzindo seus
castings. E ferramentas novas foram chegando. A gente
tem de aprender a lidar com elas. Agora, eu só acho que
odireitoautoralprecisaserrespeitado,aindaestáhaven-
do discussão em torno disso. E acho que a internet é um
sistema muito mais democrático do que o das rádios.
E as rádios, continuam iguais a sempre?
As emissoras de rádio são concessões públicas, a
maioria é de políticos, e a regra do jogo em rádio que
toca música é ditada por esse marketing de que falei an-
tes. Os horários estão comprometidos. Existe o famoso
jabá, a compra disso. E se quem está chegando não tem
como botar seu disco para tocar em rádio nenhuma,
migra para a internet. Está mais democrático. A rádio
toca a mesma coisa no Brasil inteiro. Música achatada e
pasteurizada, não tem leque aberto. Pelo menos na in-
ternetvocêouveoquevocêquer,buscaoquevocêquer.
Hoje muita gente produz e vende seus próprios
CDs.
Poisé,naquelaépocaeramcontratadosmuitosartis-
tas... E hoje também é tudo muito rápido e passageiro.
Naquela época, os diretores artísticos investiam muito
nos artistas e durante muito tempo. Hoje se um artis-
ta não dá certo num disco, ele morre, acaba. Naquela
época, o Milton Nascimento, para citar um exemplo,
começou a ser conhecido depois do quarto disco, mas
agravadoraiaarriscando,dandocondiçõesparaocara
sabendo que era um artista de verdade. Então tinha
mais esse tempo de desenvolvimento, que não exis-
te mais. Hoje é tudo muito veloz. Não deu certo, joga
fora, bota outro.
As novas ferramentas oferecem também uma
alternativa­à indústria do disco. Como pode um
lançamento­ainda custar em torno de R$ 35, R$ 40?
Quem compra? E quando alguém compra, que fatia
vai para o artista?
É caro. O ganho vai depender do contrato, como
uma gravadora ou uma independente vai distribuir.
Pode ser 10% do preço de loja, pode ser 7% ou 15%.
Mas um disco custar R$ 35 é caro. Devia ser mais ra-
zoável esse preço. Por causa disso a pirataria se instala
e aí esculhamba todo o resto. Quem compra um CD
por R$ 5 na mão do camelô não vai dar R$ 35 na loja.
O preço devia ser mais razoável, mesmo com todo o
processo de feitura do disco, que é caro também, mas
não a ponto de ter de custar R$ 35, R$ 40. Tem de ter
um meio-termo.
Onde você mora hoje em dia? Fale um pouco da
sua cidade.
Em moro em Laranjeiras, mas eu já morei em tudo
que foi canto do Rio de Janeiro. O Rio é o meu quin-
tal. Eu nasci em Ramos, onde hoje é o Complexo do
Alemão, barra pesada. Passei parte da minha infân-
cia em Jacarepaguá, na zona oeste, onde ainda ha-
via fazendas de gado, hortas. Morei em São Cristó-
vão, primeiro no pé do Morro de Mangueira, na Rua
Ana Neri, depois no pé do Morro do Tuiuti – minha
adolescência, final de infância, foi nos morros. Por
isso eu entendo bem dos morros. Depois morei em
Copacabana, no Jardim Botânico, morei no Leblon,
na Barra da Tijuca, morei em Jacarepaguá de novo.
Estou agora em Laranjeiras, e só saio dali para o (ce-
mitério) São João Batista.
Toc, toc, toc...
Morei em todo canto e por isso sou um conhecedor
da cidade. Fazendo boemia, passei por todos os luga-
res, nos subúrbios da zona oeste, da zona sul, da zona
norte mais distante. Conheço bem, não conheço de me
contarem. Talvez eu tenha sido um dos compositores
que mais falou da cidade do Rio de Janeiro.
Das pessoas da sua geração, com quem você convi-
ve mais hoje, e com quem ainda compõe?
Edu Lobo, Dori Caymmi, Francis Hime... Foram os
que sobraram.
Nunca fez nada com o Chico Buarque, o Paulinho
da Viola? Não são da mesma turma?
