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le monde 
diplomatique Brasil
2 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta ECRESÇA 
por Muriel Saragoussi* 
stamos chegando a 9 bilhões de pessoas no planeta e, 
nos últimos anos, a fome no mundo aumentou em vez de 
diminuir. Não é uma questão de produtividade porque, 
apesar desta ter crescido muito, temos hoje quase 1 bi-lhão 
de pessoas que passam fome. 
A Oxfam aborda a questão da alimentação a partir da ótica da 
justiça alimentar, da ótica de direitos, levando em conta que o mun-do 
tem recursos limitados e que, portanto, não é só produzir mais, 
mas repartir melhor e considerar os fatores sociais e ambientais 
envolvidos na produção. 
A campanha da Oxfam iniciada em junho de 2011 recebe o 
nome “CRESÇA” porque precisamos produzir mais alimentos, in-vestir 
na agricultura familiar, garantir que os agricultores, indígenas, 
extrativistas e camponeses – homens e mulheres - estejam pron-tos 
para o desafio de alimentar 9 bilhões de pessoas nas próximas 
décadas. É um desafio que requer enfrentar a desigualdade no 
controle e no acesso aos alimentos e aos recursos naturais, crescer 
de uma forma distinta, diminuir as emissões de carbono e contribuir 
para o enfrentamento da mudança climática. Significa construir ca-pacidades 
para que os agricultores familiares enfrentem as incer- 
tezas climáticas e do mercado de alimentos e atendam as necessi-dades 
dos mais pobres. Para isto é preciso contar com um sistema 
de governança global para a questão alimentar, capaz de lidar com 
crises e volatilidade dos preços. Por fim, temos de aumentar o de-bate 
sobre esses temas e promover o engajamento da sociedade 
na construção de um futuro onde todos tenham e exerçam seu di-reito 
a alimentação. 
O avanço conseguido na luta contra a fome ao longo das últi-mas 
décadas vem sendo dizimado. O vai-e-vem dos preços de ali-mentos, 
a exploração dos recursos naturais e as mudanças climáti-cas, 
têm aumentado o número de pessoas famintas no mundo e as 
projeções para o futuro próximo são ainda mais graves. O relatório 
“Crescendo para um futuro melhor”, referencia de nossa cam-panha, 
mostra que se essas questões não forem enfrentadas rapi-damente, 
os preços internacionais dos principais alimentos irão 
mais do que dobrar até 2030. Precisamos com urgência de um 
novo compromisso por parte de governos e empresas, de uma nova 
forma de engajamento da sociedade para enfrentar a desigualdade 
gerada pela falência do atual sistema de controle da produção, dis-tribuição 
e consumo de alimentos.
3 
OXFAM 
A Campanha Cresça chega no momento certo. Estamos num 
mundo de múltiplas crises, é uma crise econômica, mas é também 
uma crise de valores éticos, uma crise de produção, uma crise cli-mática. 
Os modelos de produção de alimentos vão ter de mudar 
porque o clima já mudou, o mundo já mudou. Só se o modelo de 
produção mudar é que vamos ter capacidade de sair destas crises, 
criar um modelo de desenvolvimento justo, com equidade. 
Agricultura familiar 
Nossa opção prioritária é pela agricultura familiar. Ela tem a ca-pacidade 
de inovar, de absorver técnicas e propostas de produção 
que constroem a justiça alimentar, a agroecologia e a produção 
sustentável a curto e a longo prazo. 
São necessários maiores investimentos para a agricultura fami-liar. 
Segundo o IBGE, 70% dos produtos agrícolas consumidos no 
país vêm da agricultura familiar, mas somente 24% das terras boas 
para o plantio estão nas mãos dos pequenos agricultores. 
Relação produção e consumo 
Não é só uma questão de direito de acesso aos alimentos, é tam-bém 
uma questão de consciência sobre o que nos alimenta, quem 
produz, como e para quê produz. Buscar a relação mais direta possí-vel 
entre produtor e consumidor é coerente com nossos objetivos. 
A produção tem que estar próxima do consumo. O objetivo da 
produção não deve ser o de exportar ou levá-la para onde pagarem 
mais, mas sim de alimentar as pessoas e de uma forma saudável. 
Ela só pode estar longe do consumo em situações extremas ou em 
situações de dificuldade. A questão central é garantir alimentos 
para todas as pessoas de uma forma sustentável. 
O Brasil tem hoje mais de 85% da sua população vivendo nas 
cidades. São 160 milhões de pessoas que vivem uma vida urbana, 
com grandes variações, é verdade, mas os laços de convivência do 
mundo rural estão cada vez mais longínquos. A pobreza no mundo 
urbano tem novas características, tornando ainda mais difícil a so-brevivência, 
pobreza esta que demanda uma atenção especial aos 
muitos milhões de brasileiros que nela estão. 
Os governos 
Essa é a primeira campanha da Oxfam que junta todas suas afi-liadas. 
Ela está sendo realizada em mais de 40 países. O Brasil é um 
dos 10 países estratégicos da campanha, pela sua capacidade de 
influenciar a temática da alimentação no resto do mundo, pelo 
exemplo e pela vontade política de fazê-lo. 
De acordo com o IPEA, o Brasil conseguiu tirar da miséria, entre 
2004 e 2009, de 30 a 32 milhões de brasileiros. Mas a garantia de 
que eles permaneçam fora da miséria, fazendo três refeições por 
dia, não está dada. A sociedade brasileira deve estar consciente de 
que precisa garantir conquistas, não abrir brecha para retrocessos. 
O Estado tem um papel fundamental na garantia da soberania ali-mentar, 
da segurança alimentar e da justiça alimentar. São progra-mas 
como o PAA, o Programa de Alimentação Escolar, a garantia 
de preços mínimos para produtos da sociobiodiversidade, as priori-dades 
nas compras públicas, que iniciam novas políticas. A partir 
de 2009, por exemplo, 30% dos alimentos para a merenda escolar 
devem ser comprados de pequenos produtores. 
Mulheres 
A grande maioria dos alimentos no mundo é produzida por mu-lheres 
e esse dado é absolutamente invisível. Em muitos países, 
mulheres não têm acesso a terra ou aos recursos naturais neces-sários 
para sua sobrevivência. Precisamos dar destaque à realidade 
das mulheres produtoras. Precisamos de políticas públicas especí-ficas 
para elas. 
Sociedade Civil 
A campanha no Brasil se propõe a contribuir para aumentar o 
debate na sociedade brasileira em geral em relação à questão da jus-tiça 
alimentar. A participação cidadã é fundamental. Ela se dá através 
da pressão e do engajamento de cada pessoa nas chamadas da 
campanha para iniciativas conjuntas junto aos governantes; no papel 
de consumidor de cada cidadão; no seu papel de eleitor e eleitora, 
apoiando candidatos que defendam políticas de enfrentamento dos 
problemas apontados pela campanha; e apoiando iniciativas de or-ganizações 
e movimentos sociais que estão na mesma luta. 
O papel da Oxfam é apoiar processos e movimentos da própria 
sociedade brasileira, sua sinergia, articulação, sua capacidade para 
dar o passo seguinte. Nosso papel é alimentar alianças dentro da 
sociedade e fortalecer parceiros para que eles possam fazer as 
mudanças necessárias no modelo de desenvolvimento brasileiro. 
Jogos Vorazes 
Os estoques públicos de alimentos quase desapareceram e 
não há transparência sobre aqueles disponíveis no mundo, sejam 
públicos ou privados. O mundo financeiro passou a especular sobre 
o preço futuro dos alimentos, causando grande volatilidade em 
seus preços. Especular em cima da vida e da morte das pessoas 
sempre foi um grande negócio — antes era a guerra, agora também 
é a comida. 
Regular os preços dos alimentos, dar transparência aos esto-ques 
públicos e privados, garantir acesso à informação e controle 
social sobre o setor é um dos objetivos da campanha. 
A Campanha CRESÇA não trata de temas novos, mas da ne-cessidade 
de providências rápidas, imediatas e de mudanças im-prescindíveis 
para evitar que a situação ultrapasse limites críticos 
inimagináveis. É a urgência que nos move. 
*Muriel Saragoussi é coordenadora de campanhas e incidência da Oxfam na 
Brasil. Engenheira agrônoma de formação, ela tem mais de 30 anos de militân-cia 
nas áreas de sustentabilidade e combate à fome. 
A Oxfam tem respondido 
a crises de alimentos por 
quase 70 anos - desde a 
Grécia em 1942, passando 
por Biafra (1969), Etiópia 
(1984), Níger (2005), 
Chifre da África no ano 
passado, e estamos nos 
preparando para enfrentar 
a crise anunciada do Sahel, 
este ano. Estamos 
presentes nos inúmeros 
desastres silenciosos que 
passam despercebidos da 
mídia e da opinião pública 
global - todos totalmente 
evitáveis, resultado de 
decisões desastrosas, 
do abuso de poder e 
de políticas econômicas 
perversas.
4 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta
5 
OXFAM 
O Cassino Agrário 
por gonzalo fanjul* 
O economista britânico John Maynard Keynes tinha opini-ões 
bem definidas sobre os mandarins financeiros de 
sua época: “sugerir à City de Londres uma ação social 
em beneficio do bem público é como discutir A origem 
das espécies com um bispo”. Quase um século depois, os merca-dos 
se tornaram mais complexos e sofisticados, mas o modo 
como os especuladores aproveitam em beneficio próprio das leis 
débeis ou inexistentes mudou muito pouco. Este é o caso do mer-cado 
de alimentos, onde as consequências do laissez-faire vão 
além do aceitável. 
Durante os últimos 4 anos o preço dos alimentos básicos teve 
as oscilações mais agudas vistas em décadas. As causas dessa 
espiral incluem uma combinação conhecida de fatores que diminu-íram 
a oferta e dispararam a demanda, como a produção de bio-combustíveis 
ou o incremento do consumo de carne na Ásia. Mas 
também intervieram outras variáveis, como a desmedida especula-ção 
financeira. Quando setores tradicionalmente mais rentáveis 
perderam fôlego na bolsas da Europa e Estados Unidos, os espe-culadores 
colocaram seus olhos na comercialização de matérias 
primas como o trigo, o milho ou a soja, que receberam o mesmo 
tratamento financeiro que um chip ou uma hipoteca. 
Os produtos financeiros (como os mercados futuros ou as op-ções 
de compra, que garantem a entrega de uma mercadoria em 
um prazo e preço determinados com antecedência) são recursos 
habituais de vendedores e compradores para diminuir o risco ine-rente 
a qualquer mercado agrário. Mas isso dificilmente descreve o 
que ocorreu nos últimos anos. A escalada inicial dos preços atraiu 
os especuladores de grandes firmas, como Goldman Sachs e J.P. 
Morgan, que desenvolveram instrumentos derivados e índices 
combinados de matérias primas que multiplicaram as piruetas fi-nanceiras 
e os riscos associados a elas, e converteram a agricultu-ra 
em outro de seus cassinos. 
No primeiro trimestre de 2008, enquanto os preços dos prin-cipais 
alimentos disparava, os investidores estavam colocando 
nesses mercados a irrisória quantia de um bilhão de dólares diá-rios, 
boa parte dos quais eram destinados a operações bilaterais 
alheias ao controle das principais bolsas (o que se conhece como 
operação OTC). Somente no mercado do trigo esses índices che-garam 
a controlar em junho desse mesmo ano 42% do mercado 
nos EUA. A crise precipitou a saída maciça de capitais desses e 
de outros mercados, e com ela a queda brusca de preços que co-nhecemos 
em 2009. 
A especulação contribuiu para gerar um mercado com preços 
mais caros e menos previsíveis, cuja consequências são sentidas 
em boa parte pelos países mais pobres do planeta. Oxfam é teste-munha 
de como a volatilidade extrema dos preços golpeou consu-midores 
e produtores pobres, incapazes de aguentar o choque ou 
de aproveitar suas oportunidades. Desde o Camboja, até a Nigéria 
e a Guatemala, A FAO calcula que o número dos que passam fome 
aumentou entre 2008 e 2009 em mais de 250 milhões, até supe-rar 
pela primeira vez na história o número de 1 bilhão de seres hu-manos. 
A alta dos preços de 2011 podem ter intensificado essa 
tendência. 
O que se pode fazer? Muitas das medidas de reforma dos 
mercados financeiros que estão sendo aprovadas nos Estados 
Unidos e em outros países – como a transparência, a regulação 
dos produtos derivados e o controle das operações OTC – ajudarão 
a colocar limites nos especuladores. Mas são necessárias garan-tias 
adicionais no caso de um mercado tão sensível para o bem- 
-estar humano, do qual depende o direito à alimentação. Nesse 
âmbito a responsabilidade do G20 é iniludível e aí o governo do 
Brasil deve exercer a mesma liderança demonstrada em casa, com 
a implantação de políticas contra a fome que são admiradas em 
todo o mundo. No mais, é tratar um câncer com aspirinas. 
*Gonzalo Fanjul, assessor estratégico da Oxfam Internacional.
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta A questão agrícola na RIO+20 
por Jean Marc von der Weid* 
O documento base da Rio+20, produzido pelo Programa 
6 
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), não 
dá à agricultura o lugar central que deveria ocupar no 
debate, além de abster-se de constatar os problemas 
provocados pelo modelo de desenvolvimento agrícola dominante 
no mundo, conhecido como agricultura industrial. 
A agricultura, entendida no sentido amplo adotado pela FAO, in-clui 
os cultivos temporários ou perenes, a pecuária, a pesca/aqüi-cultura 
e a exploração florestal. Ela é o maior fator de perda de bio-diversidade, 
de destruição florestal e de desertificação em todo o 
mundo. Ela também é o maior consumidor de água potável (70%), 
além de ser o principal agente de contaminação de rios, lagos e 
aqüíferos. A contaminação química provocada pelo uso de adubos 
químicos e agrotóxicos também é um fator importante na destrui-ção 
do meio ambiente nas zonas costeiras, em particular na foz dos 
rios onde cria imensas áreas chamadas de desertos marinhos, afe-tando 
também a pesca. 
A agricultura tem forte relação com a questão da produção de 
combustíveis (álcool e biodiesel em tempos mais recentes e carvão 
e lenha desde muito tempo). Do ponto de vista das mudanças cli-máticas 
a agricultura é responsável por 18% das emissões de ga-ses 
de efeito estufa (GEE), mais do que a queima de combustíveis
7 
OXFAM 
nos transportes. Se combinarmos este efeito direto com as emis-sões 
provocadas pelo desflorestamento (em grande parte provo-cado 
pela expansão das áreas agrícolas) e outras emissões ocorri-das 
em outras etapas da cadeia alimentar, chegamos a cerca de 
50% de emissões de GEE. Finalmente, é preciso lembrar que a 
agricultura concentra a maior parte da população em extrema po-breza 
no mundo e que não existe modelo de desenvolvimento urba-no 
nos tempos modernos capaz de absorver este contingente. 
A agricultura industrial tem outros efeitos negativos sobre os re-cursos 
naturais renováveis como os solos. Desde a segunda guerra 
mundial aproximadamente 2 bilhões de hectares de solos potencial-mente 
agricultáveis no mundo já foram degradados, mais de 22% 
de toda a área disponível para cultivos, pastagens e florestas. 
A degradação química dos solos devido às praticas agríco-las 
é responsável por 40% das perdas nas áreas cultivadas. 
Este modelo agrícola tem outro calcanhar de Aquiles, a sua de-pendência 
de recursos naturais não renováveis como petróleo, 
gás, fosfatos e potássio. A exaustão das reservas mundiais de 
petróleo já se faz sentir nos custos crescentes deste combustí-vel. 
As reservas de gás têm previsão de alcançar seu pico de 
produção em 2025. As de fósforo já passaram por este pico e 
as de potássio devem alcançá-lo em mais 20 anos. 
Na atualidade, o mundo produz comida suficiente para alimen-tar 
os mais de 7 bilhões de habitantes do planeta. A existência de 
mais de um bilhão de famintos se deve a problemas de pobreza e 
não de disponibilidade, mas no futuro próximo haverá carência ab-soluta 
de alimentos se o presente modelo produtivo não for radical-mente 
alterado. Os custos de produção no modelo da agricultura 
industrial, alem das perdas das áreas cultiváveis, deverão trazer de 
volta o fantasma da fome endêmica em escala não vista desde o 
início do século vinte. 
