[1] O documento apresenta projeções e cenários para a produção e comércio global de carne bovina até 2021. [2] É projetado um crescimento da produção mundial de carne bovina de 1,77% ao ano até 2021, com a Índia se tornando o quinto maior produtor. [3] O Brasil deve continuar entre os três maiores produtores e exportadores mundiais, com crescimento projetado acima de 10% até 2021.
1. Projeções e Cenários para a Carne Bovina a 2021
Osler Desouzart
osler@odconsulting.com.br
A celebração de mais uma edição da FEINCO merece que prestemos nossa homenagem ao
setor de bovinocultura de corte brasileiro. A forma será traduzir algumas tendências que
se verificam até 2021 para a carne bovina a nível mundial e identificar o que as estatísticas
indicam para os principais países produtores. Sendo o Brasil um dos principais
exportadores mundiais, estenderemos essas tendências ao comércio internacional de
carnes bovinas.
Comecemos com uma indicação positiva, a de que a produção de carne bovina deverá
crescer entre 2012 e 2021 a uma taxa média anual de 1,77%, uma aceleração do nível de
crescimento se considerarmos que nos dez anos precedentes, 2002 a 2011, esse
crescimento médio anual foi de 1,18%. Isso levará a produção mundial de carne bovina a
76.503.190 t em 2021, um crescimento de 10.872.196 t sobre o volume produzido na
média do triênio 2009-2011 que foi de 65.630.994 t.
O Gráfico I apresenta o Balanço Mundial da Carne Bovina a 2021.
Gráfico I
1
1
Elaborado por ODConsulting a partir de dados data extraídos em 22 May 2013 16:01 UTC (GMT) da
OECD.Stat. Beef & Veal 2021 Projections
3. As tabelas que se seguem traduzem as projeções feitas pelo USDA-ERS4
, OECD-FAO5
e nos
casos do Brasil e da União Europeia são complementados pelas executadas
respectivamente pelo MAPA6
e pela Comissão Europeia7
. Os períodos abrangidos serão
de 2011 a 2021, respeitadas as estatísticas das publicações listadas nas notas de rodapé
de 4 a 7, mesmo quando disponíveis números mais recentes publicados ulteriormente às
referidas publicações.
Cobriremos a evolução anual de países selecionados do Gráfico III. Há sempre diferenças
entre os números projetados e mesmo no nível de crescimento apontado pelos diferentes
estudos. Em alguns casos, essas diferenças são significativas e merecerão comentários.
Iniciaremos pelos Estados Unidos, país farto em estudos e dados. Notem que as diferenças
entre os números do USDA e da OECD-FAO não impedem que percebamos em ambos os
estudos uma indicação da retomada da produção norte-americana a partir de 2016 graças
à reposição de seus rebanhos.
3
Idem #3
4
USDA Agricultural Projections to 2022. Office of the Chief Economist, World Agricultural Outlook Board,
U.S. Department of Agriculture. Prepared by the Interagency Agricultural Projections Committee. Long-
term Projections Report OCE-2013-1 - Meats Poultry, Pork and Beef 2011-2022 US and other countries
5
OECD/FAO (2012), OECD-FAO Agricultural Outlook 2012-2021, OECD Publishing and FAO.
http://dx.doi.org/10.1787/agr_outlook-2012-en
6
BRASIL PROJEÇÕES DO AGRONEGÓCIO 2011/2012 a 2021/2022 Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento - Assessoria de Gestão Estratégica
7
Prospects for Agricultural Markets and Income in the EU 2012-2020. European Commission,
Directorate-General for Agriculture and Rural Development and in the Joint Research Centre – Institute for
Perspective Technological Studies (JRC-IPTS
4. Tabela I
Nosso Brasil é o segundo, onde todas as projeções apontam crescimento de dois dígitos
para o período. Seguiremos entre os três maiores produtores, exportadores e, sobretudo,
consumidores de carnes bovinas.
Tabela II
Para a UE-27, os três estudos convergem em indicar uma redução da produção e as razões
centram-se no baixo dinamismo de sua demanda. Essa situação poderá inclusive ser
5. discretamente acentuada pelos impactos da crise econômica que moderará a demanda pelas
carnes mais caras e promoverá uma migração do consumo dos menos afluentes e dos mais
afetados pelas medidas econômicas para alternativas mais acessíveis. A terceira força produtora
mundial manterá uma postura conservadora e de autossuficiência, com 98% de seu consumo
atendido por produção própria.
Tabela III
8
Naturalmente nenhum estudo sobre carnes é completo se ignorar o Planeta China, onde
crescimentos de dois dígitos parece ser a regra geral. Com a carência de recursos naturais do país
e a expansão de seu consumo de todas as proteínas animais, acreditamos que todos os estudos
existentes que indicam à China autossuficiência em termos de carnes bovinas correm um
elevadíssimo risco de serem contraditos pela realidade do mercado.