Não. Somos da mesma turma, mas eles fazem tudo.
O Chico não precisa muito de parceiro. O Paulinho faz
sozinho também, e tem alguns parceiros, Elton Medei-
ros e tal. O Chico esporadicamente faz com alguém.
Fez mais com o Francis, como Edu, por trabalhos en-
comendados também. E aí como nós fazemos música
e letra, todos... O Edu não faz tanto letra, já fez, o Dori
nãofaz,entãoessaminhaconvivênciaemparceriacom
eles é mais por isso.
E dessa safra nova, mais jovem?
Eu sou hoje parceiro dos filhos dos meus parceiros.
As minhas companhias hoje são o Bernardo Lobo (o
Bena, 37 anos), Diogo Nogueira (29), o Louis Marcel e
o Philippe (28 e 32 anos, filhos do Baden) – o Philippe é
meu afilhado, inclusive, de batismo. A filha do Danilo
Caymmi, Alice (20), é minha parceira. Então sou par-
ceiro dos meninos que peguei no colo. Sou parceiro dos
meusfilhos.Issodaíéimpagável.Vocêpegarumacrian-
çanocolo,e20,30anosdepoisvocêsercompanheirode
trabalhodessapessoa,serparceirodessapessoa,­édifícil
explicar a sensação. Quer coisa melhor?
Já falaram
que é caso
para o
Guiness
Book.
Tenho mais
de 1.150
músicas
gravadas
e outras
mil ainda
na gaveta.
Na história
da música
brasileira,
talvez
o mais
próximo
seja o
Braguinha,
que deve ter
umas 700
LUCIANA
WHITAKER

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Entrevista Paulo Cesar Pinheiro

  • 1. 17 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010 V ocê está numa cidade imaginária. Siga pela Avenida Baden Powell e entre na Travessa Elis Regina. No fim da viela, descanse na Praça João Nogueira, junto ao Monumento à Clara Nunes, bem no Cantinho do Sabiá,emfrenteaoconservatóriomusicalDorivalCaymmi.Passepara a outra quadra, e na esquina da Rua Eduardo Gudin com a Maurício Tapajós tome alguma coisa no Bar Pixinguinha, onde não entra quem não tem ca- ráter. É possível que Vinicius e Tom estejam por lá. Depois, caminhe pelo Bulevar Aldir Blanc. Você verá o Museu de Arte Mauro Bolacha Duarte e o Grupo Escolar RadamésGnatalli–talveznojardimespieaprofessoraLucianapastorandoLenine, Diogo,Marcel,Bena,Aliceeoutrascrianças,observadadelongepeladiretoraSuely Costa. Pare no caixa automático do Banco Sivuca e saque algumas notas musicais, a moeda corrente nessa cidade, com população de mais de 2 mil composições, cha- mada Paulo César Pinheiro. Trata-se de um lugar sem pragas nem ervas daninhas, sem armas nem homens de mal, espécies extintas pelas cinzas de um carnaval. Nesta entrevista, concedida numa tarde de setembro no Bar Getúlio, em Copabacana, PC Pinheiro fala um pouco dessa cidade da criação, e da inex- plicável inspiração que o torna o compositor da música popular de mais vasta obra de todos os tempos. Levam sua assinatura obras tramadas com parceiros de cinco gerações, de Pixinguinha, que hoje teria 113 anos, a Alice, 20, filha A música me ama Paulo César Pinheiro não tem controle sobre o que cria. As canções brotam, como que de uma nascente. Elas já renderam parcerias com gente de cinco gerações e um baú pronto para servir a outras tantas Por Paulo Donizetti de Souza ENTREVISTA
  • 2. 18 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010 TRABALHO de Dori Caymmi. Uma pequena amostra desse acervo o poe- ta, de 61 anos, descreve no saboroso livro Histórias das Minhas Canções­ , lançado recentemente pela Editora Leya. E como ele não consegue nem faz questão de explicar direito, em prosa, de onde vem seu poder da criação, os versos a seguir, que não es- tão no livro, talvez o faça: “A música me ama, ela me deixa fazê-la. A música é uma estrela­, deitada na minha cama. Ela me chega sem jeito, quase sem eu perceber­ . Quando me dou conta e vou ver, ela já entrou no meu peito. No que ela entra a alma sai, fica meu corpo sem vida. Volta­ depois comovida, e eu nunca soube onde vai. Meu olho dana a brilhar.