Frente a este quadro de crise profunda, que pode levar a terríveis 
problemas sociais e instabilidade política em muitos países, um gru-po 
de entidades da sociedade civil elaborou uma proposta para a 
Rio+20 intitulada “Tempo de Agir”. O documento (disponível no site 
www.aspta.org.br) aponta para um novo modelo de agricultura base-ado 
na produção familiar, empregando as práticas da agroecologia. 
A agroecologia é definida como o manejo integrado dos recur-sos 
naturais (solo, água e biodiversidade) sem uso de insumos ex-ternos 
industriais. São policulturas integradas com criações ani-mais 
e com a vegetação natural. 
A agroecologia é econômica no uso de água e de energia e, 
além de não emitir GEEs, promove uma forte absorção de carbono. 
O sistema não tem efeitos contaminantes para águas, solos, produ-tores 
e consumidores e promove uma dieta saudável. Os críticos 
mal informados sobre estes sistemas dizem que suas produtivida-des 
são baixas e que adotar a agroecologia obrigaria a aumentar a 
área cultivada e, portanto, aumentar o desmatamento. Pesquisas 
da FAO, da Univesidade de Essex e da Academia de Ciências dos 
Estados Unidos, para citar apenas alguns estudos, indicam que os 
sistemas agroecológicos têm índices de produtividade compará-veis 
aos convencionais e que os preços superiores cobrados pelos 
produtos vendidos como orgânicos não se devem a custos de pro-dução 
superiores ou produtividades inferiores, mas à relação de 
oferta e demanda do mercado e aos custos de comercialização dos 
orgânicos. Ambas as questões podem ser resolvidas com o au-mento 
da produção agroecológica (orgânica), garantindo uma ofer-ta 
de produtos de qualidade a preços mais baixos. 
A questão mais importante a ser notada na produção agroeco-lógica 
é a sua demanda de conhecimentos técnicos e de mão de 
obra. Diz-se que a agroecologia é “knowledge intensive” enquanto 
a agricultura industrial é “input intensive”. A questão do conheci-mento 
na agroecologia deriva da sua busca de grande diversifica-ção 
na estratégia de mimetizar os sistemas naturais. Isto implica na 
necessidade de se procurar um desenho produtivo específico para 
cada propriedade, o que não se faz sem métodos de pesquisa que 
integrem o agricultor como experimentador. A questão da mão de 
obra não é apenas relativa às limitações de uma mecanização dos 
sistemas produtivos quando os mesmos são muito diversificados, 
mas à exigência de cuidados e informação que limita a eficiência 
do trabalho assalariado. Tudo isto resulta no fato de que a agroeco-logia 
opera, em condições ideais, em sistemas produtivos da agri-cultura 
familiar de pequena escala. 
Para países como os Estados Unidos, onde o emprego agrícola 
é inferior a 4% do emprego total e que tem menos de dois milhões 
de agricultores familiares, adotar a agroecologia seria (será) dra-mático, 
pois necessitarão de gerar uma nova classe de campone-ses 
quando o conjunto das crises acima referidas vier a destruir a 
sua agricultura convencional. No Brasil, apesar dos descaminhos 
de uma reforma agrária sempre feita à “meia boca” ainda temos 
perto de 4,5 milhões de agricultores familiares e potencial para 
mais 10 milhões capazes de adotar a agroecologia como forma de 
produção. Isto poderá acontecer de forma dramática pela mera for-ça 
das crises que assolam a humanidade ou de forma controlada e 
suave se as necessárias políticas públicas forem adotadas. Dado o 
gravíssimo problema de pobreza mundial e nacional, o fato de que 
os sistemas agroecológicos sejam demandadores de mão de obra 
não é um problema, mas uma solução. Eles vão permitir que um 
enorme contingente de excluídos venha a integrar-se na sociedade 
de forma produtiva e não assistencial. 
Dada a total falta de compromisso dos governos da maior parte 
do mundo com as exigências de mudanças drásticas na forma 
como o mundo produz, consome e se relaciona com a natureza, não 
podemos esperar muito da Rio+20, mas o que os signatários do 
manifesto “Time to Act” pretendem é despertar a opinião pública e 
continuar um embate nos planos internacional e nacionais após a 
conferência. 
*Jean Marc von der Weid é coordenador do Programa de Políticas Públicas da 
AS-PTA Agroecologia e Agricultura Familiar.
8 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta O Mais 
democracia 
para enfrentar 
a fome 
POR Maria EMÍlia Lisboa Pacheco* 
Consea é resultado de uma manifesta vontade política 
por ouvir as demandas da sociedade. É fruto das refle-xões 
pioneiras sobre a fome, feitas por Josué de Castro 
- que é seu patrono; do ex-presidente Lula, que o re-criou, 
e foi recentemente indicado pelos conselheiros seu Presi-dente 
de Honra; de Betinho, da Ação da Cidadania Contra a Fome 
e a Miséria e pela Vida. É a expressão dos ecos da cidadania, das 
vozes do campo, da floresta e da cidade. 
Em sua composição está a fala dos sujeitos de direitos, repre-sentados 
pelas organizações dos povos indígenas, população ne-gra, 
quilombolas, pescadores, comunidades de terreiro, extrativis-tas 
como as quebradeiras de coco, organizações da agricultura 
familiar e camponesa. É a expressão de nossa sociobiodiversidade, 
com suas formas de vida e manejo dos bens da natureza nos vários 
biomas, e de uma sociedade pluriétnica. 
Mas também estão presentes entidades do direito humano à 
alimentação; centrais sindicais; redes, fóruns e articulações da so-berania 
e segurança alimentar e nutricional, da agroecologia, da 
economia solidária, da educação cidadã; representações de orga- 
nizações de matriz religiosa; das organizações que reúnem pesso-as 
com necessidades especiais, consumidores e profissionais do 
campo da saúde e nutrição; organizações ligadas à agricultura pa-tronal 
e indústria de alimentos. 
O CONSEA abriga a expressão das várias dimensões da políti-ca 
de segurança alimentar e nutricional, sintetizadas no princípio da 
intersetorialidade, que nos é muito caro. 
Reafirmamos que essa política, baseada no direito humano à ali-mentação 
adequada, deve se concretizar através das diretrizes con-tidas 
no Plano Nacional de Segurança de Alimentar e Nutricional: 
acesso universal à alimentação adequada e saudável; promoção do 
abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentra-lizados 
de base agroecológica de produção, extração e processa-mento; 
instituição de processos permanentes de educação alimen-tar 
e nutricional; fortalecimento das ações de alimentação e nutrição 
em todos os níveis da atenção à saúde; promoção do acesso univer-sal 
à água de qualidade e em quantidade suficiente; apoio às iniciati-vas 
de promoção da soberania alimentar, segurança alimentar e nu-tricional 
no âmbito internacional e nas negociações internacionais.
9 
OXFAM 
O CONSEA tem, hoje, uma representação de 51% de mulhe-res. 
A expressão de seu papel na luta pela garantia da segurança 
alimentar e nutricional começa a refletir-se na consciência da so-ciedade 
de que são portadoras de direitos, embora haja muito a 
avançar no plano das políticas e seus instrumentos de operaciona-lização 
que ainda discriminam as mulheres. 
A 4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricio-nal 
ocorrida no final do ano passado em Salvador, na Bahia, foi o 
coroar de um movimento que envolveu mais de 75 mil pessoas, 
com a participação de 3.000 municípios, todas as regiões, todos os 
estados. Representou uma inequívoca mostra da força e do alcan-ce 
de nossa articulação e mobilização social. 
Reconhecemos e valorizamos os significativos avanços conse-guidos 
no Brasil na mobilização social pela soberania e segurança 
alimentar e nutricional, para os quais contamos várias vezes com a 
atuante Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional. 
Temos programas estruturantes que têm sido inspiradores para 
iniciativas análogas em outros países, como é o exemplo do Pro-grama 
de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de 
Alimentação Escolar (PNAE), o Programa um Milhão de Cisternas 
(P1MC) e mais recentemente a inovadora proposta do P1+2 – uma 
terra e duas águas no semiárido. 
Esses são programas que contribuem para revigorar as econo-mias 
locais, estimular a diversificação da produção, valorizar as cul-turas 
alimentares e impulsionar a participação social, a organização 
popular, revitalizando o tecido associativo. 
Mas vivemos tempos também de grandes desafios, contradi-ções 
e riscos de desconstrução de conquistas. Por exemplo, o De-creto 
Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula, que 
regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescen-tes 
das comunidades de quilombos, criando mecanismos que faci-litam 
o processo de identificação e posterior titulação de comuni-dades, 
encontrou ferrenha oposição. 
Precisamos compreender que para os territórios étnico-raciais 
a terra não é apenas um meio de produção da sua subsistência e 
reprodução física, mas, também um patrimônio sócio-cultural. A 
terra é a sua casa, o lugar onde nascem, crescem e desenvolvem 
suas diferentes formas de vida. É o lugar onde enterram seus mor-tos 
e celebram a vida. É o lugar onde produzem e reproduzem sua 
cultura, onde historicamente domesticam plantas e animais e nos 
deixam um enorme legado de espécies e variedades que enrique-cem 
a nossa biodiversidade. 
A terra não é mercadoria, nem propriedade privada de pessoa 
física ou jurídica. É patrimônio coletivo, de todo um povo, de seus 
usos e costumes, e assim a apropriação dos seus frutos se dá, 
igualmente, de forma coletiva, de forma sustentável. 
O reconhecimento e a efetivação do direito ao território para as 
comunidades quilombolas representa muito mais do que a necessá-ria 
reparação do erro histórico da escravidão: é a garantia para que 
a sociedade brasileira possa contar com a existência dos quilombos 
na contínua construção econômica, social e cultural da sociedade. 
Para reverter o quadro de riscos para essas populações, o 
Consea defende o etnodesenvolvimento como uma diretriz a ser 
plenamente incorporada no conjunto das políticas públicas do 
Estado brasileiro, e em especial nas políticas de Segurança Ali-mentar 
e Nutricional. 
Consideramos fundamental adotar o objetivo estratégico da 
soberania e segurança alimentar e nutricional como um dos ei-xos 
da estratégia de desenvolvimento do país para superar as 
desigualdades socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gê-nero 
e geração e erradicar a pobreza extrema e a insegurança 
alimentar e nutricional. 
O fortalecimento da capacidade reguladora do Estado se faz 
necessário, tanto na efetiva regulação da expansão das monocul-turas, 
como na adoção de medidas como o banimento imediato dos 
agrotóxicos que já foram proibidos em outros países, incluindo os 
que foram utilizados em guerras, como o glifosato; o fim de subsí-dios 
fiscais, acompanhado da implementação de mecanismos de 
regulação da comunicação mercadológica de alimentos. 
É socialmente inaceitável que o mercado seja o único regulador 
das decisões tecnológicas. A consciência dos consumidores e a 
manifestação de suas incertezas devem ser consideradas. É indis-pensável 
revisar a lei de biossegurança e modificar a composição e 
funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança 
(CTNBio), para expressar as diferentes visões existentes na socie-dade 
e na comunidade acadêmica e ampliar a participação e o con-trole 
social. 
Investir na agricultura familiar e camponesa é gerar emprego e 
renda para milhões de pessoas, é estimular a produção de alimen-tos 
e a diversidade de culturas, é respeitar tradições alimentares e 
preservar a natureza, é fixar o homem no campo, é fortalecer as 
economias locais e regionais. 
O aprofundamento da democracia participativa e redistributiva 
para assegurar o direito humano à alimentação adequada requer a 
concretização do direito à terra, reconhecendo sua função social nas 
dimensões socioambiental, econômica e trabalhista, conforme a 
Constituição Federal, através de amplo programa de reforma agrária. 
Os movimentos sociais e entidades da sociedade civil defen-dem 
princípios e valores que nos são muito caros: soberania ali-mentar, 
sustentabilidade socioambiental, justiça social e climática, 
participação, controle social, intersetorialidade, igualdade nas rela-ções 
de gênero, entre outros. São estes valores que devem pautar 
as ações do CONSEA. 
*Maria Emília Lisboa Pacheco é antropóloga, mestre em Antropologia Social 
(Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ), integrante da FASE (Federa-ção 
de Órgãos para Assistência Social e Educacional), da Articulação Nacional 
de Agroecologia (ANA) e do Fórum Brasileiro de Soberania, Segurança Ali-mentar 
e Nutricional (FBSSAN), atual presidente do CONSEA.
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta 
Aproximando a produção 
e o consumo 
Silvio Caccia Bava* 
10 
território; o financiamento em condições acessíveis aos micro e 
pequenos empreendedores com novos mecanismos de interme-diação 
financeira; a maior participação dos atores sociais nos 
processos de decisão política, o maior cuidado com o meio am-biente 
do lugar em que vivem. 
Os circuitos curtos buscam que a produção e o consumo, sem-pre 
que possível, se dêem no mesmo território, beneficiando sua 
cidade ou região. Não se trata apenas de encurtamento de distân-cias, 
mas de estruturar uma economia de empresas locais, peque-nas 
e grandes, que estimulem a circulação de riqueza no local, arti-culem 
cadeias produtivas, absorvam a mão de obra local, 
necessitem pouco capital, e utilizem baixa tecnologia, abrindo es-paço 
para que estas iniciativas sejam também empreendimentos 
populares. 
Esta abordagem é resultante dos ensinamentos de uma longa 
trajetória de experiências nascidas na sociedade civil, que são fruto 
das práticas de resistência e das iniciativas de movimentos sociais 
e redes de cidadania na busca por soluções para se enfrentar os 
problemas da pobreza no Brasil. Os circuitos curtos são inspirados 
em experiências de desenvolvimento local, com todas suas varian-tes, 
economia solidária, comércio justo, e agrega um novo compo-nente, 
a preocupação com a sustentabilidade ambiental. 
Ao fortalecer os circuitos curtos de produção e consumo, o pro-jeto 
de desenvolvimento busca a criação de oportunidades para os 
atores locais, maiores possibilidades de promover a sustentabilida-de 
ambiental, a equidade social e a qualidade de vida no território. 
Do ponto de vista da segurança alimentar, por exemplo, o fo-mento 
à agricultura familiar, a redução das distâncias a ser percor-rida 
pelos alimentos, a recuperação do cultivo de subespécies lo-cais, 
a comercialização em menor escala de alimentos, são agendas 
diretamente relacionadas aos circuitos curtos, e se contrapõem à 
grande produção baseada na grande propriedade, bem como aos 
sistemas de comercialização hiper centralizados. Programas como 
a exigência de que 30% da alimentação escolar seja comprada 
A disputa pelas alternativas de desenvolvimento expressa a 
contraposição de dois modelos. O dos circuitos longos de 
produção e consumo, domínio das transnacionais; e o dos 
circuitos curtos de produção e consumo, que são o cam-po 
de atuação dos atores e da economia local. 
Por circuitos longos entendemos, por exemplo, a exportação de 
commodities. A soja que é plantada na região central do país e que 
é exportada para a China. Tomemos este exemplo. A plantação ex-tensiva 
de soja requer grandes áreas e acaba por concentrar ainda 
mais a terra no Brasil, expulsando a agricultura familiar. As técnicas 
de produção são todas mecanizadas, requerendo grande maquina-ria 
e técnicos especializados para operá-las. Tudo isso requer muito 
capital. É preciso investir em silos, estradas de ferro, portos, navios, 
sem considerar o enorme gasto de energia. 
Os circuitos longos, ao contrário do que prega a ideologia do 
mercado, pauperizam o território em que operam, retiram dele re-cursos 
naturais e a riqueza gerada pela produção, que é transferida 
para os centros financeiros internacionais. Como seu objetivo não é 
o desenvolvimento do território, também não se preocupam com a 
degradação ambiental que geram. Com a adoção de novas tecno-logias, 
dos avanços na mecanização e na automação, estes gran-des 
empreendimentos passaram também a absorver muito pouca 
mão de obra local. O saldo para os atores locais e o desenvolvimen-to 
do território não é favorável. 