8
Fonte para os dados EEuropa.eu: Prospects for Agricultural Markets and Income in the EU 2012-2020
http://ec.europa.eu/agriculture/publi/caprep/prospects2012/fullrep_en.pdf
6. Tabela IV
O quinto maior produtor em 2021 será a Índia que ocupará a posição atualmente detida pela
Argentina. Há diferenças muito significativas entre os números de produção da Índia em 2011 do
USDA e da OECD-FAO e consequentemente as projeções, calculadas a partir de dados do passado,
traduzem essa disparidade. Seria então de indagar quem está com a razão e quais os números
mais reais, os do USDA ou da OECD-FAO. Não há infelizmente uma fonte de informação alternativa
que nos permita responder a essa pergunta.
Várias referências da imprensa indiana apresentam dados de que a produção de abatedouros
registrados galgou de 557.000 t em 2008 para 805.000 t em 20119
.
O Relatório Anual 2011-2012 do Ministério de Agricultura da Índia menciona uma produção de
“carnes”, sem detalhamento por espécies e que coloca a produção indiana de “carnes” em 2010-
11 em 4,1 milhões de toneladas. No Anexo V, pg 87, figuram os esclarecimentos que dita
quantidade provem “do setor reconhecido” e que a partir “2007-08 a produção de carnes de
granjas comerciais de aves” estão incluídas. Como o último Censo Agropecuário da Índia data de
2007, como perto de 95% do comércio de frangos se realiza sob a forma de aves vivas, é lícito
concluir que os dados do relatório (cf. Gráfico IV) sejam estimativas.
Na ausência de um dado oficial fica difícil determinar quais dos números dos dois organismos
internacionais estejam corretos. Poderíamos contribuir para essa confusão de números com os
dados da FAOSTAT que revela que em 2011 a produção da Índia de carnes bovinas e bubalinas foi
de 2.589.320 t, sendo 1.502.820 t de carne de búfalo e 1.086.500 t de carne bovina.
9
http://www.ibtimes.com/wheres-beef-india-believe-it-or-not-1258469 +
http://articles.timesofindia.indiatimes.com/2013-04-01/india/38188217_1_buffalo-meat-tonnes-transport-
and-slaughter
7. Tabela V
Gráfico IV
10
Acreditamos que a Índia para dar continuidade ao seu espetacular crescimento de exportações de
carnes de gado deverá dotar as partes interessadas – produtores, exportadores, importadores,
autoridades dos diferentes países envolvidas no processo, operadores de logística, etc – de uma
base de dados adequada a seu crescimento.
10
India Meats Production according to Annual Report, Ministry of Agriculture
8. É, entretanto, inegável que a Índia rompeu com a hegemonia exercida por largo tempo pelo
triunvirato da exportação da carne bovina mundial, Austrália, Brasil e Estados Unidos.
Com os dois próximos países, Argentina e Austrália, encerraríamos esse maior detalhamento dos
dados sob pena de tornar este artigo pesado e maçante. Tanto USDA e OECD-FAO partilham de
uma visão otimística sobre a produção argentina de carne bovina, cujo crescimento é estimado em
2,06% anuais na próxima década, contra 1,06% da Austrália, ainda que na década precedente
ambos os países tenham experimentado um crescimento médio anual de 0,23% e 0,25%
respectivamente
Tabela VI Tabela VII
As importações mundiais devem crescer em 1.816.66211
toneladas, passando em 2021 a
10.026.294 t, um crescimento a uma taxa média anual de 2,1% ao ano na década 2012-
2021, contra uma expansão média anual de 2,36% na década anterior.
As modificações mais significativas entre os gráficos V e VII que representam
respectivamente os principais países importadores em 2009-11 e em 2021 está na perda
da posição relativa da União Europeia-27 e o avanço da Turquia e da África do Sul ao rol
dos principais importadores.
Gráfico V
11
Beef & Veal 2021 Projections
10. Os volumes de exportação seguirão os de importação, mas a grande expectativa reside na
liderança da Índia em termos de volumes exportados, isso na visão das projeções do
USDA-ERS. Não há nessa previsão unanimidade, mas inegavelmente teremos na Índia um
fornecedor de peso de carne bovina e de búfalo.
A Tabela VIII lista os principais exportadores até 2021 na visão do Economic Research
Service do USDA.