­Meu dedo corre o papel, e a voz repete o cordel que se derrama­do olhar. Fico algum tempo perdido até me recuperar, quase sem acreditar se tudo teve sentido. A música parte e eu desperto­pro mundo cruel que aí está. Com medo de ela não mais voltar.Maselaestásempreporperto.Nadaqueexisteémaisforte, e eu quero aprender-lhe a medida de como compõe minha vida, que é para eu compor minha morte.” (Do disco Parceria, gravad­o em 1994, com João Nogueira.) Em meio a uma obra tão vasta, como conseguiu eleger as can- ções que botou no livro? Já estou preparando o volume 2. Eu já tinha listado, a princípio, 100 histórias, só por ser um número redondo. Mas quando chegou na sexagésima eu percebi que o livro estava ficando muito gran- de. Eu não tinha ideia de que as histórias iam se estender. Achei por bem parar, porque se fosse fazer as 100, o livro iria para umas 600 páginas, ia ficar muito caro. A produção acabou ficando boa, a editora é muito boa. Todo mundo que me diz que leu, diz que leu numa tacada só. Eu comecei a compor até antes de Viagem – a primeira música, feita aos 14 anos (Oh, tristeza me desculpe, estou de malas prontas...). Daí em diante, fui fazendo sem nem me dar conta do que aquilo era na minha vida. Você foi compondo as canções e elas compondo você? Com certeza. É uma simbiose. A música começa a fazer parte da sua história, da sua vida. Música é isso: observação. É muita inspiração, mas muita observação da vida, das pessoas, dos per- sonagens, do sentimento humano. A música é uma estrela, deitada na minha cama. Ela me chega sem jeito, quase sem eu perceber. Quando me dou conta e vou ver, ela já entrou no meu peito LUCIANA WHITAKER
  • 3. 19 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010 Quem compra CD por R$ 5 em camelô não paga R$ 35 em loja. O preço devia ser mais razoável. O processo de feitura do disco é caro, mas não a ponto de ter de custar R$ 35. Tem de ter um meio-termo Era uma época privilegiada da criação musical do Brasil, né? Tudo que vinha do DNA do Caymmi, do Pixinguinha, Noel Rosa, Ary Barroso, Villa Lobos es- tava em plena ebulição na obra de sua geração. A minha talvez tenha sido, até agora, a última gran- de geração de compositores do Brasil. Isso vai desem- bocar em algum momento em algum lugar. Mas acho que ainda são os mais atuantes. Aliás, você... Eu sou o compositor de maior obra na música popular­ detodosostempos.JáfalaramatéqueécasoparaoGuiness­ Book. Tenho mais de 1.150 músicas gravadas e outras mil ainda na gaveta. E não parei. Tem muita gente gravando­ músicas minhas, alguns discos inteiros só de músicas minhas­ . Na história da música brasileira, talvez o mais próximo disso seja o Braguinha, que deve ter umas 700. O Baden Powell foi o cara que sacou tudo isso. Eu digo sempre com gratidão e com um misto de assombro. Na- quele momento, eu era parceiro do João de Aquino, que era primo do Baden, a quem conheci por meio dele. Nós éramos vizinhos de bairro, numa pracinha em São Cris- tóvão(zonanortedoRio).OJoãotocavaacordeon–opai deleeracearense–,depoisaprendeupandeiro,violão.Eu, menino ainda, já tinha muita admiração pelo Baden, que já era um nome mundial. E na década de 1960 inteira a parceria Baden-Vinícius já era muito forte. Meu assom- bro foi a visão do Baden diante de um menino começan- do a fazer música, ele já celebridade, referência de toda a minha geração. Eu tinha 16 anos quando ele me ofereceu uma parceria. “Vamos fazer música juntos?” Aquilo pra mim foi um choque, um espanto. Mas