Este documento resume o conceito de felicidade em Aristóteles em 3 frases: (1) Aristóteles define felicidade como uma vida virtuosa e plenamente realizada em sua excelência máxima, não algo alcançado definitivamente. (2) A virtude é uma disposição para escolher o justo meio entre excessos e é essencial para a felicidade. (3) Embora bens externos sejam necessários, a felicidade não depende de muitos bens, mas da virtude e atividade do intelecto.
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1. Introdução
O trabalho que segue trata-se da concepção de felicidade em Aristóteles. Sabe-se que nos últimos
momentos do pensamento a felicidade tornou-se cada vez mais um assunto rico, abrangente e
complexo.
O objectivo geral visa ilustrar o conceito de felicidade em Aristóteles.
Os objectivos específicos que nortearão neste trabalho consistem em perceber a felicidade como
a condição da convivência social; entender a virtude como disposição da felicidade e, por fim,
relacionar a felicidade dos bens exteriores.
A metodologia usada para a efectivação deste trabalho, teve como base leitura e interpretação da
obra de Aristóteles “Ética a Nicômaco”.
O trabalho está estruturado em quatro partes, sendo a primeira, introdução; seguido pelo
desenvolvimento, onde se apresenta a definição do conceito de felicidade, a felicidade como a
condição da convivência social, a virtude como disposição da felicidade e relação entre a
felicidade e os bens exteriores, e por fim, e conclusão.
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2. O conceito de felicidade
Todas as acções humanas visam uma finalidade com o propósito de obter um bem. Aristóteles
considera o bem como uma finalidade própria do homem, que busca alcançar a felicidade
(eudaimonía).
Como descreve Chaui,
(…) A felicidade é a vida plenamente realizada em sua excelência máxima. Por
isso não é alcançável imediata nem definitivamente, mas é um exercício
cotidiano que a alma realiza durante toda a vida. A felicidade é, pois, a
atualização das potências da alma humana de acordo com sua excelência mais
completa, a racionalidade. (CHAUI, 1994)
Quanto a Aristóteles, insistiu no carácter contemplativo da Felicidade em seu grau superior, a
bem-aventurança, mas apresentou uma noção mais ampla de Felicidade, definindo-a como "certa
actividade da alma, realizada em conformidade com a virtude" {Et. nic, I, 13, 1102 b); ela não
exclui, mas inclui a satisfação das necessidades e das aspirações mundanas. As pessoas felizes,
segundo Aristóteles, devem possuir as três espécies de bens que se podem distinguir, quais
sejam, os exteriores, os do corpo e os da alma (Ibid., 1153 b, 17 ss.; Pol., VII, 1, 1323 a 22). É
verdade que "os bens exteriores, assim como qualquer instrumento, têm um limite dentro do qual
desempenham sua função utilitária de instrumentos, mas além do qual se tornam prejudiciais ou
inúteis para quem os possui. Os bens espirituais, ao contrário, quanto mais abundantes, mais
úteis". Mas em geral pode-se dizer que "cada qual merece a Felicidade, na medida da virtude, do
tino e da capacidade de bem agir que possui, podendo se tomar como exemplo a divindade, que é
feliz e bem-aventurada não graças aos bens exteriores, mas por si mesma, por aquilo que ela é,
por natureza" {Pol., VII, 1, 1323 b 8). A F. é portanto mais acessível ao sábio que mais
facilmente se basta a si mesmo {Et. nic, X, 7, 1777, a 25), mas é a isso que devem tender todos
os homens e as cidades. (ABBAGNANO)
3. Felicidade como condição da convivência social
Todavia, o filósofo explica que mesmo não tendo riqueza e poder, no que diz respeito à virtude, é
preciso possuí-la ou tentar todos os meios que possam ajudar o homem a tornar-se bom. Outra
condição apontada por Aristóteles para que o homem seja feliz é conviver em uma sociedade
justa, visando o bem colectivo e comunicando a percepção de valores. O pensador grego
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concebia o homem como “um animal político” que necessita viver em comunidade, buscando a
completude em seus semelhantes.
As discussões filosóficas completam as condições da vida feliz, é o mais alto grau da felicidade,
o conhecimento das verdades imutáveis (a vida contemplativa) em que Aristóteles considerava
acessível apenas a alguns filósofos. Isso não implica que somente estes têm a possibilidade de ser
feliz, pois sendo a felicidade um bem humano, está ao alcance de todos que contemplem as
demais condições. A felicidade como fim ético é uma actividade da alma em consonância com as
virtudes, tendo em vista um bem que pode ser tanto colectivo quando individual. O homem para
ser feliz deve agir rectamente e saber deliberar sobre todas as coisas, só assim alcançará a mais
nobre e aprazível coisa do mundo: a eudaimonía aristotélica.
Ao tratar do cultivo das amizades, Aristóteles as define como sendo “uma certa virtude, ou não
podendo existir sem virtude. Além disso, é o que há de mais necessário para viver”
(ARISTÓTELES, Livro VIII, 1, 1155 a, 2010). Ele considera a amizade como uma forma
indispensável à vida do ser humano quando afirma “Sem amigos, a vida não vale a pena ser
vivida” (ARISTÓTELES, Livro VIII, 1, 1155 a, 2010). Desse modo, mostra que a relação de
amizade requer reciprocidade, um “querer bem” que só possível por meio de práticas virtuosas.
