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NAIÁ AIELLO




      ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE:
UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA
                   NO SPFW




                    Londrina
                      2011
NAIÁ AIELLO




      ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE:
UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA
                   NO SPFW



                     Trabalho    de    Conclusão  de   Curso
                     apresentado ao Departamento Comunicação
                     Social - Jornalismo da Universidade
                     Estadual de Londrina.

                     Orientadora: Professora Dra. Rosane Borges
                     da Silva




                    Londrina
                      2011
NAIÁ AIELLO




          ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE:
UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA NO SPFW




                        Trabalho    de   Conclusão     de  Curso
                        apresentado    ao     Departamento    de
                        Comunicação Social – Jornalismo da
                        Universidade Estadual de Londrina.


                                   BANCA EXAMINADORA



                        ____________________________________
                                     Prof. Orientador
                                 Rosane Borges da Silva
                            Universidade Estadual de Londrina




                        ____________________________________
                               Prof. Componente da Banca
                                      Silvio Demétrio
                            Universidade Estadual de Londrina




                        ____________________________________
                               Prof. Componente da Banca
                            Valdirene Aparecida Vieira Nunes
                            Universidade Estadual de Londrina



                          Londrina, _____de ___________de _____.
Dedico este trabalho aos responsáveis
por tudo em minha vida, os meus
queridos e amados pais, Car e Gi.
AGRADECIMENTOS


      Agradeço ao maior amor do mundo refletido no amor de pai e mãe. Aos
meus mestres supremos da sabedoria, os acolhedores da minha dor e
incentivadores do meu riso. Ao grande exemplo de vida e de força. Este
trabalho só foi possível graças ao imensurável amor de dois grandes seres
humanos, meus pais, Carlos e Gisele. A quem devo minha vida e a quem
dedico não só este trabalho, mas também todas as minhas conquistas.
      Agradeço a cumplicidade e amizade que tenho em minha irmã, Mayra,
que existe além do nosso elo eterno de amor. Não dividimos o quarto, os pais,
a vida, e sim, compartilhamos tudo isso. Minha melhor amiga e parceira.
      Agradeço a Baby, por ter feito e ainda fazer parte da minha vida. Que
me ensinou que um ser de quatro patas possa amar e ser amado de forma
tão pura e bela. Pequena, muito obrigada por tudo, sempre.
      O companheiro de todas horas, o amigo e amor que encontrei dentro
desta universidade. Foi com ele que conheci o significado de caminhar lado a
lado e o amor entre um homem e mulher. Com você, vivi e vivo um amor
mágico que nunca pensei existir. Muito obrigada por tudo, André.
      Aos tão importantes na minha vida, meus avós, Darci e Arlindo, que me
ensinaram tanto e continuam ensinando. Agradeço a minha avó Clô e ao meu
avô querido, Antônio Carlos. Meus tios de sangue e minha tia de
consideração, sempre tão importantes para mim. Minha sempre amiga desde
que me dou conta de existir, Tarsila, por tudo o que você me ensinou e o que
aprendemos juntas.
      Meus amigos, tão queridos, do passado ou do presente, de Bauru ou
de Londrina, partes indissociáveis de quem sou. Não vou citar nomes já que
os meus verdadeiros amigos sabem tanto de mim a ponto de terem a plena
certeza quem são. Em especial, agradeço a um deles, Filipe, o protagonista
principal da saudade que sinto. Não uso metáforas porque a morte já passou
aqui há muito levando minhas esperanças tão doentes e essas epifanias
doidas que insisto em decorar. Muito obrigada por tudo que você me ensinou!
      Por último, mas não menos importante, minha orientadora querida,
Rosane Borges, cujo estilo, elegância e inteligência foram tão inspiradores a
este trabalho. Obrigada por fazer tudo dar certo e pela orientação tão valiosa.
(...)

      As vezes amanheço, e minha alma está úmida.
                       Soa, ressoa o mar distante.
                                  Isto é um porto.
                                  Aqui eu te amo.

      Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.
      Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
   As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,
     que correm pelo mar rumo a onde não chegam.

  Já me creio esquecido como estas velhas âncoras.
      São mais tristes os portos ao atracar da tarde.
          Cansa-se minha vida inutilmente faminta...
                                                  (...)

   Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.
           Mas a noite enche e começa a cantar-me.
                A lua faz girar sua arruela de sonho.

      Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.
           E como eu te amo, os pinheiros no vento,
querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.



                                        Pablo Neruda
AIELLO, Naiá. Entre o consumo e a necessidade: uma análise das tendências da
moda brasileira no SPFW. 2011. 123. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2011.


                                    RESUMO


Este trabalho tem como propósito analisar os desfiles das coleções outuno/inverno e
primavera/verão do São Paulo Fashion Week, tomando como suporte a cobertura do
evento do Site Chic destes três estilistas: Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e
Reinaldo Lourenço. Fundamenta-se nos princípios da análise do discurso para
verificar de que forma a moda constitui-se em um vetor, importante não apenas do
ponto de vista da utilidade, mas sobretudo do ponto de vista da afirmação dos
sujeitos no contexto de uma sociedade hiperconsumista. Estilos de vida,
comportamentos, mudanças geracionais, o papel do jornalismo segmentado são
alguns dos temas aqui explorados.

Palavras-chave: Moda. Discurso. Jornalismo Segmentado. Consumo. Estilos de
Vida
AIELLO, Naiá. Between consumption and necessity: an analysis of brazilian
fashion trends in SPFW. 2011. 123. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2011.


                                      ABSTRACT


This work aims to analyze the collections Autumn/Winter and Spring/Summer of the
fashion show São Paulo Fashion Week, using as a support the Chic Site event
coverage of these three designers: Alexandre Herchcovitch, Gloria Coelho and
Reinaldo Lourenço. It is based on the principles of speech analysis to see how
fashion establishes itself as a vector, not only important from the standpoint of utility,
but especially from the standpoint of the assertion of the subjects in the context of a
hyper consuming society. Lifestyles, behaviors, generational changes, the role of
segmented journalism are some of the themes explored here.

Key words: Fashion. Speech. Segmented Journalism. Consumption. Lifestyles
LISTA DE ILUSTRAÇÕES




Figura 1 – Evolução esquemática da moda no século XIX ..................................... 35
Figura 2 – Página inicial do site Chic ...................................................................... 65
Figura 3 – Foto número 28 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 71
Figura 4 – Foto número 11 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 71
Figura 5 – Foto número 1 desfile Inverno Herchcovitch.......................................... 74
Figura 6 – Foto número 10 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 74
Figura 7 – Foto número 08 desfile Verão Herchcovitch ......................................... 75
Figura 8 – Foto número 10 desfile Verão Herchcovitch ......................................... 75
Figura 9 – Foto número 31 desfile Verão Herchcovitch .......................................... 78
Figura 10 – Foto número 17 desfile Verão Herchcovitch ........................................ 78
Figura 11 – Foto número 04 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 80
Figura 12 – Foto número 34 desfile Inverno Glória Coelho ................................... 80
Figura 13 – Foto número 02 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 81
Figura 14 – Foto número 15 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 81
Figura 15 – Foto número 09 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 84
Figura 16 – Foto número 27 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 84
Figura 17 – Foto número 02 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 86
Figura 18 – Foto número 34 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 86
Figura 19 – Foto número 02 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 87
Figura 20 – Foto número 10 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 87
Figura 21 – Foto número 22 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 89
Figura 22 – Foto número 18 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 89
Figura 23 – Foto número 25 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 90
Figura 24 – Foto número 26 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 90
Figura 25 – Foto número 21 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 92
Figura 26 – Foto número 22 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 92
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS




AD – Análise do Discurso
ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network
BBN - Bold, Beranek e Newman
FWD – Fashion Wire Daily
SPFW – São Paulo Fashion Week
WEB – World Wide Web
LISTA DE TABELAS


Tabela 1– A análise do discurso: dispositivos e procedimentos ............................ 60
SUMÁRIO




1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13


2 A INSTITUIÇÃO DA MODA COMO SISTEMA: NOVOS PARÂMETROS PARA A
ERA MODERNA ...................................................................................................... 16
2.1 A MODA COMO SISTEMA ......................................................................................... 19
2.2 A MODA COMO FATOR DE DISTINÇÃO SOCIAL ............................................................ 23
2.3 A CRIAÇÃO (IMPOSIÇÃO) DE ESTILOS DE VIDA: O LUGAR DO VESTUÁRIO ...................... 32
2.4 O MODA NO BRASIL: NOVAS FORMAS DE AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL ........... 36