ele já estava ante- vendo o que ia acontecer comigo. Você nem imaginava que ia viver da sua música? MeuespantopeloBadenéessaantevisãoqueeleteve de que eu poderia ser o que sou. Quando fizemos La- pinha eu tinha 16 anos (Quando eu morrer me enterre na Lapinha/ Calça, culote, paletó e almofadinha). Dali em diante fizemos cerca de 100 músicas. Muita coisa está na cabeça das pessoas até hoje. Baden me apresen- tou todo mundo. E daí veio a ciumeira do Vinicius de Morais? O Vinícius sempre foi ciumento, possessivo. Por que umhomemde52anos,diplomata,escritormaravilhoso­, poderia ter ciúme de uma criança? O tempo botou as coisas no lugar e nos tornamos grandes amigos. O bilhete que você recebeu dele e reproduz no livro é algo antológico na vida de alguém. Pra você ver até que grau ia a amizade depois... (“Para o Paulinho, De pai pra filho e de filho pra pai, sem pai e semfilho,semfilhoesempai,ecommuitoamorpelofilho queeupoderiater(enãotive)masqueécomosetivesse.E aproveitandopramandarelepraputaquemepariu,oco- ração amigo, paterno, fraterno, inferno do seu Vinicius.”) Você compôs e conviveu com gente que participou intensamente da sua vida que já se foi. Crer que “a vida é uma missão” ajudou a suportar as perdas? Com certeza, perdi muitos parceiros. De minha ge- raçãoedegeraçõesanteriores.Pixinguinhahojeestaria fazendo 113 anos, estou com 61. Teve o Radamés Gna- talli (1906-1988), o Mirabeau Pinheiro (1924-1991), Alcyr Pires (1906-1994), e outros do meu momento, Baden, Tom, João Nogueira, Mauro Duarte, Maurício Tapajós, Raphael Rabello, Sivuca... Foram morrendo meus parceiros... (pausa). Mas hoje tenho parceiros de 19anos.Querdizer,tenhoumde113eumde19(risos). O João Nogueira foi das mais intensas? Foi. Começamos em 1972, foi uma parceria muito longa. Era parceiro, companheiro de farra, de boemia. Foi ele que o convenceu a fazer um tributo à Clara Nunes. Exatamente. [Clara Nunes morreu aos 39 anos, em 1983, vítima de um choque anafilático. Cinquenta mil pessoas velaram seu corpo na quadra da Portela. Paulo César, casado com ela desde 1975, recolheu-se a ponto de mal conseguir falar do assunto. João Nogueira insis- tiu que fizesse um samba-tributo. Dizia: “Só você tem autoridade pra fazer esse samba. Se não fizer, vai pintar uma enxurrada de samba ruim sobre o assunto”. E saiu Um ser de Luz: “... Mas aconteceu um dia/ Foi quando o menino Deus chamou/ E ela se foi pra cantar/ Para além do luar/ Onde moram as estrelas (...) Canta, meu sabiá, voameusabiá,adeus,meusabiá/Atéumdia!”]Joãoera meu amigo, meu compadre, sou padrinho de uma filha dele. Aliás, parceria não é só um trabalho de compor junto. É amizade, é convivência, senão não funciona. Você ainda assina em baixo da tese do Pixinguinha, “beber só faz mal pra quem é mau caráter”... Não é bem assim. É “beber só faz mal pra quem não tem caráter”. E assino embaixo. Sua Trilogia no Alumbramento – as músicas Súplica, O Poder da Criação e Quando Eu Canto – explica so- bre como trabalha a cabeça do compositor? Tentei explicar o que muita gente me pergunta sem- pre. “Como é que você faz?” “Você precisa estar triste, ou feliz?” “Precisa de alguma coisa especial?”... Essas perguntas eu ouvi a vida inteira. Não preciso de nada disso exatamente. A música brota, não sou quem faz, ela nasce sozinha. Esse lance que você diz de ter sensações, visões, ouvir vozes, foi pontual, episódico, ou é recorrente? É recorrente. Quando eu comecei a fazer meus pri- meiros versos, compor minhas primeiras melodias, isso começou em mim. São histórias intermináveis, misteriosas. Não sei explicar. Mas vejo gente, escuto coisas, acontecem coisas sobrenaturais comigo.