Um olhar crítico sobre os circuitos longos, sobre as grandes es-calas 
e os grandes percursos que favorecem a concentração do ca-pital 
e prejudicam o meio ambiente, a qualidade de vida e a estrutu-ra 
social, é o ponto de partida para questionarmos este paradigma 
de produção e consumo. 
Por circuitos curtos entendemos a busca pela aproximação 
entre os locais de produção e consumo de bens e serviços; a re-dução 
da escala das distancias percorridas pelos produtos a se-rem 
transportados; a diminuição da necessidade de uso de redes 
de transporte, energia e logística; a utilização de mão de obra do
11 
dos produtores locais são um bom exemplo de iniciativas que visam 
o encurtamento dos circuitos de produção e consumo. 
A agenda local se identifica com a agenda global. O desafio é 
participar deste movimento mundial: o da disputa por um novo mo-delo 
de desenvolvimento. E toda atenção deve ser dada a proces-sos 
que atuem no sentido de atenuar ou neutralizar as tendências 
concentracionistas que existem. 
Sabemos que nenhuma sociedade se viabiliza exclusivamente 
baseada em circuitos curtos. A questão central é que a convivência 
com os circuitos longos deve buscar o desenvolvimento do territó-rio 
e o fortalecimento dos atores locais. 
Recentemente, com a crise do atual modelo de desenvolvimen-to, 
a questão do desenvolvimento do território passou a estar rela-cionada 
com a do próprio modelo de desenvolvimento. E incorpora 
a questão ambiental pela urgência e dramaticidade que ela carre-ga. 
Trata-se, na verdade, de uma situação mais complexa, trata-se 
de uma crise civilizatória onde a grande tarefa é construir uma nova 
sociedade e, para atender esta sociedade, um novo modelo de pro-dução 
e consumo. 
Em toda sociedade existe um novo modelo de produção e con-sumo 
em gestação. Ele é fruto das lutas pela sobrevivência, das lu-tas 
sociais, de conflitos pela democratização da sociedade e da ri-queza. 
Mas este novo modelo nem tem visibilidade, nem é visto no 
seu conjunto, ou reconhecido como uma alternativa ao modelo vi-gente. 
Ele acaba por se apresentar na forma de inúmeras experiên-cias 
que conseguem sobreviver, mas que não se apresentam como 
algo articulado, como uma proposta de organização social. Por for-ça 
dos controles impostos pelos atores hegemônicos, o campo de 
experimentação de novos padrões de produção e consumo não ga-nha 
o espaço público, não se torna objeto de debate, não traz apor-tes 
para o debate sobre o modelo de desenvolvimento. 
Os circuitos curtos de produção e consumo trazem consigo 
uma nova proposta de organização da sociedade e da economia. 
Podem ser parte de um quebra-cabeça que aponte novos cami-nhos. 
De toda maneira, para fins imediatos, é uma proposta que 
favorece os agentes daquele lugar, os trabalhadores e moradores 
daquele território. 
O desafio maior não é o desenvolvimento de novas técnicas ou 
processos de produção, já existe um acumulo importante de co-nhecimentos 
a partir das milhares de experiências que se desen-volvem 
no campo da economia solidária e outras formas cooperati-vas 
de produção e consumo. A questão é política, isto é, de que se 
constituam articulações, redes, atores coletivos na sociedade civil 
que defendam políticas públicas de apoio e fortalecimento dos cir-cuitos 
curtos. 
*Silvio Caccia Bava é sociólogo, técnico do Instituto Pólis, diretor do jornal “Le 
Monde Diplomatique Brasil”. 
OXFAM
12 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta Os sistemas atuais de produção e consumo de alimentos 
são marcados pela produção em larga escala e o consu-mo 
de massa. Eles geram a exclusão de pequenos agri-cultores, 
a exploração de trabalhadores no campo, ex-cluem 
os consumidores sem poder aquisitivo. Suas atividades 
degradam o meio ambiente tanto pelo lado da produção (monocul-turas, 
desmatamento, contaminação, etc.) como pela comercializa-ção 
(emissão de gases do efeito estufa pelo transporte de longas 
distâncias, sobrepreço pelo excesso de intermediários). E trazem 
ainda impactos negativos sobre a saúde humana (resíduos de agro-tóxicos, 
uso indiscriminado de aditivos, alimentos nutricionalmente 
pobres e ricos em gordura, sal e açúcar, etc.). 
Repensar este modelo de produção e consumo de alimentos 
passa necessariamente pelo debate sobre o papel da mulher. No 
caso de alimentos, as decisões de compra são das mulheres. Infe-lizmente, 
este “poder de compra” esbarra na falta de informação so-bre 
os impactos socioambientais dos sistemas de produção de ali- 
Consumo 
responsável 
e saudável 
de alimentos: 
desafio para 
as mulheres 
POR Lisa Gunn e Adriana Charoux* 
mentos e sobre a qualidade nutricional dos alimentos industrializados, 
distanciando as mulheres de alternativas mais responsáveis e sau-dáveis 
de consumo. 
A piora na qualidade da alimentação 
da população brasileira 
O padrão alimentar da população brasileira, sobretudo de crian-ças 
e adolescentes, está comprometendo a saúde pública. Segun-do 
a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008-2009, realizada 
pelo IBGE, 48% da população está com sobrepeso e 15% já se 
classifica em estado de obesidade. “A parcela dos meninos e rapa-zes 
de 10 a 19 anos de idade com excesso de peso passou de 3,7% 
(1974-75) para 21,7% (2008-09), já entre as meninas e moças o 
crescimento do excesso de peso foi de 7,6% para 19,4%”.1 
86% da população consome mais gorduras saturadas do que o 
necessário e 61% se excede no consumo de açúcar. A falta de vita-minas 
e nutrientes atinge 68% da população. Mais de 90% dos bra-
13 
OXFAM 
sileiros não ingere as 400 gramas diárias recomendadas pelo Minis-tério 
da Saúde de frutas, legumes e verduras e prefere consumir 
outros tipos de alimentos pouco nutritivos. Aumenta o risco de doen-ças 
cardiovasculares, diabetes e outras graves doenças crônicas. 
Mãe, compra! 
Sabe-se que os hábitos de alimentação se desenvolvem na in-fância, 
e que a probabilidade de uma criança obesa se tornar um 
adulto obeso é muito grande. A publicidade, especialmente voltada 
para crianças, enaltece estilos de vida muitas vezes totalmente in-sustentáveis. 
No entanto, existe amplo respaldo na legislação brasileira para 
que essa situação seja revertida, especialmente no Código de Defe-sa 
do Consumidor (Lei 8.078/90). A proteção contra publicidades 
abusivas está elencada entre os direitos básicos do consumidor (art. 
6º, IV), especialmente aquelas que se aproveitam da deficiência de 
julgamento e experiência da criança e que induzem o consumidor a 
se comportar de forma prejudicial a sua saúde (art. 37, § 2º). 
Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) es-tabelecer 
regulamentos específicos para controle da publicidade 
de alimentos. A regulamentação governamental em defesa das 
crianças não é novidade. Diversos países já o fizeram, como Suécia, 
Inglaterra, Noruega e Canadá�. 
Apesar de buscar coibir “práticas excessivas...”, a ANVISA ain-da 
não disciplina de forma apropriada o tema. A resolução está sus-pensa 
devido a diversas ações judiciais, de diferentes associações 
empresariais, que são contra a regulação deste tipo de publicidade 
porque tem seus interesses comerciais afetados. 
Agrotóxicos 
Líder mundial no consumo de agrotóxicos, o Brasil leva para a 
mesa alimentos de qualidade incerta, muitas vezes contaminados. 
Alguns agrotóxicos causam problemas neurológicos, reprodutivos, 
de desregulação hormonal, e até câncer. E apesar de serem proibi-dos 
em vários locais do mundo, como União Européia e Estados 
Unidos, há pressões do setor agrícola para manter esses produtos 
no Brasil. 
Grande parte dos avanços obtidos com a Lei dos Agrotóxicos 
(Lei nº 7.802, de julho de 1989), não tem se tornado efetivos na 
prevenção, fiscalização e controle dos efeitos nocivos destes pro-dutos. 
Outro ponto falho apontado é a falta de sanções e punições 
aos que descumprem a lei. 
Aproximando consumidoras urbanas 
da agricultura familiar agroecológica 
A crítica ao sistema atual vem promovendo o fortalecimento da 
agricultura familiar de base ecológica, a comercialização solidária, 
os grupos de consumo responsável, ações de promoção da segu-rança 
alimentar e nutricional, etc. 
Os grupos de consumo responsável e as feiras de produtos or-gânicos 
são exemplos de alternativas mais “sustentáveis”, que não 
se restringem a nichos de mercado para os consumidores que po-dem 
pagar mais por eles. 
Foram identificadas 140 feiras de produtos orgânicos em 22 
das 27 capitais avaliadas. Estas feiras aproximam os consumido-res 
dos pequenos produtores agroecológicos. Porém temos que ir 
muito além, fazendo com que espaços como estes se espalhem 
por todas as cidades do país. 
Pesquisa do Idec2 levantou os preços de sete alimentos orgâni-cos 
(repolho verde, berinjela, pimentão verde, chuchu, tomate, cebo-la 
e alface americana) em quatro capitais do país. A diferença de 
preço de um mesmo produto pode chegar a 463%, dependendo do 
canal de venda (grandes supermercados, feiras de orgânicos e en-tregas 
em domicílio). Em 100% dos casos, os preços mais baixos 
foram os praticados nas feiras de produtos orgânicos. 
É importante incentivar a aproximação das consumidoras urba-nas 
com as pequenas produtoras rurais por meio de políticas públi-cas 
locais de abastecimento. Queremos um maior número de feiras 
de produtos agroecológicos, assim como a formação de grupos de 
consumidores de produtos agroecológicos da agricultura familiar. 
O poder do consumidor 
As consumidoras podem ser atoras relevantes na luta para que 
as empresas reduzam os impactos socioambientais em suas ca-deias 
produtivas e para exigir dos governos políticas públicas que 
estimulem o desenvolvimento de novos padrões sustentáveis de 
produção e consumo. Além disso, os consumidores devem ser esti-mulados 
a rever os seus hábitos de consumo e buscar alternativas 
para mudança. 
É preciso evitar o risco de cair em uma interpretação ingênua da 
realidade, como se o problema se resumisse às empresas tornarem 
sua produção mais limpa, ou de baixo carbono, e os consumidores 
se tornarem conscientes dos impactos socioambientais negativos. 
Novos paradigmas de produção e consumo implicam um novo mo-delo 
de desenvolvimento. A produção sustentável exigirá a revisão dos 
modelos de negócio, e não apenas o “esverdeamento” da produção. 
1 Dados da POF 2008/2009 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noti-cias/ 
noticia_visualiza.php?id_noticia=1699&id_pagina=1 
2 Revista do Idec, edição 142, abril de 2010. 
*Lisa Gunn, socióloga graduada pelo Instituto de Filosofia e Ciências Huma-nas 
da Unicamp e mestre em ciência ambiental (Procam - Programa de Pós 
Graduação em Ciência Ambiental da USP), é coordenadora executiva do Idec. 
*Adriana Charoux é formada em Comunicação Social pela FAAP (Fundação 
Armando Alvares Penteado) e História na USP (Universidade de São Paulo) e 
autora do livro “A ação social das empresas: quem ganha com isso?”, Editora 
Peirópolis, 2007.
14 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta A As mulheres 
e a produção 
de alimentos 
Uma perspectiva feminista 
para o debate 
por Nalu Faria* 
reflexão sobre o envolvimento das mulheres nos siste-mas 
de produção e consumo de alimentos exige olhar 
para um terceiro aspecto: a reprodução é considerada 
uma esfera sob a responsabilidade das mulheres, através 
da realização cotidiana do trabalho doméstico e de cuidados. Trata- 
-se de uma visão naturalizada do feminino, vinculada à maternidade, 
e que define o que é ser mulher no mundo. Ao mesmo tempo, a he-gemonia 
capitalista na definição do atual modelo de produção, re-produção 
e consumo de alimentos impõe um sistema agroindus-trial, 
dominado pelas grandes empresas do agronegócio e pelas 
grandes redes de supermercados. As mulheres são expulsas de 
regiões que produzem determinados produtos, como é o caso da 
soja e eucalipto, ou incorporadas como mão de obra intensiva em 
outros, como na produção de frutas, flores e legumes. 
A estrutura patriarcal da família e a divisão sexual do trabalho 
organizam a inserção das mulheres no trabalho agrícola. Suas ati-vidades 
são vistas como parte do seu papel de mães, vinculadas ao 
trabalho doméstico e de cuidados, com a produção no quintal, da 
horta, do pomar e de pequenos animais. Seu trabalho no roçado é 
considerado apenas como uma ajuda e, portanto, não é reconheci-do 
como trabalho, o que promove a invisibilização das mulheres 
como produtoras de alimentos. 
Ainda prevalece uma visão homogênea de família em que o ho-mem 
representa os interesses do conjunto, incluindo a mulher e fi-lhos. 
Aparentemente os membros da família têm interesses co-muns 
que se complementam, ocultando a hierarquia de gênero e 
geração centrada no poder dos homens sobre as mulheres e 
filhos(as). A divisão sexual do trabalho separa trabalho de homens 
e de mulheres, e o trabalho dos homens sempre é mais valorizado 
que o das mulheres.
15 
OXFAM 
A separação entre as esferas da produção e reprodução orga-niza 
a economia capitalista e patriarcal, que coloca como centro a 
produção mercantil e, ao mesmo tempo, oculta e invisibiliza os elos 
entre essas duas esferas. 
No padrão atual, a alimentação para os pobres, cada vez mais 
homogeneizada, é centrada em carboidratos, alimentos industriali-zados 
e produzidos em massa; e os ricos se beneficiam de alimen-tos 
carregados de experiência e cultura, produtos de origem con-trolada 
e orgânicos (Marcha Mundial das Mulheres, 2008). 
Mulheres rurais em luta 
No Brasil, as mulheres rurais têm uma longa trajetória de lutas 
para conquistar seu reconhecimento como trabalhadoras rurais e 
como cidadãs. Nesse percurso estão as lutas para serem aceitas 
como sindicalizadas, pelo acesso à previdência e à licença materni-dade, 
para ter documentos. Essas lutas desembocaram na reivindi-cação 
por renda, o que questiona o homem como representante da 
família, e incluem a demanda para que as mulheres participem em 
todos os momentos da produção e comercialização. Com isso, am-pliaram- 
se as reivindicações para se ter acesso ao crédito, à assis-tência 
técnica, mas também para decidir sobre a produção e o con-trole 
da comercialização. 
As trabalhadoras rurais e camponesas constróem um dos mo-vimentos 
de mulheres mais enraizados, com maior organicidade e 
capacidade de mobilização em nosso país. São exemplos desse 
processo as quatro edições da Marcha das Margaridas (2000, 
2003, 2007 e 2011), os vários acampamentos do Movimento de 
Mulheres Camponesas (MMC), das mulheres do MST, a ações das 
mulheres em vários movimentos pelo fortalecimento da agroecolo-gia 
e tantos outros. 
Soberania alimentar: 
estratégia dos povos para outro modelo 
A construção de uma proposta e uma abordagem de soberania 
alimentar faz parte de um processo de resistência dos movimentos 
camponeses à ofensiva capitalista de imposição de uma agricultura 
de mercado. Em suas trajetórias esses movimentos recuperam o 
significado das práticas de produção alimentar, da agricultura, dos 
conhecimentos, da cultura alimentar desenvolvidos pelos povos, e 
resgatam o papel das camponesas como produtoras de alimentos. 
As lutas em torno da soberania alimentar contribuem para visibilizar 
a relação campo e cidade e a importância de considerar a inter-re-lação 
entre o consumo alimentar na cidade com a produção e dis-tribuição 
de alimentos. 
