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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
NELSON A. M. LEMOS
TAXA DE DISPAROTAXA DE DISPAROTAXA DE DISPAROTAXA DE DISPARO EEEE ATIVAÇÃOATIVAÇÃOATIVAÇÃOATIVAÇÃO DE ASSEMBLÉIASDE ASSEMBLÉIASDE ASSEMBLÉIASDE ASSEMBLÉIAS NO HIPOCAMPO DENO HIPOCAMPO DENO HIPOCAMPO DENO HIPOCAMPO DE
RATOSRATOSRATOSRATOS DURANTE O PROCESSAMENTO DE UMADURANTE O PROCESSAMENTO DE UMADURANTE O PROCESSAMENTO DE UMADURANTE O PROCESSAMENTO DE UMA
MEMÓRIA AVERSIVAMEMÓRIA AVERSIVAMEMÓRIA AVERSIVAMEMÓRIA AVERSIVA
NATAL – RN
2012
NELSON A. M. LEMOS
TAXA DE DISPARO E ATIVAÇÃO DE ASSEMBLÉIAS NO HIPOCAMPO DE
RATOS DURANTE O PROCESSAMENTO DE UMA
MEMÓRIA AVERSIVA
NATAL – RN
2012
Trabalho de defesa de doutorado
em Psicobiologia apresentado à U-
niversidade Federal do Rio Grande
do Norte.
Orientador: Dr. Sidarta Tollendal
Gomes Ribeiro
Co-orientadora: Dra. Regina Helena
Silva
II
Dedicado à amizade, sem a qual tudo se torna insuportável e, muitas
vezes, intransponível.
A força nasce no profundo silêncio dos corações bastante sofridos; não em
meio à alegria.
ARTHUR HELPS
III
AGRADECIMENTOS
Foi uma longa jornada. Em verdade, mais longa do que eu gostaria e
bastante ardilosa. Porém, tive a sorte de encontrar algumas pessoas
que aliviaram as dores ao percorrer esse vale sombrio.
Mamãe, como sempre, pela dedicação, amor e paciência para com esse
vosso filho, tem meu amor e minha gratidão.
Aos amigos:
Tárik, pela amizade longa que a distancia não separa e pela fé de
que eu poderia terminar isso, quando nem mesmo eu mais acreditava.
André, o que dizer? Acho que aqui cabe bem citar o credo de
Quirion: “Lute com um amigo em suas costas, aço em suas mãos e ma-
gia em suas veias”. Obrigado por ser esse amigo.
Daniel, que surpresa agradável conhecê-lo nessa reta final. Não
apenas deu uma ajuda de peso com as análises e discussões, mas acre-
dito que fiz amizade com uma pessoa extraordinária. Obrigado por tudo.
Ernesto, precisei importar ajuda do outro lado do Atlântico. O-
brigado irmão pelas nerdices e pelas horas a fio escrevendo código.
Luane, querida amiga. Foi um privilégio ter participado de sua
formação. Espero ter contribuído positivamente. Pode contar comigo
sempre que precisar. Muito obrigado por sua ajuda durante meu douto-
rado, saiba que ela foi essencial.
Marcão, você é o cara! No princípio, éramos nós. Valeu pela ami-
zade, pelo trabalho insano e pela força. “The show must go on!”
Ronaldo, obrigado pelo apoio e pela amizade esses anos todos.
Vitor, mandou bem nos comentários e nas discussões. Valeu pe-
la ajuda, foi de suma importância, pode ter certeza. Pra não mencionar
a ferramenta das assembleias...
IV
Aos mestres:
Adriano, você abriu as portas do Matlab. Agora dominarei o
mundo.
Alessandra, aprendi muito com suas críticas e comentários. O-
brigado pela sua confiança.
John, você foi como um pai aqui em Natal. Obrigado pelos ensi-
namentos e pelas cervejas, não necessariamente nessa ordem.
Aos orientadores:
Obrigado. Muito obrigado. Aprendi muito durante essa cami-
nhada com vocês. Talvez eu tenha demorado muito tempo para assimi-
lar lições que estavam bem a minha frente, mas em retrospecto, posso
afirmar hoje que finalmente eu as aprendi. Vocês me proporcionaram a
condição para descobrir e conquistar minha própria força.
Logicamente, muito mais pessoas passaram por minha vida que aqui eu
não estou explicitamente mencionando. Todos contribuíram, senão em
meu trabalho, na formação de meu caráter.
Obrigado a todos, sejam pelas alegrias ou pelas tristezas compartilha-
das e proporcionadas. Ambas foram muito importantes.
The way out is forward.
Onward to battle!
V
A coleta de dados experimentais da presente tese foi desenvolvida no
Laboratório de Neurobiologia Celular do Instituto Internacional de Neu-
rociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). A análise de dados
e a preparação do texto ocorreram no Instituto do Cérebro da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O trabalho utilizou recursos financiados pelo Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI), da Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP), do Programa Pew Latin American Fellowship in the Biomedical
Sciences e da Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa
(AASDAP).
VI
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURAS VIIIVIIIVIIIVIII
LISTA DE TABELASLISTA DE TABELASLISTA DE TABELASLISTA DE TABELAS IIIIIXIXIXIX
LISTA DE ABREVIALISTA DE ABREVIALISTA DE ABREVIALISTA DE ABREVIAÇÕESÇÕESÇÕESÇÕES XXXX
RESUMORESUMORESUMORESUMO XIXIXIXI
ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT XIIXIIXIIXII
1111 –––– INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO 1111
1.1 – MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 3
1.1.1 – MEMÓRIA E SEUS MECANISMOS 7
1.2 – HIPOCAMPO 11
1.2.1 – ESTRUTURA ANATÔMICA 12
1.2.2 – O HIPOCAMPO E A MEMÓRIA 15
1.3 – ASSEMBLÉIAS NEURONAIS 17
1.4 – O SONO 20
1.4.1 – SONO E MEMÓRIA 24
1.5 – ESQUIVA DISCRIMINATIVA 27
1.6 – REGISTRO ELETROFISIOLÓGICO 29
2222 –––– OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOS 31313131
2.1 – OBJETIVOS GERAIS 31
2.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS 31
VII
3333 –––– MATERIAIS E MÉTODOSMATERIAIS E MÉTODOSMATERIAIS E MÉTODOSMATERIAIS E MÉTODOS 32323232
3.1 – ANIMAIS 32
3.2 – ESQUIVA DISCRIMINATIVA 33
3.3 – REGISTRO DA ATIVIDADE NEURAL HIPOCAMPAL 34
3.3.1 – IMPLANTE DE MULTI-ELETRODOS E REGISTRO ELETROFISIOLÓGICO 34
3.3.2 – MATRIZES DE ELETRODOS 36
3.3.3 – IMPLANTE CIRÚRGICO DAS MATRIZES DE ELETRODO NO HIPOCAMPO 38
3.3.4 – AQUISIÇÃO COMPUTADORIZADA DE DADOS NEURAIS 40
3.3.5 – DISCRIMINAÇÃO DE UNIDADES NEURAIS EM TEMPO REAL 41
3.3.6 – PROTOCOLO EXPERIMENTAL 44
3.3.7 PERFUSÃO E PREPARAÇÃO DO TECIDO 46
3.4 – ANÁLISE DOS DADOS COMPORTAMENTAIS 47
3.5 – ANÁLISE DOS DADOS ELETROFISIOLÓGICOS 48
3.5.1 – DETECÇÃO DO ESTADO COMPORTAMENTAL. 48
3.5.2 – TAXAS DE DISPARO NEURAL 50
3.5.3 – DETECÇÃO E ATIVIDADE DE ASSEMBLEIAS NEURONAIS 51
4444 –––– RESULTADOSRESULTADOSRESULTADOSRESULTADOS 53535353
4.1 – RESULTADOS COMPORTAMENTAIS 53
4.2 – IMPLANTE DE ELETRODOS 56
4.3 – TAXAS DE DISPARO NEURONAL 57
4.4 – ANÁLISE DAS ASSEMBLEIAS NEURONAIS 61
5555 –––– DISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃO 67676767
6666 –––– REFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIAS 78787878
ANEXO I: PROTOCOLO PANEXO I: PROTOCOLO PANEXO I: PROTOCOLO PANEXO I: PROTOCOLO PARA IMPLANTE DE MATRARA IMPLANTE DE MATRARA IMPLANTE DE MATRARA IMPLANTE DE MATRIZ DE ELETRODOSIZ DE ELETRODOSIZ DE ELETRODOSIZ DE ELETRODOS 86868686
VIII
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 – Esquema da formação hipocampal. ___________________________________ 13
Figura 1.2 – Morfologia Hipocampal. _____________________________________________ 14
Figura 1.3 – Efeitos do hipocampo sobre a memória aversiva._________________________ 16
Figura 1.4 – Reativação de assembleias neuronais durante o sono. ____________________ 19
Figura 1.5 – Características dos estados comportamentais de vigília, não-REM e REM. ____ 21
Figura 1.6 – Principais Oscilações Hipocampais. ___________________________________ 22
Figura 1.7 – Efeito da privação de sono sobre a memória. ____________________________ 24
Figura 3.1 – Matriz de múltiplos eletrodos. ________________________________________ 37
Figura 3.2 – Implante cirúrgico de uma matriz de eletrodos.___________________________ 39
Figura 3.3 – Seleção de multi-unidades neurais.____________________________________ 43
Figura 3.4 – Desenho do experimento. ___________________________________________ 45
Figura 3.5 – Classificação de estado comportamental. _______________________________ 49
Figura 4.1– Tempo de exploração dos braços abertos e do braço aversivo_______________ 54
Figura 4.2 – Tempo de permanência total no braço aversivo.__________________________ 54
Figura 4.3 – Histologia de Nissl para confirmar a posição dos eletrodos._________________ 56
Figura 4.4 – Contagem de disparos neuronais antes e depois da exposição ao labirinto. ____ 57
Figura 4.5 – Alteração percentual da taxa média de disparo durante o SOL antes e depois da
exposição ao labirinto. ________________________________________________________ 58
Figura 4.6 – Comparação entre animais da diferença de taxa de disparo durante o SOL antes e
depois da exposição ao labirinto.________________________________________________ 60
Figura 4.7 – Quantidade de assembleias neuronais ativadas. _________________________ 62
Figura 4.8 – Picos de forte atividade das assembleias neuronais. ______________________ 63
Figura 4.9 – Atividade total das assembléias neuronais.______________________________ 65
Figura 4.10 – Atividade neuronal e comportamento. _________________________________ 66
IX
LISTA DE TABELAS
Tabela 4.1 – Duração dos episódios de SOL por animal (min). ________________________ 55
Tabela 4.2 – Número de assembleias detectadas por sessão experimental. ______________ 61
Tabela 4.3 – Número de neurônios registrados por sessão experimental. ________________ 61
X
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ACP – Análise de componentes principais;
AMPA – ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiônico
CT – Controle, grupo;
DAPI – Dihidrocloreto de 4',6-diamidino-2-fenilindole
DLD – Depressão de longa duração;
NMDA – N-metil-D-aspartato
PB – Phosphate buffer, tampão fosfato;
PLD – Potenciação de longa duração;
POS – Pós-exposição ao labirinto, grupo;
PRE – Pré-exposição ao labirinto, grupo;
REM – Rapid eyes movement, movimento rápido dos olhos;
RNA – Ribonucleic Acid, ácido ribonucleico;
SOL – Sono de ondas lentas;
SP – Sono paradoxal;
TE – Teste, grupo;
TR –Treino, grupo;
XI
RESUMO
Hebb postulou que a memória poderia ser armazenada graças a
atividade síncrona de vários neurônios, formando um assembleia neu-
ral. Sabendo da importância da estrutura hipocampal para a formação
de novas memórias explícitas, utilizamos o registro eletrofisiológico de
múltiplos neurônios para investigar a relevância da codificação de taxa
(rate coding) dos disparos neurais, comparada com a codificação tempo-
ral (temporal coding) da atividade de assembleias, na consolidação de
uma memória aversiva de ratos. Os animais foram treinados na esquiva
discriminativa usando um labirinto em cruz elevado modificado. Duran-
te as sessões experimentais foram registrados períodos de sono de on-
das lentas (SOL). Nossos resultados indicam um aumento da atividade
das assembleias neuronais identificadas durante o SOL após o treino na
tarefa, sendo que o mesmo não acontece com a taxa de disparo. Em re-
sumo, demonstramos que para essa tarefa em particular, a informação
relevante à consolidação adequada da memória está codificada nos pa-
drões temporais de sincronização da atividade neural e não em sua taxa
de disparo.
XII
ABSTRACT
Hebb postulated that memory could be stored thanks to the syn-
chronous activity of many neurons, building a neural assembly. Know-
ing of the importance of the hippocampal structure to the formation of
new explicit memories, we used electrophysiological recording of multi-
ple neurons to access the relevance of rate coding from neural firing
rates in comparison to the temporal coding of neural assemblies activity
in the consolidation of an aversive memory in rats. Animals were
trained at the discriminative avoidance task using a modified elevated
plus-maze. During experimental sessions, slow wave sleep periods
(SWS) were recorded. Our results show an increase in the identified
neural assemblies’ activity during post-training SWS, but not for the
neural firing rate. In summary, we demonstrate that for this particular
task, the relevant information needed for a proper memory consolida-
tion lies within the temporal patters of synchronized neural activity, not
in its firing rate.
1
1 – INTRODUÇÃO
Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre o ombro de gigantes.
SIR ISAAC NEWTON
As memórias nos outorgam nossa identidade e individualidade.
Muito do que somos é reflexo do acúmulo de experiências pessoais pas-
sadas e a forma como lidamos com elas. Para o célebre escritor e dra-
maturgo irlandês Oscar Wilde, “memória é o diário que todos nós carre-
gamos conosco” (do original “memory is the diary that we all carry about
with us”). Embora o conceito científico de memória não difira muito do
senso comum – todos tem uma ideia geral sobre do que consiste e para
que serve uma memória – uma definição mais formal cabe bem ao pro-
pósito da tese.
O termo memória pode se referir a coisas relacionadas, mas no
entanto, diferentes. Podemos nos referir a um evento passado específico
(uma lembrança) ou então à capacidade de armazenar e recordar infor-
mações. Uma definição do termo não é algo tão simples uma vez que,
como veremos, a memória não é um “bloco” único, mas sim diversos
sistemas agrupados sob um mesmo nome. Assim, memória é tanto uma
representação interna de experiências passadas que persiste com o
tempo como também um processo, a capacidade de codificar, armaze-
nar, consolidar e resgatar informações (Roediger et al. 2007). Ao longo
2
desse texto, estaremos utilizando principalmente a segunda definição
do termo.
Esse assunto nos permite fazer várias perguntas, todas muito
simples: “Como nos lembramos? O que faz com que possamos adquirir
uma determinada informação e, posteriormente, lembrarmo-nos dela a
qualquer momento? Quais são as estruturas neurais envolvidas nesses
processos?” As respostas, entretanto, são bastante complexas e longe
de estarem completas.
Ao passo em que o comportamento animal ainda é, em muitos
aspectos, indispensável para se estudar o complexo fenômeno – dado
que não podemos indagar diretamente um rato – ferramentas modernas
como a eletrofisiologia de múltiplos neurônios agregam valor aos expe-
rimentos e permitem explorá-lo de maneira invasiva.
Considerando o registro da atividade neuronal em particular,
uma questão importante é a de como interpretar o sinal gerado por es-
sas células excitáveis.
Eric Kandel, laureado com um prêmio Nobel em Medicina e Fisi-
ologia, afirma que o século XXI, apenas em seu início, será o século da
neurociência, como o século passado foi da biologia molecular – ou seja,
ainda há muito para descobrirmos (Kandel 2007).
O presente trabalho espera contribuir de alguma forma com o
grande quebra-cabeça que é o estudo da memória, adicionando mais
uma pequena peça ao quadro.
3
1111....1111 –––– Memória e ApMemória e ApMemória e ApMemória e Aprrrrendizagemendizagemendizagemendizagem
O pioneiro no estudo da memória como assunto científico foi
Hermann Ebbinghaus, no final do século XIX. Ele elaborou uma lista de
sílabas a ser decorada e que, depois de algum tempo, deveria ser recita-
da. Assim, a quantidade de sílabas lembradas se torna uma medida di-
reta da memória do sujeito, o que permitiu traçar uma curva de esque-
cimento, mostrando como varia a quantidade de palavras lembradas ao
longo do tempo e o efeito de um maior treinamento sobre a retenção das
mesmas (Ebbinghaus 2010). A partir desse conceito, podemos fazer o
raciocínio inverso para obter uma curva de aprendizado. Apesar desse
trabalho ter contribuído enormemente fundando termos e criando essas
duas importantes medidas usadas até hoje (curvas de aprendizado e
esquecimento), seu grande mérito foi o de colocar a memória definitiva-
mente no campo científico, como um fenômeno observável e mensurá-
vel, desmistificando sua subjetividade através de um experimento com-
portamental elegante e extremamente simples.
Uma vez demonstrado que o tema memória poderia ser investi-
gado com o rigor científico, vários cientistas foram em busca de respos-
tas acerca do fenômeno.
Uma pergunta fundamental sobre o tema memória diz respeito à
localização da mesma no encéfalo. Karl Lashley perseguiu esse tema
realizando um experimento em animais bastante simples. Em sua bus-
ca pelo engrama – o traço da memória – treinou ratos para percorrer um
labirinto em zigue-zague com recompensa alimentar no final do trajeto.
4
À medida que os animais aprendiam o caminho, o tempo para saírem
do labirinto era cada vez menor. Uma vez bem treinados na tarefa, Las-
hley realizou cirurgias nesses animais para lesionar diferentes áreas
corticais com variados graus de extensão. A ideia seria tentar lesar um
local onde a memória relativa ao evento codificado residiria após percor-
rer um caminho neural específico. Entretanto, concluiu que, indepen-
dente da região lesionada, sempre havia prejuízo no desempenho da ta-
refa, sendo o mesmo proporcional apenas à quantidade de tecido remo-
vido. Lashley então postulou que a memória estaria igualmente distri-
buída pelo cérebro, o chamado princípio da igualdade de massas (Las-
hley 1950). O erro de Lashley foi não considerar que as regiões corticais
lesionadas poderiam não ter uma relação direta com o processo mne-
mônico mas simplesmente reger atividades sensório-motoras que, se
prejudicadas, afetariam tanto a capacidade do animal locomover-se no
labirinto como a de obter informações sensoriais sobre o mesmo. Na é-
poca, entretanto, o conceito foi aceito pela comunidade e alguns anos
passaram até que esse princípio fosse desafiado.
Em 1957, Scoville e Milner publicaram um artigo que seria um
marco na história da neurociência. Nele, os autores descrevem vários
casos de perda de memória recente, dentre os quais um em particular:
o caso do paciente H.M. Henry Molaison sofria de epilepsia resistente ao
tratamento por drogas e foi submetido a uma cirurgia de ablação bilate-
ral do foco epiléptico – no caso, o tecido correspondente ao lobo tempo-
ral medial. Apesar de bem sucedida – a epilepsia foi completamente cu-
rada – a cirurgia provocou um efeito colateral não previsto: além de
5
uma perda de memória retrógrada relativamente recente (de alguns a-
nos antes da cirurgia), H.M. era agora incapaz de reter novas memórias
(Scoville and Milner 1957). Assim, finalmente uma região cerebral en-
volvida com o processo de formação de novas memórias havia sido loca-
lizada no lobo temporal medial, circunscrita em uma estrutura particu-
lar chamada hipocampo.
Investigações posteriores revelaram que H.M. era capaz de a-
prender tarefas motoras, como desenhar com o auxílio de um espelho;
no entanto, embora apresentasse melhoras progressivas no traçado,
não sabia de forma consciente que possuía tal habilidade (Milner 1962).
Essas duas informações levaram a conclusões fundamentais sobre a
memória: (1) a memória pode ser classificada temporalmente, desde
mais recentes até mais remotas e (2) existem tipos de memória qualita-
tivamente distintos, sejam para informações conscientes ou motoras
(Squire 2004).
Atualmente, nos referimos a memórias de curta ou de longa du-
ração (dependendo do tempo em que elas permaneceram no sistema e
dos processos bioquímicos pelos quais passaram) e também a tipos
qualitativamente distintos, como as memórias explícitas (fatos, lugares,
pessoas) e implícitas (hábitos e procedimentos motores), processos os
quais dependem de estruturas encefálicas diferentes (Izquierdo and Me-
dina 1995; Squire 2004; McGaugh 2000). Apesar de existir uma propos-
ta de reclassificação dos tipos de memória, de modo a enquadrá-los ba-
seado em sua função e estrutura, as nomenclaturas clássicas ainda
predominam (Henke 2010).
6
Nesse trabalho vamos nos deter a memórias explicitas (hipo-
campais) de longa duração.
7
1.1.1 – Memória e seus Mecanismos
Hebb postulou em 1949 que para que ocorra a formação de uma
memória, é necessário que ocorra: (1) uma reverberação da informação
no sistema seguido de (2) uma modificação estrutural (morfológica) dos
sistemas envolvidos (Hebb 1949). Essa teoria do traço dual da memória
foi corroborada ao longo dos anos que se seguiram, ganhando evidência
e força. Sabemos hoje, por exemplo, que a atividade neuronal sustenta-
da e o aumento da arborização dendrítica, bem como a inserção de mais
receptores pós-sinápticos atuam no sentido de reforçar a sinapse esta-
belecida durante a aquisição, correspondendo às etapas de reverbera-
ção e modificação estrutural respectivamente (Ribeiro and Nicolelis
2004). A busca por um substrato material das memórias levou a uma
importante descoberta: a consolidação de memórias depende de síntese
proteica de novo. Flexner demonstrou esse princípio administrando pu-
romicina, um inibidor da síntese proteica, a camundongos após a ses-
são de treino no labirinto em Y, provocando déficits no aprendizado dos
mesmos (Flexner et al. 1963).
Posteriormente, estudos em animais mais simples como a Apli-
sia revelaram informações fundamentais sobre mecanismos da memó-
ria, como a capacidade das células em regular a quantidade de neuror-
receptores disponíveis na sinapse, o que por si só explica os fenômenos
da habituação e sensibilização (Bailey and Chen 1988).
A lesão de estruturas e a neurofarmacologia têm sido duas fer-
ramentas chave para entendermos o processamento mnemônico. A ad-
8
ministração de drogas agonistas/antagonistas de receptores específicos
em uma determinada estrutura em intervalos estratégicos (após o treino
ou antes do teste, por exemplo, para testar efeitos sobre a consolidação
e evocação, respectivamente) tem dado grandes contribuições para en-
tendermos muitas vias neurais envolvidas com o processamento mne-
mônico (Vazdarjanova and McGaugh 1998; McGaugh 2000; McGaugh
and Izquierdo 2000; Rossato et al. 2009).
Um fenômeno bastante estudado e que poderia explicar a base
neurobiológica da memória é a potenciação de longa-duração (PLD). Ela
é interessante como modelo por possuir características que se espera de
uma memória como especificidade, associatividade, cooperatividade e
persistência no tempo (Bliss and Collingridge 1993).
Para induzir a PLD, uma estimulação elétrica é geralmente feita
na passagem perforante – um feixe axonal que projeta do córtex entor-
rinal para a região do giro denteado – estimulando assim o hipocampo
(Bliss and Lomo 1973; Bliss and Collingridge 1993). Após o término da
estimulação, o potencial pós-sináptico excitatório permanece elevado,
persistindo por horas, dias ou semanas, conforme o estímulo aplicado.
Para que haja indução dessa “memória” da estimulação elétrica, é ne-
cessária a ativação de receptores glutamatérgicos, especificamente os do
ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropionico (AMPA) e os do
ácido N-metil-D-aspártico (NMDA) (Bliss and Collingridge 1993). Esse
mecanismo molecular da PLD resgata a ideia da sinapse hebbiana de
modo muito forte: se os receptores AMPA forem suficiente e repetidas
vezes acionados pelo glutamato descarregado por um neurônio pré-
9
sináptico, o influxo de íons Na+ desse canal irá causar uma despolariza-
ção de membrana grande o suficiente para deslocar um íon magnésio
que normalmente obstrui o receptor NMDA, tornando-o ativo. Agora,
numa próxima sinapse, o glutamato liberado poderá se ligar no canal
NMDA, provocando a entrada de íons Ca++ no neurônio. O cálcio por
sua vez ativará uma cascata bioquímica, levando a regulação positiva
produção do receptor AMPA. A maior disponibilidade desses receptores
na membrana, garante que os potenciais pós-sinápticos excitatórios se-
rão mais intensos, atingindo mais facilmente o limiar que irá disparar
um potencial de ação. Esses processos são relativamente bem conheci-
dos, e uma série de intervenções farmacológicas já foi realizada no mo-
delo da PLD (Izquierdo and Medina 1995). Finalmente, Whitlock e cola-
boradores demonstraram que o aprendizado é capaz de induzir um es-
tado de PLD no hipocampo de ratos, demonstrando que a PLD é mais
do que apenas um princípio teórico para o registro das memórias (Whi-
tlock et al. 2006).