  • 4. 20 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010 A música nasce sozinha. Não preciso estar triste ou feliz, num lugar especial. Posso estar preso num cubículo que faço música. Ela extrapola qualquer tipo de ambiente, a música não é racional. É uma missão FOTOS LUCIANA WHITAKER E as mil e poucas músicas que você ainda tem guar- dadas, tem planos pra elas? Não, elas vão saindo lentamente. Da mesma forma que eu vou fazendo por fazer, às vezes eu faço por en- comenda. É um filme, e pedem uma canção tema, é te- atro,énovela...Àmedidaqueaspessoasvãomeprocu- rando pra perguntar se tem alguma nova, vou tirando do baú. Eu sempre tenho. Quando me procuram, só pergunto qual é o gênero que a pessoa quer (risos). “Samba-canção­? Bolero? Valsa? Samba? Choro? O que você quer? Tem, está no baú, é só vasculhar e escolher.” Quando você fala de “encomenda” não é só profis- sional, mas pedidos pessoais também, né? É. A Elis era a rainha das encomendas. Você menciona no livro uma cantora, nos anos 1970, que enciumou a Elis. Ela até pediu um samba (Cai Dentro) pra cutucar a concorrente. Quem era? Ah, isso eu não posso falar. Pô, eu juro que não conto pra ninguém. De jeito nenhum (risos). Você parece carregar um traço de generosidade. É característica nata, ou desenvolveu com o tempo, com as parcerias? Nasci em berço pobre. Meu pai era operário, tinha dois empregos. Conheci meu pai praticamente com 11 anosdeidade,porqueanteseununcaoviadetantoque ele trabalhava. A gente morava numa vila de operários, da Light, em Jacarepaguá (zona oeste do Rio). A famí- lia dele, paraibano, é toda nordestina. Eu visitando pa- rentes meus via a miséria que era. Da parte da minha mãe, meu avô era pescador, com família grande. Na casa dele não tinha luz, era lampião de querosene; não tinha gás, era fogão a lenha; a água era a de um riacho do lado. A casa era uma tapera. Minha avó, por parte de mãe, é índia guarani de uma tribo que ainda existe em Angra dos Reis, Bracuí. Saído desse meio não pode dar ninguém que não seja assim. Eu sou meio índio, meio sertanejo, tenho isso na minha essência, está no meu sangue, está no gene. Você, acolhido naquele meio criativo de sua época, também acolheu gente jovem que veio depois, co- mo o Lenine, que não voltou pro Nordeste porque você insistiu pra ele ficar e deu no que deu. Muita gente. Sempre fui assim. Algumas composições suas parecem premonitó- rias.“O Dia em que o morro descer e não for carna- val, ninguém vai ficar pra assisitir o desfile final...”, você fez com Wilson das Neves... É observação. A gente que não está no meio da correria­dasobrevivênciaaqualquercusto,podesentar­ e observar. Eu paro num balcão de bar pra tomar um caféeescutoaquelaspessoasqueestãoali.Àsvezesuma frase de um bêbado me faz fazer um samba. A obser- vação é algo muito forte em mim, e tendo tempo pra observar o seu tempo, você começa a ver na frente o que vai acontecer. A previsão da violência urbana, dos morros descendo pro asfalto, do medo do pessoal­do asfalto,dasarmas.Dadestruiçãodanatureza.Amúsica As Forças da Natureza é de 1976 e já alertava: vai haver catástrofe, vai acontecer coisa ruim. Começa a passar na cabeça uma sequência de filme, e você vai até 30, 40 anos adiante. Isso desemboca na minha obra. E as novas gerações de compositores, e também de consumidores de música, estão ligadas? Estão observando o mundo ao seu redor? Muita gente está. Não essa moçada da mídia. A mo- çada que segue a mídia não está. Mas a moçada que está ao largo da mídia, à margem da mídia, está bus- cando caminhos, sim. Eu conheço muita