Tabela VIII – Principais Exportadores de Carnes de Gado – Bovina e Bubalina
14
Ao realizar a seleção de dados para confeccionar essa tabela chamou-me a atenção que
países como México, Paraguai e Uruguai se aproximavam dos totais exportados pela
Argentina, país que no passado deteve mais de 10% do mercado internacional de carnes
bovinas e cujos produtos eram quase que sinônimo de carne bovina de qualidade, com
restaurantes fazendo questão de indicar em seus cardápios que se tratava de “carne
argentina”. Que não se ofendam meus amigos mexicanos, paraguaios e uruguaios por
listá-los, mas a intenção é só destacar que não tinham a tradição e a posição da Argentina
no mercado internacional de carne bovina, e aos vossos países adiria o Brasil, cujas
exportações de carnes bovinas só se tornam explosivas a partir dos anos 90.
Essa expressiva participação de mercado da Argentina em período que se estende a
meados dos anos 80 começa de então a se deteriorar até alcançar uma posição de 3% do
mercado nos últimos dois anos. Os prognósticos da OECD-FAO é de que a Argentina
melhore essa participação no período de 2021 a 2021 (em azul transparente no Gráfico
VII), quando a fatia de mercado do país ascenderia a mais de 5%.
14
Fonte: International Data Baseline, USDA/ERS Meats Poultry, Pork and Beef 2011-2022 US and other
countries
11. Não farei paralelos com as exportações de carne bovina na EU que em meados dos anos
80 era a potência exportadora dominante, posição que deteve até meados dos anos 2000
e que desde então despencou. A União Europeia não exportava carne, exportava
subsídios, enquanto que a Argentina exportava carne de qualidade. A perda de posição
argentina deve servir a todos nós de lição, um “sic transit gloria mundi”, o quão efêmero
pode ser o a glória, o êxito.
Gráfico VII
15
Não tenho o objetivo de fazer essa análise, até porque seria desrespeitosa com
pesquisadores e estudiosos daquele país. Uso o exemplo para indicar que como classe
devemos sempre estar profundamente atentos:
I. aos câmbios de hábitos e de tendências dos países consumidores;
II. ao posicionamento de nossos concorrentes;
III. ao monitoramento de nosso SWOT;
IV. aos intervencionismos estatais;
V. ao tribalismo que leva a que muitos desprezem a defesa da cadeia para focarem
no elo que representam na cadeia;
VI. ao processo de melhorias constantes;
VII. à adaptação às mudanças dos mercados;
15
Beef & Veal 2021 Projections
12. VIII. biossegurança, biossegurança, biossegurança.
Tudo que tenhamos feito de certo em nossas empresas nos trouxe até o dia de hoje, não
nos garante o amanhã. Todas as glórias que conquistamos e que foram trombeteadas em
prêmios, loas, encômios e louvações - algumas até sinceras - são transitórias. Hoje o Brasil
figura entre os três principais líderes do mercado internacional de carne bovina, mas o
preço de garantirmos que o passado de conquistas se prolongue ao máximo no futuro
está numa atenção permanente a fatores como os exemplificados acima, na formação de
uma consciência de busca permanente de aprimoramento e da dotação de meios de
defesa do setor bovino, defesa esta conduzida por entidades de classe neutras e
profissionalmente administradas, da qual a ABIEC é um ótimo exemplo. E dotação de
meios significa estar pronto a investir na defesa da cadeia quando sempre ficamos mais
confortáveis em investir no elo que nos representamos.
O consumo da carne bovina apresentará uma tendência de crescimento na próxima
década, o que fica perceptível ao examinarmos o Gráfico VIII, onde é nítida a reversão da
tendência à queda paulatina do consumo per capita para voltar a crescer a partir de 2013.
Gráfico VIII
16
16
Elaborado por ODConsulting a partir de dados da OECD.Stat. Mundo Carnes
13. No Gráfico IX há a quantificação desse consumo total e uma constatação muito interessante. Ao
contrário das demais carnes, principalmente a de aves, o ritmo de crescimento do consumo da
carne bovina nos Países Desenvolvidos ganha um novo alento. Verifiquem na Tabela IX que de
2011 a 2021 o consumo de carnes bovina nesta categoria de países se expandirá em 9,1%, contra
uma queda experimentada na década anterior. Naturalmente, os Países em Desenvolvimento
seguirão sendo o grande vetor de consumo, mas este prognóstico de reversão da queda do
consumo nos Países Desenvolvidos é um divisor de águas, mormente se considerarmos a carga de
publicidade negativa que a carne bovina recebe nessa categoria de países, alcançando seu auge na
década de 90 quando éramos quase visto como criminosos, genocidas, ecocidas, promotores de
doenças cardiovasculares, etc.