Para que os mecanismos de memória sejam realmente flexíveis,
seria interessante que algum processo permitisse a redução da força
sináptica, além do aumento provocado pela LTP. É justamente isso que
faz a Depressão de Longa Duração (DLD). Apesar desse fenômeno ser
mais famoso por sua ocorrência nas células de Purkinje cerebelares,
daremos uma atenção particular para a DLD que ocorre no hipocampo.
A DLD hipocampal é produzida ao se estimular em baixa fre-
quência (0,5-5 Hz) as fibras colaterais de Schaffer que projetam para
CA1. Isso acarreta uma baixa descarga glutamatérgica durante a sinap-
10
se, que consequentemente levará a um pequeno influxo de Ca++ via re-
ceptores NMDA. Isso levará a ativação de uma cascata bioquímica dife-
rente que resulta na diminuição dos receptores AMPA da membrana,
diminuindo a capacidade de resposta daquele neurônio (Bear and Ma-
lenka 1994; Malenka and Bear 2004).
O processamento de uma memória passa por diversos estágios:
aquisição, consolidação e evocação, correspondendo respectivamente à
entrada, fortalecimento e resgate da informação memorizada.
A consolidação de uma memória acontece após a aquisição de
nova informação e corresponde ao período durante o qual é necessária a
síntese de RNA e de proteínas para converter a informação adquirida
em uma memória de longa-duração (Flexner et al. 1963; Davis and
Squire 1984; Nader et al. 2000; Sutton and Schuman 2006). Experi-
mentos em roedores sugerem que à medida que uma memória vai se
tornando mais antiga, ocorre uma progressiva migração da informação
do hipocampo para o córtex (Ribeiro et al. 2002; Ribeiro and Nicolelis
2004; Ribeiro et al. 2007), corroborando dados em estudos com huma-
nos, como o caso já citado do paciente H.M, que sofreu uma amnésia
retrógrada de até dois anos antes da cirurgia, mas mantinha vívida
memórias de sua infância.
A evocação por sua vez seria o resgate dessas memórias, a lem-
brança (Squire and Kandel 2008). Esse estágio é fundamental para ga-
rantir a adaptação e sobrevivência do indivíduo ao meio, fazendo com
que um determinado animal evite uma área de predadores e saiba onde
há comida abundante, por exemplo.
11
1.21.21.21.2 –––– HipocampoHipocampoHipocampoHipocampo
O hipocampo é uma estrutura fundamental para a formação da
memória, especificamente para os processos que envolvem a memória
explícita. Essa estrutura se localiza no lobo temporal medial em huma-
nos e recebe seu nome devido a sua semelhança morfológica com um
cavalo marinho (do grego hippos, cavalo, e kampos, monstro marinho).
Já no rato, o hipocampo se estende rostralmente dos núcleos septais
até o córtex temporal, caudalmente (Shepherd 1998).
Conforme descrito no tópico anterior, o caso do paciente H.M.
consagrou o hipocampo como uma estrutura relacionada à memória.
Entretanto, essa estrutura tem sido estudada há muito tempo e até o
início da década de 30 o hipocampo era considerado pelos neuroanato-
mistas como sendo parte do sistema olfatório. Isso se devia provavel-
mente à impressão que esta estrutura é especialmente grande em espé-
cies macrosmáticas (espécies cuja mucosa olfativa e bulbo são marca-
damente desenvolvidos), tais como roedores e insetívoros noturnos. No
entanto, nestes animais, os tamanhos absolutos das estruturas olfató-
rias no cérebro são bastante reduzidas (Per Andersen et al. 2006). Di-
versas outras funções têm sido descritas para o hipocampo, como a i-
dentificação de respostas espaciais (O’Keefe and Dostrovsky 1971) e tác-
teis (Pereira et al. 2007). Além disso, o hipocampo também foi estudado
para, por exemplo, identificar as sinapses excitatórias e inibitórias (Per
Andersen et al. 2006).
12
1.2.1 – Estrutura Anatômica
Anatomicamente, o hipocampo faz parte de um conjunto de es-
truturas que são conhecidas como formação ou complexo hipocampal.
Santiago Ramón y Cajal, em seu célebre Textura do Sistema Nervoso do
Homem e dos Vertebrados (Cajal 1894) descreveu o hipocampo como
sendo dividido em duas regiões distintas: uma rica em células, localiza-
da próximo ao giro denteado, chamada regio inferior e uma mais distal,
com menor quantidade de células, chamada de regio superior. Posteri-
ormente, Rafael Lorente de Nó dividiu o hipocampo em três campos dis-
tintos, chamados de áreas CA3, CA2 e CA1 (Lorente de Nó, 1934). Os
campos CA3 e CA2 de Lorente de Nó correspondem ao regio inferior de
Cajal, enquanto CA1 corresponde ao regio superior (Shepherd 1998).
Atualmente, considera-se que fazem parte da formação hipo-
campal o hipocampo per se, compreendendo o corno de Amon (subdivi-
dido em CA1, CA2 e CA3), o giro denteado (GD), o subiculum, pré-
subiculum, parasubiculum e o córtex entorrinal. Enquanto CA1 e CA3
são claramente aceitos como regiões distintas, o campo CA2 é objeto de
controvérsia, uma vez que é uma região estreita interposta entre CA1 e
CA3 e que guarda características que se assemelham às duas outras
regiões, sendo definida por alguns grupos como uma zona de transição
(Per Andersen et al. 2006).
13
Figura 1.1 – Esquema da formação hipocampal. (A-B) Proje-
ções de cada sub-área do hipocampo para outras regiões den-
tro da estrutura. Adaptado de Andersen et al. 2007 (The Hip-
pocampus Book, pg. 38).
O fluxo de informação ao longo da formação hipocampal segue o
seguinte esquema geral: diversas aferências sensoriais chegam no cór-
tex entorrinal, o qual projeta para o giro denteado. Por sua vez, o GD irá
enviar informação para CA3, daí para CA2 e finalmente a CA1, que fe-
cha essa alça projetando novamente para o córtex entorrinal. Enquanto
o GD é geralmente a grande porta de entrada de informação no hipo-
campo (embora projeções diretas para CA1 e CA3 também existam),
CA1 faz o papel de saída, enviando a informação ali processada para
diversas áreas, como o córtex pré-frontal, a amígdala, hipotálamo, entre
outras (Per Andersen et al. 2006).
14
Figura 1.2 – Morfologia Hipocampal. Histologia em Nissl (cresil violeta) do
hipocampo dorsal, mostrando a localização das principais estruturas
que o compõem.
15
1.2.2 – O Hipocampo e a Memória
Muitas perguntas têm sido feitas com relação às funções especí-
ficas das sub-áreas hipocampais, como CA1, CA3 e GD. Gilbert e cola-
boradores avaliaram a capacidade que CA1 e GD têm de separar, res-
pectivamente, padrões temporais e espaciais utilizando duas tarefas
comportamentais diferentes (labirinto cheese-board e radial) e realizan-
do lesões químicas nessas estruturas (Gilbert et al. 2001). Eles demons-
tram que há uma especificidade das sub-áreas hipocampais para sepa-
rar padrões de informação, sendo CA1 responsável por processar pa-
drões temporais e o GD padrões espaciais. Já Lee e Kesner realizaram
lesões em CA1, CA3 e GD e submeteram os animais a um condiciona-
mento clássico (som pareado com choque nas patas do animal) com
contexto enriquecido (diversas pistas ambientais e sensoriais) para ava-
liar a contribuição de cada uma dessas sub-regiões durante a aquisição
e evocação do medo condicionado, mostrando uma maior atividade de
CA3 durante a aquisição inicial da tarefa, ao passo em que CA1 e GD
estariam envolvidos no processo de evocação dependente de contexto da
mesma (Lee and Kesner 2004). Além disso, Kubik e colaboradores fazem
uma revisão desse assunto no que diz respeito do uso de genes imedia-
tos para mapeamento de funções hipocampais (Kubik et al. 2007), rela-
cionando a expressão dos mesmos em neurônios dessa região com a
formação da memória.
Além de uma diferença funcional entre as diferentes regiões hi-
pocampais, o hipocampo também pode ser dividido em uma porção dor-
16
sal e outra ventral, com diferenças quanto à natureza das informações
processadas, de modo que a inativação farmacológica seletiva do hipo-
campo dorsal ou ventral atua diferentemente sobre os aspectos emocio-
nais e mnemônicos. Assim, podemos relacionar as funções do hipocam-
po dorsal principalmente a aspectos mnemônicos como a formação da
memória espacial e do contexto (Lorenzini et al. 1996; McEown and
Treit 2009, 2010), enquanto o hipocampo ventral relaciona-se mais com
a questão emocional como a expressão de medo e comportamentos do
tipo ansioso (McEown and Treit 2009, 2010). Além disso, o hipocampo
faz uma predição de eventos – comparando resultados esperados e obti-
dos – e também regula indiretamente a secreção de hormônios do es-
tresse que podem promover um aumento da força do traço de memórias
aversivas (Goosens 2011). A figura 1.3 ilustra todas essas funções.
Figura 1.3 – Efeitos do hipocampo sobre a memória aversiva. O hipocampo controla o medo
e ansiedade através de vários mecanismos como o controle da secreção hormonal relacionada ao
stress, a facilitação de associações entre o contexto e o resultado aversivo e a melhoria do a-
prendizado aversivo através da predição de erros. A porção dorsal do hipocampo está mais rela-
cionada com aspectos cognitivos/espaciais da tarefa ao passo em que a parte ventral se encar-
rega do controle emocional. Adaptado de Goosens 2011.
17
1.1.1.1.3333 –––– Assembléias NeuroAssembléias NeuroAssembléias NeuroAssembléias Neuronaisnaisnaisnais
Donald Hebb fez uma tentativa de unir a psicologia à biologia
experimental, preocupando-se em explicar, à luz do conhecimento de
sua época, como o cérebro seria capaz de produzir fenômenos compor-
tamentais complexos baseado na morfofisiologia neural (Hebb 1949).
Numa época em que os estudos eletrofisiológicos concentravam-
se em estudar um único neurônio, Hebb foi um visionário e antecipou
que não seria possível que uma única célula fosse responsável por ar-
mazenar uma memória nem capaz de produzir qualquer outro compor-
tamento. Assim, teorizou que no momento em que entramos em contato
com uma novidade sensorial, diversos neurônios se coativariam e seus
disparos neurais sincronizados acabariam por facilitar o trajeto da in-
formação advinda dessa via específica. Essa ideia, conhecida como si-
napse hebbiana, ficou bem ilustrada pelo mnemônico “cells that fire to-
gether wire together” (células que disparam junto ficam conectadas).
Essa sincronização de disparo acabaria formando uma rede ou malha
neural capaz de representar a informação desejada e uma posterior ati-
vação de parte dessa rede, seja por estímulos externos ou internos, se-
ria suficiente para que, através dessas sinapses reforçadas, as demais
células fossem estimuladas, resultando na evocação da memória. Hebb
chamou essa rede de neurônios de assembleia neural, enfatizando que
o peso sináptico individual de um neurônio, ao ser integrado com os
18
demais, poderia gerar esses comportamentos complexos (Hebb 1949;
Harris 2005).
Essa ideia moldou a forma como pensamos e fazemos a neuroci-
ência moderna. A busca pela coativação de um grande grupo de neurô-
nios como correlato neural de memória é algo largamente empregado
hoje. A questão é: como buscar por correlatos neurais da atividade des-
se grupamento de neurônios?
Quando se discute análise do código neural, existem basicamen-
te duas abordagens: código de taxas (rate code) e código temporal (tem-
poral code). No primeiro, apenas a taxa de disparo dos potenciais de a-
ção é levada em conta enquanto que no segundo, a ordem precisa em
que os spikes acontecem também carrega informação. Para a detecção
de assembleias neuronais, o segundo método atende melhor às premis-
sas hebbianas e costuma ser mais relevante.
Wilson e McNaughton demonstraram que a análise da correlação
neural par-a-par de um número grande de neurônios (uma forma de
localizar assembleias) é capaz de detectar durante o SOL a reativação de
padrões específicos àqueles da experiência em vigília (Wilson and Mc-
Naughton 1994), conforme ilustrado na Figura 1.6.
19
Figura 1.4 – Reativação de assembleias neuronais durante o sono. As correla-
ções de disparo neural par a par foram calculadas no sono que precede a tarefa,
durante o percurso do labirinto, e no sono imediatamente após a tarefa, mostrando
uma superposição dos estados. Cada ponto preto representa um neurônio registra-
do. A cor dos traços representa o valor da correlação entre um determinado par de
neurônios, sendo as cores quentes de maior valor.
20
1.1.1.1.4444 –––– O SonoO SonoO SonoO Sono
Podemos observar facilmente dois estados comportamentais bas-
tante distintos em vertebrados: (1) um estado muito ativo, durante o
qual procedem-se as mais diversas interações ecológicas como forrageio
e reprodução e (2) outro, no qual o animal repousa.
O trabalho de Hans Berger com o eletroencefalograma permitiu
que dois outros cientistas, Kleitman e Aserinsky, descobrissem anos
mais tarde uma fase do sono, caracterizada pela ocorrência de movi-
mentos rápidos dos olhos (Aserinsky and Kleitman 1953).
O sono pode ser dividido em dois grandes estágios que se alter-
nam ao longo do ciclo sono-vigília: o sono de ondas lentas (SOL) e o so-
no paradoxal (SP) (Hobson and Pace-Schott 2002; Squire et al. 2008).
Cada um desses estágios possui características particulares que auxili-
am em sua classificação, conforme ilustrado pela Figura 1.1.
Durante o sono de ondas lentas (as vezes chamado de não-
REM), a frequência da atividade neuronal diminui e, de um modo geral,
se sincroniza, o que faz com que a soma dos diferentes potenciais pós-
sinápticos excitatórios tenha uma amplitude maior. O tônus muscular,
embora diminuído devido ao repouso, ainda está presente. Por outro
lado, o sono paradoxal se caracteriza por uma frequência de disparo
neuronal semelhante àquela da vigília, fato que dá o nome a esse esta-
do. Além disso, em humanos ocorre um movimento intenso dos olhos
durante essa fase. Por isso, o sono paradoxal também é conhecido como
sono REM, do inglês rapid eyes movement, ou movimento rápido dos
21
olhos. Outra característica dessa fase é a ausência completa de tônus
muscular (Hobson and Pace-Schott 2002; Pace-Schott and Hobson
2002; Squire et al. 2008;).
Figura 1.5 – Características dos estados comportamentais de vigília, não-REM e REM.
Adaptado de Hobson and Pace-Schott 2002.
O potencial de campo gerado pelo cérebro é, na verdade, a soma
de sinais com diferentes faixas ou bandas de frequência. As caracterís-
ticas desse sinal mudam dependendo do estado comportamental em
que o indivíduo se encontra. As principais oscilações do hipocampo do
rato estão presentes nas bandas delta (0-6 Hz), teta (6-12 Hz), beta (12-
30 Hz) e gama (3-100 Hz) (Per Andersen et al. 2006). Cada um desses
ritmos pode ser associado a um comportamento do animal. Desse modo
temos delta associado aos estágios de sono profundo durante SOL; teta
correlaciona-se com atividade locomotora e atenção, além de ser domi-
22
nante durante SP; beta e gama são fortemente modulados por estímulos
olfativos (Per Andersen et al. 2006). Do ponto de vista cognitivo, os rit-
mos teta e gama têm um papel sugerido na coordenação da atividade de
grupos (assembleias) de neurônios e, portanto, na codificação da memó-
ria (Buzsáki 2004; Osipova et al. 2006; Tort et al. 2007; Colgin and Mo-
ser 2010). A Figura 1.2 resume essas informações.
Figura 1.6 – Principais Oscilações Hipocampais.
O sono tem um papel crucial na homeostase do organismo. Em-
bora sejam conhecidos os efeitos causados por sua privação – como
aumento do stress, alterações do humor, diminuição da atenção e até
mesmo a morte – não existe um consenso sobre a sua função. As teori-
as atuais sobre o papel do sono incluem preservação de energia, reparo
do organismo, insight e consolidação de memórias (Maquet 1995; Krue-
ger et al. 1995, 1999; Maquet 2001; Pace-Schott and Hobson 2002;
Wagner et al. 2004; Squire et al. 2008; Hauw et al. 2011).
Outra característica marcante do sono, em particular da fase SP,
é a ocorrência de sonhos. Apesar de ainda não existir nenhuma evidên-
cia clara, os sonhos poderiam ter uma função evolutivamente adaptati-
23
va como simulador de situações potencialmente adversas, no intuito de
melhor preparar o indivíduo para enfrentá-las no futuro. (Kaas 2006).
De todos os papeis desempenhados pelo sono, iremos nos con-
centrar em um deles em particular: sua importância para a consolida-
ção das memórias.
1.4.1 – Sono e Memória
A relação entre sono e memória foi primeiro
e Dallenbach em seu experimento de 1924. Eles
rem memorizado uma lista de sílabas sem sentido, os sujeitos que
deram dormir imediatamente após o treino tiveram um menor declínio
em sua curva de esquecimento durante o teste realizado até 8 horas d
pois do que aqueles que foram mantidos acordados (privação de sono),
ou seja, tiveram um melhor desempenho na tarefa
bach 1924). Isso levantou questões sobre um possível envolvimento do
sono na consolidação de memórias.
Figura 1.7 – Efeit
esquecimento mostrando a quantidade de sílabas retidas para os sujeitos
que dormiram (Dormiu) e para os que foram privados de sono (Acordado).
Adaptado de (Jenkins and Dallenbach 1924).
Memória
A relação entre sono e memória foi primeiro relatada
e Dallenbach em seu experimento de 1924. Eles notaram que
rem memorizado uma lista de sílabas sem sentido, os sujeitos que
deram dormir imediatamente após o treino tiveram um menor declínio
em sua curva de esquecimento durante o teste realizado até 8 horas d
pois do que aqueles que foram mantidos acordados (privação de sono),
ou seja, tiveram um melhor desempenho na tarefa (Jenkins and Dalle
Isso levantou questões sobre um possível envolvimento do
sono na consolidação de memórias.
Efeito da privação de sono sobre a memória. Curva de
esquecimento mostrando a quantidade de sílabas retidas para os sujeitos
que dormiram (Dormiu) e para os que foram privados de sono (Acordado).
Adaptado de (Jenkins and Dallenbach 1924).
24
relatada por Jenkins
notaram que, após te-
rem memorizado uma lista de sílabas sem sentido, os sujeitos que pu-
deram dormir imediatamente após o treino tiveram um menor declínio
em sua curva de esquecimento durante o teste realizado até 8 horas de-
pois do que aqueles que foram mantidos acordados (privação de sono),
(Jenkins and Dallen-
Isso levantou questões sobre um possível envolvimento do
Curva de
esquecimento mostrando a quantidade de sílabas retidas para os sujeitos
que dormiram (Dormiu) e para os que foram privados de sono (Acordado).
25
Embora hoje tenhamos um grande conhecimento sobre os efei-
tos da perturbação do sono sobre o desempenho cognitivo (Berger and
Oswald 1962; Youngblood et al. 1997; Graves et al. 2003; Silva et al.
2004; Alvarenga et al. 2008; Goel et al. 2009; Havekes et al. 2012), sua
atuação fisiológica para promover esse ganho mnemônico ainda precisa
ser melhor esclarecida. Por exemplo, é relativamente recente a desco-
berta de que a re-exposição durante o sono de uma pista olfativa asso-
ciada à tarefa pode levar a um aumento do desempenho da mesma no
dia seguinte (Rasch et al. 2007).
Nesse sentido, Pavlides e Winson foram os pioneiros em demons-
trar que atividade de taxa de disparo neural durante o sono está corre-
lacionada com a atividade recente das mesmas durante a vigília (Pavli-
des and Winson 1989).
Um argumento para o sono como agente da consolidação de
memórias é que ele protegeria o traço de memória de interferências sen-
soriais externas, sendo mais fácil o reforçar. Entretanto, sabemos que
existe também uma participação ativa do sono nesse processo (Born et
al. 2006; Marshall and Born 2007; Rasch and Born 2008; Born and Wi-
lhelm 2012).
Conforme mencionado anteriormente, podemos dividir o sono em
dois estágios. Ribeiro e colaboradores demonstraram que cada um dos
estágio do sono possui um papel distinto e complementar na consolida-
ção de memórias. O trabalho mostra que a atividade neural do animal
durante o SOL fica aumentada por horas após o mesmo ser exposto a
uma novidade sensorial, enquanto que durante o PS ocorre uma rein-
26
dução da expressão de genes imediatos dependentes de cálcio (indica-
dores de plasticidade neural) (Ribeiro et al. 2002; Ribeiro and Nicolelis
2004; Ribeiro et al. 2007), o que do ponto de vista hebbiano correspon-
de à reverberação da informação adquirida e a uma reestruturação mor-
fofisiológica tanto local quanto sistêmica. Além disso, as duas fases do
sono parecem afetar a consolidação de diferentes sistemas de memória,
sendo o SOL mais fundamental para memórias hipocampais e PS para
memórias de procedimento (Marshall and Born 2007).
Finalmente, foi demonstrado que ao longo dos ciclos de sono, a
informação inicialmente contida no hipocampo é progressivamente
transferida para regiões mais corticais (Ribeiro et al. 2007), confirman-
do dados mais antigos (Scoville and Milner 1957; Buzsáki 1996).
27
1.1.1.1.5555 –––– Esquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva Discriminativa
Como alternativa ao modelo da esquiva inibitória, foi desenvolvi-
do outro paradigma para estudar os processos moleculares e eletrofisio-
lógicos relacionados à extinção da memória. A esquiva discriminativa no
labirinto em cruz elevado foi validada como um novo modelo para o es-
tudo da interação entre memória e ansiedade (Silva and Frussa-Filho
2000; Silva et al. 2004; Kameda et al. 2007; Ribeiro et al. 2011).
Nesse modelo, o aprendizado e a retenção de longa duração fo-
ram estudados através de uma extensa abordagem farmacológica. Um
resultado importante envolvendo esse modelo diz respeito à existência
de um nível ótimo de ansiedade para que ocorra o aprendizado, tendo
em vista que tanto manipulações farmacológicas ansiolíticas (diminuem
a ansiedade) quanto ansiogênicas (aumentam a ansiedade) trazem défi-
cits na retenção de memória, mas a administração de ambas surte um
efeito nulo (Silva and Frussa-Filho 2000).
Resumidamente, instalamos uma caixa de som e luzes de LED
verde (de modo a não saturar a câmera e permitir o rastreio do animal
por software) em um dos braços fechados (braço aversivo). O animal é
colocado no centro do labirinto com a cabeça voltada para a intersecção
dos braços abertos (dispostos em “L”) de modo a não influenciar sua
decisão por entrar em nenhuma das áreas do labirinto. Durante os 10
minutos de exploração a que é submetido, toda vez que o animal entrar
nesse braço aversivo, ambos os estímulos (som e luz) são disparados e
permanecem ligados até que o mesmo saia dessa área. Considerando
28
que o rato tem um medo inato de espaços abertos e de altura, represen-
tados aqui pelos dois braços abertos, espera-se que com o treino o ani-
mal aprenda a reconhecer o outro braço fechado (braço não-aversivo)
como um local seguro. Para verificarmos se o treino foi efetivo, uma ses-
são de teste é realizada após 24 horas, na qual avaliamos se o animal
reconhece e evita o braço aversivo.
O uso de estímulos pouco aversivos (luz e som, ao invés de cho-
que nas patas) viabiliza a tarefa como um bom modelo para o estudo da
aquisição e extinção rápida da memória, além de possibilitar a avaliação
do comportamento do animal ao longo das sessões de treino através de
uma curva de aprendizado, o que não é possível na esquiva inibitória.
29
1.1.1.1.6666 –––– Registro EletrofisiológicoRegistro EletrofisiológicoRegistro EletrofisiológicoRegistro Eletrofisiológico
A natureza elétrica do encéfalo foi descoberta no século XIX por
Richard Caton, um cientista inglês que conduziu experimentos com um
galvanômetro no cérebro de cães e chimpanzés. Esse trabalho foi fun-
damental para o desenvolvimento do eletroencefalograma por Hans Ber-
ger em 1924. Berger fez o primeiro registro cerebral em humanos e des-
creveu um ritmo conhecido como ondas alfa. Em 1936, Alan Hodgkin e
Andrew Huxley estudaram as propriedades elétricas do axônio gigante
de lula, um axônio grande o suficiente para ser visto macroscopicamen-
te, tornando fácil introduzir um eletrodo para registrar sua atividade.