Por um novo paradigma de sustentabilidade 
da vida humana 
Utilizar o conceito de divisão sexual do trabalho e o princípio da 
soberania alimentar para abordar as práticas das mulheres como 
produtoras e consumidoras de alimentos permite: 
Ter uma visão integrada da produção, reprodução e consumo e 
entender as práticas das mulheres, marcadas pela divisão sexual 
do trabalho, que faz com que garantam o cuidado e sustentação da 
vida humana às custas de uma grande sobrecarga de trabalho. As-sumir 
essa destinação naturalizada, ao não ser encarada como uma 
questão política e econômica, deixa o caminho aberto para que as 
respostas às tensões vividas pelas mulheres apareçam a partir do 
mercado e do consumo alienado. 
A transformação deste processo exige a construção de outro 
paradigma de sustentabilidade da vida humana, no qual o cuidado 
da vida seja colocado no centro da organização econômica e social, 
e seja estabelecido o equilíbrio entre produção e reprodução como 
responsabilidade de todos (as). Exige, portanto, redefinir os tempos 
de trabalho produtivo e reprodutivo, a importância da co-responsa-bilização 
dos homens pelo trabalho doméstico e de cuidados, a es-truturação 
e aumento de serviços sociais, mas também a constru-ção 
de alternativas solidárias e coletivas. 
O reconhecimento do papel histórico das mulheres na produção 
de alimentos e no descobrimento, hibridação, seleção e preservação 
das sementes, na construção de um amplo conhecimento acumula-do 
durante milênios, que garantiu a biodiversidade. Disso decorre a 
compreensão de que o quintal, na realidade brasileira, cumpre um 
papel importante para uma produção diversificada, que é funda-mental 
para a garantia de soberania alimentar. Essas práticas têm 
também um papel importante na resistência à agricultura de merca-do 
e sua tentativa de homogeneizar a produção no campo. 
O reconhecimento de que a família não é uma unidade homo-gênea 
e está perpassada por conflitos e interesses de gênero, mar-cados 
por uma relação de poder desigual entre homens e mulhe-res. 
Daí a importância das mulheres serem consideradas como 
sujeitos individuais e com direito à autonomia econômica e política. 
O que abre questões como a demanda pelo acesso à renda, como 
o direito à documentação e o questionamento do homem como re-presentante 
da família. 
A compreensão da importância da produção para o auto-con-sumo, 
combinada com acesso à renda, colocou para as mulheres a 
questão do seu direito de participar em todas as decisões e mo-mentos 
da produção e comercialização. Esta postura levanta tam-bém 
a necessidade de acesso ao crédito. 
A reorganização da produção, reprodução e consumo em uma 
perspectiva de construção da igualdade entre homens e mulheres 
é, portanto, central para um novo paradigma de sustentabilidade da 
vida humana. 
*Nalu Faria é Psicóloga, coordenadora da SOF Sempreviva Organização 
Feminista. 
Bibliografia 
Faria, N. Economia Feminista e agenda das mulheres no meio rural. In: Butto, A 
(Org). Estatísticas Rurais e a Economia Feminista. Brasilia. MDA. 2009. 
Marcha Mundial das Mulheres. Desafios para a Soberania Alimentar desde as mu-lheres. 
São Paulo. Marcha Mundial das Mulheres. 2008
16 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta A história do Brasil é marcada por um modelo de de-senvolvimento 
conservador, excludente e concentra-dor 
da terra e da renda, resultando em graves proble-mas 
sociais, econômicos e ambientais para o país. 
Para contrapor a esse modelo o Movimento Sindical dos Tra-balhadores 
e Trabalhadoras Rurais – MSTTR - concebeu o 
Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e 
Solidário – PADRSS, que tem na essência a demanda por uma 
ampla e massiva reforma agrária com valorização e o fortaleci-mento 
da agricultura familiar. 
O desenvolvimento rural sustentável e solidário se efetiva so-mente 
se construído com a participação dos trabalhadores e tra-balhadoras 
rurais, para o que é essencial a democratização do 
acesso a terra, a políticas públicas com igualdade de oportunida-des 
e exercício pleno da cidadania – acesso à saúde, educação, 
lazer, cultura, habitação, segurança, etc. (10º CNTTR, 2009). 
Nesse sentido, a CONTAG tem lutado pela implantação de 
uma Política de Desenvolvimento do Brasil Rural - PDBR, 
apoiando fortemente a proposta aprovada pelo Conselho de 
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário - CONDRAF1. E, 
conforme preconiza o PADRSS, esta política deve abrigar os re-ferenciais 
da agroecologia nos processos de produção agrope-cuária, 
com foco nas potencialidades econômicas locais e na 
capacidade de mão-de-obra das populações do campo e da flo-resta, 
garantindo sustentabilidade na produção e na renda. Da 
mesma forma, promove processos organizativos da agricultura 
familiar por meio do SISCOP2, que se propõe a organizar a agri-cultura 
familiar nas cadeias de produção, comercialização e 
Políticas públicas de 
abastecimento alimentar 
por paulo oliveira poleze*
17 
OXFAM 
acesso aos mercados, garantia da assistência técnica e crédito 
rural, por meio do cooperativismo. 
Na contramão da crise internacional – o ano de 2012 se apre-senta 
à beira de uma recessão das economias avançadas endivida-das, 
em função do socorro ao setor privado na crise de 2008 – o 
Brasil segue num importante processo de ascensão econômica, 
política e social, condição que o coloca como referência nos seto-res 
agropecuário e energético, especialmente. 
O MSTTR cumpre o papel de avaliar e propor saídas concretas 
para os históricos problemas socioeconômicos herdados pelo Bra-sil 
aproveitando da oportunidade e da conjuntura socioeconômica 
nacional para avançar mais rapidamente na construção e imple-mentação 
de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável 
garantindo vida plena às populações do campo e cidades com se-gurança 
e soberania alimentar. 
O potencial da agricultura familiar sua relação 
com soberania e segurança alimentar. 
Com a instituição da Lei 11.326/06 se consagrou por definitivo 
o conceito de “Agricultura Familiar”. Antes esse público era identi-ficado 
por meio de expressões de pouco ou insignificante peso 
sócio-político, como pequenos produtores, produtores familiares, 
produtores de baixa renda ou agricultores de subsistência. 
Segundo dados do Censo Agropecuário 2006 a agricultura 
familiar representava 84,4% dos estabelecimentos agropecuá-rios, 
com uma área de 80,25 milhões de hectares (24,3% da 
área total); ocupava 12,3 milhões de pessoas acima de 14 anos 
no campo (74,4% do total), sendo em média 5,0 pessoas ocu-padas 
a cada 100 ha de área, contra 1,7 dos estabelecimentos 
agropecuários não familiares, o que mostra uma eficiência 
maior; e, mesmo com 1/3 (um terço) da área total dos estabele-cimentos 
agropecuários, ela foi responsável por 38% do valor 
total da produção. 
Esses dados reafirmam a estratégia da CONTAG de lutar 
por uma ampla e massiva reforma agrária como forma de expan-dir 
e consolidar o modo de produção da agricultura familiar para 
enfrentar os desafios das próximas décadas em que a produção 
de alimentos precisará crescer em 50% para atender a uma po-pulação 
de 9,0 bilhões de pessoas no ano de 2050, conforme 
estima a FAO (2009). 
A agricultura familiar é estratégica para garantir a segurança 
alimentar das populações rurais e urbanas com produção de qua-lidade 
e em quantidade em todos os Municípios, Estados e Regi-ões 
do Brasil, com possibilidades de atendimento a outros povos. 
Ao longo dos últimos 17 anos, já fizemos uma grande caminhada 
onde pautamos e conquistamos por meio dos Gritos da Terra Brasil3, 
um significativo número de políticas públicas e programas, a exemplo 
do Pronaf Crédito (Custeios e Investimentos), Proagro Mais, Progra-ma 
Garantia-Safra, Seguro da Agricultura Familiar – SEAF, Progra-ma 
de Garantia de Preços na Agricultura Familiar – PGPAF, Progra-ma 
de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa de Alimentação 
Escolar – PNAE, Programa de Habitação Rural – PNHR, Serviço de 
Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA, dentre outros. 
Para garantir a implementação dessas políticas públicas e pro-gramas 
necessita-se uma consistente articulação dos atores so-ciais 
e políticos, especialmente por parte dos Gestores Municipais 
e Estaduais, bem como a garantia da participação das organiza-ções 
da sociedade civil para efetivo controle social. Nesse sentido, 
a CONTAG orienta suas Federações e Sindicatos para ocupar qua-litativamente 
os espaços de representação legalmente constituídos 
(Conselhos, Fóruns, Câmaras Temáticas etc.) garantindo atendi-mento 
às demandas dos trabalhadores/as rurais, especialmente, 
na implementação do Pronaf Crédito, PNAE, PNHR e PAA. 
Grandes desafios à agricultura familiar para 
garantia da segurança alimentar 
A agricultura familiar precisa integrar sistemas de produção e 
comercialização articulados a redes de consumo e permuta da pro-dução 
por meio de contratos de curto, médio e longo prazo, garan-tindo 
a participação direta das partes nas tomadas de decisão so-bre 
a logística de beneficiamento, armazenamento e distribuição da 
produção, bem como a formação dos preços. Portanto, é preciso 
organizar a agricultura familiar preparando-a para disputar chama-das 
públicas e conquistar espaços para colocar sua produção no 
mercado institucional. 
Por outro lado, a agricultura familiar precisa ser vista como 
profissão que garanta segurança, renda e qualidade de vida. As-sim, 
é necessário consolidar as políticas públicas e programas 
existentes para facilitação de acesso aos recursos de investi-mentos 
em infraestrutura, capacitação em gestão e organização 
da produção e acesso aos mercados, além de superar as defici-ências 
de logística, registro/certificação da produção e, em es-pecial, 
de assistência técnica. 
Contudo, negociar preços remuneradores à produção é o desa-fio 
maior. Como negociar preços remuneradores em longo prazo 
garantindo qualidade e estabilidade nos contratos? 
1 A Política de Desenvolvimento do Brasil Rural – PDBR foi proposta pelo Conse-lho 
de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – CONDRAF e –compre-ende 
o espaço rural como o conjunto diversificado dos espaços ambientais, so-cioculturais, 
econômicos e político-institucionais do território nacional, onde 
predominam processos de organização da sociedade fundados nas atividades 
agrícolas (...) e não agrícolas e nas atividades urbanas que mantêm fortes rela-ções 
de dependência e interação com a dinamização da vida social nesses espa-ços 
rurais (CONDRAF, 2009) 
2 O SISCOP é a estratégia de atuação do MSTTR para articular, mobilização e 
apoiar ações de fortalecimento e consolidação da União Nacional das Coopera-tivas 
da Agricultura Familiar e Economia Solidária – Unicafes. 
3 Ação de mobilização nacional anual de lideranças do MSTTR para proposição, 
avaliação, reivindicação e negociação de políticas públicas para o desenvolvimen-to 
rural sustentável e solidário, desde o ano de 1996. 
*Paulo Oliveira Poleze é Assessor da CONTAG.
18 
CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta 
Agronegócio: 
vocação ou profecia 
autorrealizada? 
por Sergio Schlesinger* 
A chamada vocação agrícola do Brasil é geralmente acom-panhada 
de adjetivos como inequívoca, inquestionável, 
algo tão indiscutível quanto um dogma religioso. A palavra 
vocação, de fato (do latim vocatio), tem origem religiosa. É 
o chamamento divino ao cumprimento irresistível de uma missão. 
“Quem é chamado deve seguir incondicionalmente”, diz a Bíblia. 
Durante milênios, a agricultura assegurou praticamente sozinha 
a sobrevivência da humanidade. Nessa perspectiva histórica, o co-mércio, 
outros serviços e a indústria são atividades recentes. São 
elas que garantem nos dias atuais a maior parcela de renda dos pa-íses 
desenvolvidos. No Japão, a agricultura responde hoje por ape-nas 
cerca de 1% do PIB. Mais recentemente, no caso da China, seu 
governo (comunista e ateu, por sinal) decidiu romper com a voca-ção 
agrícola do país, que vai se tornando o maior importador mun-dial 
de alimentos e grande exportador de produtos com alto conte-údo 
tecnológico. 
Não faz muito tempo, a agropecuária brasileira foi rebatizada: 
passou a chamar-se agronegócio, unida para sempre à indústria 
e outras atividades vinculadas ao setor. Pediu perdão pelas dívi-das 
e pelas multas resultantes do desmatamento. Trata agora de 
atirar à fogueira o Código Florestal e outros obstáculos ao cum-primento 
de nossa vocação maior: desbravar a natureza para ser 
o celeiro do mundo. 
Dizem seus defensores que o agronegócio brasileiro, ao contrá-rio 
do que se dá nos países desenvolvidos, não recebe subsídios do 
governo. Que basta que este reduza o custo Brasil, os impostos so-bre 
suas atividades e que cumpra outras obrigações como a me-lhoria 
da infraestrutura e logística para o setor. Mas se considera-mos 
que subsídio é toda forma de apoio à atividade econômica, 
financeira ou não, direta ou indireta, ou ainda de ordem legal, vemos 
que a realidade não é essa. Eis aqui alguns dos instrumentos que o 
governo vem utilizando para fortalecer o agronegócio. 
A entrada das multinacionais do agronegócio é estimulada a 
partir do final dos anos 1980, com a chamada abertura comer-cial 
e financeira. Esta última estabeleceu gradualmente a livre 
circulação de capitais, permitindo que fossem remetidos ao ex-terior 
sem comprovação de que houvessem ingressado anterior-mente, 
liberando as remessas de lucros, royalties e assistência 
técnica entre filiais e matriz no exterior. Agrotóxicos e equipa-mentos 
agrícolas tiveram suas tarifas de importação reduzidas. 
A exportação de matérias-primas foi isenta de impostos, esti-mulando 
a exportação da soja em grãos, especialmente. Em 
1997, a Lei de Proteção de Cultivares viabilizou a comercializa-ção 
de sementes transgênicas. 
Os juros do crédito rural são subsidiados pelo Tesouro: em 
2006, a média da taxa Selic, referência para os juros pagos ao mer-cado 
pelo governo, foi superior a 15%, enquanto os médios e gran-des 
produtores rurais eram financiados a 6,75% ao ano. O último 
Censo Agropecuário, referente a 2006, aponta que a agricultura 
familiar é responsável por 84,4% dos postos de trabalho gerados 
pela agropecuária e 38% do valor total da produção. Na safra 
2005/06, ela recebeu apenas 13,7% dos financiamentos públicos 
destinados ao setor. 
A renegociação das dívidas resultantes destes financiamentos 
tornou-se outra fonte de subsídios, sobretudo para a agricultura em-presarial. 
A partir de 1995, elas foram sucessivamente renegociadas 
e reduzidas. Somente entre 2002 e 2005, o governo abriu mão de 
R$ 9 bilhões. As dívidas renegociadas em 1995, 1999 e 2002, rola-das 
em 25 anos com juros de 3% ao ano (enquanto a taxa Selic os-cilava 
entre 15 e 20%), só em contratos acima de R$ 100.000 so-
19 
OXFAM 
mavam um valor global de R$ 26 bilhões. Cálculos informais 
indicam que seus beneficiários não são mais que vinte mil grandes 
proprietários. Feitas as contas, isto representa uma transferência a 
cada um deles de R$ 15 mil mensais. 
O BNDES é o braço financeiro do governo federal, principal 
executor da política de desenvolvimento econômico. Sua carteira 
de financiamentos, muito superior à de qualquer outra instituição 
financeira do país (R$ 140 bilhões em 2011), revela as prioridades 
setoriais do governo. Seus empréstimos são também concedidos a 
juros subsidiados pelo Tesouro. A referência é a TJLP, que geral-mente 
corresponde a cerca da metade da Selic. O banco financia 
desde o plantio até os equipamentos agrícolas. Usinas de cana-de- 
-açúcar, frigoríficos e a indústria de papel e celulose são os seg-mentos 
do agronegócio que vêm recebendo os maiores financia-mentos. 
Fibria, JBS e Marfrig estão entre as dez empresas privadas 
que mais receberam recursos do BNDES. Nas três empresas, o 
BNDES tem também participação acionária. 