É importante ressaltar que ao falar sobre os instrumentos que empanam a felicidade, o filósofo
impunha uma grande importância à aparência, ao companheirismo e à família, destacando que
sem estes não haveria probabilidades de o homem ser feliz. Lembrando que no contexto em que
Aristóteles viveu a cultura grega era permeada pela valorização do belo e da perfeição.
O beber e o comer superabundantes ou insuficientes arruínam a saúde. O mesmo se dá com a
moderação, a coragem e as outras virtudes; de facto, quem foge ou teme todas as coisas e não
enfrenta nada, torna-se tímido; quem ao contrário, teme nada, enfrenta qualquer coisa e se torna
temerário; quem goza toda a sorte de prazeres e não se obstem de nenhum, torna-se
intemperante; mas quem evita todos os prazeres, torna-se insensível. De modo que também a
moderação e a coragem são arruinadas tanto pelo excesso, como pela deficiência, mas são
preservadas pela via do meio.
Para se entender melhor o que é a felicidade, importa saber o que é a vida feliz. Para Aristóteles,
"a vida feliz parece ser uma vida que exprime a virtude, a qual é uma vida que envolve acções
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sérias e não consiste na diversão. Para além disso, dizemos que as coisas sérias são melhores do
que as que proporcionam divertimento, e que, em qualquer caso, a actividade da melhor parte e
da melhor pessoa é mais séria e excelente; e a actividade que é melhor é superior, e por isso tem
mais o carácter de felicidade".
4. Virtude como disposição da felicidade
Por virtude Aristóteles entende “o hábito de escolher o justo meio”. Quem o estabelece é o sábio.
A virtude é uma disposição para escolher e em outras palavras, é o hábito de praticar acções que
estejam no meio entre dois excessos.
Aristóteles divide a virtude em dois grupos principais: virtude do intelecto ou dianoética e
virtudes morais.
As virtudes dianoéticas são as que concorrem para o desenvolvimento e o funcionamento das
faculdades intelectivas. Para ele, as virtudes dianoéticas, são cinco: ciência intuitiva (nous),
ciência intelectiva (epistéme), sabedoria (sophia), arte (techne) e ciência prática (phrónesis).
As virtudes morais são as que presidem controlo das paixões e a escolha dos meios aptos para a
consecução do fim. As virtudes morais mais importantes são quatro virtudes chamadas cardeais.
A prudência corrige o intelecto, isto é, torna capaz avaliar com exactidão a bondade ou a malícia,
em outras palavras, o carácter moral de uma acção. A temperança corrige o apetite concupiscível
e a fortaleza, o apetite irascível. A justiça rege o comportamento do homem em relação aos
outros homens.
5. Relação entre felicidade e os bens exteriores
Aristóteles recusa a ideia da relação entre a felicidade e muitos bens exteriores, afirmando:
"embora ninguém possa ser abençoadamente feliz sem bens exteriores, não devemos pensar que
para se ser feliz é preciso muitos grandes bens. Pois, a auto-suficiência e a acção não dependem
do excesso, e nós podemos fazer acções valiosas mesmo sem dominarmos a terra e o mar; pois
até com poucos recursos, nós podemos fazer acções virtuosas. Isto vê-se com clareza, uma vez
que há muitos cidadãos que fazem acções tão decentes como as pessoa com poder e até fazem
mais, de facto. Basta que lhes sejam proporcionados recursos moderados”.
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Quem dedica todo o seu tempo à conquista da sua sobrevivência ou à procura gananciosa de
mais riqueza não pode dispor de tempo livre. Na verdade, a pessoa virtuosa dedica-se, por
exemplo, à actividade económica, à política ou à guerra, não com o objectivo de fazer riqueza,
fazer política ou fazer a guerra, mas com o objectivo de alcançar outros fins mais estimáveis,
agradáveis e honoráveis, como por exemplo, fazer amigos, obter a honra e a estima dos seus
vizinhos ou ganhar a glória. Com o estudo, não se passa isso. Quem se dedica ao estudo teórico,
fá-lo pelo prazer que essa actividade lhe dá, sem procurar outro fim que não seja o de continuar a
estudar. De certa forma, a vida dedicada ao estudo teórico é a que mais se assemelha à vida de
um deus, estando mesmo acima do nível humano comum, porque o sábio possui nele um certo
elemento divino, e a actividade deste elemento divino é muito superior à actividade expressa nas
restantes virtudes. Por isso, "se a compreensão é qualquer coisa de divino, em comparação com
um ser humano, assim também será a vida que expressa compreensão, em comparação com a
vida humana".
6. Conclusão
A felicidade é buscada hoje pela maioria das pessoas no sentido de obter ganhos materiais, se
perdendo em um consumismo exacerbado e alienante, de maneira que o comportamento seja
ditado pelo que os diversos tipos de mídia veiculam, tendo o individualismo e a competitividade
como mobilizadores deste processo desumanizante. Já a eudaimonía aristotélica postula as
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condições para o ser humano alcançar a felicidade, baseada nos princípios da racionalidade,
considerando o justo-meio o principal caminho para conduzir o homem a tal bem supremo.
A leitura e o estudo da obra aristotélica nos revelam que, através do exercício das virtudes, é
possível ser feliz, tendo uma vida equilibrada e consciente de que não basta somente viver, mas
viver bem culminando numa existência livre e satisfatória.
7. Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola, Dicionário de Filosofia (Trad. Martins Fontes), S. Paulo, 1998)
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa
de W. D. Rosá. Col. Os pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973.
CHAUÍ, Marilena de Souza. Introdução à história da filosofia:dos pré-socráticos a Aristóteles, vol.
01. São Paulo: Brasiliense, 1994.