Em 1936, propuseram um modelo matemático explicando o potencial
de ação e sua propagação na célula.
Comparando os dois experimentos, temos uma diferença com re-
lação a natureza do sinal registrado. Embora ambos tratem sobre varia-
ções elétricas, temos no primeiro caso o registro da atividade global de
muitos neurônios contra o registro de uma única célula no segundo.
Assim, o sinal contínuo registrado no eletroencefalograma é conhecido
como potencial de campo local e é o resultado da soma dos milhares de
potenciais pós-sinápticos de muitos neurônios enquanto que o registro
de Hodgkin–Huxley mostra apenas o disparo neural de uma única célu-
la. Além disso, o registro eletroencefalográfico é não invasivo e extrace-
lular, enquanto que o outro é invasivo e intracelular.
Durante muito tempo pensou-se que o registro de uma única cé-
lula neural seria suficiente para nos fornecer todas as informações ne-
30
cessárias para se entender o funcionamento do cérebro. Uma ideia do-
minante por muito tempo foi a de que um único neurônio seria respon-
sável por armazenar todas as memórias de um determinado assunto ou
objeto, como a sua avó por exemplo, as células da vovó (do inglês
grandmother cells). Com o advento do uso de múltiplos eletrodos para se
registrar uma vasta quantidade de neurônios ao mesmo tempo, ficou
claro que um dado neurônio pode participar de mais de uma assembleia
neural ao mesmo tempo e, inclusive, pode mudar sua “função” ao longo
do tempo.
Finalmente, outro importante avanço para o campo foram os ex-
perimentos realizados em animais acordados e livres para realizar a ta-
refa solicitada, em oposição aos estudos com animais anestesiados e
mantidos imobilizados.
Nesse trabalho, utilizamos matrizes de múltiplos eletrodos de fi-
lamento simples para realizar o registro das sub-áreas hipocampais
CA1, CA3 e DG em ratos que se movem livremente enquanto aprendem
e executam uma tarefa de memória aversiva em um labirinto em cruz
elevado modificado.
31
2 – OBJETIVOS
“Bom dia Sr. Hunt. Sua missão, caso decida aceitá-la...”
MISSÃO IMPOSSÍVEL 2
2.12.12.12.1 –––– ObjetivosObjetivosObjetivosObjetivos GGGGeraiseraiseraiserais
Verificar a atividade neuronal no hipocampo durante a aquisi-
ção, consolidação e evocação de uma memória aversiva.
2.22.22.22.2 –––– Objetivos EspecíficosObjetivos EspecíficosObjetivos EspecíficosObjetivos Específicos
1. Analisar a taxa de disparo no hipocampo durante o sono de
ondas lentas antes e depois da experiência nas condições controle, trei-
no e teste.
2. Analisar a atividade de assembleias neuronais no hipocam-
po durante o sono de ondas lentas antes e depois da experiência nas
condições controle, treino e teste.
32
3 – MATERIAIS E MÉTODOS
Não há nada nesse universo que não possa ser explicado.
Eventualmente.
DR. GREGORY HOUSE, HOUSE M.D.
3.13.13.13.1 –––– AnimaisAnimaisAnimaisAnimais
Ratos machos adultos da linhagem Wistar (250-300 g) foram u-
sados nesse trabalho. Os animais foram alojados em estantes climati-
zadas dentro de gaiolas individuais com temperatura controlada tendo
comida e água ad libitum. O ciclo claro escuro foi mantido em 12:12,
com as luzes se acendendo as 06:00 horas. Sessões de manipulação
foram efetuadas por 5 dias antes do experimento de modo a habituar os
animais ao experimentador. Os animais foram designados com a sigla
WEL (Wistar eletrofisiologia).
Esse experimento foi aprovado pela Comissão de Ética para Ava-
liação de Uso e Cuidados de Animais em Pesquisa da Associação Alber-
to Santos Dumont de Apoio à Pesquisa (AASDAP), protocolo número
03/2008.
33
3.23.23.23.2 –––– Esquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva Discriminativa
Utilizamos um labirinto em cruz elevado modificado, com seus
braços fechados dispostos em “L” (50 x 15 x 40 cm) ao invés de opostos.
Em um desses braços (Braço Aversivo, BV) uma luz verde intensa (3000
lux) e uma caixa de som (80 dB) foram instalados. Durante as sessões
de treino, ambos os estímulos aversivos foram acionados a cada entrada
do rato no BV, permanecendo ligados até sua saída do braço (R H Silva
and R Frussa-Filho 2000). A memória foi avaliada pelo tempo de per-
manência relativa do animal explorando o BV (100*TBV/TBV+TBnV), o
qual deveria diminuir ao longo da sessão de treino (R H Silva et al.
2004).
34
3.3.3.3.3333 –––– Registro da Atividade Neural HipocampalRegistro da Atividade Neural HipocampalRegistro da Atividade Neural HipocampalRegistro da Atividade Neural Hipocampal
3.3.1 – Implante de Multi-eletrodos e Registro Eletrofisiológico
Cinco ratos Wistar adultos foram usados nesse experimento. Os
animais foram anestesiados com 100 mg/kg de cloridrato de quetamina
e 5 mg/kg de cloridrato de xilazina. Conjuntos de 16-30 eletrodos de
tungstênio cobertos com teflon (50 µm de diâmetro, espaçados a 300
µm) foram desenhados de maneira tal que, ao serem implantados no
hipocampo (AP -2,8 mm; ML -1,9 mm; DV -3,14 mm) permitissem o re-
gistro de 10 canais por sub-estrutura (CA1, CA3 e DG no hipocampo;
animais WEL03, WEL05, WEL06) ou então registrassem apenas CA1
(WEL07 e WEL09). Um período de recuperação pós-operatório de 5-7
dias foi dado a cada animal antes do início do registro basal, de modo a
verificar a estabilidade do sinal de disparos neurais (spikes) e assim de-
terminar a janela de tempo ideal para se realizar o experimento em ter-
mos de qualidade do sinal. Ao final do experimento a posição dos ele-
trodos no tecido foi confirmada pela coloração das secções contendo as
estruturas-alvo com Nissl ou DAPI.
Os registros foram feitos usando um processador de aquisição
multi-neural de 64 canais (MAP, Plexon Inc., USA). A seleção online de
unidades neurais foi realizada com o auxílio do software SortClient
2002 (Plexon Inc., USA). Todos os potenciais de ação de um máximo de
4 unidades neurais por canal foram selecionados online por apenas um
35
único investigador e validadas por análise offline (Offline Sorter 2.3, Ple-
xon Inc., USA) de acordo com os seguintes critérios cumulativos: a) li-
miar de voltagem >3 desvios padrões de amplitude de distribuição; b)
relação sinal-ruído >2,5 (verificada na tela do osciloscópio); c) menos de
0,5% de ocorrência de intervalos entre spikes (ISI) menores do que 1,0 ;
d) estereótipo das formas de ondas (waveforms), determinado por um
algoritmo de modelos de forma de onda (waveform template) e por análi-
se de componentes principais (PCA). Potenciais de campo local (LFP)
foram simultaneamente registrados pelos eletrodos e pré-amplificados
(500x), filtrados (0.3–400 Hz) e digitalizados a 500 (WEL03) ou 1000 Hz
(demais ratos) usando uma placa de aquisição digital (National Instru-
ments, USA) e uma caixa MAP (Plexon Inc., USA).
Um registro basal dos animais dentro da caixa de sono foi reali-
zado diariamente a partir da segunda semana pós-cirurgia, de modo a
determinar a janela de tempo ótima dentre a qual o número máximo de
unidades estaria disponível para registro, ao mesmo tempo em que ser-
via para habituar o rato a esse ambiente de registro.
36
3.3.2 – Matrizes de Eletrodos
Matrizes de eletrodos cronicamente implantados foram usadas
para amostrar a atividade extracelular de grandes populações de neu-
rônios unitários localizadas no hipocampo.
Após anos de experimentação, determinou-se que os microfios
de 15-50 m oferecem o melhor método de registro simultâneo de uni-
dades neuronais discrimináveis, as quais, em geral, possuem amplitude
entre 75-150 V, ou 2,5 na razão sinal-ruído. Em média, 2,3 unidades
neuronais podem ser isoladas por microfio. Geralmente, esses registros
são muito estáveis, durando muitas semanas e até mesmo meses. Pro-
cessadores de sinal digital multicanal (DSPs) são usados para discrimi-
nar e comparar a forma de onda digital (Ribeiro et al. 2004; Nicolelis et
al. 2003, 1997; Nicolelis 1999).
As matrizes de eletrodos implantáveis são manufaturadas em
nosso próprio laboratório. Os eletrodos são implantados em matrizes de
32 microfios isolados, espaçados por intervalos de 250-500 m. Esses
microfios são conectados junto com fios-terra a conectores. Os conecto-
res são cimentados juntos com resina odontológica para formar um
“capacete”. Geralmente, entre um e oito conectores podem ser cimenta-
dos em uma cabeça de rato numa única cirurgia. Esses chapéus podem
ser implantados ao longo de múltiplas áreas corticais e subcorticais,
incluindo o hipocampo e suas sub-regiões CA1, CA3 e GD. Experimen-
tos anteriores revelaram que quando 64 microfios são estereotaxica-
mente implantados em núcleos alvo apropriados em ratos, unidades
37
neuronais discrimináveis são tipicamente obtidas a partir de 70-80%
dos microfios implantados. Dado que 2-4 unidades neuronais podem
ser isoladas de cada um desses microfios, somos capazes de rotineira-
mente registrar até 25-100 neurônios bem discriminados a partir de 64
microfios ou menos (Kralik et al. 2001; Nicolelis et al. 2003).
Figura 3.1 – Matriz de múltiplos eletrodos. A foto mostra um
exemplo de matriz confeccionada em nosso laboratório.
38
3.3.3 – Implante Cirúrgico das Matrizes de Eletrodo no Hipocampo
O implante preciso dos eletrodos durante a cirurgia é garantido
pelo posicionamento estereotáxico dos microfios e pelo registro contínuo
da atividade neural durante a cirurgia. No caso de HP, o posicionamen-
to dos eletrodos é guiado pelo perfil característico de profundidade para
a atividade neural espontânea nessa estrutura e ritmo teta nos LFPs
registrados no HP durante o experimento. A reconstrução histológica
para a determinação do sítio de eletrodos específicos é conduzida após o
término de todos os experimentos de registro pela inspeção de sessões
coronais do encéfalo corados com cresil violeta ou DAPI com referência
aos planos anatômicos (Paxinos and Watson 2007). Tipicamente, os mi-
crofios causam danos mínimos e circunscritos ao tecido imediatamente
ao redor dos mesmos (Freire et al. 2011).
As seguintes coordenadas estereotáxicas (em mm a partir do
Bregma (Paxinos and Watson 2007) são usadas para centrar as matri-
zes com 16 eletrodos microfios em relação aos eixos antero-posterior
(AP), médio-lateral (ML) e dorso-ventral (DV): -3,14 AP, + 1,9 ML, - 3,5
DV para atingir o giro denteado e -3,14 AP, + 1,9 ML, - 2,5 DV para
CA1. Medidas de DV são em relação a superfície pial. A Figura 3.2 ilus-
tra uma matriz de eletrodos sendo implantada.
Os animais também tiverem eletrodos implantados na amígdala
(-2,8 AP, -5,0 ML, 7,2 DV), mas a histologia não confirmou que os ele-
trodos atingiram o alvo, por isso a análise dessa área foi descartada.
39
Figura 3.2 – Implante cirúrgico de uma matriz de eletro-
dos. A matriz é lentamente baixada com auxilio de um apa-
relho estereotáxico até que as coordenadas alvo sejam atin-
gidas.
40
3.3.4 – Aquisição Computadorizada de Dados Neurais
O sinal elétrico das áreas cerebrais envolvidas foi coletado por
meio de microeletrodos implantados cirurgicamente na estrutura alvo
(hipocampo). O SSCP (Plexon Inc, Dallas, TX), um programa rodado em
um computador Pentium Xeon® (3.3 GHz, 8 Gb RAM) é utilizado para
adquirir e armazenar dados de tempos de ocorrência de potenciais de
ação completos de todos os neurônios simultaneamente registrados. O
SSCP tem uma resolução de 0,2 ms. Amostras contínuas de potenciais
de ação são obtidas para validação offline da discriminação dos neurô-
nios unitários. Análises offline de autocorrelações e histogramas dos
intervalos inter-potenciais de ação são então empregadas para demons-
trar que um mesmo conjunto de unidades neurais foi registrado duran-
te a duração de cada experimento. Outros trabalhos têm demonstrado
que o conjunto de dados de multi-neurônios também contêm quantida-
des substanciais de informação relacionada à tarefa (Carmena et al.
2003). Portanto, ambos os conjuntos de dados, unitários e multi-
unitários, foram utilizados nesse projeto. O Neuro Explorer, Cine Plex,
Offline Sorter (Plexon Inc, Dallas, TX) e outros pacotes projetados em
Matlab no laboratório do investigador principal serão empregados para
a análise conjunta dos dados neurofisiológicos e comportamentais. Uma
descrição detalhada dos procedimentos analíticos usados nesse projeto
será apresentada nas sessões apropriadas abaixo.
41
3.3.5 – Discriminação de Unidades Neurais em Tempo Real
Tipicamente, há uma pronunciada melhora da qualidade dos re-
gistros de neurônios unitários alguns dias após a cirurgia. Os experi-
mentos com registro de grupos neuronais começam 7 dias após a cirur-
gia. Atualmente, nosso arranjo permite que até quatro potenciais de a-
ção sejam discriminados de cada um dos 32 canais do processador de
aquisição de múltiplos-neurônios (MAP, Plexon Inc, Dallas, TX). A rotina
de discriminação em tempo real de potenciais de ação utiliza processa-
dores de sinal digital Motorola 56000, os quais implementam janelas
temporais e de voltagem para a detecção de potenciais de ação (Nicolelis
et al. 1997). Para uma segunda verificação de que os potenciais de ação
de um único neurônio estão sendo detectados, um algoritmo de análise
do componente principal (ACP) para o reconhecimento em tempo real de
formas de onda é usado (Nicolelis et al. 1997) para isolar os potenciais
de ação derivados de cada microfio. Cada forma de onda é plotada como
um aglomerado no espaço definido pelos três primeiros autovetores ob-
tidos naquele canal durante o período de “aprendizado”. Um pacote de
software para a seleção supervisionada de potenciais de ação, traba-
lhando sob a plataforma Windows 7, permite a amostragem contínua de
todas as formas de onda (SortClient 2002, Plexon Inc, Dallas, TX) para
validação offline (Offline Sorter 2.8.8, Plexon Inc, Dallas, TX) de acordo
com os seguintes critérios cumulativos: a) limiares de voltagem > 2 des-
vios padrões da distribuição das amplitudes; b) razão sinal-ruído > 2,5;
c) menos de 1% dos intervalos inter-potenciais de ação menores do que
42
1,2 ms, correspondendo aos períodos refratários; d) estereótipo do for-
mato do potencial de ação, determinado pela ACP. Aqui, usamos um
algoritmo adaptativo que ajusta modelos da forma de onda baseado na
média dos formatos recém acumulados. A Figura 3.3 mostra uma sele-
ção de formas de onda neuronais e potenciais de campo utilizando o
software Sort Client.
Após o término dos experimentos, uma validação offline das for-
mas de onda do sinal de spikes foi realizada e todas as unidades com
formas de onda suspeitas ou de baixa amplitude (<375 µV) foram remo-
vidas da análise, de modo a eliminar fontes de ruído.
43
Figura 3.3 – Seleção de multi-unidades neurais. Registro de 30 canais. Cada uma das
cores representa uma multi-unidade neural diferente. A esquerda, um aumento do canal
selecionado (A). O painel inferior mostra outra multi-unidade a esquerda ao passo em que
o registro do potencial de campo é mostrado a direita.
44
3.3.6 – Protocolo Experimental
Durante todos os dias de experimento, os animais foram coloca-
dos em uma caixa de sono a qual haviam sido previamente habituados
durante as sessões de manipulação por no mínimo 1 hora durante os 5
dias anteriores ao início do experimento.
Os animais permaneceram na caixa por 2 horas antes de serem
expostos ao labirinto, sendo que o registro eletrofisiológico se deu a par-
tir da segunda hora, de modo a ignorar possíveis alterações causadas
pelo anestésico isoflurano (utilizado para deixar o animal imóvel duran-
te a conexão do cabo de registro com a matriz de eletrodos) sobre a ati-
vidade neuronal. Esse registro antes da tarefa foi tomado como uma
medida da atividade basal e constitui à pré-exposição ao labirinto (PRE).
Em seguida, o animal é colocado para explorar labirinto por 10 minu-
tos, após os quais retornam à caixa de sono para 3 horas adicionais de
registro de pós-exposição à tarefa (POS).
Durante o primeiro dia da tarefa (Controle, ou CT) os animais fo-
ram expostos a um labirinto com os 4 braços fechados. A parede ao fi-
nal de cada braço possui pistas espaciais, com figuras geométricas de
formas e cores diferentes, no intuito de facilitar a navegação do animal
pelo labirinto.
Do segundo dia em diante, o labirinto é modificado para contar
com a presença de braços abertos adjacentes, os quais permitem a vi-
sualização de pistas espaciais externas ao labirinto. Na sessão de treino
(TR), a cada entrada do animal no braço aversivo, um ruído alto (80 dB)
45
e uma forte luz (3000 lux) foram acionados. O estímulo só é interrompi-
do com a saída do animal do braço.
Finalmente, no terceiro dia, uma sessão de teste (TE) é realizada,
sem a presença dos estímulos aversivos, para verificar a retenção da
tarefa, expressa por uma redução no tempo explorando o braço aversi-
vo.
Figura 3.4 – Desenho do experimento. Os animais foram colocados no labirinto durante 4
dias consecutivos. A cada dia, foi realizado um registro basal, pré-experiência, de uma hora,
uma sessão no labirinto de 10 minutos e um registro pós-experiência de 3 horas. No primeiro,
o labirinto se apresentou com os 4 braços fechados consistindo em uma pré-exposição. No
dia seguinte, dois dos braços foram abertos e a cada entrado do animal no braço aversivo, os
estímulos aversivos (som e luz) eram acionados por toda a permanência do animal no mes-
mo. No terceiro dia, uma sessão de teste é realizada para avaliar a capacidade do animal de
evitar o braço aversivo e no quarto dia uma segunda sessão de teste tem por objetivo refor-
çar ou induzir a extinção da memória.
46
3.3.7 Perfusão e Preparação do Tecido
No momento do sacrifício, os animais foram inicialmente aneste-
siados com isoflurano gasoso (5% misturado com oxigênio) para então
serem anestesiados profundamente com tiopental sódico intraperitoneal
(50 mg/Kg). Após isso, foram perfundidos transcardiacamente com sa-
lina heparinizada (0,9%) aquecida, seguida de paraformaldeído (4% di-
luído em PB 0,1 M) resfriado. Após a craniotomia, os cérebros foram
imersos durante 24 h em tampão fosfato 0,1 M, sendo em seguida mer-
gulhados em sucrose 30% até afundarem. Os tecidos foram envoltos em
Tissue Tek (Sakura Finetek, Japan) e congelados usando uma mistura
de gelo seco e etanol. Finalmente, o tecido foi seccionado a 30 µm em
um criostato (Carl Zeiss Micron HM 550, Germany) e montados sobre
lâminas de vidro carregadas eletricamente (Super Frost Plus – VWR In-
ternational, USA).
A localização dos eletrodos no parênquima cerebral foi evidenci-
ada através de histologia básica (coloração de Nissl) ou fluorescência
(DAPI).
47
3.43.43.43.4 –––– Análise dos Dados ComportamentaisAnálise dos Dados ComportamentaisAnálise dos Dados ComportamentaisAnálise dos Dados Comportamentais
A memória pode ser inferida avaliando-se o tempo de permanên-
cia no braço aversivo. Assim, o tempo de permanência relativa no braço
aversivo (TAV) é dado pela equação
ࢀ࡭ࢂ = ૚૙૙(
ࢀࢇ࢜
ࢀࢇ࢜ାࢀ࢔ࢇ࢜
).
Adicionalmente, o tempo de permanência nos braços abertos du-
rante o treino pode ser tomado como uma medida de ansiedade do ani-
mal. O tempo de permanência relativa no braço aberto (TAB) é calcula-
do com o auxílio da equação
ࢀ࡭࡮ = ૚૙૙(
ࢀࢇ࢈
ࢀࢇ࢈ାࢀࢇ࢜ାࢀ࢔ࢇ࢜
),
na qual o tempo de exploração dos braços abertos, aversivo e não aver-
sivo são dados respectivamente por Tab, Tav e Tnav.
48
3.3.3.3.5555 –––– Análise dos Dados EletrofisiológicosAnálise dos Dados EletrofisiológicosAnálise dos Dados EletrofisiológicosAnálise dos Dados Eletrofisiológicos
Os dados foram processados e analisados utilizando rotinas de
Matlab (MathWorks, Natick, Massachusetts, United States) desenvolvi-
das em nosso laboratório.
Para as análises, agrupamos os dados de registro das diferentes
áreas hipocampais, CA1 CA3 e DG.
A análise desse experimento pode ser dividida em duas classes:
(1) análise de taxas de disparo e (2) análise da atividade de assembleias
neuronais.
3.5.1 – Detecção do Estado Comportamental.
Os dados de LFP foram utilizados para classificar o estado com-
portamental dos animais, de acordo com o método previamente descrito
(Gervasoni et al. 2004). De modo sucinto, a classificação se baseia em
agrupar pontos ao longo do tempo em clusters, usando uma razão entre
as bandas teta e delta para definir o espaço bidimensional amostrado. A
figura resultante possui em seu canto superior direito um conglomerado
para SOL, a sua esquerda um para PAR e outro mais central para a vi-
gília, conforme indicado na Figura 3.5.
A seleção desses conglomerados define os intervalos de duração
de cada estado comportamental utilizado em nossas análises.
49
Figura 3.5 – Classificação de estado comportamental. Em vermelho temos o cluster que
representa o sono paradoxal (SP), em azul do sono de ondas lentas (SOL) e em verde ativida-
de de vigília (VIG).
50
3.5.2 – Taxas de Disparo Neural
Construímos uma distribuição de contagens de disparo para
comparar a atividade neuronal entre diferentes períodos de interesse do
experimento. As distribuições foram geradas pela contagem do número
de potenciais de ação de cada neurônio registrado em janelas de 250 ms
e foram comparadas dentro de cada grupo (CT, TR e TE) através do tes-
te de Mann-Whitney utilizando amostras de mesmo tamanho de episó-
dios concatenados de SOL durante PRE e POS.
Além disso, comparamos se a diferença entre a taxa de disparo
variava de animal para animal. Para isso, normalizamos a diferença da
taxa de disparo para cada neurônio entre POS e PRE de acordo com a
seguinte equação:
௉௢௦ି௉௥௘
௉௢௦ା௉௥௘
,
na qual Pos representa a média da taxa de disparo durante POS e a Pre
representa a média da taxa de disparo durante PRE.
51
3.5.3 – Detecção e Atividade de Assembleias Neuronais
Devido a precisão temporal da sincronia entre disparos de neu-
rônios, utilizamos intervalos menores (30 ms) para a detecção de as-
sembleias neuronais. Conforme argumentado por Lopes et al. a janela
de 25 ms é adequada para conduzir tal análise (Lopes-dos-Santos et al.
2011).
A contagem de potenciais de ação de cada neurônio nas janelas
foi normalizada para que todas as unidades tivessem media nula e va-
riância unitária (z-score, ou escore padrão). Essa normalização é dada
pela equação
ࢆ =
࢞ିࣆ
࣌
,
na qual µ é a média da amostra e σ o desvio padrão da mesma.
Em seguida, a matriz de covariância cruzada é calculada e seus
autovalores são comparados com a distribuição de Marcenko-Pasteur a
fim de detectar a presença de correlações de alta ordem (Lopes-dos-
Santos et al. 2011). Os componentes principais associados a autovalo-
res significativos são usados para reduzir a dimensionalidade da matriz
de contagem de disparos. Finalmente, os componentes independentes
dessa matriz reduzida são calculados e podem ser usados para calcular
a atividade das assembleias neuronais com alta resolução temporal (Lo-
pes-dos-Santos, Ribeiro e Tort, dados não publicados).
A quantidade bem como a força de ativação das assembleias hi-
pocampais serão comparadas entre as diferentes sessões do experimen-
to, de modo a avaliar a aquisição, consolidação e evocação da memória.