Tabela IX
Gráfico IX
17
Os Gráficos X e XI identificam os principais países consumidores de carne bovina nos anos 2009-11
e em 2021, ainda que as projeções para a China me pareçam extremamente modestas.
Gráfico X
17
Idem #16. Beef & Veal 2021 Projections
15. Acreditamos que o fator preço sempre tem sua importância fundamental, mormente entre os
consumidores que representam o “bottom billion20
”, que representaria o bilhão de pessoas na
população mundial de 7 bilhões que vivem em miséria bíblica e sujeitos à subnutrição. O “bottom
billion” vive em países onde a renda per capita é inferior a US& 7/ dia.
Entretanto, há no mundo um “top billion”, um bilhão de pessoas cujos ingressos lhes permitem
acesso a todos os tipos de alimentos.
O consumo de alimentos está diretamente ligado aos ingressos. Na medida em que a renda sobe a
dieta humana migra de produtos de origem vegetal para os produtos de origem animal,
principalmente carnes. Escrevi inúmeras vezes sobre esse tema que há muito evoluiu de tese para
fato a partir da demonstração estatística.
Há aqueles que comem o que querem e que são muito mais influenciados por conceitos e
modismos do que pelo preço dos alimentos, mas seria estulto negar que preço tem zero influência
sobre o consumo. Nesses países onde conceitos são determinantes e ativismo é uma forma de
vida a renda per capita é sempre superior a US$ 75/ dia.
Nos próximos dez anos os preços agrícolas em geral e das carnes devem ficar em patamares mais
elevados que na década anterior, sendo previstos preços particularmente elevados para produtos
pecuários.
Os preços de componentes de rações não devem crescer tanto quanto os das carnes e isso
dará a base para o crescimento de rebanhos, aumento da produção de carnes e lácteos
até 2021. Atualmente, todos os prognósticos indicam que o rebanho bovino de alguns dos
grandes produtores mundiais estará reposto a partir de 2016.
O Gráfico XII permitirá visualizar essa ascensão dos preços das carnes, mas o que chama
particularmente a atenção é que a partir de 2010 os preços das carnes bovinas acentuam
seu distanciamento em relação às carnes suínas e de aves.
20
A expressão “bottom billion” surge no livro The Bottom Billion: Why the Poorest Countries are Failing and
What Can Be Done About It, do Professor Paul Collier, da Universidade de Oxford..
17. Temos recursos naturais limitados – água e terra arável – e esses recursos serão cada vez mais
utilizados para produzir alimentos, matérias-primas para rações e energia. Produção de bovinos a
pastos torna-se a cada dia, pois as terras escassas cada dia assistem ao avanço dos grãos e, no
caso brasileiro, da cana-de-açúcar.
Mesmo no caso de gado confinado, usa-se de 5,5/6,5 kg de grãos e ± 12kg de volumoso para a
produção de um quilo de carne, enquanto que para a principal de carne de aves, o frango, a
conversão média atual é de 1,7 kg de ração para 1 kg de peso vivo, sendo já existentes vários
exemplos de produção a nível comercial onde essa conversão média é de 1,4 kg, quantidade que
vários estudiosos, entre os quais nos incluímos, indicam que será a regra e não a exceção em 2021.
Além disso, é hoje possível produzir um frango comercial de 2,2kg em ≤40 dias, prazo que
continuará a sofre redução graças a melhoras que nos aportam ciência e tecnologia.
Longe de ser uma ameaça à carne bovina que seguirá tendo seu segmento em expansão tanto em
produção quanto em demanda, há aqui um desafio a que o setor se submeta a uma reinvenção
representada pelo aporte constante de ciência e tecnologia à bovinocultura, assegurando assim
um processo de melhorias constantes.
Em conferência em Acreúna perguntei ao público de produtores de gado qual notícia que
preferiam ouvir primeiro, uma boa ou uma má. Surpreendentemente optaram por ouvir primeiro
a má notícia e essa era a de que mui possivelmente somente 20% dos presentes seguiriam na
atividade nos próximos 20 anos. E alguém então perguntou se havia então alguma boa notícia
depois de uma péssima notícia como a que eu havia enunciado. E respondi que sem dúvida havia
18. uma ótima notícia: a bovinocultura de carne continuaria a crescer e o Brasil seguiria sendo um dos
principais produtores mundiais. Não mudaria o “que”. Mudaria o “quem”.
A tendência é que a atividade se torne progressivamente concentrada naqueles que se
reinventarem, que buscarem melhorias constantes e que forem capazes de se ajustar mais
rapidamente que seus colegas de atividade às constantes mudanças do mercado.
Há futuro para aqueles que se prepararem para o futuro antecipando-o. Como se diz na minha
terra, “quem chega no rio primeiro bebe água mais limpa”.