gente, muito compositor bom, que está escondido, em guetos prati- camente, e que vive da música. Meus filhos, por exem- plo, são compositores. A Escola Portátil, por exemplo, é um foco disso. A Lapa, que voltou a ser a Lapa de outros tempos, é o coração da vida noturna do Rio. A zona sul acabou. A Lapa foi renascendo, crescendo, se desenvolvendo e ramificando. Agora já está indo para a praça Tiradentes, para o cais do porto... São redutos que vão além das baladas comerciais? Exatamente. E grande parte dos músicos que susten- tam essa música da Lapa está saindo da Escola Portátil. E o que é a Escola Portátil? É uma escola que foi criada pela minha mulher, Lu- cianaRabello,epeloMaurícioCarrilhopraensinarcho- ro, principalmente porque os nossos filhos não tinham muito ambiente musical. E foi crescendo. Conseguiu re- centemente uma casa na Rua da Carioca, entre a Praça Tiradentes e o Largo da Carioca – em frente ao Bar Luís, prasermaisespecífico.Eraumpedidoantigoaogoverno do estado. Uma casa tombada pelo patrimônio, caindo aospedaços.Elesestãocomprojetos,mantendoafacha- da e reformando tudo por dentro. É uma casa de quatro andares, já começaram as primeiras obrinhas. As salas de aula vão estar todas ali. Vai haver um teatro, como espaço de espetáculos e para gravações. Vai haver um estúdio para gravar tudo o que vai acontecer ali. Quer dizer, as pessoas estudam ali, praticam lá em cima, num terraço,numbotequimtomandocerveja,edepoisfazem shows e gravam no teatro. É bem bolado. É um projeto para formar cidadão e para ele sair dali um profissional de alguma coisa da música. Não é só um projeto que vai lá, tira o menino da rua e não ensina nada de arte. Fale sobre as gravadoras, comparando aquela épo- ca efervescente com os dias de hoje, em que se produz tanta mediocridade.
  • 5. 21 REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2010 Nessa época rica a que você se refere, cada gravadora tinha cerca de 90 artistas em seus elencos. A Odeon ti- nha isso, a Phillips tinha por aí, a CBS, a RCA Victor. E osdiretoresdaquelaépocaerampessoasdeoutrotipode gosto. E às vezes até músicos. O (Roberto) Menescal foi diretor da Phillips. Hoje a atribuição dessa escolha não é artística, é do marketing, que dita as regras e opina o quevaivendereoquenãovai.Asgravadorasporsuavez estãoacabandonoBrasil.Foramdiminuindo,vendendo seus estúdios, que eram maravilhosos, e reduzindo seus castings. E ferramentas novas foram chegando. A gente tem de aprender a lidar com elas. Agora, eu só acho que odireitoautoralprecisaserrespeitado,aindaestáhaven- do discussão em torno disso. E acho que a internet é um sistema muito mais democrático do que o das rádios. E as rádios, continuam iguais a sempre? As emissoras de rádio são concessões públicas, a maioria é de políticos, e a regra do jogo em rádio que toca música é ditada por esse marketing de que falei an- tes. Os horários estão comprometidos. Existe o famoso jabá, a compra disso. E se quem está chegando não tem como botar seu disco para tocar em rádio nenhuma, migra para a internet. Está mais democrático. A rádio toca a mesma coisa no Brasil inteiro. Música achatada e pasteurizada, não tem leque aberto. Pelo menos na in- ternetvocêouveoquevocêquer,buscaoquevocêquer. Hoje muita gente produz e vende seus próprios CDs. Poisé,naquelaépocaeramcontratadosmuitosartis- tas... E hoje também é tudo muito rápido e passageiro. Naquela época, os diretores artísticos investiam muito nos artistas e durante muito tempo. Hoje se um artis- ta não dá certo num disco, ele morre, acaba. Naquela época, o Milton Nascimento, para