52
Ao calcular a quantidade de assembleias encontradas a cada dia
durante as condições PRE, POS e durante a exploração do labirinto,
compensamos a diferente quantidade existente de neurônios entre ani-
mais e ao longo dos dias dividindo o número de assembleias encontra-
das pelo numero total de neurônios presentes.
Para verificar a relevância da intensidade de ativação das as-
sembleias, comparamos a atividade total das mesmas com aquela de
picos de ativação maiores ou iguais a dois desvios padrões da média.
Como forma de controle, todas as assembleias encontradas se-
rão comparadas contra uma versão surrogada da mesma, na qual os
tempos de disparo neural foram embaralhados dentro de cada neurônio
(bin shuffling), destruindo as relações temporais entre as células mas
conservando as contagens de disparo das mesmas.
Os componentes independentes representando assembleias en-
contrados durante o período de exploração do labirinto foram utilizados
como modelos (templates) para procurar por atividade durante a ativi-
dade total em PRE e POS. As atividades das assembleias durante os pe-
ríodos de SOL foram concatenadas para se comparar PRE e POS. De
modo semelhante ao método utilizado para comparar as taxas de dispa-
ro, geramos uma amostra com tempos de registro iguais contendo a ati-
vidade total para todas as assembleias neuronais identificadas durante
episódios concatenados de SOL para a PRE e outra para a POS. A ativi-
dade das assembleias foi comparada dentro de cada grupo (CT, TR e TE)
utilizando o teste-t.
53
4 – RESULTADOS
Quantas vezes já lhe disse que quando você eliminar o impossível, o que
restar, por mais improvável que seja, deve ser a verdade?
SHERLOCK HOLMES, UM ESTUDO EM VERMELHO
4.14.14.14.1 –––– Resultados ComportamentaisResultados ComportamentaisResultados ComportamentaisResultados Comportamentais
Os animais exploram muito pouco os braços abertos, conforme
indicado na Figura 4.1.A. A habituação ao aparato do labirinto pode ser
evidenciada pelo baixo tempo explorando os braços abertos durante a
sessão de teste.
Todos os animais aprenderam a tarefa, conforme demonstrado
pela queda no tempo de permanência no braço aversivo, ilustrado na
Figura 4.1.B. Durante o teste, entretanto, um dos animais (WEL07) não
apresentou o comportamento de evocação, passando a maior parte da
sessão no braço aversivo (TAV = 90%), constituindo assim um controle
negativo do experimento. A Figura 4.2 reflete a comparação estatística
de TAV na ausência do outlier. TAV durante o teste foi comparado con-
tra a chance aleatória de o animal entrar em um dos braços (p<0,0001).
A Tabela 4.1 mostra o tempo total de registro de SOL utilizado
para cada animal ao longo das sessões do experimento.
54
Figura 4.1– Tempo de exploração dos braços abertos e do braço aversivo. (A) O primeiro painel
mostra o tempo gasto no braço aberto ao longo do tempo para as diferentes sessões do experimento. (B)
Tempo de exploração do braço aversivo ao longo do tempo para as diferentes sessões. Média evocação
refere-se ao grupo de animais que foi capaz de evocar a sessão de treino ao passo em que outlier mostra
o comportamento do controle negativo, WEL07.
Figura 4.2 – Tempo de permanência total no braço aversivo. A
estrela vermelha representa o valor da média do outlier WEL07. A
linha vermelha traçada representa a chance aleatória de o animal
evitar o braço aversivo durante o teste. * = p < 0,05 teste-t.
55
Tabela 4.1 – Duração dos episódios de
SOL por animal (min). Tabela mostra o
tempo total de SOL que cada animal teve em
cada sessão do experimento (CT, TR, TE).
Animal CT TR TE
WEL03 37 32 26
WEL05 37 32 27
WEL06 37 26 34
WEL07 13 44 39
WEL09 17 23 25
56
4444.2.2.2.2 –––– Implante de EletrodosImplante de EletrodosImplante de EletrodosImplante de Eletrodos
Obtivemos sucesso para atingir as sub-áreas escolhidas (CA1,
CA3, DG) em todos os animais implantados, conforme ilustrado pela
Figura 4.3.
Figura 4.3 – Histologia de Nissl para confirmar a posição dos eletrodos. Setas
indicam as pontas dos eletrodos.
57
4.34.34.34.3 –––– Taxas de Disparo NeurTaxas de Disparo NeurTaxas de Disparo NeurTaxas de Disparo Neuronalonalonalonal
Comparamos as taxas de disparo de cada neurônio entre a pré e
pós-exposição ao labirinto durante o SOL (Figura 4.4) e dividimos o
numero de neurônios positiva e negativamente modulados (aumento e
diminuição da taxa de disparo, respectivamente) pelo número total de
neurônios presentes numa determinada sessão do experimento, de mo-
do a relativizarmos as alterações, conforme ilustrado na Figura 4.5.
Figura 4.4 – Contagem de disparos neuronais antes e depois da exposição ao
labirinto. Cores mais claras indicam uma maior contagem de disparos neurais
dentro da janela de contagem.
58
Figura 4.5 – Alteração percentual da taxa média de dis-
paro durante o SOL antes e depois da exposição ao labi-
rinto. Em preto, neurônios que não tiveram sua taxa alte-
rada, em vermelho neurônio que foram negativamente mo-
dulados (diminuição) e em azul, neurônios positivamente
modulados (aumento).
59
Quando os dados de taxa de disparo de todos os neurônios são
agrupados para se fazer a comparação entre pré e pós-exposição, ne-
nhuma diferença significativa foi encontrada. Comparando a diferença
da taxa de disparo durante o SOL na PRE e POS entre os animais, ape-
nas durante o teste temos uma diferença significativa (p = 0,0178), con-
forme indicado pela Figura 4.6.
60
Figura 4.6 – Comparação entre animais da diferença de taxa
de disparo durante o SOL antes e depois da exposição ao la-
birinto. Apenas os animais WEL05 e WEL06 diferem entre si
durante o Teste.
61
4.4.4.4.4444 –––– Análise dasAnálise dasAnálise dasAnálise das AssembleiasAssembleiasAssembleiasAssembleias NNNNeuronaiseuronaiseuronaiseuronais
Analisamos a quantidade de assembleias neuronais formadas
durante PRE, TR e T1. Embora o número de assembleias detectadas
seja maior durante o treino, quando verificamos o número médio de as-
sembleias por neurônio, essa diferença parece desaparecer. É interes-
sante notar uma tendência crescente para o número de assembleias
detectadas antes, durante e depois da exploração do labirinto, indepen-
dente da sessão do experimento. Esse resultado só foi significativo du-
rante o teste. A Figura 4.6 resume essas informações.
Tabela 4.2 – Número de assembleias detectadas por sessão experimental.
Controle Treino Teste
Animal PRE LAB POS PRE LAB POS PRE LAB POS
WEL 03 2 1 2 5 4 5 3 3 4
WEL 05 3 2 2 3 2 3 2 1 3
WEL 06 4 3 4 4 3 4 2 2 3
WEL 07 1 1 3 3 2 2 1 1 2
WEL 09 1 1 2 3 2 4 2 2 3
Tabela 4.3 – Número de neurônios registrados por sessão experimental.
Controle Treino Teste
Animal PRE LAB POS PRE LAB POS PRE LAB POS
WEL 03 8 8 8 25 25 25 22 22 22
WEL 05 10 10 10 11 11 11 10 10 10
WEL 06 14 14 14 14 14 14 9 9 9
WEL 07 13 13 13 12 12 12 8 8 8
WEL 09 11 11 11 17 17 17 13 13 13
62
Figura 4.7 – Quantidade de assembleias neuronais ativadas. Número de assembleias
neuronais pelo número de neurônios de cada um dos 5 animais (WEL), detectadas durante as
sessões controle (A), treino (B) e teste (C). É interessante notar que, ao longo dos diferentes dias,
o número médio de assembléias não flutua para as situações de pré (cinza claro), labirinto
(preto) e pós (cinza escuro) (D). * = p < 0,05 Mann-Whitney.
A seguir, testamos a hipótese de que a alta atividade das
assembleias detectadas poderia ser mais relevante para a consolidação
de memórias do que sua atividade total. Assim, tomamos uma medida
da quantidade de picos de atividade maiores do que dois desvios
padrões e comparamos as ocorrências totais dessas ativações intensas
num conjunto de dados de todos os animais durante os epsiódios de
SOL da PRE e POS ao longo das condições CT, TR e TE. Nenhuma
diferença significativa foi encontrada entre PRE e POS.
63
Figura 4.8 – Picos de forte atividade das assembleias
neuronais. A figura mostra a contagem de todas as
ativações maiores do que dois desvios padrões.
64
De modo similar, repetimos a análise acima para a atividade
total das assembléias, detectando um aumento da atividade de sono
subsequente à exploração do labirinto durante TR (p = 0,0393),
mostrado na Figura 4.9.
Para ter certeza que o resultado encontrado não se deve a
sincronizações espúrias entre os neurônios comparamos a atividade
real das assembléias durante PRE e POS para todos os animais contra a
atividade das assembléias geradas com dados neuronais surrogados, e
verificamos que a atividade das assembléias reais é diferente e maior do
que aquela dos dados falsos durante a sessão de treino (p = 0,0364),
também mostrado na Figura 4.9.
Finalmente, para ilustrar as diversas análises realizadas, a
Figura 4.10 mostra a atividade de neurônios individuais e a atividade de
assembléias neuronais durante a exploração do labirinto.
65
Figura 4.9 – Atividade total das assembléias neuronais. A figura resume a
comparação da força de ativação das assembléias entre o SOL da PRE e POS (azul
claro/escuro) e contra a atividade das assembléias geradas com dados surrogados
magenta claro/escuro). Apenas durante o Treino temos um aumento significativo
da atividade das assembleias (p < 0,05 teste-t).
66
Figura 4.10 – Atividade neuronal e comportamento. Dados mostram o comportamente e
atividade neuronal de um único animal (WEL06) durante a sessão de treino. (A) Etograma mos-
trando tempo de permanência nos diferentes braços do labirinto: braços abertos (verde), braço
aversivo (vermelho), braço não aversivo (azul) e centro (preto). (B) Contagem dos potenciais de
ação para cada neurônio registrado. Cores quentes indicam uma maior quantidade de disparos.
(C) Média populacional da contagem de disparos para todos os neurônios registrados. (D) Ativi-
dade das assembleias neuronais detectadas.
67
5 – DISCUSSÃO
O objetivo de um cientista em uma discussão com seus colegas não é o
de persuadir, mas de clarificar.
LEO SZILARD
Dentre as suas funções propostas para o sono está incluído seu
papel na consolidação local e sistêmica de memórias (Ribeiro et al.
2007; Born and Wilhelm 2012). A partir do trabalho clássico de Jenkins
e Dellenbach (Jenkins and Dallenbach 1924), diversos pesquisadores
mostraram os efeitos da privação do sono na consolidação de memórias
utilizando diferentes paradigmas, como o medo ao contexto e a navega-
ção do labirinto aquático de Morris (Youngblood et al. 1997; Graves et
al. 2003). Estudos anteriores no modelo adotado na presente tese, o da
esquiva discriminativa em labirinto em cruz elevado, mostram efeitos
deletérios da privação de SP sobre a aquisição, consolidação e evocação
da tarefa (Silva et al. 2004; Alvarenga et al. 2008).
A busca do papel do sono na memória, em particular o SOL, re-
velou que a atividade recente da vigília pode ser reproduzida nessa fase
do sono, seja por um aumento da taxa de disparo pela indução trans-
cricional de genes imediatos ou pela detecção da reativação de assem-
bleias neuronais (Pavlides and Winson 1989; Wilson and McNaughton
1994; Ribeiro et al. 2002; Ribeiro and Nicolelis 2004; Bendor and Wil-
son 2012). Um forte correlato neural da consolidação durante o sono diz
68
respeito à reativação sequencial de células espaciais (place cells) hipo-
campais após atividade relativamente recente da vigília (Lee and Wilson
2002; Ji and Wilson 2007).
Considerando a proposta de Hebb de que apenas a atividade
conjunta de vários neurônios permitiria o armazenamento de novas in-
formações aprendidas (Hebb 1949; Sakurai 1996), diversos métodos
têm sido propostos para procurar a atividade dessas assembleias neu-
ronais durante o sono (Wilson and McNaughton 1994; O’Neill et al.
2008; Nitz and Cowen 2008; Peyrache et al. 2010; Lopes-dos-Santos et
al. 2011).
Nesta tese, registramos a atividade simultânea de grupos de
neurônios hipocampais em ratos implantados cronicamente com matri-
zes de eletrodos e expostos a uma versão modificada do labirinto em
cruz elevado, de modo a procurar correlatos neurais da consolidação de
memórias.
Comportamentalmente, durante a sessão de controle, dada a
ausência dos braços abertos, não verificamos preferência significativa
dos animais por braços que na sessão de treino se tornaram aversivo e
não aversivo. Embora todos os animais tenham demonstrado aprendi-
zado durante o treino, conforme evidenciado na Figura 4.1B pelo deca-
imento do tempo de exploração do braço aversivo, o animal WEL07 fa-
lhou em evocar a tarefa durante a sessão de teste, permanecendo prati-
camente 100% do tempo no braço aversivo. Todos os demais animais
exibiram uma perfeita retenção do traço de memória. Investigando deta-
lhadamente o curso de treinamento do rato WEL07, não verifiquei ne-
69
nhuma diferença dele para os demais ratos durante o treino, conside-
rando tempo gasto explorando o braço aversivo
Quando investigamos a atividade de um neurônio sob a perspec-
tiva do potencial de ação, podemos dizer que há duas formas para ele
transmitir informação. A primeira é através da quantidade de disparos
que produz e a segunda é o momento no tempo em que os disparos a-
contecem. Essas duas abordagens constituem as chamadas codificação
por taxa e codificação temporal, respectivamente (Eggermont 1998;
Huxter et al. 2003).
Um exemplo clássico e pertinente a esse experimento de codifi-
cação de taxa são as células espaciais do hipocampo já mencionadas.
Essas células piramidais aumentam seus disparos em certos locais de
um determinado ambiente, informando o animal sobre sua localização
(O’Keefe and Dostrovsky 1971; Huxter et al. 2003). Para usar um mes-
mo exemplo, foi descoberto que após percorrer um determinado trajeto,
as células espaciais de ratos disparam na ordem reversa a do caminho
que acabam de seguir (Foster and Wilson 2006). Essa sequencia orde-
nada entre varias células constitui um exemplo de codificação temporal.
Nessa pesquisa, analisamos a contribuição desses dois tipos de
codificação para a consolidação de memórias durante a esquiva discri-
minativa.
Os dados neuronais aqui apresentados provêm do registro de
multi-unidades. Embora os formatos de onda de diversos potenciais de
ação registrados pareçam pertencer a uma única unidade neural, a fer-
ramenta do eletrodo de filamento simples (single-wire electrode) não
70
permite realizar uma triangulação espacial do sinal a qual separa muito
melhor o sinal captado, como é o caso dos eletrodos do tipo tetrodo
(Quiroga 2012). Apesar de existirem algoritmos para a detecção de uni-
dades neurais simples (single units) (Quiroga et al. 2004), a preocupa-
ção desse trabalho foi a de ter uma medida mais global do fenômeno de
consolidação durante o SOL, de modo que não se faz necessário o regis-
tro de uma mesma população de neurônios ao longo dos dias.
Em primeiro lugar exploramos a contagem de disparos de cada
neurônio antes e depois da exposição ao labirinto durante as diferentes
sessões experimentais (CT, TR, TE). Para cada animal, testei essas dife-
renças e estabeleci os percentuais de neurônios cujas taxas de disparo
se alteraram positiva ou negativamente (Figura 4.5).
Essas alterações positivas e negativas estão de acordo com a teo-
ria de entalhamento (emboss) sináptico, segundo a qual para que os
neurônios que contêm informação relevante se destaquem, a atividade
de outros neurônios menos relevantes diminuiu, evidenciando assim a
novidade adquirida. Essa teoria tenta sintetizar a teoria da regulação
homeostática das sinapses durante o sono (segundo a qual a atividade
sináptica diminui drasticamente durante o SOL para poder liberar es-
paço para novas memórias durante a vigília) e com achados de que a
atividade neuronal aumenta de modo hebbiano logo após um período de
exposição à novidade (Tononi and Cirelli 2003; Ribeiro et al. 2007; Born
and Feld 2012; Ribeiro 2012).
Para observar as mudanças globais da contagem de disparo du-
rante o SOL ao longo das situações de CT, TR e TE, agrupamos os da-
71
dos de todos os animais. Não verificamos nenhum aumento significativo
das mesmas entre os episódios de sono registrados.
Assim, ao abordarmos o problema pelo víeis da codificação por
taxa de disparo, não encontrei evidência de reativação hipocampal da
vigília durante o sono de ondas lentas.
Para dar inicio à abordagem referente à codificação temporal, in-
vestigamos a ativação de assembleias neuronais detectadas em cada
uma das sessões do experimento para as condições PRE, Labirinto e
POS.
Considerando que a reindução durante o SP da expressão de ge-
nes dependentes de atividade neuronal pode fazer com que a informa-
ção adquirida na vigília se propague através de diferentes áreas encefá-
licas (Ribeiro and Nicolelis 2004; Ribeiro et al. 2007), é razoável supor
que mais unidades neurais são recrutadas ao longo do tempo para di-
fundir essa informação. Essa maior ativação de neurônios dentro de
uma mesma estrutura poderia culminar no aumento da quantidade de
assembleias ativas. Entretanto, quanto mais neurônios registrados,
maiores as chances de se detectar assembleias. Assim, normalizamos a
quantidade de assembleias detectadas pela quantidade total de neurô-
nios presentes em cada sessão de registro, o que eliminou o possível
efeito da mudança do número de unidades registradas ao longo dos di-
as. Durante a sessão de teste, entretanto, ocorre um aumento da quan-
tidade de assembleias entre o SOL PRE e POS. Esse aumento poderia
representar uma reconsolidação de memórias, nesse caso um reforço do
72
aprendizado induzido pela resposta comportamental correta de evitar o
braço aversivo.
Segundo a teoria da sinapse Hebbiana, podemos esperar que
algumas das conexões fracas estabelecidas entre neurônios durante o
treino não tenham sido suficientemente reforçadas pela atividade de
outros neurônios, sendo eventualmente eliminadas. Assim, um olhar
para a intensidade da ativação das assembleias se faz necessário para
verificar a possibilidade de que, embora não tenhamos um aumento da
quantidade de assembleias após o treino, as assembléias existentes
possam estar mais fortes, o que poderia explicar a consolidação das
informações codificadas.
Ao se observar o perfil da atividade das assembleias no tempo,
nota-se que a atividade intensa é intercalada por várias ativações fra-
cas. Isso nos levou a testar a relevância da contribuição dos picos de
atividade para a consolidação de memórias. Utilizando a contagem total
de picos maiores do que dois desvios padrões acima da média, nenhu-
ma diferença foi encontrada entre o SOL PRE e o SOL POS.
A seguir, indagamos se a atividade total das assembleias poderia
contribuir com o processo de consolidação. Comparamos a atividade
total das assembleias neuronais detectadas no SOL antes e depois da
tarefa e encontramos um aumento significativo da ativação das mesmas
durante a sessão de treino, correspondendo ao período de aquisição da
memória, conforme evidenciado na Figura 4.9 (p = 0,0393). Aqui, não
vemos nenhum efeito da força das assembleias durante a sessão de
teste. Parece um pouco inconsistente que o aprendizado se reflita num
73
aumento da atividade das asembleias neuronais e que o reforço dessa
informação se dê apenas pelo número de assembléias presentes.
Experimentos adicionais com o registro de uma população neural maior
seria necessário para verificar esse achado durante o treino.
Para que o fenômeno do aumento de ativação de assembleias
durante o treino possa ser adequadamente interpretado, é preciso veri-
ficar se a sincronização de disparos neurais detectada poderia estar a-
contecendo de modo espúrio, por variações das taxas de disparo. Um
controle comumente empregado nessas situações é a técnica de emba-
ralhamento dos dados, gerando dados surrogados. Ao embaralhar a
contagem de disparos neurais ao longo do tempo para um determinado
neurônio, acabamos com a codificação temporal da informação ali con-
tida ao passo em que preservamos inalterada sua taxa de disparo.
Comparando os dados surrogados com a atividade real das assembleias
detectadas, verificamos que a atividade real é significativamente maior
do que aquela encontrada nos dados surrogados durante o treino. Esse
controle valida, portanto, o achado anterior.
Experimentos realizados por outros orientandos da co-
orientadora da presente tese demonstraram que o desempenho na tare-
fa de esquiva discriminativa em labirinto em cruz elevado é dependente
da área hipocampal (Silva e colaboradores, dados não publicados). As-
sim, o aumento da atividade de assembleias hipocampais durante o pe-
ríodo de SOL está de acordo com o esperado para a tarefa e vai ao en-
contro do que a literatura tem mostrado tanto sobre o papel do sono na
consolidação de memórias quanto sobre a reverberação mnemônica no
74
hipocampo. A reativação de sequências normais ou reversas de células
espaciais previamente mencionadas é um forte indício da importância
da codificação temporal no hipocampo para tarefas que envolvem nave-
gação espacial.
É interessante notar que nossos achados fogem da tradicional
visão de se estudar células espaciais do hipocampo como substrato da
memória adquirida. O hipocampo é uma região que recebe aferências
diretas de quase todas as modalidades sensoriais e sabemos que sua
função não se limita a mapear o espaço. Aqui, mostrei que subgrupos
específicos de células hipocampais registradas são capazes de se reati-
var numa macro escala (as assembleias) de modo a fortalecer uma me-
mória que não é apenas espacial (posição relativa ao braço aversivo),
mas também está relacionada a um contexto emocional negativo.
Futuras análises para detectar a presença de células espaciais
em nossos dados seriam interessantes, pois nos permitiriam verificar
possíveis reativações sequenciais das mesmas, conforme descrito na
literatura (Foster and Wilson 2006). Nesse sentido, correlações cruzadas
entre neurônios permitirão detectar células que disparam uma após ou-
tra. Os experimentos realizados nesta tese tampouco foram desenhados
para abordar as possíveis relações causais entre assembleias e compor-
tamento. Isso demandará uma interferência seletiva com as assemblei-
as, como tem sido realizado para oscilações rápidas (ripples) (Girardeau
et al. 2009).
Uma importante limitação da pesquisa eletrofisiológica que cabe
mencionar diz respeito ao efeito de subamostragem. Ao se estudar uma
75
pequena população neural, incorremos o risco de não termos registrado
os neurônios que de fato eram relevantes para a observação do fenôme-
no. Uma possível solução para tentar aumentar tanto a quantidade de
unidades neurais registradas quanto o número de disparos delas seria o
uso de algoritmos offline que detectam diferenças nas formas de onda
registradas e as classificam em unidades distintas.
De modo a obter uma resposta comportamental menos variada
durante o teste, a tarefa comportamental desempenhada (esquiva dis-
criminativa) poderia ser adaptada para, ao invés de o treino ser realiza-
do em uma única sessão de 10min, ser feito de modo repetitivo, em vá-
rias sessões menores. Isso também possibilitaria mais entradas no bra-
ço aversivo por sessão de treino, de modo que seria possível promediar
as diferentes respostas dos neurônios a cada entrada, além de facilitar o
mapeio de células espaciais. Ainda, outra alternativa seria substituir o
estímulo aversivo – ao invés de usar estímulos moderados (luz e som),
uma série choques leves (0,3 mA) poderiam ser aplicados nas patas du-
rante a permanência no braço aversivo. Espera-se com isso que a va-
lência emocional da passagem única pelo treino fosse consideravelmen-
te aumentada, levando a um aumento de desempenho durante o teste.
Essa alternativa trás um lado negativo que diz respeito a uma interfe-
rência no sinal elétrico do registro durante a aquisição da tarefa por o-
casião da corrente elétrica, mas não deve afetar a comparação da ativi-
dade neuronal durante o sono PRE e POS.
Para verificar a causalidade entre a reativação das assembleias
durante o SOL e a consolidação da memória seria interessante realizar
76
uma privação total de sono, além da interferência durante os ripples
hipocampais já mencionada. No caso, esperar-se-ia que os animais pri-
vados de sono logo após o treino na tarefa apresentariam valores mais
baixos da atividade de assembleias neuronais e que teriam um desem-
penho pior se comparados aos do grupo controle.
Considerando o controle negativo, é interessante notar que a
maioria dos neurônios do rato WEL07 diminuem sua taxa de disparo no
sono subsequente ao treino e que seus valores de ativação das assem-
bleias do rato WEL07 estão entre os menores encontrados. Para tirar-
mos conclusões definitivas, entretanto, seria necessário o estudo de
mais animais com comportamento semelhante, de modo a verificar a
consistência dos achados.