Muitas das empresas que protagonizaram fusões recentemen-te 
tinham o BNDES como sócio. É o caso da Sadia-Perdigão, que 
formaram a BR Foods, e da Votorantim Celulose e Aracruz, que se 
uniram na Fibria. Nesta última, o banco detém 30% do capital. A 
promoção de fusões e aquisições visa ampliar a consolidação des-tes 
setores e também estimular a internacionalização da atuação 
de empresas brasileiras, como a JBS, da qual o BNDES é também 
acionista. 
Estas mesmas prioridades estão presentes no Programa de 
Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007 pelo Governo 
Federal. Nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, sobretudo, o 
objetivo é o apoio à grande produção agropecuária, como no caso 
do asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém e o escoamento da 
soja. No caso da cana-de-açúcar, além do investimento em novas 
usinas, o PAC prevê também investimentos de R$ 4,1 bilhões em 
obras destinadas ao transporte do etanol, concentradas na cons-trução 
de dois alcooldutos. 
É mais longa a lista das benesses do Estado ao agronegócio. 
A Embrapa, por exemplo, através de convênios com a Syngenta e 
a Monsanto, desenvolve variedades de soja transgênica adapta-das 
às diversas condições climáticas do território brasileiro, como 
no caso da soja. Mas fiquemos por aqui. A soja nos dá uma ideia 
clara sobre quem, afinal paga esta longa e pesada conta. Enquan-to 
a exportação de seus grãos é isenta de impostos, o preço do 
óleo de soja comestível, componente da cesta básica do consu-midor 
brasileiro, tem embutido, no mercado interno, uma carga tri-butária 
de 37,18%. 
Tudo isso, na visão das lideranças do agronegócio brasileiro, 
está longe de ser suficiente. Segundo a senadora Kátia Abreu, 
também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do 
Brasil, “Estamos no momento de decidir se vamos ganhar dinheiro 
com a produção agrícola ou se vamos ser apenas uma grande re-serva 
legal de florestas do mundo”. Em outras palavras, a visão do 
agronegócio é a de que é preciso mudar o Código Florestal para 
remover os obstáculos (as florestas e seus habitantes, no caso) 
que impedem o Brasil de conquistar a liderança mundial na produ-ção 
de alimentos. 
E é assim que cresce, continuamente, o preço que pagamos 
por nossa suposta vocação agrícola. E que há de se autorrealizar a 
profecia de que seremos em breve o celeiro do mundo. 
*Sergio Schlesinger, economista, consultor da FASE na área sócio-ambiental. 
Coordenação 
editorial: 
Silvio Caccia Bava 
Reportagem e edição: 
Luís Brasilino 
Edição de arte: 
Órbita Design 
Ilustrações: 
Daniel Kondo
tá com fome de mudança? 
Curta facebook.com/CampanhaCresca e abra a boca para acabar com a fome.

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Standing on the Sidelines: Why food and beverage companies must do more to ta...
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Feminist economics and food sovereignty: Progress and challenges ahead.
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Economía feminista y soberanía alimentaria: Avances y desafíos.
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Le monde Diplomatique Brasil Encarte Especial CRESÇA

  • 2. 2 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta ECRESÇA por Muriel Saragoussi* stamos chegando a 9 bilhões de pessoas no planeta e, nos últimos anos, a fome no mundo aumentou em vez de diminuir. Não é uma questão de produtividade porque, apesar desta ter crescido muito, temos hoje quase 1 bi-lhão de pessoas que passam fome. A Oxfam aborda a questão da alimentação a partir da ótica da justiça alimentar, da ótica de direitos, levando em conta que o mun-do tem recursos limitados e que, portanto, não é só produzir mais, mas repartir melhor e considerar os fatores sociais e ambientais envolvidos na produção. A campanha da Oxfam iniciada em junho de 2011 recebe o nome “CRESÇA” porque precisamos produzir mais alimentos, in-vestir na agricultura familiar, garantir que os agricultores, indígenas, extrativistas e camponeses – homens e mulheres - estejam pron-tos para o desafio de alimentar 9 bilhões de pessoas nas próximas décadas. É um desafio que requer enfrentar a desigualdade no controle e no acesso aos alimentos e aos recursos naturais, crescer de uma forma distinta, diminuir as emissões de carbono e contribuir para o enfrentamento da mudança climática. Significa construir ca-pacidades para que os agricultores familiares enfrentem as incer- tezas climáticas e do mercado de alimentos e atendam as necessi-dades dos mais pobres. Para isto é preciso contar com um sistema de governança global para a questão alimentar, capaz de lidar com crises e volatilidade dos preços. Por fim, temos de aumentar o de-bate sobre esses temas e promover o engajamento da sociedade na construção de um futuro onde todos tenham e exerçam seu di-reito a alimentação. O avanço conseguido na luta contra a fome ao longo das últi-mas décadas vem sendo dizimado. O vai-e-vem dos preços de ali-mentos, a exploração dos recursos naturais e as mudanças climáti-cas, têm aumentado o número de pessoas famintas no mundo e as projeções para o futuro próximo são ainda mais graves. O relatório “Crescendo para um futuro melhor”, referencia de nossa cam-panha, mostra que se essas questões não forem enfrentadas rapi-damente, os preços internacionais dos principais alimentos irão mais do que dobrar até 2030. Precisamos com urgência de um novo compromisso por parte de governos e empresas, de uma nova forma de engajamento da sociedade para enfrentar a desigualdade gerada pela falência do atual sistema de controle da produção, dis-tribuição e consumo de alimentos.
  • 3. 3 OXFAM A Campanha Cresça chega no momento certo. Estamos num mundo de múltiplas crises, é uma crise econômica, mas é também uma crise de valores éticos, uma crise de produção, uma crise cli-mática. Os modelos de produção de alimentos vão ter de mudar porque o clima já mudou, o mundo já mudou. Só se o modelo de produção mudar é que vamos ter capacidade de sair destas crises, criar um modelo de desenvolvimento justo, com equidade. Agricultura familiar Nossa opção prioritária é pela agricultura familiar. Ela tem a ca-pacidade de inovar, de absorver técnicas e propostas de produção que constroem a justiça alimentar, a agroecologia e a produção sustentável a curto e a longo prazo. São necessários maiores investimentos para a agricultura fami-liar. Segundo o IBGE, 70% dos produtos agrícolas consumidos no país vêm da agricultura familiar, mas somente 24% das terras boas para o plantio estão nas mãos dos pequenos agricultores. Relação produção e consumo Não é só uma questão de direito de acesso aos alimentos, é tam-bém uma questão de consciência sobre o que nos alimenta, quem produz, como e para quê produz. Buscar a relação mais direta possí-vel entre produtor e consumidor é coerente com nossos objetivos. A produção tem que estar próxima do consumo. O objetivo da produção não deve ser o de exportar ou levá-la para onde pagarem mais, mas sim de alimentar as pessoas e de uma forma saudável. Ela só pode estar longe do consumo em situações extremas ou em situações de dificuldade. A questão central é garantir alimentos para todas as pessoas de uma forma sustentável. O Brasil tem hoje mais de 85% da sua população vivendo nas cidades. São 160 milhões de pessoas que vivem uma vida urbana, com grandes variações, é verdade, mas os laços de convivência do mundo rural estão cada vez mais longínquos. A pobreza no mundo urbano tem novas características, tornando ainda mais difícil a so-brevivência, pobreza esta que demanda uma atenção especial aos muitos milhões de brasileiros que nela estão. Os governos Essa é a primeira campanha da Oxfam que junta todas suas afi-liadas. Ela está sendo realizada em mais de 40 países. O Brasil é um dos 10 países estratégicos da campanha, pela sua capacidade de influenciar a temática da alimentação no resto do mundo, pelo exemplo e pela vontade política de fazê-lo. De acordo com o IPEA, o Brasil conseguiu tirar da miséria, entre 2004 e 2009, de 30 a 32 milhões de brasileiros. Mas a garantia de que eles permaneçam fora da miséria, fazendo três refeições por dia, não está dada. A sociedade brasileira deve estar consciente de que precisa garantir conquistas, não abrir brecha para retrocessos. O Estado tem um papel fundamental na garantia da soberania ali-mentar, da segurança alimentar e da justiça alimentar. São progra-mas como o PAA, o Programa de Alimentação Escolar, a garantia de preços mínimos para produtos da sociobiodiversidade, as priori-dades nas compras públicas, que iniciam novas políticas. A partir de 2009, por exemplo, 30% dos alimentos para a merenda escolar devem ser comprados de pequenos produtores. Mulheres A grande maioria dos alimentos no mundo é produzida por mu-lheres e esse dado é absolutamente invisível. Em muitos países, mulheres não têm acesso a terra ou aos recursos naturais neces-sários para sua sobrevivência. Precisamos dar destaque à realidade das mulheres produtoras. Precisamos de políticas públicas especí-ficas para elas. Sociedade Civil A campanha no Brasil se propõe a contribuir para aumentar o debate na sociedade brasileira em geral em relação à questão da jus-tiça alimentar. A participação cidadã é fundamental. Ela se dá através da pressão e do engajamento de cada pessoa nas chamadas da campanha para iniciativas conjuntas junto aos governantes; no papel de consumidor de cada cidadão; no seu papel de eleitor e eleitora, apoiando candidatos que defendam políticas de enfrentamento dos problemas apontados pela campanha; e apoiando iniciativas de or-ganizações e movimentos sociais que estão na mesma luta. O papel da Oxfam é apoiar processos e movimentos da própria sociedade brasileira, sua sinergia, articulação, sua capacidade para dar o passo seguinte. Nosso papel é alimentar alianças dentro da sociedade e fortalecer parceiros para que eles possam fazer as mudanças necessárias no modelo de desenvolvimento brasileiro. Jogos Vorazes Os estoques públicos de alimentos quase desapareceram e não há transparência sobre aqueles disponíveis no mundo, sejam públicos ou privados. O mundo financeiro passou a especular sobre o preço futuro dos alimentos, causando grande volatilidade em seus preços. Especular em cima da vida e da morte das pessoas sempre foi um grande negócio — antes era a guerra, agora também é a comida. Regular os preços dos alimentos, dar transparência aos esto-ques públicos e privados, garantir acesso à informação e controle social sobre o setor é um dos objetivos da campanha. A Campanha CRESÇA não trata de temas novos, mas da ne-cessidade de providências rápidas, imediatas e de mudanças im-prescindíveis para evitar que a situação ultrapasse limites críticos inimagináveis. É a urgência que nos move. *Muriel Saragoussi é coordenadora de campanhas e incidência da Oxfam na Brasil. Engenheira agrônoma de formação, ela tem mais de 30 anos de militân-cia nas áreas de sustentabilidade e combate à fome. A Oxfam tem respondido a crises de alimentos por quase 70 anos - desde a Grécia em 1942, passando por Biafra (1969), Etiópia (1984), Níger (2005), Chifre da África no ano passado, e estamos nos preparando para enfrentar a crise anunciada do Sahel, este ano. Estamos presentes nos inúmeros desastres silenciosos que passam despercebidos da mídia e da opinião pública global - todos totalmente evitáveis, resultado de decisões desastrosas, do abuso de poder e de políticas econômicas perversas.
  • 4. 4 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta
  • 5. 5 OXFAM O Cassino Agrário por gonzalo fanjul* O economista britânico John Maynard Keynes tinha opini-ões bem definidas sobre os mandarins financeiros de sua época: “sugerir à City de Londres uma ação social em beneficio do bem público é como discutir A origem das espécies com um bispo”. Quase um século depois, os merca-dos se tornaram mais complexos e sofisticados, mas o modo como os especuladores aproveitam em beneficio próprio das leis débeis ou inexistentes mudou muito pouco. Este é o caso do mer-cado de alimentos, onde as consequências do laissez-faire vão além do aceitável. Durante os últimos 4 anos o preço dos alimentos básicos teve as oscilações mais agudas vistas em décadas. As causas dessa espiral incluem uma combinação conhecida de fatores que diminu-íram a oferta e dispararam a demanda, como a produção de bio-combustíveis ou o incremento do consumo de carne na Ásia. Mas também intervieram outras variáveis, como a desmedida especula-ção financeira. Quando setores tradicionalmente mais rentáveis perderam fôlego na bolsas da Europa e Estados Unidos, os espe-culadores colocaram seus olhos na comercialização de matérias primas como o trigo, o milho ou a soja, que receberam o mesmo tratamento financeiro que um chip ou uma hipoteca. Os produtos financeiros (como os mercados futuros ou as op-ções de compra, que garantem a entrega de uma mercadoria em um prazo e preço determinados com antecedência) são recursos habituais de vendedores e compradores para diminuir o risco ine-rente a qualquer mercado agrário. Mas isso dificilmente descreve o que ocorreu nos últimos anos. A escalada inicial dos preços atraiu os especuladores de grandes firmas, como Goldman Sachs e J.P. Morgan, que desenvolveram instrumentos derivados e índices combinados de matérias primas que multiplicaram as piruetas fi-nanceiras e os riscos associados a elas, e converteram a agricultu-ra em outro de seus cassinos. No primeiro trimestre de 2008, enquanto os preços dos prin-cipais alimentos disparava, os investidores estavam colocando nesses mercados a irrisória quantia de um bilhão de dólares diá-rios, boa parte dos quais eram destinados a operações bilaterais alheias ao controle das principais bolsas (o que se conhece como operação OTC). Somente no mercado do trigo esses índices che-garam a controlar em junho desse mesmo ano 42% do mercado nos EUA. A crise precipitou a saída maciça de capitais desses e de outros mercados, e com ela a queda brusca de preços que co-nhecemos em 2009. A especulação contribuiu para gerar um mercado com preços mais caros e menos previsíveis, cuja consequências são sentidas em boa parte pelos países mais pobres do planeta. Oxfam é teste-munha de como a volatilidade extrema dos preços golpeou consu-midores e produtores pobres, incapazes de aguentar o choque ou de aproveitar suas oportunidades. Desde o Camboja, até a Nigéria e a Guatemala, A FAO calcula que o número dos que passam fome aumentou entre 2008 e 2009 em mais de 250 milhões, até supe-rar pela primeira vez na história o número de 1 bilhão de seres hu-manos. A alta dos preços de 2011 podem ter intensificado essa tendência. O que se pode fazer? Muitas das medidas de reforma dos mercados financeiros que estão sendo aprovadas nos Estados Unidos e em outros países – como a transparência, a regulação dos produtos derivados e o controle das operações OTC – ajudarão a colocar limites nos especuladores. Mas são necessárias garan-tias adicionais no caso de um mercado tão sensível para o bem- -estar humano, do qual depende o direito à alimentação. Nesse âmbito a responsabilidade do G20 é iniludível e aí o governo do Brasil deve exercer a mesma liderança demonstrada em casa, com a implantação de políticas contra a fome que são admiradas em todo o mundo. No mais, é tratar um câncer com aspirinas. *Gonzalo Fanjul, assessor estratégico da Oxfam Internacional.