citar um exemplo, começou a ser conhecido depois do quarto disco, mas agravadoraiaarriscando,dandocondiçõesparaocara sabendo que era um artista de verdade. Então tinha mais esse tempo de desenvolvimento, que não exis- te mais. Hoje é tudo muito veloz. Não deu certo, joga fora, bota outro. As novas ferramentas oferecem também uma alternativa­à indústria do disco. Como pode um lançamento­ainda custar em torno de R$ 35, R$ 40? Quem compra? E quando alguém compra, que fatia vai para o artista? É caro. O ganho vai depender do contrato, como uma gravadora ou uma independente vai distribuir. Pode ser 10% do preço de loja, pode ser 7% ou 15%. Mas um disco custar R$ 35 é caro. Devia ser mais ra- zoável esse preço. Por causa disso a pirataria se instala e aí esculhamba todo o resto. Quem compra um CD por R$ 5 na mão do camelô não vai dar R$ 35 na loja. O preço devia ser mais razoável, mesmo com todo o processo de feitura do disco, que é caro também, mas não a ponto de ter de custar R$ 35, R$ 40. Tem de ter um meio-termo. Onde você mora hoje em dia? Fale um pouco da sua cidade. Em moro em Laranjeiras, mas eu já morei em tudo que foi canto do Rio de Janeiro. O Rio é o meu quin- tal. Eu nasci em Ramos, onde hoje é o Complexo do Alemão, barra pesada. Passei parte da minha infân- cia em Jacarepaguá, na zona oeste, onde ainda ha- via fazendas de gado, hortas. Morei em São Cristó- vão, primeiro no pé do Morro de Mangueira, na Rua Ana Neri, depois no pé do Morro do Tuiuti – minha adolescência, final de infância, foi nos morros. Por isso eu entendo bem dos morros. Depois morei em Copacabana, no Jardim Botânico, morei no Leblon, na Barra da Tijuca, morei em Jacarepaguá de novo. Estou agora em Laranjeiras, e só saio dali para o (ce- mitério) São João Batista. Toc, toc, toc... Morei em todo canto e por isso sou um conhecedor da cidade. Fazendo boemia, passei por todos os luga- res, nos subúrbios da zona oeste, da zona sul, da zona norte mais distante. Conheço bem, não conheço de me contarem. Talvez eu tenha sido um dos compositores que mais falou da cidade do Rio de Janeiro. Das pessoas da sua geração, com quem você convi- ve mais hoje, e com quem ainda compõe? Edu Lobo, Dori Caymmi, Francis Hime... Foram os que sobraram. Nunca fez nada com o Chico Buarque, o Paulinho da Viola? Não são da mesma turma? Não. Somos da mesma turma, mas eles fazem tudo. O Chico não precisa muito de parceiro. O Paulinho faz sozinho também, e tem alguns parceiros, Elton Medei- ros e tal. O Chico esporadicamente faz com alguém. Fez mais com o Francis, como Edu, por trabalhos en- comendados também. E aí como nós fazemos música e letra, todos... O Edu não faz tanto letra, já fez, o Dori nãofaz,entãoessaminhaconvivênciaemparceriacom eles é mais por isso. E dessa safra nova, mais jovem? Eu sou hoje parceiro dos filhos dos meus parceiros. As minhas companhias hoje são o Bernardo Lobo (o Bena, 37 anos), Diogo Nogueira (29), o Louis Marcel e o Philippe (28 e 32 anos, filhos do Baden) – o Philippe é meu afilhado, inclusive, de batismo. A filha do Danilo Caymmi, Alice (20), é minha parceira. Então sou par- ceiro dos meninos que peguei no colo. Sou parceiro dos meusfilhos.Issodaíéimpagável.Vocêpegarumacrian- çanocolo,e20,30anosdepoisvocêsercompanheirode trabalhodessapessoa,serparceirodessapessoa,­édifícil explicar a sensação. Quer coisa melhor? Já falaram que é caso para o Guiness Book. Tenho mais de 1.150 músicas gravadas e outras mil ainda na gaveta. Na história da música brasileira, talvez o mais próximo seja o Braguinha, que deve ter umas 700 LUCIANA WHITAKER