Igualmente interessante seria obter o registro de concomitante
de outras áreas cerebrais relacionadas à formação de memórias aversi-
vas. Sabemos, por exemplo, que a amígdala, em particular a subárea
basolateral, é capaz de atuar como uma estrutura moduladora, facili-
tando a consolidação de memórias no hipocampo. A comparação da co-
ativação entre hipocampo e amígdala em animais que obtiveram um
bom e mal desempenho na tarefa seria particularmente esclarecedor.
Seria esperado que uma maior atividade neuronal na amígdala estivesse
correlacionada com um aumento da atividade de assembleias hipocam-
pais no sono pós-tarefa.
Uma análise mais profunda dos potenciais de campo registrados
também se faz necessária. Estudos têm mostrado o papel de oscilações
conhecidas como ripples (>200 Hz) na consolidação de memórias (Es-
Ativação de assembleias hipocampais na memória aversiva
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Ativação de assembleias hipocampais na memória aversiva

  • 1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte NELSON A. M. LEMOS TAXA DE DISPAROTAXA DE DISPAROTAXA DE DISPAROTAXA DE DISPARO EEEE ATIVAÇÃOATIVAÇÃOATIVAÇÃOATIVAÇÃO DE ASSEMBLÉIASDE ASSEMBLÉIASDE ASSEMBLÉIASDE ASSEMBLÉIAS NO HIPOCAMPO DENO HIPOCAMPO DENO HIPOCAMPO DENO HIPOCAMPO DE RATOSRATOSRATOSRATOS DURANTE O PROCESSAMENTO DE UMADURANTE O PROCESSAMENTO DE UMADURANTE O PROCESSAMENTO DE UMADURANTE O PROCESSAMENTO DE UMA MEMÓRIA AVERSIVAMEMÓRIA AVERSIVAMEMÓRIA AVERSIVAMEMÓRIA AVERSIVA NATAL – RN 2012
  • 2. NELSON A. M. LEMOS TAXA DE DISPARO E ATIVAÇÃO DE ASSEMBLÉIAS NO HIPOCAMPO DE RATOS DURANTE O PROCESSAMENTO DE UMA MEMÓRIA AVERSIVA NATAL – RN 2012 Trabalho de defesa de doutorado em Psicobiologia apresentado à U- niversidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Dr. Sidarta Tollendal Gomes Ribeiro Co-orientadora: Dra. Regina Helena Silva
  • 3. II Dedicado à amizade, sem a qual tudo se torna insuportável e, muitas vezes, intransponível. A força nasce no profundo silêncio dos corações bastante sofridos; não em meio à alegria. ARTHUR HELPS
  • 4. III AGRADECIMENTOS Foi uma longa jornada. Em verdade, mais longa do que eu gostaria e bastante ardilosa. Porém, tive a sorte de encontrar algumas pessoas que aliviaram as dores ao percorrer esse vale sombrio. Mamãe, como sempre, pela dedicação, amor e paciência para com esse vosso filho, tem meu amor e minha gratidão. Aos amigos: Tárik, pela amizade longa que a distancia não separa e pela fé de que eu poderia terminar isso, quando nem mesmo eu mais acreditava. André, o que dizer? Acho que aqui cabe bem citar o credo de Quirion: “Lute com um amigo em suas costas, aço em suas mãos e ma- gia em suas veias”. Obrigado por ser esse amigo. Daniel, que surpresa agradável conhecê-lo nessa reta final. Não apenas deu uma ajuda de peso com as análises e discussões, mas acre- dito que fiz amizade com uma pessoa extraordinária. Obrigado por tudo. Ernesto, precisei importar ajuda do outro lado do Atlântico. O- brigado irmão pelas nerdices e pelas horas a fio escrevendo código. Luane, querida amiga. Foi um privilégio ter participado de sua formação. Espero ter contribuído positivamente. Pode contar comigo sempre que precisar. Muito obrigado por sua ajuda durante meu douto- rado, saiba que ela foi essencial. Marcão, você é o cara! No princípio, éramos nós. Valeu pela ami- zade, pelo trabalho insano e pela força. “The show must go on!” Ronaldo, obrigado pelo apoio e pela amizade esses anos todos. Vitor, mandou bem nos comentários e nas discussões. Valeu pe- la ajuda, foi de suma importância, pode ter certeza. Pra não mencionar a ferramenta das assembleias...
  • 5. IV Aos mestres: Adriano, você abriu as portas do Matlab. Agora dominarei o mundo. Alessandra, aprendi muito com suas críticas e comentários. O- brigado pela sua confiança. John, você foi como um pai aqui em Natal. Obrigado pelos ensi- namentos e pelas cervejas, não necessariamente nessa ordem. Aos orientadores: Obrigado. Muito obrigado. Aprendi muito durante essa cami- nhada com vocês. Talvez eu tenha demorado muito tempo para assimi- lar lições que estavam bem a minha frente, mas em retrospecto, posso afirmar hoje que finalmente eu as aprendi. Vocês me proporcionaram a condição para descobrir e conquistar minha própria força. Logicamente, muito mais pessoas passaram por minha vida que aqui eu não estou explicitamente mencionando. Todos contribuíram, senão em meu trabalho, na formação de meu caráter. Obrigado a todos, sejam pelas alegrias ou pelas tristezas compartilha- das e proporcionadas. Ambas foram muito importantes. The way out is forward. Onward to battle!
  • 6. V A coleta de dados experimentais da presente tese foi desenvolvida no Laboratório de Neurobiologia Celular do Instituto Internacional de Neu- rociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). A análise de dados e a preparação do texto ocorreram no Instituto do Cérebro da Universi- dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O trabalho utilizou recursos financiados pelo Conselho Nacional de De- senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), do Programa Pew Latin American Fellowship in the Biomedical Sciences e da Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP).
  • 7. VI SUMÁRIO LISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURASLISTA DE FIGURAS VIIIVIIIVIIIVIII LISTA DE TABELASLISTA DE TABELASLISTA DE TABELASLISTA DE TABELAS IIIIIXIXIXIX LISTA DE ABREVIALISTA DE ABREVIALISTA DE ABREVIALISTA DE ABREVIAÇÕESÇÕESÇÕESÇÕES XXXX RESUMORESUMORESUMORESUMO XIXIXIXI ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT XIIXIIXIIXII 1111 –––– INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO 1111 1.1 – MEMÓRIA E APRENDIZAGEM 3 1.1.1 – MEMÓRIA E SEUS MECANISMOS 7 1.2 – HIPOCAMPO 11 1.2.1 – ESTRUTURA ANATÔMICA 12 1.2.2 – O HIPOCAMPO E A MEMÓRIA 15 1.3 – ASSEMBLÉIAS NEURONAIS 17 1.4 – O SONO 20 1.4.1 – SONO E MEMÓRIA 24 1.5 – ESQUIVA DISCRIMINATIVA 27 1.6 – REGISTRO ELETROFISIOLÓGICO 29 2222 –––– OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOS 31313131 2.1 – OBJETIVOS GERAIS 31 2.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS 31
  • 8. VII 3333 –––– MATERIAIS E MÉTODOSMATERIAIS E MÉTODOSMATERIAIS E MÉTODOSMATERIAIS E MÉTODOS 32323232 3.1 – ANIMAIS 32 3.2 – ESQUIVA DISCRIMINATIVA 33 3.3 – REGISTRO DA ATIVIDADE NEURAL HIPOCAMPAL 34 3.3.1 – IMPLANTE DE MULTI-ELETRODOS E REGISTRO ELETROFISIOLÓGICO 34 3.3.2 – MATRIZES DE ELETRODOS 36 3.3.3 – IMPLANTE CIRÚRGICO DAS MATRIZES DE ELETRODO NO HIPOCAMPO 38 3.3.4 – AQUISIÇÃO COMPUTADORIZADA DE DADOS NEURAIS 40 3.3.5 – DISCRIMINAÇÃO DE UNIDADES NEURAIS EM TEMPO REAL 41 3.3.6 – PROTOCOLO EXPERIMENTAL 44 3.3.7 PERFUSÃO E PREPARAÇÃO DO TECIDO 46 3.4 – ANÁLISE DOS DADOS COMPORTAMENTAIS 47 3.5 – ANÁLISE DOS DADOS ELETROFISIOLÓGICOS 48 3.5.1 – DETECÇÃO DO ESTADO COMPORTAMENTAL. 48 3.5.2 – TAXAS DE DISPARO NEURAL 50 3.5.3 – DETECÇÃO E ATIVIDADE DE ASSEMBLEIAS NEURONAIS 51 4444 –––– RESULTADOSRESULTADOSRESULTADOSRESULTADOS 53535353 4.1 – RESULTADOS COMPORTAMENTAIS 53 4.2 – IMPLANTE DE ELETRODOS 56 4.3 – TAXAS DE DISPARO NEURONAL 57 4.4 – ANÁLISE DAS ASSEMBLEIAS NEURONAIS 61 5555 –––– DISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃODISCUSSÃO 67676767 6666 –––– REFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIAS 78787878 ANEXO I: PROTOCOLO PANEXO I: PROTOCOLO PANEXO I: PROTOCOLO PANEXO I: PROTOCOLO PARA IMPLANTE DE MATRARA IMPLANTE DE MATRARA IMPLANTE DE MATRARA IMPLANTE DE MATRIZ DE ELETRODOSIZ DE ELETRODOSIZ DE ELETRODOSIZ DE ELETRODOS 86868686
  • 9. VIII LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 – Esquema da formação hipocampal. ___________________________________ 13 Figura 1.2 – Morfologia Hipocampal. _____________________________________________ 14 Figura 1.3 – Efeitos do hipocampo sobre a memória aversiva._________________________ 16 Figura 1.4 – Reativação de assembleias neuronais durante o sono. ____________________ 19 Figura 1.5 – Características dos estados comportamentais de vigília, não-REM e REM. ____ 21 Figura 1.6 – Principais Oscilações Hipocampais. ___________________________________ 22 Figura 1.7 – Efeito da privação de sono sobre a memória. ____________________________ 24 Figura 3.1 – Matriz de múltiplos eletrodos. ________________________________________ 37 Figura 3.2 – Implante cirúrgico de uma matriz de eletrodos.___________________________ 39 Figura 3.3 – Seleção de multi-unidades neurais.____________________________________ 43 Figura 3.4 – Desenho do experimento. ___________________________________________ 45 Figura 3.5 – Classificação de estado comportamental. _______________________________ 49 Figura 4.1– Tempo de exploração dos braços abertos e do braço aversivo_______________ 54 Figura 4.2 – Tempo de permanência total no braço aversivo.__________________________ 54 Figura 4.3 – Histologia de Nissl para confirmar a posição dos eletrodos._________________ 56 Figura 4.4 – Contagem de disparos neuronais antes e depois da exposição ao labirinto. ____ 57 Figura 4.5 – Alteração percentual da taxa média de disparo durante o SOL antes e depois da exposição ao labirinto. ________________________________________________________ 58 Figura 4.6 – Comparação entre animais da diferença de taxa de disparo durante o SOL antes e depois da exposição ao labirinto.________________________________________________ 60 Figura 4.7 – Quantidade de assembleias neuronais ativadas. _________________________ 62 Figura 4.8 – Picos de forte atividade das assembleias neuronais. ______________________ 63 Figura 4.9 – Atividade total das assembléias neuronais.______________________________ 65 Figura 4.10 – Atividade neuronal e comportamento. _________________________________ 66
  • 10. IX LISTA DE TABELAS Tabela 4.1 – Duração dos episódios de SOL por animal (min). ________________________ 55 Tabela 4.2 – Número de assembleias detectadas por sessão experimental. ______________ 61 Tabela 4.3 – Número de neurônios registrados por sessão experimental. ________________ 61
  • 11. X LISTA DE ABREVIAÇÕES ACP – Análise de componentes principais; AMPA – ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropiônico CT – Controle, grupo; DAPI – Dihidrocloreto de 4',6-diamidino-2-fenilindole DLD – Depressão de longa duração; NMDA – N-metil-D-aspartato PB – Phosphate buffer, tampão fosfato; PLD – Potenciação de longa duração; POS – Pós-exposição ao labirinto, grupo; PRE – Pré-exposição ao labirinto, grupo; REM – Rapid eyes movement, movimento rápido dos olhos; RNA – Ribonucleic Acid, ácido ribonucleico; SOL – Sono de ondas lentas; SP – Sono paradoxal; TE – Teste, grupo; TR –Treino, grupo;
  • 12. XI RESUMO Hebb postulou que a memória poderia ser armazenada graças a atividade síncrona de vários neurônios, formando um assembleia neu- ral. Sabendo da importância da estrutura hipocampal para a formação de novas memórias explícitas, utilizamos o registro eletrofisiológico de múltiplos neurônios para investigar a relevância da codificação de taxa (rate coding) dos disparos neurais, comparada com a codificação tempo- ral (temporal coding) da atividade de assembleias, na consolidação de uma memória aversiva de ratos. Os animais foram treinados na esquiva discriminativa usando um labirinto em cruz elevado modificado. Duran- te as sessões experimentais foram registrados períodos de sono de on- das lentas (SOL). Nossos resultados indicam um aumento da atividade das assembleias neuronais identificadas durante o SOL após o treino na tarefa, sendo que o mesmo não acontece com a taxa de disparo. Em re- sumo, demonstramos que para essa tarefa em particular, a informação relevante à consolidação adequada da memória está codificada nos pa- drões temporais de sincronização da atividade neural e não em sua taxa de disparo.
  • 13. XII ABSTRACT Hebb postulated that memory could be stored thanks to the syn- chronous activity of many neurons, building a neural assembly. Know- ing of the importance of the hippocampal structure to the formation of new explicit memories, we used electrophysiological recording of multi- ple neurons to access the relevance of rate coding from neural firing rates in comparison to the temporal coding of neural assemblies activity in the consolidation of an aversive memory in rats. Animals were trained at the discriminative avoidance task using a modified elevated plus-maze. During experimental sessions, slow wave sleep periods (SWS) were recorded. Our results show an increase in the identified neural assemblies’ activity during post-training SWS, but not for the neural firing rate. In summary, we demonstrate that for this particular task, the relevant information needed for a proper memory consolida- tion lies within the temporal patters of synchronized neural activity, not in its firing rate.
  • 14. 1 1 – INTRODUÇÃO Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre o ombro de gigantes. SIR ISAAC NEWTON As memórias nos outorgam nossa identidade e individualidade. Muito do que somos é reflexo do acúmulo de experiências pessoais pas- sadas e a forma como lidamos com elas. Para o célebre escritor e dra- maturgo irlandês Oscar Wilde, “memória é o diário que todos nós carre- gamos conosco” (do original “memory is the diary that we all carry about with us”). Embora o conceito científico de memória não difira muito do senso comum – todos tem uma ideia geral sobre do que consiste e para que serve uma memória – uma definição mais formal cabe bem ao pro- pósito da tese. O termo memória pode se referir a coisas relacionadas, mas no entanto, diferentes. Podemos nos referir a um evento passado específico (uma lembrança) ou então à capacidade de armazenar e recordar infor- mações. Uma definição do termo não é algo tão simples uma vez que, como veremos, a memória não é um “bloco” único, mas sim diversos sistemas agrupados sob um mesmo nome. Assim, memória é tanto uma representação interna de experiências passadas que persiste com o tempo como também um processo, a capacidade de codificar, armaze- nar, consolidar e resgatar informações (Roediger et al. 2007). Ao longo
  • 15. 2 desse texto, estaremos utilizando principalmente a segunda definição do termo. Esse assunto nos permite fazer várias perguntas, todas muito simples: “Como nos lembramos? O que faz com que possamos adquirir uma determinada informação e, posteriormente, lembrarmo-nos dela a qualquer momento? Quais são as estruturas neurais envolvidas nesses processos?” As respostas, entretanto, são bastante complexas e longe de estarem completas. Ao passo em que o comportamento animal ainda é, em muitos aspectos, indispensável para se estudar o complexo fenômeno – dado que não podemos indagar diretamente um rato – ferramentas modernas como a eletrofisiologia de múltiplos neurônios agregam valor aos expe- rimentos e permitem explorá-lo de maneira invasiva. Considerando o registro da atividade neuronal em particular, uma questão importante é a de como interpretar o sinal gerado por es- sas células excitáveis. Eric Kandel, laureado com um prêmio Nobel em Medicina e Fisi- ologia, afirma que o século XXI, apenas em seu início, será o século da neurociência, como o século passado foi da biologia molecular – ou seja, ainda há muito para descobrirmos (Kandel 2007). O presente trabalho espera contribuir de alguma forma com o grande quebra-cabeça que é o estudo da memória, adicionando mais uma pequena peça ao quadro.
  • 16. 3 1111....1111 –––– Memória e ApMemória e ApMemória e ApMemória e Aprrrrendizagemendizagemendizagemendizagem O pioneiro no estudo da memória como assunto científico foi Hermann Ebbinghaus, no final do século XIX. Ele elaborou uma lista de sílabas a ser decorada e que, depois de algum tempo, deveria ser recita- da. Assim, a quantidade de sílabas lembradas se torna uma medida di- reta da memória do sujeito, o que permitiu traçar uma curva de esque- cimento, mostrando como varia a quantidade de palavras lembradas ao longo do tempo e o efeito de um maior treinamento sobre a retenção das mesmas (Ebbinghaus 2010). A partir desse conceito, podemos fazer o raciocínio inverso para obter uma curva de aprendizado. Apesar desse trabalho ter contribuído enormemente fundando termos e criando essas duas importantes medidas usadas até hoje (curvas de aprendizado e esquecimento), seu grande mérito foi o de colocar a memória definitiva- mente no campo científico, como um fenômeno observável e mensurá- vel, desmistificando sua subjetividade através de um experimento com- portamental elegante e extremamente simples. Uma vez demonstrado que o tema memória poderia ser investi- gado com o rigor científico, vários cientistas foram em busca de respos- tas acerca do fenômeno. Uma pergunta fundamental sobre o tema memória diz respeito à localização da mesma no encéfalo. Karl Lashley perseguiu esse tema realizando um experimento em animais bastante simples. Em sua bus- ca pelo engrama – o traço da memória – treinou ratos para percorrer um labirinto em zigue-zague com recompensa alimentar no final do trajeto.
  • 17. 4 À medida que os animais aprendiam o caminho, o tempo para saírem do labirinto era cada vez menor. Uma vez bem treinados na tarefa, Las- hley realizou cirurgias nesses animais para lesionar diferentes áreas corticais com variados graus de extensão. A ideia seria tentar lesar um local onde a memória relativa ao evento codificado residiria após percor- rer um caminho neural específico. Entretanto, concluiu que, indepen- dente da região lesionada, sempre havia prejuízo no desempenho da ta- refa, sendo o mesmo proporcional apenas à quantidade de tecido remo- vido. Lashley então postulou que a memória estaria igualmente distri- buída pelo cérebro, o chamado princípio da igualdade de massas (Las- hley 1950). O erro de Lashley foi não considerar que as regiões corticais lesionadas poderiam não ter uma relação direta com o processo mne- mônico mas simplesmente reger atividades sensório-motoras que, se prejudicadas, afetariam tanto a capacidade do animal locomover-se no labirinto como a de obter informações sensoriais sobre o mesmo. Na é- poca, entretanto, o conceito foi aceito pela comunidade e alguns anos passaram até que esse princípio fosse desafiado. Em 1957, Scoville e Milner publicaram um artigo que seria um marco na história da neurociência. Nele, os autores descrevem vários casos de perda de memória recente, dentre os quais um em particular: o caso do paciente H.M. Henry Molaison sofria de epilepsia resistente ao tratamento por drogas e foi submetido a uma cirurgia de ablação bilate- ral do foco epiléptico – no caso, o tecido correspondente ao lobo tempo- ral medial. Apesar de bem sucedida – a epilepsia foi completamente cu- rada – a cirurgia provocou um efeito colateral não previsto: além de
  • 18. 5 uma perda de memória retrógrada relativamente recente (de alguns a- nos antes da cirurgia), H.M. era agora incapaz de reter novas memórias (Scoville and Milner 1957). Assim, finalmente uma região cerebral en- volvida com o processo de formação de novas memórias havia sido loca- lizada no lobo temporal medial, circunscrita em uma estrutura particu- lar chamada hipocampo. Investigações posteriores revelaram que H.M. era capaz de a- prender tarefas motoras, como desenhar com o auxílio de um espelho; no entanto, embora apresentasse melhoras progressivas no traçado, não sabia de forma consciente que possuía tal habilidade (Milner 1962). Essas duas informações levaram a conclusões fundamentais sobre a memória: (1) a memória pode ser classificada temporalmente, desde mais recentes até mais remotas e (2) existem tipos de memória qualita- tivamente distintos, sejam para informações conscientes ou motoras (Squire 2004). Atualmente, nos referimos a memórias de curta ou de longa du- ração (dependendo do tempo em que elas permaneceram no sistema e dos processos bioquímicos pelos quais passaram) e também a tipos qualitativamente distintos, como as memórias explícitas (fatos, lugares, pessoas) e implícitas (hábitos e procedimentos motores), processos os quais dependem de estruturas encefálicas diferentes (Izquierdo and Me- dina 1995; Squire 2004; McGaugh 2000). Apesar de existir uma propos- ta de reclassificação dos tipos de memória, de modo a enquadrá-los ba- seado em sua função e estrutura, as nomenclaturas clássicas ainda predominam (Henke 2010).
  • 19. 6 Nesse trabalho vamos nos deter a memórias explicitas (hipo- campais) de longa duração.
  • 20. 7 1.1.1 – Memória e seus Mecanismos Hebb postulou em 1949 que para que ocorra a formação de uma memória, é necessário que ocorra: (1) uma reverberação da informação no sistema seguido de (2) uma modificação estrutural (morfológica) dos sistemas envolvidos (Hebb 1949). Essa teoria do traço dual da memória foi corroborada ao longo dos anos que se seguiram, ganhando evidência e força. Sabemos hoje, por exemplo, que a atividade neuronal sustenta- da e o aumento da arborização dendrítica, bem como a inserção de mais receptores pós-sinápticos atuam no sentido de reforçar a sinapse esta- belecida durante a aquisição, correspondendo às etapas de reverbera- ção e modificação estrutural respectivamente (Ribeiro and Nicolelis 2004). A busca por um substrato material das memórias levou a uma importante descoberta: a consolidação de memórias depende de síntese proteica de novo. Flexner demonstrou esse princípio administrando pu- romicina, um inibidor da síntese proteica, a camundongos após a ses- são de treino no labirinto em Y, provocando déficits no aprendizado dos mesmos (Flexner et al. 1963). Posteriormente, estudos em animais mais simples como a Apli- sia revelaram informações fundamentais sobre mecanismos da memó- ria, como a capacidade das células em regular a quantidade de neuror- receptores disponíveis na sinapse, o que por si só explica os fenômenos da habituação e sensibilização (Bailey and Chen 1988). A lesão de estruturas e a neurofarmacologia têm sido duas fer- ramentas chave para entendermos o processamento mnemônico. A ad-
  • 21. 8 ministração de drogas agonistas/antagonistas de receptores específicos em uma determinada estrutura em intervalos estratégicos (após o treino ou antes do teste, por exemplo, para testar efeitos sobre a consolidação e evocação, respectivamente) tem dado grandes contribuições para en- tendermos muitas vias neurais envolvidas com o processamento mne- mônico (Vazdarjanova and McGaugh 1998; McGaugh 2000; McGaugh and Izquierdo 2000; Rossato et al. 2009). Um fenômeno bastante estudado e que poderia explicar a base neurobiológica da memória é a potenciação de longa-duração (PLD). Ela é interessante como modelo por possuir características que se espera de uma memória como especificidade, associatividade, cooperatividade e persistência no tempo (Bliss and Collingridge 1993). Para induzir a PLD, uma estimulação elétrica é geralmente feita na passagem perforante – um feixe axonal que projeta do córtex entor- rinal para a região do giro denteado – estimulando assim o hipocampo (Bliss and Lomo 1973; Bliss and Collingridge 1993). Após o término da estimulação, o potencial pós-sináptico excitatório permanece elevado, persistindo por horas, dias ou semanas, conforme o estímulo aplicado. Para que haja indução dessa “memória” da estimulação elétrica, é ne- cessária a ativação de receptores glutamatérgicos, especificamente os do ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropionico (AMPA) e os do ácido N-metil-D-aspártico (NMDA) (Bliss and Collingridge 1993). Esse mecanismo molecular da PLD resgata a ideia da sinapse hebbiana de modo muito forte: se os receptores AMPA forem suficiente e repetidas vezes acionados pelo glutamato descarregado por um neurônio pré-
  • 22. 9 sináptico, o influxo de íons Na+ desse canal irá causar uma despolariza- ção de membrana grande o suficiente para deslocar um íon magnésio que normalmente obstrui o receptor NMDA, tornando-o ativo. Agora, numa próxima sinapse, o glutamato liberado poderá se ligar no canal NMDA, provocando a entrada de íons Ca++ no neurônio. O cálcio por sua vez ativará uma cascata bioquímica, levando a regulação positiva produção do receptor AMPA. A maior disponibilidade desses receptores na membrana, garante que os potenciais pós-sinápticos excitatórios se- rão mais intensos, atingindo mais facilmente o limiar que irá disparar um potencial de ação. Esses processos são relativamente bem conheci- dos, e uma série de intervenções farmacológicas já foi realizada no mo- delo da PLD (Izquierdo and Medina 1995). Finalmente, Whitlock e cola- boradores demonstraram que o aprendizado é capaz de induzir um es- tado de PLD no hipocampo de ratos, demonstrando que a PLD é mais do que apenas um princípio teórico para o registro das memórias (Whi- tlock et al. 2006). Para que os mecanismos de memória sejam realmente flexíveis, seria interessante que algum processo permitisse a redução da força sináptica, além do aumento provocado pela LTP. É justamente isso que faz a Depressão de Longa Duração (DLD). Apesar desse fenômeno ser mais famoso por sua ocorrência nas células de Purkinje cerebelares, daremos uma atenção particular para a DLD que ocorre no hipocampo. A DLD hipocampal é produzida ao se estimular em baixa fre- quência (0,5-5 Hz) as fibras colaterais de Schaffer que projetam para CA1. Isso acarreta uma baixa descarga glutamatérgica durante a sinap-
  • 23. 10 se, que consequentemente levará a um pequeno influxo de Ca++ via re- ceptores NMDA. Isso levará a ativação de uma cascata bioquímica dife- rente que resulta na diminuição dos receptores AMPA da membrana, diminuindo a capacidade de resposta daquele neurônio (Bear and Ma- lenka 1994; Malenka and Bear 2004). O processamento de uma memória passa por diversos estágios: aquisição, consolidação e evocação, correspondendo respectivamente à entrada, fortalecimento e resgate da informação memorizada. A consolidação de uma memória acontece após a aquisição de nova informação e corresponde ao período durante o qual é necessária a síntese de RNA e de proteínas para converter a informação adquirida em uma memória de longa-duração (Flexner et al. 1963; Davis and Squire 1984; Nader et al. 2000; Sutton and Schuman 2006). Experi- mentos em roedores sugerem que à medida que uma memória vai se tornando mais antiga, ocorre uma progressiva migração da informação do hipocampo para o córtex (Ribeiro et al. 2002; Ribeiro and Nicolelis 2004; Ribeiro et al. 2007), corroborando dados em estudos com huma- nos, como o caso já citado do paciente H.M, que sofreu uma amnésia retrógrada de até dois anos antes da cirurgia, mas mantinha vívida memórias de sua infância. A evocação por sua vez seria o resgate dessas memórias, a lem- brança (Squire and Kandel 2008). Esse estágio é fundamental para ga- rantir a adaptação e sobrevivência do indivíduo ao meio, fazendo com que um determinado animal evite uma área de predadores e saiba onde há comida abundante, por exemplo.