  • 6. CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta A questão agrícola na RIO+20 por Jean Marc von der Weid* O documento base da Rio+20, produzido pelo Programa 6 das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), não dá à agricultura o lugar central que deveria ocupar no debate, além de abster-se de constatar os problemas provocados pelo modelo de desenvolvimento agrícola dominante no mundo, conhecido como agricultura industrial. A agricultura, entendida no sentido amplo adotado pela FAO, in-clui os cultivos temporários ou perenes, a pecuária, a pesca/aqüi-cultura e a exploração florestal. Ela é o maior fator de perda de bio-diversidade, de destruição florestal e de desertificação em todo o mundo. Ela também é o maior consumidor de água potável (70%), além de ser o principal agente de contaminação de rios, lagos e aqüíferos. A contaminação química provocada pelo uso de adubos químicos e agrotóxicos também é um fator importante na destrui-ção do meio ambiente nas zonas costeiras, em particular na foz dos rios onde cria imensas áreas chamadas de desertos marinhos, afe-tando também a pesca. A agricultura tem forte relação com a questão da produção de combustíveis (álcool e biodiesel em tempos mais recentes e carvão e lenha desde muito tempo). Do ponto de vista das mudanças cli-máticas a agricultura é responsável por 18% das emissões de ga-ses de efeito estufa (GEE), mais do que a queima de combustíveis
  • 7. 7 OXFAM nos transportes. Se combinarmos este efeito direto com as emis-sões provocadas pelo desflorestamento (em grande parte provo-cado pela expansão das áreas agrícolas) e outras emissões ocorri-das em outras etapas da cadeia alimentar, chegamos a cerca de 50% de emissões de GEE. Finalmente, é preciso lembrar que a agricultura concentra a maior parte da população em extrema po-breza no mundo e que não existe modelo de desenvolvimento urba-no nos tempos modernos capaz de absorver este contingente. A agricultura industrial tem outros efeitos negativos sobre os re-cursos naturais renováveis como os solos. Desde a segunda guerra mundial aproximadamente 2 bilhões de hectares de solos potencial-mente agricultáveis no mundo já foram degradados, mais de 22% de toda a área disponível para cultivos, pastagens e florestas. A degradação química dos solos devido às praticas agríco-las é responsável por 40% das perdas nas áreas cultivadas. Este modelo agrícola tem outro calcanhar de Aquiles, a sua de-pendência de recursos naturais não renováveis como petróleo, gás, fosfatos e potássio. A exaustão das reservas mundiais de petróleo já se faz sentir nos custos crescentes deste combustí-vel. As reservas de gás têm previsão de alcançar seu pico de produção em 2025. As de fósforo já passaram por este pico e as de potássio devem alcançá-lo em mais 20 anos. Na atualidade, o mundo produz comida suficiente para alimen-tar os mais de 7 bilhões de habitantes do planeta. A existência de mais de um bilhão de famintos se deve a problemas de pobreza e não de disponibilidade, mas no futuro próximo haverá carência ab-soluta de alimentos se o presente modelo produtivo não for radical-mente alterado. Os custos de produção no modelo da agricultura industrial, alem das perdas das áreas cultiváveis, deverão trazer de volta o fantasma da fome endêmica em escala não vista desde o início do século vinte. Frente a este quadro de crise profunda, que pode levar a terríveis problemas sociais e instabilidade política em muitos países, um gru-po de entidades da sociedade civil elaborou uma proposta para a Rio+20 intitulada “Tempo de Agir”. O documento (disponível no site www.aspta.org.br) aponta para um novo modelo de agricultura base-ado na produção familiar, empregando as práticas da agroecologia. A agroecologia é definida como o manejo integrado dos recur-sos naturais (solo, água e biodiversidade) sem uso de insumos ex-ternos industriais. São policulturas integradas com criações ani-mais e com a vegetação natural. A agroecologia é econômica no uso de água e de energia e, além de não emitir GEEs, promove uma forte absorção de carbono. O sistema não tem efeitos contaminantes para águas, solos, produ-tores e consumidores e promove uma dieta saudável. Os críticos mal informados sobre estes sistemas dizem que suas produtivida-des são baixas e que adotar a agroecologia obrigaria a aumentar a área cultivada e, portanto, aumentar o desmatamento. Pesquisas da FAO, da Univesidade de Essex e da Academia de Ciências dos Estados Unidos, para citar apenas alguns estudos, indicam que os sistemas agroecológicos têm índices de produtividade compará-veis aos convencionais e que os preços superiores cobrados pelos produtos vendidos como orgânicos não se devem a custos de pro-dução superiores ou produtividades inferiores, mas à relação de oferta e demanda do mercado e aos custos de comercialização dos orgânicos. Ambas as questões podem ser resolvidas com o au-mento da produção agroecológica (orgânica), garantindo uma ofer-ta de produtos de qualidade a preços mais baixos. A questão mais importante a ser notada na produção agroeco-lógica é a sua demanda de conhecimentos técnicos e de mão de obra. Diz-se que a agroecologia é “knowledge intensive” enquanto a agricultura industrial é “input intensive”. A questão do conheci-mento na agroecologia deriva da sua busca de grande diversifica-ção na estratégia de mimetizar os sistemas naturais. Isto implica na necessidade de se procurar um desenho produtivo específico para cada propriedade, o que não se faz sem métodos de pesquisa que integrem o agricultor como experimentador. A questão da mão de obra não é apenas relativa às limitações de uma mecanização dos sistemas produtivos quando os mesmos são muito diversificados, mas à exigência de cuidados e informação que limita a eficiência do trabalho assalariado. Tudo isto resulta no fato de que a agroeco-logia opera, em condições ideais, em sistemas produtivos da agri-cultura familiar de pequena escala. Para países como os Estados Unidos, onde o emprego agrícola é inferior a 4% do emprego total e que tem menos de dois milhões de agricultores familiares, adotar a agroecologia seria (será) dra-mático, pois necessitarão de gerar uma nova classe de campone-ses quando o conjunto das crises acima referidas vier a destruir a sua agricultura convencional. No Brasil, apesar dos descaminhos de uma reforma agrária sempre feita à “meia boca” ainda temos perto de 4,5 milhões de agricultores familiares e potencial para mais 10 milhões capazes de adotar a agroecologia como forma de produção. Isto poderá acontecer de forma dramática pela mera for-ça das crises que assolam a humanidade ou de forma controlada e suave se as necessárias políticas públicas forem adotadas. Dado o gravíssimo problema de pobreza mundial e nacional, o fato de que os sistemas agroecológicos sejam demandadores de mão de obra não é um problema, mas uma solução. Eles vão permitir que um enorme contingente de excluídos venha a integrar-se na sociedade de forma produtiva e não assistencial. Dada a total falta de compromisso dos governos da maior parte do mundo com as exigências de mudanças drásticas na forma como o mundo produz, consome e se relaciona com a natureza, não podemos esperar muito da Rio+20, mas o que os signatários do manifesto “Time to Act” pretendem é despertar a opinião pública e continuar um embate nos planos internacional e nacionais após a conferência. *Jean Marc von der Weid é coordenador do Programa de Políticas Públicas da AS-PTA Agroecologia e Agricultura Familiar.
  • 8. 8 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta O Mais democracia para enfrentar a fome POR Maria EMÍlia Lisboa Pacheco* Consea é resultado de uma manifesta vontade política por ouvir as demandas da sociedade. É fruto das refle-xões pioneiras sobre a fome, feitas por Josué de Castro - que é seu patrono; do ex-presidente Lula, que o re-criou, e foi recentemente indicado pelos conselheiros seu Presi-dente de Honra; de Betinho, da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida. É a expressão dos ecos da cidadania, das vozes do campo, da floresta e da cidade. Em sua composição está a fala dos sujeitos de direitos, repre-sentados pelas organizações dos povos indígenas, população ne-gra, quilombolas, pescadores, comunidades de terreiro, extrativis-tas como as quebradeiras de coco, organizações da agricultura familiar e camponesa. É a expressão de nossa sociobiodiversidade, com suas formas de vida e manejo dos bens da natureza nos vários biomas, e de uma sociedade pluriétnica. Mas também estão presentes entidades do direito humano à alimentação; centrais sindicais; redes, fóruns e articulações da so-berania e segurança alimentar e nutricional, da agroecologia, da economia solidária, da educação cidadã; representações de orga- nizações de matriz religiosa; das organizações que reúnem pesso-as com necessidades especiais, consumidores e profissionais do campo da saúde e nutrição; organizações ligadas à agricultura pa-tronal e indústria de alimentos. O CONSEA abriga a expressão das várias dimensões da políti-ca de segurança alimentar e nutricional, sintetizadas no princípio da intersetorialidade, que nos é muito caro. Reafirmamos que essa política, baseada no direito humano à ali-mentação adequada, deve se concretizar através das diretrizes con-tidas no Plano Nacional de Segurança de Alimentar e Nutricional: acesso universal à alimentação adequada e saudável; promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentra-lizados de base agroecológica de produção, extração e processa-mento; instituição de processos permanentes de educação alimen-tar e nutricional; fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à saúde; promoção do acesso univer-sal à água de qualidade e em quantidade suficiente; apoio às iniciati-vas de promoção da soberania alimentar, segurança alimentar e nu-tricional no âmbito internacional e nas negociações internacionais.
  • 9. 9 OXFAM O CONSEA tem, hoje, uma representação de 51% de mulhe-res. A expressão de seu papel na luta pela garantia da segurança alimentar e nutricional começa a refletir-se na consciência da so-ciedade de que são portadoras de direitos, embora haja muito a avançar no plano das políticas e seus instrumentos de operaciona-lização que ainda discriminam as mulheres. A 4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricio-nal ocorrida no final do ano passado em Salvador, na Bahia, foi o coroar de um movimento que envolveu mais de 75 mil pessoas, com a participação de 3.000 municípios, todas as regiões, todos os estados. Representou uma inequívoca mostra da força e do alcan-ce de nossa articulação e mobilização social. Reconhecemos e valorizamos os significativos avanços conse-guidos no Brasil na mobilização social pela soberania e segurança alimentar e nutricional, para os quais contamos várias vezes com a atuante Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional. Temos programas estruturantes que têm sido inspiradores para iniciativas análogas em outros países, como é o exemplo do Pro-grama de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa um Milhão de Cisternas (P1MC) e mais recentemente a inovadora proposta do P1+2 – uma terra e duas águas no semiárido. Esses são programas que contribuem para revigorar as econo-mias locais, estimular a diversificação da produção, valorizar as cul-turas alimentares e impulsionar a participação social, a organização popular, revitalizando o tecido associativo. Mas vivemos tempos também de grandes desafios, contradi-ções e riscos de desconstrução de conquistas. Por exemplo, o De-creto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula, que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescen-tes das comunidades de quilombos, criando mecanismos que faci-litam o processo de identificação e posterior titulação de comuni-dades, encontrou ferrenha oposição. Precisamos compreender que para os territórios étnico-raciais a terra não é apenas um meio de produção da sua subsistência e reprodução física, mas, também um patrimônio sócio-cultural. A terra é a sua casa, o lugar onde nascem, crescem e desenvolvem suas diferentes formas de vida. É o lugar onde enterram seus mor-tos e celebram a vida. É o lugar onde produzem e reproduzem sua cultura, onde historicamente domesticam plantas e animais e nos deixam um enorme legado de espécies e variedades que enrique-cem a nossa biodiversidade. A terra não é mercadoria, nem propriedade privada de pessoa física ou jurídica. É patrimônio coletivo, de todo um povo, de seus usos e costumes, e assim a apropriação dos seus frutos se dá, igualmente, de forma coletiva, de forma sustentável. O reconhecimento e a efetivação do direito ao território para as comunidades quilombolas representa muito mais do que a necessá-ria reparação do erro histórico da escravidão: é a garantia para que a sociedade brasileira possa contar com a existência dos quilombos na contínua construção econômica, social e cultural da sociedade. Para reverter o quadro de riscos para essas populações, o Consea defende o etnodesenvolvimento como uma diretriz a ser plenamente incorporada no conjunto das políticas públicas do Estado brasileiro, e em especial nas políticas de Segurança Ali-mentar e Nutricional. Consideramos fundamental adotar o objetivo estratégico da soberania e segurança alimentar e nutricional como um dos ei-xos da estratégia de desenvolvimento do país para superar as desigualdades socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gê-nero e geração e erradicar a pobreza extrema e a insegurança alimentar e nutricional. O fortalecimento da capacidade reguladora do Estado se faz necessário, tanto na efetiva regulação da expansão das monocul-turas, como na adoção de medidas como o banimento imediato dos agrotóxicos que já foram proibidos em outros países, incluindo os que foram utilizados em guerras, como o glifosato; o fim de subsí-dios fiscais, acompanhado da implementação de mecanismos de regulação da comunicação mercadológica de alimentos. É socialmente inaceitável que o mercado seja o único regulador das decisões tecnológicas. A consciência dos consumidores e a manifestação de suas incertezas devem ser consideradas. É indis-pensável revisar a lei de biossegurança e modificar a composição e funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), para expressar as diferentes visões existentes na socie-dade e na comunidade acadêmica e ampliar a participação e o con-trole social. Investir na agricultura familiar e camponesa é gerar emprego e renda para milhões de pessoas, é estimular a produção de alimen-tos e a diversidade de culturas, é respeitar tradições alimentares e preservar a natureza, é fixar o homem no campo, é fortalecer as economias locais e regionais. O aprofundamento da democracia participativa e redistributiva para assegurar o direito humano à alimentação adequada requer a concretização do direito à terra, reconhecendo sua função social nas dimensões socioambiental, econômica e trabalhista, conforme a Constituição Federal, através de amplo programa de reforma agrária. Os movimentos sociais e entidades da sociedade civil defen-dem princípios e valores que nos são muito caros: soberania ali-mentar, sustentabilidade socioambiental, justiça social e climática, participação, controle social, intersetorialidade, igualdade nas rela-ções de gênero, entre outros. São estes valores que devem pautar as ações do CONSEA. *Maria Emília Lisboa Pacheco é antropóloga, mestre em Antropologia Social (Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ), integrante da FASE (Federa-ção de Órgãos para Assistência Social e Educacional), da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Fórum Brasileiro de Soberania, Segurança Ali-mentar e Nutricional (FBSSAN), atual presidente do CONSEA.