  • 24. 11 1.21.21.21.2 –––– HipocampoHipocampoHipocampoHipocampo O hipocampo é uma estrutura fundamental para a formação da memória, especificamente para os processos que envolvem a memória explícita. Essa estrutura se localiza no lobo temporal medial em huma- nos e recebe seu nome devido a sua semelhança morfológica com um cavalo marinho (do grego hippos, cavalo, e kampos, monstro marinho). Já no rato, o hipocampo se estende rostralmente dos núcleos septais até o córtex temporal, caudalmente (Shepherd 1998). Conforme descrito no tópico anterior, o caso do paciente H.M. consagrou o hipocampo como uma estrutura relacionada à memória. Entretanto, essa estrutura tem sido estudada há muito tempo e até o início da década de 30 o hipocampo era considerado pelos neuroanato- mistas como sendo parte do sistema olfatório. Isso se devia provavel- mente à impressão que esta estrutura é especialmente grande em espé- cies macrosmáticas (espécies cuja mucosa olfativa e bulbo são marca- damente desenvolvidos), tais como roedores e insetívoros noturnos. No entanto, nestes animais, os tamanhos absolutos das estruturas olfató- rias no cérebro são bastante reduzidas (Per Andersen et al. 2006). Di- versas outras funções têm sido descritas para o hipocampo, como a i- dentificação de respostas espaciais (O’Keefe and Dostrovsky 1971) e tác- teis (Pereira et al. 2007). Além disso, o hipocampo também foi estudado para, por exemplo, identificar as sinapses excitatórias e inibitórias (Per Andersen et al. 2006).
  • 25. 12 1.2.1 – Estrutura Anatômica Anatomicamente, o hipocampo faz parte de um conjunto de es- truturas que são conhecidas como formação ou complexo hipocampal. Santiago Ramón y Cajal, em seu célebre Textura do Sistema Nervoso do Homem e dos Vertebrados (Cajal 1894) descreveu o hipocampo como sendo dividido em duas regiões distintas: uma rica em células, localiza- da próximo ao giro denteado, chamada regio inferior e uma mais distal, com menor quantidade de células, chamada de regio superior. Posteri- ormente, Rafael Lorente de Nó dividiu o hipocampo em três campos dis- tintos, chamados de áreas CA3, CA2 e CA1 (Lorente de Nó, 1934). Os campos CA3 e CA2 de Lorente de Nó correspondem ao regio inferior de Cajal, enquanto CA1 corresponde ao regio superior (Shepherd 1998). Atualmente, considera-se que fazem parte da formação hipo- campal o hipocampo per se, compreendendo o corno de Amon (subdivi- dido em CA1, CA2 e CA3), o giro denteado (GD), o subiculum, pré- subiculum, parasubiculum e o córtex entorrinal. Enquanto CA1 e CA3 são claramente aceitos como regiões distintas, o campo CA2 é objeto de controvérsia, uma vez que é uma região estreita interposta entre CA1 e CA3 e que guarda características que se assemelham às duas outras regiões, sendo definida por alguns grupos como uma zona de transição (Per Andersen et al. 2006).
  • 26. 13 Figura 1.1 – Esquema da formação hipocampal. (A-B) Proje- ções de cada sub-área do hipocampo para outras regiões den- tro da estrutura. Adaptado de Andersen et al. 2007 (The Hip- pocampus Book, pg. 38). O fluxo de informação ao longo da formação hipocampal segue o seguinte esquema geral: diversas aferências sensoriais chegam no cór- tex entorrinal, o qual projeta para o giro denteado. Por sua vez, o GD irá enviar informação para CA3, daí para CA2 e finalmente a CA1, que fe- cha essa alça projetando novamente para o córtex entorrinal. Enquanto o GD é geralmente a grande porta de entrada de informação no hipo- campo (embora projeções diretas para CA1 e CA3 também existam), CA1 faz o papel de saída, enviando a informação ali processada para diversas áreas, como o córtex pré-frontal, a amígdala, hipotálamo, entre outras (Per Andersen et al. 2006).
  • 27. 14 Figura 1.2 – Morfologia Hipocampal. Histologia em Nissl (cresil violeta) do hipocampo dorsal, mostrando a localização das principais estruturas que o compõem.
  • 28. 15 1.2.2 – O Hipocampo e a Memória Muitas perguntas têm sido feitas com relação às funções especí- ficas das sub-áreas hipocampais, como CA1, CA3 e GD. Gilbert e cola- boradores avaliaram a capacidade que CA1 e GD têm de separar, res- pectivamente, padrões temporais e espaciais utilizando duas tarefas comportamentais diferentes (labirinto cheese-board e radial) e realizan- do lesões químicas nessas estruturas (Gilbert et al. 2001). Eles demons- tram que há uma especificidade das sub-áreas hipocampais para sepa- rar padrões de informação, sendo CA1 responsável por processar pa- drões temporais e o GD padrões espaciais. Já Lee e Kesner realizaram lesões em CA1, CA3 e GD e submeteram os animais a um condiciona- mento clássico (som pareado com choque nas patas do animal) com contexto enriquecido (diversas pistas ambientais e sensoriais) para ava- liar a contribuição de cada uma dessas sub-regiões durante a aquisição e evocação do medo condicionado, mostrando uma maior atividade de CA3 durante a aquisição inicial da tarefa, ao passo em que CA1 e GD estariam envolvidos no processo de evocação dependente de contexto da mesma (Lee and Kesner 2004). Além disso, Kubik e colaboradores fazem uma revisão desse assunto no que diz respeito do uso de genes imedia- tos para mapeamento de funções hipocampais (Kubik et al. 2007), rela- cionando a expressão dos mesmos em neurônios dessa região com a formação da memória. Além de uma diferença funcional entre as diferentes regiões hi- pocampais, o hipocampo também pode ser dividido em uma porção dor-
  • 29. 16 sal e outra ventral, com diferenças quanto à natureza das informações processadas, de modo que a inativação farmacológica seletiva do hipo- campo dorsal ou ventral atua diferentemente sobre os aspectos emocio- nais e mnemônicos. Assim, podemos relacionar as funções do hipocam- po dorsal principalmente a aspectos mnemônicos como a formação da memória espacial e do contexto (Lorenzini et al. 1996; McEown and Treit 2009, 2010), enquanto o hipocampo ventral relaciona-se mais com a questão emocional como a expressão de medo e comportamentos do tipo ansioso (McEown and Treit 2009, 2010). Além disso, o hipocampo faz uma predição de eventos – comparando resultados esperados e obti- dos – e também regula indiretamente a secreção de hormônios do es- tresse que podem promover um aumento da força do traço de memórias aversivas (Goosens 2011). A figura 1.3 ilustra todas essas funções. Figura 1.3 – Efeitos do hipocampo sobre a memória aversiva. O hipocampo controla o medo e ansiedade através de vários mecanismos como o controle da secreção hormonal relacionada ao stress, a facilitação de associações entre o contexto e o resultado aversivo e a melhoria do a- prendizado aversivo através da predição de erros. A porção dorsal do hipocampo está mais rela- cionada com aspectos cognitivos/espaciais da tarefa ao passo em que a parte ventral se encar- rega do controle emocional. Adaptado de Goosens 2011.
  • 30. 17 1.1.1.1.3333 –––– Assembléias NeuroAssembléias NeuroAssembléias NeuroAssembléias Neuronaisnaisnaisnais Donald Hebb fez uma tentativa de unir a psicologia à biologia experimental, preocupando-se em explicar, à luz do conhecimento de sua época, como o cérebro seria capaz de produzir fenômenos compor- tamentais complexos baseado na morfofisiologia neural (Hebb 1949). Numa época em que os estudos eletrofisiológicos concentravam- se em estudar um único neurônio, Hebb foi um visionário e antecipou que não seria possível que uma única célula fosse responsável por ar- mazenar uma memória nem capaz de produzir qualquer outro compor- tamento. Assim, teorizou que no momento em que entramos em contato com uma novidade sensorial, diversos neurônios se coativariam e seus disparos neurais sincronizados acabariam por facilitar o trajeto da in- formação advinda dessa via específica. Essa ideia, conhecida como si- napse hebbiana, ficou bem ilustrada pelo mnemônico “cells that fire to- gether wire together” (células que disparam junto ficam conectadas). Essa sincronização de disparo acabaria formando uma rede ou malha neural capaz de representar a informação desejada e uma posterior ati- vação de parte dessa rede, seja por estímulos externos ou internos, se- ria suficiente para que, através dessas sinapses reforçadas, as demais células fossem estimuladas, resultando na evocação da memória. Hebb chamou essa rede de neurônios de assembleia neural, enfatizando que o peso sináptico individual de um neurônio, ao ser integrado com os
  • 31. 18 demais, poderia gerar esses comportamentos complexos (Hebb 1949; Harris 2005). Essa ideia moldou a forma como pensamos e fazemos a neuroci- ência moderna. A busca pela coativação de um grande grupo de neurô- nios como correlato neural de memória é algo largamente empregado hoje. A questão é: como buscar por correlatos neurais da atividade des- se grupamento de neurônios? Quando se discute análise do código neural, existem basicamen- te duas abordagens: código de taxas (rate code) e código temporal (tem- poral code). No primeiro, apenas a taxa de disparo dos potenciais de a- ção é levada em conta enquanto que no segundo, a ordem precisa em que os spikes acontecem também carrega informação. Para a detecção de assembleias neuronais, o segundo método atende melhor às premis- sas hebbianas e costuma ser mais relevante. Wilson e McNaughton demonstraram que a análise da correlação neural par-a-par de um número grande de neurônios (uma forma de localizar assembleias) é capaz de detectar durante o SOL a reativação de padrões específicos àqueles da experiência em vigília (Wilson and Mc- Naughton 1994), conforme ilustrado na Figura 1.6.
  • 32. 19 Figura 1.4 – Reativação de assembleias neuronais durante o sono. As correla- ções de disparo neural par a par foram calculadas no sono que precede a tarefa, durante o percurso do labirinto, e no sono imediatamente após a tarefa, mostrando uma superposição dos estados. Cada ponto preto representa um neurônio registra- do. A cor dos traços representa o valor da correlação entre um determinado par de neurônios, sendo as cores quentes de maior valor.
  • 33. 20 1.1.1.1.4444 –––– O SonoO SonoO SonoO Sono Podemos observar facilmente dois estados comportamentais bas- tante distintos em vertebrados: (1) um estado muito ativo, durante o qual procedem-se as mais diversas interações ecológicas como forrageio e reprodução e (2) outro, no qual o animal repousa. O trabalho de Hans Berger com o eletroencefalograma permitiu que dois outros cientistas, Kleitman e Aserinsky, descobrissem anos mais tarde uma fase do sono, caracterizada pela ocorrência de movi- mentos rápidos dos olhos (Aserinsky and Kleitman 1953). O sono pode ser dividido em dois grandes estágios que se alter- nam ao longo do ciclo sono-vigília: o sono de ondas lentas (SOL) e o so- no paradoxal (SP) (Hobson and Pace-Schott 2002; Squire et al. 2008). Cada um desses estágios possui características particulares que auxili- am em sua classificação, conforme ilustrado pela Figura 1.1. Durante o sono de ondas lentas (as vezes chamado de não- REM), a frequência da atividade neuronal diminui e, de um modo geral, se sincroniza, o que faz com que a soma dos diferentes potenciais pós- sinápticos excitatórios tenha uma amplitude maior. O tônus muscular, embora diminuído devido ao repouso, ainda está presente. Por outro lado, o sono paradoxal se caracteriza por uma frequência de disparo neuronal semelhante àquela da vigília, fato que dá o nome a esse esta- do. Além disso, em humanos ocorre um movimento intenso dos olhos durante essa fase. Por isso, o sono paradoxal também é conhecido como sono REM, do inglês rapid eyes movement, ou movimento rápido dos
  • 34. 21 olhos. Outra característica dessa fase é a ausência completa de tônus muscular (Hobson and Pace-Schott 2002; Pace-Schott and Hobson 2002; Squire et al. 2008;). Figura 1.5 – Características dos estados comportamentais de vigília, não-REM e REM. Adaptado de Hobson and Pace-Schott 2002. O potencial de campo gerado pelo cérebro é, na verdade, a soma de sinais com diferentes faixas ou bandas de frequência. As caracterís- ticas desse sinal mudam dependendo do estado comportamental em que o indivíduo se encontra. As principais oscilações do hipocampo do rato estão presentes nas bandas delta (0-6 Hz), teta (6-12 Hz), beta (12- 30 Hz) e gama (3-100 Hz) (Per Andersen et al. 2006). Cada um desses ritmos pode ser associado a um comportamento do animal. Desse modo temos delta associado aos estágios de sono profundo durante SOL; teta correlaciona-se com atividade locomotora e atenção, além de ser domi-
  • 35. 22 nante durante SP; beta e gama são fortemente modulados por estímulos olfativos (Per Andersen et al. 2006). Do ponto de vista cognitivo, os rit- mos teta e gama têm um papel sugerido na coordenação da atividade de grupos (assembleias) de neurônios e, portanto, na codificação da memó- ria (Buzsáki 2004; Osipova et al. 2006; Tort et al. 2007; Colgin and Mo- ser 2010). A Figura 1.2 resume essas informações. Figura 1.6 – Principais Oscilações Hipocampais. O sono tem um papel crucial na homeostase do organismo. Em- bora sejam conhecidos os efeitos causados por sua privação – como aumento do stress, alterações do humor, diminuição da atenção e até mesmo a morte – não existe um consenso sobre a sua função. As teori- as atuais sobre o papel do sono incluem preservação de energia, reparo do organismo, insight e consolidação de memórias (Maquet 1995; Krue- ger et al. 1995, 1999; Maquet 2001; Pace-Schott and Hobson 2002; Wagner et al. 2004; Squire et al. 2008; Hauw et al. 2011). Outra característica marcante do sono, em particular da fase SP, é a ocorrência de sonhos. Apesar de ainda não existir nenhuma evidên- cia clara, os sonhos poderiam ter uma função evolutivamente adaptati-
  • 36. 23 va como simulador de situações potencialmente adversas, no intuito de melhor preparar o indivíduo para enfrentá-las no futuro. (Kaas 2006). De todos os papeis desempenhados pelo sono, iremos nos con- centrar em um deles em particular: sua importância para a consolida- ção das memórias.
  • 37. 1.4.1 – Sono e Memória A relação entre sono e memória foi primeiro e Dallenbach em seu experimento de 1924. Eles rem memorizado uma lista de sílabas sem sentido, os sujeitos que deram dormir imediatamente após o treino tiveram um menor declínio em sua curva de esquecimento durante o teste realizado até 8 horas d pois do que aqueles que foram mantidos acordados (privação de sono), ou seja, tiveram um melhor desempenho na tarefa bach 1924). Isso levantou questões sobre um possível envolvimento do sono na consolidação de memórias. Figura 1.7 – Efeit esquecimento mostrando a quantidade de sílabas retidas para os sujeitos que dormiram (Dormiu) e para os que foram privados de sono (Acordado). Adaptado de (Jenkins and Dallenbach 1924). Memória A relação entre sono e memória foi primeiro relatada e Dallenbach em seu experimento de 1924. Eles notaram que rem memorizado uma lista de sílabas sem sentido, os sujeitos que deram dormir imediatamente após o treino tiveram um menor declínio em sua curva de esquecimento durante o teste realizado até 8 horas d pois do que aqueles que foram mantidos acordados (privação de sono), ou seja, tiveram um melhor desempenho na tarefa (Jenkins and Dalle Isso levantou questões sobre um possível envolvimento do sono na consolidação de memórias. Efeito da privação de sono sobre a memória. Curva de esquecimento mostrando a quantidade de sílabas retidas para os sujeitos que dormiram (Dormiu) e para os que foram privados de sono (Acordado). Adaptado de (Jenkins and Dallenbach 1924). 24 relatada por Jenkins notaram que, após te- rem memorizado uma lista de sílabas sem sentido, os sujeitos que pu- deram dormir imediatamente após o treino tiveram um menor declínio em sua curva de esquecimento durante o teste realizado até 8 horas de- pois do que aqueles que foram mantidos acordados (privação de sono), (Jenkins and Dallen- Isso levantou questões sobre um possível envolvimento do Curva de esquecimento mostrando a quantidade de sílabas retidas para os sujeitos que dormiram (Dormiu) e para os que foram privados de sono (Acordado).
  • 38. 25 Embora hoje tenhamos um grande conhecimento sobre os efei- tos da perturbação do sono sobre o desempenho cognitivo (Berger and Oswald 1962; Youngblood et al. 1997; Graves et al. 2003; Silva et al. 2004; Alvarenga et al. 2008; Goel et al. 2009; Havekes et al. 2012), sua atuação fisiológica para promover esse ganho mnemônico ainda precisa ser melhor esclarecida. Por exemplo, é relativamente recente a desco- berta de que a re-exposição durante o sono de uma pista olfativa asso- ciada à tarefa pode levar a um aumento do desempenho da mesma no dia seguinte (Rasch et al. 2007). Nesse sentido, Pavlides e Winson foram os pioneiros em demons- trar que atividade de taxa de disparo neural durante o sono está corre- lacionada com a atividade recente das mesmas durante a vigília (Pavli- des and Winson 1989). Um argumento para o sono como agente da consolidação de memórias é que ele protegeria o traço de memória de interferências sen- soriais externas, sendo mais fácil o reforçar. Entretanto, sabemos que existe também uma participação ativa do sono nesse processo (Born et al. 2006; Marshall and Born 2007; Rasch and Born 2008; Born and Wi- lhelm 2012). Conforme mencionado anteriormente, podemos dividir o sono em dois estágios. Ribeiro e colaboradores demonstraram que cada um dos estágio do sono possui um papel distinto e complementar na consolida- ção de memórias. O trabalho mostra que a atividade neural do animal durante o SOL fica aumentada por horas após o mesmo ser exposto a uma novidade sensorial, enquanto que durante o PS ocorre uma rein-
  • 39. 26 dução da expressão de genes imediatos dependentes de cálcio (indica- dores de plasticidade neural) (Ribeiro et al. 2002; Ribeiro and Nicolelis 2004; Ribeiro et al. 2007), o que do ponto de vista hebbiano correspon- de à reverberação da informação adquirida e a uma reestruturação mor- fofisiológica tanto local quanto sistêmica. Além disso, as duas fases do sono parecem afetar a consolidação de diferentes sistemas de memória, sendo o SOL mais fundamental para memórias hipocampais e PS para memórias de procedimento (Marshall and Born 2007). Finalmente, foi demonstrado que ao longo dos ciclos de sono, a informação inicialmente contida no hipocampo é progressivamente transferida para regiões mais corticais (Ribeiro et al. 2007), confirman- do dados mais antigos (Scoville and Milner 1957; Buzsáki 1996).
  • 40. 27 1.1.1.1.5555 –––– Esquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva Discriminativa Como alternativa ao modelo da esquiva inibitória, foi desenvolvi- do outro paradigma para estudar os processos moleculares e eletrofisio- lógicos relacionados à extinção da memória. A esquiva discriminativa no labirinto em cruz elevado foi validada como um novo modelo para o es- tudo da interação entre memória e ansiedade (Silva and Frussa-Filho 2000; Silva et al. 2004; Kameda et al. 2007; Ribeiro et al. 2011). Nesse modelo, o aprendizado e a retenção de longa duração fo- ram estudados através de uma extensa abordagem farmacológica. Um resultado importante envolvendo esse modelo diz respeito à existência de um nível ótimo de ansiedade para que ocorra o aprendizado, tendo em vista que tanto manipulações farmacológicas ansiolíticas (diminuem a ansiedade) quanto ansiogênicas (aumentam a ansiedade) trazem défi- cits na retenção de memória, mas a administração de ambas surte um efeito nulo (Silva and Frussa-Filho 2000). Resumidamente, instalamos uma caixa de som e luzes de LED verde (de modo a não saturar a câmera e permitir o rastreio do animal por software) em um dos braços fechados (braço aversivo). O animal é colocado no centro do labirinto com a cabeça voltada para a intersecção dos braços abertos (dispostos em “L”) de modo a não influenciar sua decisão por entrar em nenhuma das áreas do labirinto. Durante os 10 minutos de exploração a que é submetido, toda vez que o animal entrar nesse braço aversivo, ambos os estímulos (som e luz) são disparados e permanecem ligados até que o mesmo saia dessa área. Considerando
  • 41. 28 que o rato tem um medo inato de espaços abertos e de altura, represen- tados aqui pelos dois braços abertos, espera-se que com o treino o ani- mal aprenda a reconhecer o outro braço fechado (braço não-aversivo) como um local seguro. Para verificarmos se o treino foi efetivo, uma ses- são de teste é realizada após 24 horas, na qual avaliamos se o animal reconhece e evita o braço aversivo. O uso de estímulos pouco aversivos (luz e som, ao invés de cho- que nas patas) viabiliza a tarefa como um bom modelo para o estudo da aquisição e extinção rápida da memória, além de possibilitar a avaliação do comportamento do animal ao longo das sessões de treino através de uma curva de aprendizado, o que não é possível na esquiva inibitória.
  • 42. 29 1.1.1.1.6666 –––– Registro EletrofisiológicoRegistro EletrofisiológicoRegistro EletrofisiológicoRegistro Eletrofisiológico A natureza elétrica do encéfalo foi descoberta no século XIX por Richard Caton, um cientista inglês que conduziu experimentos com um galvanômetro no cérebro de cães e chimpanzés. Esse trabalho foi fun- damental para o desenvolvimento do eletroencefalograma por Hans Ber- ger em 1924. Berger fez o primeiro registro cerebral em humanos e des- creveu um ritmo conhecido como ondas alfa. Em 1936, Alan Hodgkin e Andrew Huxley estudaram as propriedades elétricas do axônio gigante de lula, um axônio grande o suficiente para ser visto macroscopicamen- te, tornando fácil introduzir um eletrodo para registrar sua atividade. Em 1936, propuseram um modelo matemático explicando o potencial de ação e sua propagação na célula. Comparando os dois experimentos, temos uma diferença com re- lação a natureza do sinal registrado. Embora ambos tratem sobre varia- ções elétricas, temos no primeiro caso o registro da atividade global de muitos neurônios contra o registro de uma única célula no segundo. Assim, o sinal contínuo registrado no eletroencefalograma é conhecido como potencial de campo local e é o resultado da soma dos milhares de potenciais pós-sinápticos de muitos neurônios enquanto que o registro de Hodgkin–Huxley mostra apenas o disparo neural de uma única célu- la. Além disso, o registro eletroencefalográfico é não invasivo e extrace- lular, enquanto que o outro é invasivo e intracelular. Durante muito tempo pensou-se que o registro de uma única cé- lula neural seria suficiente para nos fornecer todas as informações ne-
  • 43. 30 cessárias para se entender o funcionamento do cérebro. Uma ideia do- minante por muito tempo foi a de que um único neurônio seria respon- sável por armazenar todas as memórias de um determinado assunto ou objeto, como a sua avó por exemplo, as células da vovó (do inglês grandmother cells). Com o advento do uso de múltiplos eletrodos para se registrar uma vasta quantidade de neurônios ao mesmo tempo, ficou claro que um dado neurônio pode participar de mais de uma assembleia neural ao mesmo tempo e, inclusive, pode mudar sua “função” ao longo do tempo. Finalmente, outro importante avanço para o campo foram os ex- perimentos realizados em animais acordados e livres para realizar a ta- refa solicitada, em oposição aos estudos com animais anestesiados e mantidos imobilizados. Nesse trabalho, utilizamos matrizes de múltiplos eletrodos de fi- lamento simples para realizar o registro das sub-áreas hipocampais CA1, CA3 e DG em ratos que se movem livremente enquanto aprendem e executam uma tarefa de memória aversiva em um labirinto em cruz elevado modificado.
  • 44. 31 2 – OBJETIVOS “Bom dia Sr. Hunt. Sua missão, caso decida aceitá-la...” MISSÃO IMPOSSÍVEL 2 2.12.12.12.1 –––– ObjetivosObjetivosObjetivosObjetivos GGGGeraiseraiseraiserais Verificar a atividade neuronal no hipocampo durante a aquisi- ção, consolidação e evocação de uma memória aversiva. 2.22.22.22.2 –––– Objetivos EspecíficosObjetivos EspecíficosObjetivos EspecíficosObjetivos Específicos 1. Analisar a taxa de disparo no hipocampo durante o sono de ondas lentas antes e depois da experiência nas condições controle, trei- no e teste. 2. Analisar a atividade de assembleias neuronais no hipocam- po durante o sono de ondas lentas antes e depois da experiência nas condições controle, treino e teste.
  • 45. 32 3 – MATERIAIS E MÉTODOS Não há nada nesse universo que não possa ser explicado. Eventualmente. DR. GREGORY HOUSE, HOUSE M.D. 3.13.13.13.1 –––– AnimaisAnimaisAnimaisAnimais Ratos machos adultos da linhagem Wistar (250-300 g) foram u- sados nesse trabalho. Os animais foram alojados em estantes climati- zadas dentro de gaiolas individuais com temperatura controlada tendo comida e água ad libitum. O ciclo claro escuro foi mantido em 12:12, com as luzes se acendendo as 06:00 horas. Sessões de manipulação foram efetuadas por 5 dias antes do experimento de modo a habituar os animais ao experimentador. Os animais foram designados com a sigla WEL (Wistar eletrofisiologia). Esse experimento foi aprovado pela Comissão de Ética para Ava- liação de Uso e Cuidados de Animais em Pesquisa da Associação Alber- to Santos Dumont de Apoio à Pesquisa (AASDAP), protocolo número 03/2008.
  • 46. 33 3.23.23.23.2 –––– Esquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva DiscriminativaEsquiva Discriminativa Utilizamos um labirinto em cruz elevado modificado, com seus braços fechados dispostos em “L” (50 x 15 x 40 cm) ao invés de opostos. Em um desses braços (Braço Aversivo, BV) uma luz verde intensa (3000 lux) e uma caixa de som (80 dB) foram instalados. Durante as sessões de treino, ambos os estímulos aversivos foram acionados a cada entrada do rato no BV, permanecendo ligados até sua saída do braço (R H Silva and R Frussa-Filho 2000). A memória foi avaliada pelo tempo de per- manência relativa do animal explorando o BV (100*TBV/TBV+TBnV), o qual deveria diminuir ao longo da sessão de treino (R H Silva et al. 2004).
  • 47. 34 3.3.3.3.3333 –––– Registro da Atividade Neural HipocampalRegistro da Atividade Neural HipocampalRegistro da Atividade Neural HipocampalRegistro da Atividade Neural Hipocampal 3.3.1 – Implante de Multi-eletrodos e Registro Eletrofisiológico Cinco ratos Wistar adultos foram usados nesse experimento. Os animais foram anestesiados com 100 mg/kg de cloridrato de quetamina e 5 mg/kg de cloridrato de xilazina. Conjuntos de 16-30 eletrodos de tungstênio cobertos com teflon (50 µm de diâmetro, espaçados a 300 µm) foram desenhados de maneira tal que, ao serem implantados no hipocampo (AP -2,8 mm; ML -1,9 mm; DV -3,14 mm) permitissem o re- gistro de 10 canais por sub-estrutura (CA1, CA3 e DG no hipocampo; animais WEL03, WEL05, WEL06) ou então registrassem apenas CA1 (WEL07 e WEL09). Um período de recuperação pós-operatório de 5-7 dias foi dado a cada animal antes do início do registro basal, de modo a verificar a estabilidade do sinal de disparos neurais (spikes) e assim de- terminar a janela de tempo ideal para se realizar o experimento em ter- mos de qualidade do sinal. Ao final do experimento a posição dos ele- trodos no tecido foi confirmada pela coloração das secções contendo as estruturas-alvo com Nissl ou DAPI. Os registros foram feitos usando um processador de aquisição multi-neural de 64 canais (MAP, Plexon Inc., USA). A seleção online de unidades neurais foi realizada com o auxílio do software SortClient 2002 (Plexon Inc., USA). Todos os potenciais de ação de um máximo de 4 unidades neurais por canal foram selecionados online por apenas um
  • 48. 35 único investigador e validadas por análise offline (Offline Sorter 2.3, Ple- xon Inc., USA) de acordo com os seguintes critérios cumulativos: a) li- miar de voltagem >3 desvios padrões de amplitude de distribuição; b) relação sinal-ruído >2,5 (verificada na tela do osciloscópio); c) menos de 0,5% de ocorrência de intervalos entre spikes (ISI) menores do que 1,0 ; d) estereótipo das formas de ondas (waveforms), determinado por um algoritmo de modelos de forma de onda (waveform template) e por análi- se de componentes principais (PCA). Potenciais de campo local (LFP) foram simultaneamente registrados pelos eletrodos e pré-amplificados (500x), filtrados (0.3–400 Hz) e digitalizados a 500 (WEL03) ou 1000 Hz (demais ratos) usando uma placa de aquisição digital (National Instru- ments, USA) e uma caixa MAP (Plexon Inc., USA). Um registro basal dos animais dentro da caixa de sono foi reali- zado diariamente a partir da segunda semana pós-cirurgia, de modo a determinar a janela de tempo ótima dentre a qual o número máximo de unidades estaria disponível para registro, ao mesmo tempo em que ser- via para habituar o rato a esse ambiente de registro.
  • 49. 36 3.3.2 – Matrizes de Eletrodos Matrizes de eletrodos cronicamente implantados foram usadas para amostrar a atividade extracelular de grandes populações de neu- rônios unitários localizadas no hipocampo. Após anos de experimentação, determinou-se que os microfios de 15-50 m oferecem o melhor método de registro simultâneo de uni- dades neuronais discrimináveis, as quais, em geral, possuem amplitude entre 75-150 V, ou 2,5 na razão sinal-ruído. Em média, 2,3 unidades neuronais podem ser isoladas por microfio. Geralmente, esses registros são muito estáveis, durando muitas semanas e até mesmo meses. Pro- cessadores de sinal digital multicanal (DSPs) são usados para discrimi- nar e comparar a forma de onda digital (Ribeiro et al. 2004; Nicolelis et al. 2003, 1997; Nicolelis 1999). As matrizes de eletrodos implantáveis são manufaturadas em nosso próprio laboratório. Os eletrodos são implantados em matrizes de 32 microfios isolados, espaçados por intervalos de 250-500 m. Esses microfios são conectados junto com fios-terra a conectores. Os conecto- res são cimentados juntos com resina odontológica para formar um “capacete”. Geralmente, entre um e oito conectores podem ser cimenta- dos em uma cabeça de rato numa única cirurgia. Esses chapéus podem ser implantados ao longo de múltiplas áreas corticais e subcorticais, incluindo o hipocampo e suas sub-regiões CA1, CA3 e GD. Experimen- tos anteriores revelaram que quando 64 microfios são estereotaxica- mente implantados em núcleos alvo apropriados em ratos, unidades
  • 50. 37 neuronais discrimináveis são tipicamente obtidas a partir de 70-80% dos microfios implantados. Dado que 2-4 unidades neuronais podem ser isoladas de cada um desses microfios, somos capazes de rotineira- mente registrar até 25-100 neurônios bem discriminados a partir de 64 microfios ou menos (Kralik et al. 2001; Nicolelis et al. 2003). Figura 3.1 – Matriz de múltiplos eletrodos. A foto mostra um exemplo de matriz confeccionada em nosso laboratório.
  • 51. 38 3.3.3 – Implante Cirúrgico das Matrizes de Eletrodo no Hipocampo O implante preciso dos eletrodos durante a cirurgia é garantido pelo posicionamento estereotáxico dos microfios e pelo registro contínuo da atividade neural durante a cirurgia. No caso de HP, o posicionamen- to dos eletrodos é guiado pelo perfil característico de profundidade para a atividade neural espontânea nessa estrutura e ritmo teta nos LFPs registrados no HP durante o experimento. A reconstrução histológica para a determinação do sítio de eletrodos específicos é conduzida após o término de todos os experimentos de registro pela inspeção de sessões coronais do encéfalo corados com cresil violeta ou DAPI com referência aos planos anatômicos (Paxinos and Watson 2007). Tipicamente, os mi- crofios causam danos mínimos e circunscritos ao tecido imediatamente ao redor dos mesmos (Freire et al. 2011). As seguintes coordenadas estereotáxicas (em mm a partir do Bregma (Paxinos and Watson 2007) são usadas para centrar as matri- zes com 16 eletrodos microfios em relação aos eixos antero-posterior (AP), médio-lateral (ML) e dorso-ventral (DV): -3,14 AP, + 1,9 ML, - 3,5 DV para atingir o giro denteado e -3,14 AP, + 1,9 ML, - 2,5 DV para CA1. Medidas de DV são em relação a superfície pial. A Figura 3.2 ilus- tra uma matriz de eletrodos sendo implantada. Os animais também tiverem eletrodos implantados na amígdala (-2,8 AP, -5,0 ML, 7,2 DV), mas a histologia não confirmou que os ele- trodos atingiram o alvo, por isso a análise dessa área foi descartada.
  • 52. 39 Figura 3.2 – Implante cirúrgico de uma matriz de eletro- dos. A matriz é lentamente baixada com auxilio de um apa- relho estereotáxico até que as coordenadas alvo sejam atin- gidas.
  • 53. 40 3.3.4 – Aquisição Computadorizada de Dados Neurais O sinal elétrico das áreas cerebrais envolvidas foi coletado por meio de microeletrodos implantados cirurgicamente na estrutura alvo (hipocampo). O SSCP (Plexon Inc, Dallas, TX), um programa rodado em um computador Pentium Xeon® (3.3 GHz, 8 Gb RAM) é utilizado para adquirir e armazenar dados de tempos de ocorrência de potenciais de ação completos de todos os neurônios simultaneamente registrados. O SSCP tem uma resolução de 0,2 ms. Amostras contínuas de potenciais de ação são obtidas para validação offline da discriminação dos neurô- nios unitários. Análises offline de autocorrelações e histogramas dos intervalos inter-potenciais de ação são então empregadas para demons- trar que um mesmo conjunto de unidades neurais foi registrado duran- te a duração de cada experimento. Outros trabalhos têm demonstrado que o conjunto de dados de multi-neurônios também contêm quantida- des substanciais de informação relacionada à tarefa (Carmena et al. 2003). Portanto, ambos os conjuntos de dados, unitários e multi- unitários, foram utilizados nesse projeto. O Neuro Explorer, Cine Plex, Offline Sorter (Plexon Inc, Dallas, TX) e outros pacotes projetados em Matlab no laboratório do investigador principal serão empregados para a análise conjunta dos dados neurofisiológicos e comportamentais. Uma descrição detalhada dos procedimentos analíticos usados nesse projeto será apresentada nas sessões apropriadas abaixo.
  • 54. 41 3.3.5 – Discriminação de Unidades Neurais em Tempo Real Tipicamente, há uma pronunciada melhora da qualidade dos re- gistros de neurônios unitários alguns dias após a cirurgia. Os experi- mentos com registro de grupos neuronais começam 7 dias após a cirur- gia. Atualmente, nosso arranjo permite que até quatro potenciais de a- ção sejam discriminados de cada um dos 32 canais do processador de aquisição de múltiplos-neurônios (MAP, Plexon Inc, Dallas, TX). A rotina de discriminação em tempo real de potenciais de ação utiliza processa- dores de sinal digital Motorola 56000, os quais implementam janelas temporais e de voltagem para a detecção de potenciais de ação (Nicolelis et al. 1997). Para uma segunda verificação de que os potenciais de ação de um único neurônio estão sendo detectados, um algoritmo de análise do componente principal (ACP) para o reconhecimento em tempo real de formas de onda é usado (Nicolelis et al. 1997) para isolar os potenciais de ação derivados de cada microfio. Cada forma de onda é plotada como um aglomerado no espaço definido pelos três primeiros autovetores ob- tidos naquele canal durante o período de “aprendizado”. Um pacote de software para a seleção supervisionada de potenciais de ação, traba- lhando sob a plataforma Windows 7, permite a amostragem contínua de todas as formas de onda (SortClient 2002, Plexon Inc, Dallas, TX) para validação offline (Offline Sorter 2.8.8, Plexon Inc, Dallas, TX) de acordo com os seguintes critérios cumulativos: a) limiares de voltagem > 2 des- vios padrões da distribuição das amplitudes; b) razão sinal-ruído > 2,5; c) menos de 1% dos intervalos inter-potenciais de ação menores do que
  • 55. 42 1,2 ms, correspondendo aos períodos refratários; d) estereótipo do for- mato do potencial de ação, determinado pela ACP. Aqui, usamos um algoritmo adaptativo que ajusta modelos da forma de onda baseado na média dos formatos recém acumulados. A Figura 3.3 mostra uma sele- ção de formas de onda neuronais e potenciais de campo utilizando o software Sort Client. Após o término dos experimentos, uma validação offline das for- mas de onda do sinal de spikes foi realizada e todas as unidades com formas de onda suspeitas ou de baixa amplitude (<375 µV) foram remo- vidas da análise, de modo a eliminar fontes de ruído.
  • 56. 43 Figura 3.3 – Seleção de multi-unidades neurais. Registro de 30 canais. Cada uma das cores representa uma multi-unidade neural diferente. A esquerda, um aumento do canal selecionado (A). O painel inferior mostra outra multi-unidade a esquerda ao passo em que o registro do potencial de campo é mostrado a direita.
  • 57. 44 3.3.6 – Protocolo Experimental Durante todos os dias de experimento, os animais foram coloca- dos em uma caixa de sono a qual haviam sido previamente habituados durante as sessões de manipulação por no mínimo 1 hora durante os 5 dias anteriores ao início do experimento. Os animais permaneceram na caixa por 2 horas antes de serem expostos ao labirinto, sendo que o registro eletrofisiológico se deu a par- tir da segunda hora, de modo a ignorar possíveis alterações causadas pelo anestésico isoflurano (utilizado para deixar o animal imóvel duran- te a conexão do cabo de registro com a matriz de eletrodos) sobre a ati- vidade neuronal. Esse registro antes da tarefa foi tomado como uma medida da atividade basal e constitui à pré-exposição ao labirinto (PRE). Em seguida, o animal é colocado para explorar labirinto por 10 minu- tos, após os quais retornam à caixa de sono para 3 horas adicionais de registro de pós-exposição à tarefa (POS). Durante o primeiro dia da tarefa (Controle, ou CT) os animais fo- ram expostos a um labirinto com os 4 braços fechados. A parede ao fi- nal de cada braço possui pistas espaciais, com figuras geométricas de formas e cores diferentes, no intuito de facilitar a navegação do animal pelo labirinto. Do segundo dia em diante, o labirinto é modificado para contar com a presença de braços abertos adjacentes, os quais permitem a vi- sualização de pistas espaciais externas ao labirinto. Na sessão de treino (TR), a cada entrada do animal no braço aversivo, um ruído alto (80 dB)
  • 58. 45 e uma forte luz (3000 lux) foram acionados. O estímulo só é interrompi- do com a saída do animal do braço. Finalmente, no terceiro dia, uma sessão de teste (TE) é realizada, sem a presença dos estímulos aversivos, para verificar a retenção da tarefa, expressa por uma redução no tempo explorando o braço aversi- vo. Figura 3.4 – Desenho do experimento. Os animais foram colocados no labirinto durante 4 dias consecutivos. A cada dia, foi realizado um registro basal, pré-experiência, de uma hora, uma sessão no labirinto de 10 minutos e um registro pós-experiência de 3 horas. No primeiro, o labirinto se apresentou com os 4 braços fechados consistindo em uma pré-exposição. No dia seguinte, dois dos braços foram abertos e a cada entrado do animal no braço aversivo, os estímulos aversivos (som e luz) eram acionados por toda a permanência do animal no mes- mo. No terceiro dia, uma sessão de teste é realizada para avaliar a capacidade do animal de evitar o braço aversivo e no quarto dia uma segunda sessão de teste tem por objetivo refor- çar ou induzir a extinção da memória.
  • 59. 46 3.3.7 Perfusão e Preparação do Tecido No momento do sacrifício, os animais foram inicialmente aneste- siados com isoflurano gasoso (5% misturado com oxigênio) para então serem anestesiados profundamente com tiopental sódico intraperitoneal (50 mg/Kg). Após isso, foram perfundidos transcardiacamente com sa- lina heparinizada (0,9%) aquecida, seguida de paraformaldeído (4% di- luído em PB 0,1 M) resfriado. Após a craniotomia, os cérebros foram imersos durante 24 h em tampão fosfato 0,1 M, sendo em seguida mer- gulhados em sucrose 30% até afundarem. Os tecidos foram envoltos em Tissue Tek (Sakura Finetek, Japan) e congelados usando uma mistura de gelo seco e etanol. Finalmente, o tecido foi seccionado a 30 µm em um criostato (Carl Zeiss Micron HM 550, Germany) e montados sobre lâminas de vidro carregadas eletricamente (Super Frost Plus – VWR In- ternational, USA). A localização dos eletrodos no parênquima cerebral foi evidenci- ada através de histologia básica (coloração de Nissl) ou fluorescência (DAPI).
  • 60. 47 3.43.43.43.4 –––– Análise dos Dados ComportamentaisAnálise dos Dados ComportamentaisAnálise dos Dados ComportamentaisAnálise dos Dados Comportamentais A memória pode ser inferida avaliando-se o tempo de permanên- cia no braço aversivo. Assim, o tempo de permanência relativa no braço aversivo (TAV) é dado pela equação ࢀ࡭ࢂ = ૚૙૙( ࢀࢇ࢜ ࢀࢇ࢜ାࢀ࢔ࢇ࢜ ). Adicionalmente, o tempo de permanência nos braços abertos du- rante o treino pode ser tomado como uma medida de ansiedade do ani- mal. O tempo de permanência relativa no braço aberto (TAB) é calcula- do com o auxílio da equação ࢀ࡭࡮ = ૚૙૙( ࢀࢇ࢈ ࢀࢇ࢈ାࢀࢇ࢜ାࢀ࢔ࢇ࢜ ), na qual o tempo de exploração dos braços abertos, aversivo e não aver- sivo são dados respectivamente por Tab, Tav e Tnav.
  • 61. 48 3.3.3.3.5555 –––– Análise dos Dados EletrofisiológicosAnálise dos Dados EletrofisiológicosAnálise dos Dados EletrofisiológicosAnálise dos Dados Eletrofisiológicos Os dados foram processados e analisados utilizando rotinas de Matlab (MathWorks, Natick, Massachusetts, United States) desenvolvi- das em nosso laboratório. Para as análises, agrupamos os dados de registro das diferentes áreas hipocampais, CA1 CA3 e DG. A análise desse experimento pode ser dividida em duas classes: (1) análise de taxas de disparo e (2) análise da atividade de assembleias neuronais. 3.5.1 – Detecção do Estado Comportamental. Os dados de LFP foram utilizados para classificar o estado com- portamental dos animais, de acordo com o método previamente descrito (Gervasoni et al. 2004). De modo sucinto, a classificação se baseia em agrupar pontos ao longo do tempo em clusters, usando uma razão entre as bandas teta e delta para definir o espaço bidimensional amostrado. A figura resultante possui em seu canto superior direito um conglomerado para SOL, a sua esquerda um para PAR e outro mais central para a vi- gília, conforme indicado na Figura 3.5. A seleção desses conglomerados define os intervalos de duração de cada estado comportamental utilizado em nossas análises.
  • 62. 49 Figura 3.5 – Classificação de estado comportamental. Em vermelho temos o cluster que representa o sono paradoxal (SP), em azul do sono de ondas lentas (SOL) e em verde ativida- de de vigília (VIG).
  • 63. 50 3.5.2 – Taxas de Disparo Neural Construímos uma distribuição de contagens de disparo para comparar a atividade neuronal entre diferentes períodos de interesse do experimento. As distribuições foram geradas pela contagem do número de potenciais de ação de cada neurônio registrado em janelas de 250 ms e foram comparadas dentro de cada grupo (CT, TR e TE) através do tes- te de Mann-Whitney utilizando amostras de mesmo tamanho de episó- dios concatenados de SOL durante PRE e POS. Além disso, comparamos se a diferença entre a taxa de disparo variava de animal para animal. Para isso, normalizamos a diferença da taxa de disparo para cada neurônio entre POS e PRE de acordo com a seguinte equação: ௉௢௦ି௉௥௘ ௉௢௦ା௉௥௘ , na qual Pos representa a média da taxa de disparo durante POS e a Pre representa a média da taxa de disparo durante PRE.
  • 64. 51 3.5.3 – Detecção e Atividade de Assembleias Neuronais Devido a precisão temporal da sincronia entre disparos de neu- rônios, utilizamos intervalos menores (30 ms) para a detecção de as- sembleias neuronais. Conforme argumentado por Lopes et al. a janela de 25 ms é adequada para conduzir tal análise (Lopes-dos-Santos et al. 2011). A contagem de potenciais de ação de cada neurônio nas janelas foi normalizada para que todas as unidades tivessem media nula e va- riância unitária (z-score, ou escore padrão). Essa normalização é dada pela equação ࢆ = ࢞ିࣆ ࣌ , na qual µ é a média da amostra e σ o desvio padrão da mesma. Em seguida, a matriz de covariância cruzada é calculada e seus autovalores são comparados com a distribuição de Marcenko-Pasteur a fim de detectar a presença de correlações de alta ordem (Lopes-dos- Santos et al. 2011). Os componentes principais associados a autovalo- res significativos são usados para reduzir a dimensionalidade da matriz de contagem de disparos. Finalmente, os componentes independentes dessa matriz reduzida são calculados e podem ser usados para calcular a atividade das assembleias neuronais com alta resolução temporal (Lo- pes-dos-Santos, Ribeiro e Tort, dados não publicados). A quantidade bem como a força de ativação das assembleias hi- pocampais serão comparadas entre as diferentes sessões do experimen- to, de modo a avaliar a aquisição, consolidação e evocação da memória.