  • 10. CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta Aproximando a produção e o consumo Silvio Caccia Bava* 10 território; o financiamento em condições acessíveis aos micro e pequenos empreendedores com novos mecanismos de interme-diação financeira; a maior participação dos atores sociais nos processos de decisão política, o maior cuidado com o meio am-biente do lugar em que vivem. Os circuitos curtos buscam que a produção e o consumo, sem-pre que possível, se dêem no mesmo território, beneficiando sua cidade ou região. Não se trata apenas de encurtamento de distân-cias, mas de estruturar uma economia de empresas locais, peque-nas e grandes, que estimulem a circulação de riqueza no local, arti-culem cadeias produtivas, absorvam a mão de obra local, necessitem pouco capital, e utilizem baixa tecnologia, abrindo es-paço para que estas iniciativas sejam também empreendimentos populares. Esta abordagem é resultante dos ensinamentos de uma longa trajetória de experiências nascidas na sociedade civil, que são fruto das práticas de resistência e das iniciativas de movimentos sociais e redes de cidadania na busca por soluções para se enfrentar os problemas da pobreza no Brasil. Os circuitos curtos são inspirados em experiências de desenvolvimento local, com todas suas varian-tes, economia solidária, comércio justo, e agrega um novo compo-nente, a preocupação com a sustentabilidade ambiental. Ao fortalecer os circuitos curtos de produção e consumo, o pro-jeto de desenvolvimento busca a criação de oportunidades para os atores locais, maiores possibilidades de promover a sustentabilida-de ambiental, a equidade social e a qualidade de vida no território. Do ponto de vista da segurança alimentar, por exemplo, o fo-mento à agricultura familiar, a redução das distâncias a ser percor-rida pelos alimentos, a recuperação do cultivo de subespécies lo-cais, a comercialização em menor escala de alimentos, são agendas diretamente relacionadas aos circuitos curtos, e se contrapõem à grande produção baseada na grande propriedade, bem como aos sistemas de comercialização hiper centralizados. Programas como a exigência de que 30% da alimentação escolar seja comprada A disputa pelas alternativas de desenvolvimento expressa a contraposição de dois modelos. O dos circuitos longos de produção e consumo, domínio das transnacionais; e o dos circuitos curtos de produção e consumo, que são o cam-po de atuação dos atores e da economia local. Por circuitos longos entendemos, por exemplo, a exportação de commodities. A soja que é plantada na região central do país e que é exportada para a China. Tomemos este exemplo. A plantação ex-tensiva de soja requer grandes áreas e acaba por concentrar ainda mais a terra no Brasil, expulsando a agricultura familiar. As técnicas de produção são todas mecanizadas, requerendo grande maquina-ria e técnicos especializados para operá-las. Tudo isso requer muito capital. É preciso investir em silos, estradas de ferro, portos, navios, sem considerar o enorme gasto de energia. Os circuitos longos, ao contrário do que prega a ideologia do mercado, pauperizam o território em que operam, retiram dele re-cursos naturais e a riqueza gerada pela produção, que é transferida para os centros financeiros internacionais. Como seu objetivo não é o desenvolvimento do território, também não se preocupam com a degradação ambiental que geram. Com a adoção de novas tecno-logias, dos avanços na mecanização e na automação, estes gran-des empreendimentos passaram também a absorver muito pouca mão de obra local. O saldo para os atores locais e o desenvolvimen-to do território não é favorável. Um olhar crítico sobre os circuitos longos, sobre as grandes es-calas e os grandes percursos que favorecem a concentração do ca-pital e prejudicam o meio ambiente, a qualidade de vida e a estrutu-ra social, é o ponto de partida para questionarmos este paradigma de produção e consumo. Por circuitos curtos entendemos a busca pela aproximação entre os locais de produção e consumo de bens e serviços; a re-dução da escala das distancias percorridas pelos produtos a se-rem transportados; a diminuição da necessidade de uso de redes de transporte, energia e logística; a utilização de mão de obra do
  • 11. 11 dos produtores locais são um bom exemplo de iniciativas que visam o encurtamento dos circuitos de produção e consumo. A agenda local se identifica com a agenda global. O desafio é participar deste movimento mundial: o da disputa por um novo mo-delo de desenvolvimento. E toda atenção deve ser dada a proces-sos que atuem no sentido de atenuar ou neutralizar as tendências concentracionistas que existem. Sabemos que nenhuma sociedade se viabiliza exclusivamente baseada em circuitos curtos. A questão central é que a convivência com os circuitos longos deve buscar o desenvolvimento do territó-rio e o fortalecimento dos atores locais. Recentemente, com a crise do atual modelo de desenvolvimen-to, a questão do desenvolvimento do território passou a estar rela-cionada com a do próprio modelo de desenvolvimento. E incorpora a questão ambiental pela urgência e dramaticidade que ela carre-ga. Trata-se, na verdade, de uma situação mais complexa, trata-se de uma crise civilizatória onde a grande tarefa é construir uma nova sociedade e, para atender esta sociedade, um novo modelo de pro-dução e consumo. Em toda sociedade existe um novo modelo de produção e con-sumo em gestação. Ele é fruto das lutas pela sobrevivência, das lu-tas sociais, de conflitos pela democratização da sociedade e da ri-queza. Mas este novo modelo nem tem visibilidade, nem é visto no seu conjunto, ou reconhecido como uma alternativa ao modelo vi-gente. Ele acaba por se apresentar na forma de inúmeras experiên-cias que conseguem sobreviver, mas que não se apresentam como algo articulado, como uma proposta de organização social. Por for-ça dos controles impostos pelos atores hegemônicos, o campo de experimentação de novos padrões de produção e consumo não ga-nha o espaço público, não se torna objeto de debate, não traz apor-tes para o debate sobre o modelo de desenvolvimento. Os circuitos curtos de produção e consumo trazem consigo uma nova proposta de organização da sociedade e da economia. Podem ser parte de um quebra-cabeça que aponte novos cami-nhos. De toda maneira, para fins imediatos, é uma proposta que favorece os agentes daquele lugar, os trabalhadores e moradores daquele território. O desafio maior não é o desenvolvimento de novas técnicas ou processos de produção, já existe um acumulo importante de co-nhecimentos a partir das milhares de experiências que se desen-volvem no campo da economia solidária e outras formas cooperati-vas de produção e consumo. A questão é política, isto é, de que se constituam articulações, redes, atores coletivos na sociedade civil que defendam políticas públicas de apoio e fortalecimento dos cir-cuitos curtos. *Silvio Caccia Bava é sociólogo, técnico do Instituto Pólis, diretor do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”. OXFAM
  • 12. 12 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta Os sistemas atuais de produção e consumo de alimentos são marcados pela produção em larga escala e o consu-mo de massa. Eles geram a exclusão de pequenos agri-cultores, a exploração de trabalhadores no campo, ex-cluem os consumidores sem poder aquisitivo. Suas atividades degradam o meio ambiente tanto pelo lado da produção (monocul-turas, desmatamento, contaminação, etc.) como pela comercializa-ção (emissão de gases do efeito estufa pelo transporte de longas distâncias, sobrepreço pelo excesso de intermediários). E trazem ainda impactos negativos sobre a saúde humana (resíduos de agro-tóxicos, uso indiscriminado de aditivos, alimentos nutricionalmente pobres e ricos em gordura, sal e açúcar, etc.). Repensar este modelo de produção e consumo de alimentos passa necessariamente pelo debate sobre o papel da mulher. No caso de alimentos, as decisões de compra são das mulheres. Infe-lizmente, este “poder de compra” esbarra na falta de informação so-bre os impactos socioambientais dos sistemas de produção de ali- Consumo responsável e saudável de alimentos: desafio para as mulheres POR Lisa Gunn e Adriana Charoux* mentos e sobre a qualidade nutricional dos alimentos industrializados, distanciando as mulheres de alternativas mais responsáveis e sau-dáveis de consumo. A piora na qualidade da alimentação da população brasileira O padrão alimentar da população brasileira, sobretudo de crian-ças e adolescentes, está comprometendo a saúde pública. Segun-do a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008-2009, realizada pelo IBGE, 48% da população está com sobrepeso e 15% já se classifica em estado de obesidade. “A parcela dos meninos e rapa-zes de 10 a 19 anos de idade com excesso de peso passou de 3,7% (1974-75) para 21,7% (2008-09), já entre as meninas e moças o crescimento do excesso de peso foi de 7,6% para 19,4%”.1 86% da população consome mais gorduras saturadas do que o necessário e 61% se excede no consumo de açúcar. A falta de vita-minas e nutrientes atinge 68% da população. Mais de 90% dos bra-
  • 13. 13 OXFAM sileiros não ingere as 400 gramas diárias recomendadas pelo Minis-tério da Saúde de frutas, legumes e verduras e prefere consumir outros tipos de alimentos pouco nutritivos. Aumenta o risco de doen-ças cardiovasculares, diabetes e outras graves doenças crônicas. Mãe, compra! Sabe-se que os hábitos de alimentação se desenvolvem na in-fância, e que a probabilidade de uma criança obesa se tornar um adulto obeso é muito grande. A publicidade, especialmente voltada para crianças, enaltece estilos de vida muitas vezes totalmente in-sustentáveis. No entanto, existe amplo respaldo na legislação brasileira para que essa situação seja revertida, especialmente no Código de Defe-sa do Consumidor (Lei 8.078/90). A proteção contra publicidades abusivas está elencada entre os direitos básicos do consumidor (art. 6º, IV), especialmente aquelas que se aproveitam da deficiência de julgamento e experiência da criança e que induzem o consumidor a se comportar de forma prejudicial a sua saúde (art. 37, § 2º). Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) es-tabelecer regulamentos específicos para controle da publicidade de alimentos. A regulamentação governamental em defesa das crianças não é novidade. Diversos países já o fizeram, como Suécia, Inglaterra, Noruega e Canadá�. Apesar de buscar coibir “práticas excessivas...”, a ANVISA ain-da não disciplina de forma apropriada o tema. A resolução está sus-pensa devido a diversas ações judiciais, de diferentes associações empresariais, que são contra a regulação deste tipo de publicidade porque tem seus interesses comerciais afetados. Agrotóxicos Líder mundial no consumo de agrotóxicos, o Brasil leva para a mesa alimentos de qualidade incerta, muitas vezes contaminados. Alguns agrotóxicos causam problemas neurológicos, reprodutivos, de desregulação hormonal, e até câncer. E apesar de serem proibi-dos em vários locais do mundo, como União Européia e Estados Unidos, há pressões do setor agrícola para manter esses produtos no Brasil. Grande parte dos avanços obtidos com a Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802, de julho de 1989), não tem se tornado efetivos na prevenção, fiscalização e controle dos efeitos nocivos destes pro-dutos. Outro ponto falho apontado é a falta de sanções e punições aos que descumprem a lei. Aproximando consumidoras urbanas da agricultura familiar agroecológica A crítica ao sistema atual vem promovendo o fortalecimento da agricultura familiar de base ecológica, a comercialização solidária, os grupos de consumo responsável, ações de promoção da segu-rança alimentar e nutricional, etc. Os grupos de consumo responsável e as feiras de produtos or-gânicos são exemplos de alternativas mais “sustentáveis”, que não se restringem a nichos de mercado para os consumidores que po-dem pagar mais por eles. Foram identificadas 140 feiras de produtos orgânicos em 22 das 27 capitais avaliadas. Estas feiras aproximam os consumido-res dos pequenos produtores agroecológicos. Porém temos que ir muito além, fazendo com que espaços como estes se espalhem por todas as cidades do país. Pesquisa do Idec2 levantou os preços de sete alimentos orgâni-cos (repolho verde, berinjela, pimentão verde, chuchu, tomate, cebo-la e alface americana) em quatro capitais do país. A diferença de preço de um mesmo produto pode chegar a 463%, dependendo do canal de venda (grandes supermercados, feiras de orgânicos e en-tregas em domicílio). Em 100% dos casos, os preços mais baixos foram os praticados nas feiras de produtos orgânicos. É importante incentivar a aproximação das consumidoras urba-nas com as pequenas produtoras rurais por meio de políticas públi-cas locais de abastecimento. Queremos um maior número de feiras de produtos agroecológicos, assim como a formação de grupos de consumidores de produtos agroecológicos da agricultura familiar. O poder do consumidor As consumidoras podem ser atoras relevantes na luta para que as empresas reduzam os impactos socioambientais em suas ca-deias produtivas e para exigir dos governos políticas públicas que estimulem o desenvolvimento de novos padrões sustentáveis de produção e consumo. Além disso, os consumidores devem ser esti-mulados a rever os seus hábitos de consumo e buscar alternativas para mudança. É preciso evitar o risco de cair em uma interpretação ingênua da realidade, como se o problema se resumisse às empresas tornarem sua produção mais limpa, ou de baixo carbono, e os consumidores se tornarem conscientes dos impactos socioambientais negativos. Novos paradigmas de produção e consumo implicam um novo mo-delo de desenvolvimento. A produção sustentável exigirá a revisão dos modelos de negócio, e não apenas o “esverdeamento” da produção. 1 Dados da POF 2008/2009 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noti-cias/ noticia_visualiza.php?id_noticia=1699&id_pagina=1 2 Revista do Idec, edição 142, abril de 2010. *Lisa Gunn, socióloga graduada pelo Instituto de Filosofia e Ciências Huma-nas da Unicamp e mestre em ciência ambiental (Procam - Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da USP), é coordenadora executiva do Idec. *Adriana Charoux é formada em Comunicação Social pela FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e História na USP (Universidade de São Paulo) e autora do livro “A ação social das empresas: quem ganha com isso?”, Editora Peirópolis, 2007.
  • 14. 14 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta A As mulheres e a produção de alimentos Uma perspectiva feminista para o debate por Nalu Faria* reflexão sobre o envolvimento das mulheres nos siste-mas de produção e consumo de alimentos exige olhar para um terceiro aspecto: a reprodução é considerada uma esfera sob a responsabilidade das mulheres, através da realização cotidiana do trabalho doméstico e de cuidados. Trata- -se de uma visão naturalizada do feminino, vinculada à maternidade, e que define o que é ser mulher no mundo. Ao mesmo tempo, a he-gemonia capitalista na definição do atual modelo de produção, re-produção e consumo de alimentos impõe um sistema agroindus-trial, dominado pelas grandes empresas do agronegócio e pelas grandes redes de supermercados. As mulheres são expulsas de regiões que produzem determinados produtos, como é o caso da soja e eucalipto, ou incorporadas como mão de obra intensiva em outros, como na produção de frutas, flores e legumes. A estrutura patriarcal da família e a divisão sexual do trabalho organizam a inserção das mulheres no trabalho agrícola. Suas ati-vidades são vistas como parte do seu papel de mães, vinculadas ao trabalho doméstico e de cuidados, com a produção no quintal, da horta, do pomar e de pequenos animais. Seu trabalho no roçado é considerado apenas como uma ajuda e, portanto, não é reconheci-do como trabalho, o que promove a invisibilização das mulheres como produtoras de alimentos. Ainda prevalece uma visão homogênea de família em que o ho-mem representa os interesses do conjunto, incluindo a mulher e fi-lhos. Aparentemente os membros da família têm interesses co-muns que se complementam, ocultando a hierarquia de gênero e geração centrada no poder dos homens sobre as mulheres e filhos(as). A divisão sexual do trabalho separa trabalho de homens e de mulheres, e o trabalho dos homens sempre é mais valorizado que o das mulheres.