  • 65. 52 Ao calcular a quantidade de assembleias encontradas a cada dia durante as condições PRE, POS e durante a exploração do labirinto, compensamos a diferente quantidade existente de neurônios entre ani- mais e ao longo dos dias dividindo o número de assembleias encontra- das pelo numero total de neurônios presentes. Para verificar a relevância da intensidade de ativação das as- sembleias, comparamos a atividade total das mesmas com aquela de picos de ativação maiores ou iguais a dois desvios padrões da média. Como forma de controle, todas as assembleias encontradas se- rão comparadas contra uma versão surrogada da mesma, na qual os tempos de disparo neural foram embaralhados dentro de cada neurônio (bin shuffling), destruindo as relações temporais entre as células mas conservando as contagens de disparo das mesmas. Os componentes independentes representando assembleias en- contrados durante o período de exploração do labirinto foram utilizados como modelos (templates) para procurar por atividade durante a ativi- dade total em PRE e POS. As atividades das assembleias durante os pe- ríodos de SOL foram concatenadas para se comparar PRE e POS. De modo semelhante ao método utilizado para comparar as taxas de dispa- ro, geramos uma amostra com tempos de registro iguais contendo a ati- vidade total para todas as assembleias neuronais identificadas durante episódios concatenados de SOL para a PRE e outra para a POS. A ativi- dade das assembleias foi comparada dentro de cada grupo (CT, TR e TE) utilizando o teste-t.
  • 66. 53 4 – RESULTADOS Quantas vezes já lhe disse que quando você eliminar o impossível, o que restar, por mais improvável que seja, deve ser a verdade? SHERLOCK HOLMES, UM ESTUDO EM VERMELHO 4.14.14.14.1 –––– Resultados ComportamentaisResultados ComportamentaisResultados ComportamentaisResultados Comportamentais Os animais exploram muito pouco os braços abertos, conforme indicado na Figura 4.1.A. A habituação ao aparato do labirinto pode ser evidenciada pelo baixo tempo explorando os braços abertos durante a sessão de teste. Todos os animais aprenderam a tarefa, conforme demonstrado pela queda no tempo de permanência no braço aversivo, ilustrado na Figura 4.1.B. Durante o teste, entretanto, um dos animais (WEL07) não apresentou o comportamento de evocação, passando a maior parte da sessão no braço aversivo (TAV = 90%), constituindo assim um controle negativo do experimento. A Figura 4.2 reflete a comparação estatística de TAV na ausência do outlier. TAV durante o teste foi comparado con- tra a chance aleatória de o animal entrar em um dos braços (p<0,0001). A Tabela 4.1 mostra o tempo total de registro de SOL utilizado para cada animal ao longo das sessões do experimento.
  • 67. 54 Figura 4.1– Tempo de exploração dos braços abertos e do braço aversivo. (A) O primeiro painel mostra o tempo gasto no braço aberto ao longo do tempo para as diferentes sessões do experimento. (B) Tempo de exploração do braço aversivo ao longo do tempo para as diferentes sessões. Média evocação refere-se ao grupo de animais que foi capaz de evocar a sessão de treino ao passo em que outlier mostra o comportamento do controle negativo, WEL07. Figura 4.2 – Tempo de permanência total no braço aversivo. A estrela vermelha representa o valor da média do outlier WEL07. A linha vermelha traçada representa a chance aleatória de o animal evitar o braço aversivo durante o teste. * = p < 0,05 teste-t.
  • 68. 55 Tabela 4.1 – Duração dos episódios de SOL por animal (min). Tabela mostra o tempo total de SOL que cada animal teve em cada sessão do experimento (CT, TR, TE). Animal CT TR TE WEL03 37 32 26 WEL05 37 32 27 WEL06 37 26 34 WEL07 13 44 39 WEL09 17 23 25
  • 69. 56 4444.2.2.2.2 –––– Implante de EletrodosImplante de EletrodosImplante de EletrodosImplante de Eletrodos Obtivemos sucesso para atingir as sub-áreas escolhidas (CA1, CA3, DG) em todos os animais implantados, conforme ilustrado pela Figura 4.3. Figura 4.3 – Histologia de Nissl para confirmar a posição dos eletrodos. Setas indicam as pontas dos eletrodos.
  • 70. 57 4.34.34.34.3 –––– Taxas de Disparo NeurTaxas de Disparo NeurTaxas de Disparo NeurTaxas de Disparo Neuronalonalonalonal Comparamos as taxas de disparo de cada neurônio entre a pré e pós-exposição ao labirinto durante o SOL (Figura 4.4) e dividimos o numero de neurônios positiva e negativamente modulados (aumento e diminuição da taxa de disparo, respectivamente) pelo número total de neurônios presentes numa determinada sessão do experimento, de mo- do a relativizarmos as alterações, conforme ilustrado na Figura 4.5. Figura 4.4 – Contagem de disparos neuronais antes e depois da exposição ao labirinto. Cores mais claras indicam uma maior contagem de disparos neurais dentro da janela de contagem.
  • 71. 58 Figura 4.5 – Alteração percentual da taxa média de dis- paro durante o SOL antes e depois da exposição ao labi- rinto. Em preto, neurônios que não tiveram sua taxa alte- rada, em vermelho neurônio que foram negativamente mo- dulados (diminuição) e em azul, neurônios positivamente modulados (aumento).
  • 72. 59 Quando os dados de taxa de disparo de todos os neurônios são agrupados para se fazer a comparação entre pré e pós-exposição, ne- nhuma diferença significativa foi encontrada. Comparando a diferença da taxa de disparo durante o SOL na PRE e POS entre os animais, ape- nas durante o teste temos uma diferença significativa (p = 0,0178), con- forme indicado pela Figura 4.6.
  • 73. 60 Figura 4.6 – Comparação entre animais da diferença de taxa de disparo durante o SOL antes e depois da exposição ao la- birinto. Apenas os animais WEL05 e WEL06 diferem entre si durante o Teste.
  • 74. 61 4.4.4.4.4444 –––– Análise dasAnálise dasAnálise dasAnálise das AssembleiasAssembleiasAssembleiasAssembleias NNNNeuronaiseuronaiseuronaiseuronais Analisamos a quantidade de assembleias neuronais formadas durante PRE, TR e T1. Embora o número de assembleias detectadas seja maior durante o treino, quando verificamos o número médio de as- sembleias por neurônio, essa diferença parece desaparecer. É interes- sante notar uma tendência crescente para o número de assembleias detectadas antes, durante e depois da exploração do labirinto, indepen- dente da sessão do experimento. Esse resultado só foi significativo du- rante o teste. A Figura 4.6 resume essas informações. Tabela 4.2 – Número de assembleias detectadas por sessão experimental. Controle Treino Teste Animal PRE LAB POS PRE LAB POS PRE LAB POS WEL 03 2 1 2 5 4 5 3 3 4 WEL 05 3 2 2 3 2 3 2 1 3 WEL 06 4 3 4 4 3 4 2 2 3 WEL 07 1 1 3 3 2 2 1 1 2 WEL 09 1 1 2 3 2 4 2 2 3 Tabela 4.3 – Número de neurônios registrados por sessão experimental. Controle Treino Teste Animal PRE LAB POS PRE LAB POS PRE LAB POS WEL 03 8 8 8 25 25 25 22 22 22 WEL 05 10 10 10 11 11 11 10 10 10 WEL 06 14 14 14 14 14 14 9 9 9 WEL 07 13 13 13 12 12 12 8 8 8 WEL 09 11 11 11 17 17 17 13 13 13
  • 75. 62 Figura 4.7 – Quantidade de assembleias neuronais ativadas. Número de assembleias neuronais pelo número de neurônios de cada um dos 5 animais (WEL), detectadas durante as sessões controle (A), treino (B) e teste (C). É interessante notar que, ao longo dos diferentes dias, o número médio de assembléias não flutua para as situações de pré (cinza claro), labirinto (preto) e pós (cinza escuro) (D). * = p < 0,05 Mann-Whitney. A seguir, testamos a hipótese de que a alta atividade das assembleias detectadas poderia ser mais relevante para a consolidação de memórias do que sua atividade total. Assim, tomamos uma medida da quantidade de picos de atividade maiores do que dois desvios padrões e comparamos as ocorrências totais dessas ativações intensas num conjunto de dados de todos os animais durante os epsiódios de SOL da PRE e POS ao longo das condições CT, TR e TE. Nenhuma diferença significativa foi encontrada entre PRE e POS.
  • 76. 63 Figura 4.8 – Picos de forte atividade das assembleias neuronais. A figura mostra a contagem de todas as ativações maiores do que dois desvios padrões.
  • 77. 64 De modo similar, repetimos a análise acima para a atividade total das assembléias, detectando um aumento da atividade de sono subsequente à exploração do labirinto durante TR (p = 0,0393), mostrado na Figura 4.9. Para ter certeza que o resultado encontrado não se deve a sincronizações espúrias entre os neurônios comparamos a atividade real das assembléias durante PRE e POS para todos os animais contra a atividade das assembléias geradas com dados neuronais surrogados, e verificamos que a atividade das assembléias reais é diferente e maior do que aquela dos dados falsos durante a sessão de treino (p = 0,0364), também mostrado na Figura 4.9. Finalmente, para ilustrar as diversas análises realizadas, a Figura 4.10 mostra a atividade de neurônios individuais e a atividade de assembléias neuronais durante a exploração do labirinto.
  • 78. 65 Figura 4.9 – Atividade total das assembléias neuronais. A figura resume a comparação da força de ativação das assembléias entre o SOL da PRE e POS (azul claro/escuro) e contra a atividade das assembléias geradas com dados surrogados magenta claro/escuro). Apenas durante o Treino temos um aumento significativo da atividade das assembleias (p < 0,05 teste-t).
  • 79. 66 Figura 4.10 – Atividade neuronal e comportamento. Dados mostram o comportamente e atividade neuronal de um único animal (WEL06) durante a sessão de treino. (A) Etograma mos- trando tempo de permanência nos diferentes braços do labirinto: braços abertos (verde), braço aversivo (vermelho), braço não aversivo (azul) e centro (preto). (B) Contagem dos potenciais de ação para cada neurônio registrado. Cores quentes indicam uma maior quantidade de disparos. (C) Média populacional da contagem de disparos para todos os neurônios registrados. (D) Ativi- dade das assembleias neuronais detectadas.
  • 80. 67 5 – DISCUSSÃO O objetivo de um cientista em uma discussão com seus colegas não é o de persuadir, mas de clarificar. LEO SZILARD Dentre as suas funções propostas para o sono está incluído seu papel na consolidação local e sistêmica de memórias (Ribeiro et al. 2007; Born and Wilhelm 2012). A partir do trabalho clássico de Jenkins e Dellenbach (Jenkins and Dallenbach 1924), diversos pesquisadores mostraram os efeitos da privação do sono na consolidação de memórias utilizando diferentes paradigmas, como o medo ao contexto e a navega- ção do labirinto aquático de Morris (Youngblood et al. 1997; Graves et al. 2003). Estudos anteriores no modelo adotado na presente tese, o da esquiva discriminativa em labirinto em cruz elevado, mostram efeitos deletérios da privação de SP sobre a aquisição, consolidação e evocação da tarefa (Silva et al. 2004; Alvarenga et al. 2008). A busca do papel do sono na memória, em particular o SOL, re- velou que a atividade recente da vigília pode ser reproduzida nessa fase do sono, seja por um aumento da taxa de disparo pela indução trans- cricional de genes imediatos ou pela detecção da reativação de assem- bleias neuronais (Pavlides and Winson 1989; Wilson and McNaughton 1994; Ribeiro et al. 2002; Ribeiro and Nicolelis 2004; Bendor and Wil- son 2012). Um forte correlato neural da consolidação durante o sono diz
  • 81. 68 respeito à reativação sequencial de células espaciais (place cells) hipo- campais após atividade relativamente recente da vigília (Lee and Wilson 2002; Ji and Wilson 2007). Considerando a proposta de Hebb de que apenas a atividade conjunta de vários neurônios permitiria o armazenamento de novas in- formações aprendidas (Hebb 1949; Sakurai 1996), diversos métodos têm sido propostos para procurar a atividade dessas assembleias neu- ronais durante o sono (Wilson and McNaughton 1994; O’Neill et al. 2008; Nitz and Cowen 2008; Peyrache et al. 2010; Lopes-dos-Santos et al. 2011). Nesta tese, registramos a atividade simultânea de grupos de neurônios hipocampais em ratos implantados cronicamente com matri- zes de eletrodos e expostos a uma versão modificada do labirinto em cruz elevado, de modo a procurar correlatos neurais da consolidação de memórias. Comportamentalmente, durante a sessão de controle, dada a ausência dos braços abertos, não verificamos preferência significativa dos animais por braços que na sessão de treino se tornaram aversivo e não aversivo. Embora todos os animais tenham demonstrado aprendi- zado durante o treino, conforme evidenciado na Figura 4.1B pelo deca- imento do tempo de exploração do braço aversivo, o animal WEL07 fa- lhou em evocar a tarefa durante a sessão de teste, permanecendo prati- camente 100% do tempo no braço aversivo. Todos os demais animais exibiram uma perfeita retenção do traço de memória. Investigando deta- lhadamente o curso de treinamento do rato WEL07, não verifiquei ne-
  • 82. 69 nhuma diferença dele para os demais ratos durante o treino, conside- rando tempo gasto explorando o braço aversivo Quando investigamos a atividade de um neurônio sob a perspec- tiva do potencial de ação, podemos dizer que há duas formas para ele transmitir informação. A primeira é através da quantidade de disparos que produz e a segunda é o momento no tempo em que os disparos a- contecem. Essas duas abordagens constituem as chamadas codificação por taxa e codificação temporal, respectivamente (Eggermont 1998; Huxter et al. 2003). Um exemplo clássico e pertinente a esse experimento de codifi- cação de taxa são as células espaciais do hipocampo já mencionadas. Essas células piramidais aumentam seus disparos em certos locais de um determinado ambiente, informando o animal sobre sua localização (O’Keefe and Dostrovsky 1971; Huxter et al. 2003). Para usar um mes- mo exemplo, foi descoberto que após percorrer um determinado trajeto, as células espaciais de ratos disparam na ordem reversa a do caminho que acabam de seguir (Foster and Wilson 2006). Essa sequencia orde- nada entre varias células constitui um exemplo de codificação temporal. Nessa pesquisa, analisamos a contribuição desses dois tipos de codificação para a consolidação de memórias durante a esquiva discri- minativa. Os dados neuronais aqui apresentados provêm do registro de multi-unidades. Embora os formatos de onda de diversos potenciais de ação registrados pareçam pertencer a uma única unidade neural, a fer- ramenta do eletrodo de filamento simples (single-wire electrode) não
  • 83. 70 permite realizar uma triangulação espacial do sinal a qual separa muito melhor o sinal captado, como é o caso dos eletrodos do tipo tetrodo (Quiroga 2012). Apesar de existirem algoritmos para a detecção de uni- dades neurais simples (single units) (Quiroga et al. 2004), a preocupa- ção desse trabalho foi a de ter uma medida mais global do fenômeno de consolidação durante o SOL, de modo que não se faz necessário o regis- tro de uma mesma população de neurônios ao longo dos dias. Em primeiro lugar exploramos a contagem de disparos de cada neurônio antes e depois da exposição ao labirinto durante as diferentes sessões experimentais (CT, TR, TE). Para cada animal, testei essas dife- renças e estabeleci os percentuais de neurônios cujas taxas de disparo se alteraram positiva ou negativamente (Figura 4.5). Essas alterações positivas e negativas estão de acordo com a teo- ria de entalhamento (emboss) sináptico, segundo a qual para que os neurônios que contêm informação relevante se destaquem, a atividade de outros neurônios menos relevantes diminuiu, evidenciando assim a novidade adquirida. Essa teoria tenta sintetizar a teoria da regulação homeostática das sinapses durante o sono (segundo a qual a atividade sináptica diminui drasticamente durante o SOL para poder liberar es- paço para novas memórias durante a vigília) e com achados de que a atividade neuronal aumenta de modo hebbiano logo após um período de exposição à novidade (Tononi and Cirelli 2003; Ribeiro et al. 2007; Born and Feld 2012; Ribeiro 2012). Para observar as mudanças globais da contagem de disparo du- rante o SOL ao longo das situações de CT, TR e TE, agrupamos os da-
  • 84. 71 dos de todos os animais. Não verificamos nenhum aumento significativo das mesmas entre os episódios de sono registrados. Assim, ao abordarmos o problema pelo víeis da codificação por taxa de disparo, não encontrei evidência de reativação hipocampal da vigília durante o sono de ondas lentas. Para dar inicio à abordagem referente à codificação temporal, in- vestigamos a ativação de assembleias neuronais detectadas em cada uma das sessões do experimento para as condições PRE, Labirinto e POS. Considerando que a reindução durante o SP da expressão de ge- nes dependentes de atividade neuronal pode fazer com que a informa- ção adquirida na vigília se propague através de diferentes áreas encefá- licas (Ribeiro and Nicolelis 2004; Ribeiro et al. 2007), é razoável supor que mais unidades neurais são recrutadas ao longo do tempo para di- fundir essa informação. Essa maior ativação de neurônios dentro de uma mesma estrutura poderia culminar no aumento da quantidade de assembleias ativas. Entretanto, quanto mais neurônios registrados, maiores as chances de se detectar assembleias. Assim, normalizamos a quantidade de assembleias detectadas pela quantidade total de neurô- nios presentes em cada sessão de registro, o que eliminou o possível efeito da mudança do número de unidades registradas ao longo dos di- as. Durante a sessão de teste, entretanto, ocorre um aumento da quan- tidade de assembleias entre o SOL PRE e POS. Esse aumento poderia representar uma reconsolidação de memórias, nesse caso um reforço do
  • 85. 72 aprendizado induzido pela resposta comportamental correta de evitar o braço aversivo. Segundo a teoria da sinapse Hebbiana, podemos esperar que algumas das conexões fracas estabelecidas entre neurônios durante o treino não tenham sido suficientemente reforçadas pela atividade de outros neurônios, sendo eventualmente eliminadas. Assim, um olhar para a intensidade da ativação das assembleias se faz necessário para verificar a possibilidade de que, embora não tenhamos um aumento da quantidade de assembleias após o treino, as assembléias existentes possam estar mais fortes, o que poderia explicar a consolidação das informações codificadas. Ao se observar o perfil da atividade das assembleias no tempo, nota-se que a atividade intensa é intercalada por várias ativações fra- cas. Isso nos levou a testar a relevância da contribuição dos picos de atividade para a consolidação de memórias. Utilizando a contagem total de picos maiores do que dois desvios padrões acima da média, nenhu- ma diferença foi encontrada entre o SOL PRE e o SOL POS. A seguir, indagamos se a atividade total das assembleias poderia contribuir com o processo de consolidação. Comparamos a atividade total das assembleias neuronais detectadas no SOL antes e depois da tarefa e encontramos um aumento significativo da ativação das mesmas durante a sessão de treino, correspondendo ao período de aquisição da memória, conforme evidenciado na Figura 4.9 (p = 0,0393). Aqui, não vemos nenhum efeito da força das assembleias durante a sessão de teste. Parece um pouco inconsistente que o aprendizado se reflita num
  • 86. 73 aumento da atividade das asembleias neuronais e que o reforço dessa informação se dê apenas pelo número de assembléias presentes. Experimentos adicionais com o registro de uma população neural maior seria necessário para verificar esse achado durante o treino. Para que o fenômeno do aumento de ativação de assembleias durante o treino possa ser adequadamente interpretado, é preciso veri- ficar se a sincronização de disparos neurais detectada poderia estar a- contecendo de modo espúrio, por variações das taxas de disparo. Um controle comumente empregado nessas situações é a técnica de emba- ralhamento dos dados, gerando dados surrogados. Ao embaralhar a contagem de disparos neurais ao longo do tempo para um determinado neurônio, acabamos com a codificação temporal da informação ali con- tida ao passo em que preservamos inalterada sua taxa de disparo. Comparando os dados surrogados com a atividade real das assembleias detectadas, verificamos que a atividade real é significativamente maior do que aquela encontrada nos dados surrogados durante o treino. Esse controle valida, portanto, o achado anterior. Experimentos realizados por outros orientandos da co- orientadora da presente tese demonstraram que o desempenho na tare- fa de esquiva discriminativa em labirinto em cruz elevado é dependente da área hipocampal (Silva e colaboradores, dados não publicados). As- sim, o aumento da atividade de assembleias hipocampais durante o pe- ríodo de SOL está de acordo com o esperado para a tarefa e vai ao en- contro do que a literatura tem mostrado tanto sobre o papel do sono na consolidação de memórias quanto sobre a reverberação mnemônica no
  • 87. 74 hipocampo. A reativação de sequências normais ou reversas de células espaciais previamente mencionadas é um forte indício da importância da codificação temporal no hipocampo para tarefas que envolvem nave- gação espacial. É interessante notar que nossos achados fogem da tradicional visão de se estudar células espaciais do hipocampo como substrato da memória adquirida. O hipocampo é uma região que recebe aferências diretas de quase todas as modalidades sensoriais e sabemos que sua função não se limita a mapear o espaço. Aqui, mostrei que subgrupos específicos de células hipocampais registradas são capazes de se reati- var numa macro escala (as assembleias) de modo a fortalecer uma me- mória que não é apenas espacial (posição relativa ao braço aversivo), mas também está relacionada a um contexto emocional negativo. Futuras análises para detectar a presença de células espaciais em nossos dados seriam interessantes, pois nos permitiriam verificar possíveis reativações sequenciais das mesmas, conforme descrito na literatura (Foster and Wilson 2006). Nesse sentido, correlações cruzadas entre neurônios permitirão detectar células que disparam uma após ou- tra. Os experimentos realizados nesta tese tampouco foram desenhados para abordar as possíveis relações causais entre assembleias e compor- tamento. Isso demandará uma interferência seletiva com as assemblei- as, como tem sido realizado para oscilações rápidas (ripples) (Girardeau et al. 2009). Uma importante limitação da pesquisa eletrofisiológica que cabe mencionar diz respeito ao efeito de subamostragem. Ao se estudar uma
  • 88. 75 pequena população neural, incorremos o risco de não termos registrado os neurônios que de fato eram relevantes para a observação do fenôme- no. Uma possível solução para tentar aumentar tanto a quantidade de unidades neurais registradas quanto o número de disparos delas seria o uso de algoritmos offline que detectam diferenças nas formas de onda registradas e as classificam em unidades distintas. De modo a obter uma resposta comportamental menos variada durante o teste, a tarefa comportamental desempenhada (esquiva dis- criminativa) poderia ser adaptada para, ao invés de o treino ser realiza- do em uma única sessão de 10min, ser feito de modo repetitivo, em vá- rias sessões menores. Isso também possibilitaria mais entradas no bra- ço aversivo por sessão de treino, de modo que seria possível promediar as diferentes respostas dos neurônios a cada entrada, além de facilitar o mapeio de células espaciais. Ainda, outra alternativa seria substituir o estímulo aversivo – ao invés de usar estímulos moderados (luz e som), uma série choques leves (0,3 mA) poderiam ser aplicados nas patas du- rante a permanência no braço aversivo. Espera-se com isso que a va- lência emocional da passagem única pelo treino fosse consideravelmen- te aumentada, levando a um aumento de desempenho durante o teste. Essa alternativa trás um lado negativo que diz respeito a uma interfe- rência no sinal elétrico do registro durante a aquisição da tarefa por o- casião da corrente elétrica, mas não deve afetar a comparação da ativi- dade neuronal durante o sono PRE e POS. Para verificar a causalidade entre a reativação das assembleias durante o SOL e a consolidação da memória seria interessante realizar
  • 89. 76 uma privação total de sono, além da interferência durante os ripples hipocampais já mencionada. No caso, esperar-se-ia que os animais pri- vados de sono logo após o treino na tarefa apresentariam valores mais baixos da atividade de assembleias neuronais e que teriam um desem- penho pior se comparados aos do grupo controle. Considerando o controle negativo, é interessante notar que a maioria dos neurônios do rato WEL07 diminuem sua taxa de disparo no sono subsequente ao treino e que seus valores de ativação das assem- bleias do rato WEL07 estão entre os menores encontrados. Para tirar- mos conclusões definitivas, entretanto, seria necessário o estudo de mais animais com comportamento semelhante, de modo a verificar a consistência dos achados. Igualmente interessante seria obter o registro de concomitante de outras áreas cerebrais relacionadas à formação de memórias aversi- vas. Sabemos, por exemplo, que a amígdala, em particular a subárea basolateral, é capaz de atuar como uma estrutura moduladora, facili- tando a consolidação de memórias no hipocampo. A comparação da co- ativação entre hipocampo e amígdala em animais que obtiveram um bom e mal desempenho na tarefa seria particularmente esclarecedor. Seria esperado que uma maior atividade neuronal na amígdala estivesse correlacionada com um aumento da atividade de assembleias hipocam- pais no sono pós-tarefa. Uma análise mais profunda dos potenciais de campo registrados também se faz necessária. Estudos têm mostrado o papel de oscilações conhecidas como ripples (>200 Hz) na consolidação de memórias (Es-