  • 15. 15 OXFAM A separação entre as esferas da produção e reprodução orga-niza a economia capitalista e patriarcal, que coloca como centro a produção mercantil e, ao mesmo tempo, oculta e invisibiliza os elos entre essas duas esferas. No padrão atual, a alimentação para os pobres, cada vez mais homogeneizada, é centrada em carboidratos, alimentos industriali-zados e produzidos em massa; e os ricos se beneficiam de alimen-tos carregados de experiência e cultura, produtos de origem con-trolada e orgânicos (Marcha Mundial das Mulheres, 2008). Mulheres rurais em luta No Brasil, as mulheres rurais têm uma longa trajetória de lutas para conquistar seu reconhecimento como trabalhadoras rurais e como cidadãs. Nesse percurso estão as lutas para serem aceitas como sindicalizadas, pelo acesso à previdência e à licença materni-dade, para ter documentos. Essas lutas desembocaram na reivindi-cação por renda, o que questiona o homem como representante da família, e incluem a demanda para que as mulheres participem em todos os momentos da produção e comercialização. Com isso, am-pliaram- se as reivindicações para se ter acesso ao crédito, à assis-tência técnica, mas também para decidir sobre a produção e o con-trole da comercialização. As trabalhadoras rurais e camponesas constróem um dos mo-vimentos de mulheres mais enraizados, com maior organicidade e capacidade de mobilização em nosso país. São exemplos desse processo as quatro edições da Marcha das Margaridas (2000, 2003, 2007 e 2011), os vários acampamentos do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), das mulheres do MST, a ações das mulheres em vários movimentos pelo fortalecimento da agroecolo-gia e tantos outros. Soberania alimentar: estratégia dos povos para outro modelo A construção de uma proposta e uma abordagem de soberania alimentar faz parte de um processo de resistência dos movimentos camponeses à ofensiva capitalista de imposição de uma agricultura de mercado. Em suas trajetórias esses movimentos recuperam o significado das práticas de produção alimentar, da agricultura, dos conhecimentos, da cultura alimentar desenvolvidos pelos povos, e resgatam o papel das camponesas como produtoras de alimentos. As lutas em torno da soberania alimentar contribuem para visibilizar a relação campo e cidade e a importância de considerar a inter-re-lação entre o consumo alimentar na cidade com a produção e dis-tribuição de alimentos. Por um novo paradigma de sustentabilidade da vida humana Utilizar o conceito de divisão sexual do trabalho e o princípio da soberania alimentar para abordar as práticas das mulheres como produtoras e consumidoras de alimentos permite: Ter uma visão integrada da produção, reprodução e consumo e entender as práticas das mulheres, marcadas pela divisão sexual do trabalho, que faz com que garantam o cuidado e sustentação da vida humana às custas de uma grande sobrecarga de trabalho. As-sumir essa destinação naturalizada, ao não ser encarada como uma questão política e econômica, deixa o caminho aberto para que as respostas às tensões vividas pelas mulheres apareçam a partir do mercado e do consumo alienado. A transformação deste processo exige a construção de outro paradigma de sustentabilidade da vida humana, no qual o cuidado da vida seja colocado no centro da organização econômica e social, e seja estabelecido o equilíbrio entre produção e reprodução como responsabilidade de todos (as). Exige, portanto, redefinir os tempos de trabalho produtivo e reprodutivo, a importância da co-responsa-bilização dos homens pelo trabalho doméstico e de cuidados, a es-truturação e aumento de serviços sociais, mas também a constru-ção de alternativas solidárias e coletivas. O reconhecimento do papel histórico das mulheres na produção de alimentos e no descobrimento, hibridação, seleção e preservação das sementes, na construção de um amplo conhecimento acumula-do durante milênios, que garantiu a biodiversidade. Disso decorre a compreensão de que o quintal, na realidade brasileira, cumpre um papel importante para uma produção diversificada, que é funda-mental para a garantia de soberania alimentar. Essas práticas têm também um papel importante na resistência à agricultura de merca-do e sua tentativa de homogeneizar a produção no campo. O reconhecimento de que a família não é uma unidade homo-gênea e está perpassada por conflitos e interesses de gênero, mar-cados por uma relação de poder desigual entre homens e mulhe-res. Daí a importância das mulheres serem consideradas como sujeitos individuais e com direito à autonomia econômica e política. O que abre questões como a demanda pelo acesso à renda, como o direito à documentação e o questionamento do homem como re-presentante da família. A compreensão da importância da produção para o auto-con-sumo, combinada com acesso à renda, colocou para as mulheres a questão do seu direito de participar em todas as decisões e mo-mentos da produção e comercialização. Esta postura levanta tam-bém a necessidade de acesso ao crédito. A reorganização da produção, reprodução e consumo em uma perspectiva de construção da igualdade entre homens e mulheres é, portanto, central para um novo paradigma de sustentabilidade da vida humana. *Nalu Faria é Psicóloga, coordenadora da SOF Sempreviva Organização Feminista. Bibliografia Faria, N. Economia Feminista e agenda das mulheres no meio rural. In: Butto, A (Org). Estatísticas Rurais e a Economia Feminista. Brasilia. MDA. 2009. Marcha Mundial das Mulheres. Desafios para a Soberania Alimentar desde as mu-lheres. São Paulo. Marcha Mundial das Mulheres. 2008
  • 16. 16 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta A história do Brasil é marcada por um modelo de de-senvolvimento conservador, excludente e concentra-dor da terra e da renda, resultando em graves proble-mas sociais, econômicos e ambientais para o país. Para contrapor a esse modelo o Movimento Sindical dos Tra-balhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR - concebeu o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PADRSS, que tem na essência a demanda por uma ampla e massiva reforma agrária com valorização e o fortaleci-mento da agricultura familiar. O desenvolvimento rural sustentável e solidário se efetiva so-mente se construído com a participação dos trabalhadores e tra-balhadoras rurais, para o que é essencial a democratização do acesso a terra, a políticas públicas com igualdade de oportunida-des e exercício pleno da cidadania – acesso à saúde, educação, lazer, cultura, habitação, segurança, etc. (10º CNTTR, 2009). Nesse sentido, a CONTAG tem lutado pela implantação de uma Política de Desenvolvimento do Brasil Rural - PDBR, apoiando fortemente a proposta aprovada pelo Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário - CONDRAF1. E, conforme preconiza o PADRSS, esta política deve abrigar os re-ferenciais da agroecologia nos processos de produção agrope-cuária, com foco nas potencialidades econômicas locais e na capacidade de mão-de-obra das populações do campo e da flo-resta, garantindo sustentabilidade na produção e na renda. Da mesma forma, promove processos organizativos da agricultura familiar por meio do SISCOP2, que se propõe a organizar a agri-cultura familiar nas cadeias de produção, comercialização e Políticas públicas de abastecimento alimentar por paulo oliveira poleze*
  • 17. 17 OXFAM acesso aos mercados, garantia da assistência técnica e crédito rural, por meio do cooperativismo. Na contramão da crise internacional – o ano de 2012 se apre-senta à beira de uma recessão das economias avançadas endivida-das, em função do socorro ao setor privado na crise de 2008 – o Brasil segue num importante processo de ascensão econômica, política e social, condição que o coloca como referência nos seto-res agropecuário e energético, especialmente. O MSTTR cumpre o papel de avaliar e propor saídas concretas para os históricos problemas socioeconômicos herdados pelo Bra-sil aproveitando da oportunidade e da conjuntura socioeconômica nacional para avançar mais rapidamente na construção e imple-mentação de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável garantindo vida plena às populações do campo e cidades com se-gurança e soberania alimentar. O potencial da agricultura familiar sua relação com soberania e segurança alimentar. Com a instituição da Lei 11.326/06 se consagrou por definitivo o conceito de “Agricultura Familiar”. Antes esse público era identi-ficado por meio de expressões de pouco ou insignificante peso sócio-político, como pequenos produtores, produtores familiares, produtores de baixa renda ou agricultores de subsistência. Segundo dados do Censo Agropecuário 2006 a agricultura familiar representava 84,4% dos estabelecimentos agropecuá-rios, com uma área de 80,25 milhões de hectares (24,3% da área total); ocupava 12,3 milhões de pessoas acima de 14 anos no campo (74,4% do total), sendo em média 5,0 pessoas ocu-padas a cada 100 ha de área, contra 1,7 dos estabelecimentos agropecuários não familiares, o que mostra uma eficiência maior; e, mesmo com 1/3 (um terço) da área total dos estabele-cimentos agropecuários, ela foi responsável por 38% do valor total da produção. Esses dados reafirmam a estratégia da CONTAG de lutar por uma ampla e massiva reforma agrária como forma de expan-dir e consolidar o modo de produção da agricultura familiar para enfrentar os desafios das próximas décadas em que a produção de alimentos precisará crescer em 50% para atender a uma po-pulação de 9,0 bilhões de pessoas no ano de 2050, conforme estima a FAO (2009). A agricultura familiar é estratégica para garantir a segurança alimentar das populações rurais e urbanas com produção de qua-lidade e em quantidade em todos os Municípios, Estados e Regi-ões do Brasil, com possibilidades de atendimento a outros povos. Ao longo dos últimos 17 anos, já fizemos uma grande caminhada onde pautamos e conquistamos por meio dos Gritos da Terra Brasil3, um significativo número de políticas públicas e programas, a exemplo do Pronaf Crédito (Custeios e Investimentos), Proagro Mais, Progra-ma Garantia-Safra, Seguro da Agricultura Familiar – SEAF, Progra-ma de Garantia de Preços na Agricultura Familiar – PGPAF, Progra-ma de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa de Alimentação Escolar – PNAE, Programa de Habitação Rural – PNHR, Serviço de Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA, dentre outros. Para garantir a implementação dessas políticas públicas e pro-gramas necessita-se uma consistente articulação dos atores so-ciais e políticos, especialmente por parte dos Gestores Municipais e Estaduais, bem como a garantia da participação das organiza-ções da sociedade civil para efetivo controle social. Nesse sentido, a CONTAG orienta suas Federações e Sindicatos para ocupar qua-litativamente os espaços de representação legalmente constituídos (Conselhos, Fóruns, Câmaras Temáticas etc.) garantindo atendi-mento às demandas dos trabalhadores/as rurais, especialmente, na implementação do Pronaf Crédito, PNAE, PNHR e PAA. Grandes desafios à agricultura familiar para garantia da segurança alimentar A agricultura familiar precisa integrar sistemas de produção e comercialização articulados a redes de consumo e permuta da pro-dução por meio de contratos de curto, médio e longo prazo, garan-tindo a participação direta das partes nas tomadas de decisão so-bre a logística de beneficiamento, armazenamento e distribuição da produção, bem como a formação dos preços. Portanto, é preciso organizar a agricultura familiar preparando-a para disputar chama-das públicas e conquistar espaços para colocar sua produção no mercado institucional. Por outro lado, a agricultura familiar precisa ser vista como profissão que garanta segurança, renda e qualidade de vida. As-sim, é necessário consolidar as políticas públicas e programas existentes para facilitação de acesso aos recursos de investi-mentos em infraestrutura, capacitação em gestão e organização da produção e acesso aos mercados, além de superar as defici-ências de logística, registro/certificação da produção e, em es-pecial, de assistência técnica. Contudo, negociar preços remuneradores à produção é o desa-fio maior. Como negociar preços remuneradores em longo prazo garantindo qualidade e estabilidade nos contratos? 1 A Política de Desenvolvimento do Brasil Rural – PDBR foi proposta pelo Conse-lho de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – CONDRAF e –compre-ende o espaço rural como o conjunto diversificado dos espaços ambientais, so-cioculturais, econômicos e político-institucionais do território nacional, onde predominam processos de organização da sociedade fundados nas atividades agrícolas (...) e não agrícolas e nas atividades urbanas que mantêm fortes rela-ções de dependência e interação com a dinamização da vida social nesses espa-ços rurais (CONDRAF, 2009) 2 O SISCOP é a estratégia de atuação do MSTTR para articular, mobilização e apoiar ações de fortalecimento e consolidação da União Nacional das Coopera-tivas da Agricultura Familiar e Economia Solidária – Unicafes. 3 Ação de mobilização nacional anual de lideranças do MSTTR para proposição, avaliação, reivindicação e negociação de políticas públicas para o desenvolvimen-to rural sustentável e solidário, desde o ano de 1996. *Paulo Oliveira Poleze é Assessor da CONTAG.
  • 18. 18 CRESÇA. Comida. Justiça. Planeta Agronegócio: vocação ou profecia autorrealizada? por Sergio Schlesinger* A chamada vocação agrícola do Brasil é geralmente acom-panhada de adjetivos como inequívoca, inquestionável, algo tão indiscutível quanto um dogma religioso. A palavra vocação, de fato (do latim vocatio), tem origem religiosa. É o chamamento divino ao cumprimento irresistível de uma missão. “Quem é chamado deve seguir incondicionalmente”, diz a Bíblia. Durante milênios, a agricultura assegurou praticamente sozinha a sobrevivência da humanidade. Nessa perspectiva histórica, o co-mércio, outros serviços e a indústria são atividades recentes. São elas que garantem nos dias atuais a maior parcela de renda dos pa-íses desenvolvidos. No Japão, a agricultura responde hoje por ape-nas cerca de 1% do PIB. Mais recentemente, no caso da China, seu governo (comunista e ateu, por sinal) decidiu romper com a voca-ção agrícola do país, que vai se tornando o maior importador mun-dial de alimentos e grande exportador de produtos com alto conte-údo tecnológico. Não faz muito tempo, a agropecuária brasileira foi rebatizada: passou a chamar-se agronegócio, unida para sempre à indústria e outras atividades vinculadas ao setor. Pediu perdão pelas dívi-das e pelas multas resultantes do desmatamento. Trata agora de atirar à fogueira o Código Florestal e outros obstáculos ao cum-primento de nossa vocação maior: desbravar a natureza para ser o celeiro do mundo. Dizem seus defensores que o agronegócio brasileiro, ao contrá-rio do que se dá nos países desenvolvidos, não recebe subsídios do governo. Que basta que este reduza o custo Brasil, os impostos so-bre suas atividades e que cumpra outras obrigações como a me-lhoria da infraestrutura e logística para o setor. Mas se considera-mos que subsídio é toda forma de apoio à atividade econômica, financeira ou não, direta ou indireta, ou ainda de ordem legal, vemos que a realidade não é essa. Eis aqui alguns dos instrumentos que o governo vem utilizando para fortalecer o agronegócio. A entrada das multinacionais do agronegócio é estimulada a partir do final dos anos 1980, com a chamada abertura comer-cial e financeira. Esta última estabeleceu gradualmente a livre circulação de capitais, permitindo que fossem remetidos ao ex-terior sem comprovação de que houvessem ingressado anterior-mente, liberando as remessas de lucros, royalties e assistência técnica entre filiais e matriz no exterior. Agrotóxicos e equipa-mentos agrícolas tiveram suas tarifas de importação reduzidas. A exportação de matérias-primas foi isenta de impostos, esti-mulando a exportação da soja em grãos, especialmente. Em 1997, a Lei de Proteção de Cultivares viabilizou a comercializa-ção de sementes transgênicas. Os juros do crédito rural são subsidiados pelo Tesouro: em 2006, a média da taxa Selic, referência para os juros pagos ao mer-cado pelo governo, foi superior a 15%, enquanto os médios e gran-des produtores rurais eram financiados a 6,75% ao ano. O último Censo Agropecuário, referente a 2006, aponta que a agricultura familiar é responsável por 84,4% dos postos de trabalho gerados pela agropecuária e 38% do valor total da produção. Na safra 2005/06, ela recebeu apenas 13,7% dos financiamentos públicos destinados ao setor. A renegociação das dívidas resultantes destes financiamentos tornou-se outra fonte de subsídios, sobretudo para a agricultura em-presarial. A partir de 1995, elas foram sucessivamente renegociadas e reduzidas. Somente entre 2002 e 2005, o governo abriu mão de R$ 9 bilhões. As dívidas renegociadas em 1995, 1999 e 2002, rola-das em 25 anos com juros de 3% ao ano (enquanto a taxa Selic os-cilava entre 15 e 20%), só em contratos acima de R$ 100.000 so-
  • 19. 19 OXFAM mavam um valor global de R$ 26 bilhões. Cálculos informais indicam que seus beneficiários não são mais que vinte mil grandes proprietários. Feitas as contas, isto representa uma transferência a cada um deles de R$ 15 mil mensais. O BNDES é o braço financeiro do governo federal, principal executor da política de desenvolvimento econômico. Sua carteira de financiamentos, muito superior à de qualquer outra instituição financeira do país (R$ 140 bilhões em 2011), revela as prioridades setoriais do governo. Seus empréstimos são também concedidos a juros subsidiados pelo Tesouro. A referência é a TJLP, que geral-mente corresponde a cerca da metade da Selic. O banco financia desde o plantio até os equipamentos agrícolas. Usinas de cana-de- -açúcar, frigoríficos e a indústria de papel e celulose são os seg-mentos do agronegócio que vêm recebendo os maiores financia-mentos. Fibria, JBS e Marfrig estão entre as dez empresas privadas que mais receberam recursos do BNDES. Nas três empresas, o BNDES tem também participação acionária. Muitas das empresas que protagonizaram fusões recentemen-te tinham o BNDES como sócio. É o caso da Sadia-Perdigão, que formaram a BR Foods, e da Votorantim Celulose e Aracruz, que se uniram na Fibria. Nesta última, o banco detém 30% do capital. A promoção de fusões e aquisições visa ampliar a consolidação des-tes setores e também estimular a internacionalização da atuação de empresas brasileiras, como a JBS, da qual o BNDES é também acionista. Estas mesmas prioridades estão presentes no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007 pelo Governo Federal. Nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, sobretudo, o objetivo é o apoio à grande produção agropecuária, como no caso do asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém e o escoamento da soja. No caso da cana-de-açúcar, além do investimento em novas usinas, o PAC prevê também investimentos de R$ 4,1 bilhões em obras destinadas ao transporte do etanol, concentradas na cons-trução de dois alcooldutos. É mais longa a lista das benesses do Estado ao agronegócio. A Embrapa, por exemplo, através de convênios com a Syngenta e a Monsanto, desenvolve variedades de soja transgênica adapta-das às diversas condições climáticas do território brasileiro, como no caso da soja. Mas fiquemos por aqui. A soja nos dá uma ideia clara sobre quem, afinal paga esta longa e pesada conta. Enquan-to a exportação de seus grãos é isenta de impostos, o preço do óleo de soja comestível, componente da cesta básica do consu-midor brasileiro, tem embutido, no mercado interno, uma carga tri-butária de 37,18%. Tudo isso, na visão das lideranças do agronegócio brasileiro, está longe de ser suficiente. Segundo a senadora Kátia Abreu, também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, “Estamos no momento de decidir se vamos ganhar dinheiro com a produção agrícola ou se vamos ser apenas uma grande re-serva legal de florestas do mundo”. Em outras palavras, a visão do agronegócio é a de que é preciso mudar o Código Florestal para remover os obstáculos (as florestas e seus habitantes, no caso) que impedem o Brasil de conquistar a liderança mundial na produ-ção de alimentos. E é assim que cresce, continuamente, o preço que pagamos por nossa suposta vocação agrícola. E que há de se autorrealizar a profecia de que seremos em breve o celeiro do mundo. *Sergio Schlesinger, economista, consultor da FASE na área sócio-ambiental. Coordenação editorial: Silvio Caccia Bava Reportagem e edição: Luís Brasilino Edição de arte: Órbita Design Ilustrações: Daniel Kondo
  • 20. tá com fome de mudança? Curta facebook.com/CampanhaCresca e abra a boca para acabar com a fome.