3 FORMAS JORNALÍSTICAS DE NARRAR ACONTECIMENTOS DO MUNDO: A
SEGMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO...................................................................... 40
3.1 O JORNALISMO NO BRASIL ...................................................................................... 41
3.2 A SEGMENTAÇÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA ............................................................. 43
3.2.1 As Revistas Femininas: tematização prioritária da moda e dos costumes ...... 44
3.3 AS NOVAS PROPOSTAS DA INTERNET....................................................................... 48
3.3.1 A Internet e o Mercado da Moda ..................................................................... 50
3.4 JORNALISMO DE MODA: NECESSIDADE OU FRIVOLIDADE? .......................................... 53


4 UMA PROPOSTA DE ANÁLISE: O MOVIMENTO DOS DISCURSOS SOBRE A
MODA NO SITE CHIC.............................................................................................. 55
4.1 EM TORNO DA METODOLOGIA ................................................................................. 55
4.2 O DISCURSO E A COMUNICAÇÃO ............................................................................. 57
4.3 AS BASES DA ANÁLISE............................................................................................ 58
4.4 PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO ............................................................ 59


5    ESTILOS DE VIDA, CONSUMO, LUXO, NECESSIDADE: PRODUÇÃO DE
SENTIDOS NOS DESFILES DE MODA DO SPFW................................................. 61
5.1 TRAJETÓRIA DO SÃO PAULO FASHION WEEK ............................................................. 61
5.2 O SITE CHIC E A COBERTURA DE MODA ................................................................... 63
5.2.1 As Configurações Verbo-visuais do Site Chic ................................................. 64
5.3 OS ESTILISTAS DE MODA E A VISIBILIDADE NO SITE CHIC ............................................ 69
5.3.1 Alexandre Herchcovitch ................................................................................... 69
5.3.1.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Herchcovitch................................ 70
5.3.1.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Herchcovitch ............... 73
5.3.1.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Herchcovitch .................................. 74
5.3.1.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Herchcovitch .................. 77
5.3.2 Glória Coelho ................................................................................................... 78
5.3.2.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Glória Coelho .............................. 79
5.3.2.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Glória Coelho .............. 81
5.3.2.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Glória Coelho ................................. 82
5.3.2.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Glória Coelho ................. 85
5.3.3 Reinaldo Lourenço........................................................................................... 86
5.3.3.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço ...................... 86
5.3.3.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço ...... 88
5.3.3.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Reinaldo Lourenço ......................... 89
5.3.3.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Reinaldo Lourenço ......... 91
5.4 ANÁLISE COMPARATIVA DAS COBERTURAS ANALISADAS ............................................ 93


CONCLUSAO .......................................................................................................... 96


REFERÊNCIAS .................................................................................................... ..101


ANEXOS .............................................................................................................. ..105
ANEXO A – Cobertura Inverno 2011 SPFW Alexandre Herchcovitch .................. ..106
ANEXO B – Cobertura Verão 2012 SPFW Alexandre Herchcovitch .................... ..109
ANEXO C – Cobertura Inverno 2011 SPFW Glória Coelho.................................. ..112
ANEXO D – Cobertura Verão 2012 SPFW Glória Coelho ...................................... 115
ANEXO E – Cobertura Inverno 2011 SPFW Reinaldo Lourenço............................ 118
ANEXO F – Cobertura Verão 2012 SPFW Reinaldo Lourenço .............................. 121
13


INTRODUÇÃO



      A evolução percebida pela história do vestuário retrata as muitas fases pelas
quais a moda passou até configurar-se como sistema, no século XV. Até este
período, que marca o fim da Idade Média, surgimento do capitalismo e a ascensão
da burguesia ao poder, o vestuário tinha como função a demarcação social realizada
por meio das roupas e uma inserção hierarquizada na vida dos indivíduos. A moda,
pois, constitui-se como um fenômeno que, segundo Lipovetsky (1989), é inseparável
do nascimento e desenvolvimento do mundo ocidental. Assim, desenvolve-se
paralela e juntamente com as principais rupturas ocorridas na passagem para a
modernidade e, de certa forma, traz em sua gênese rompimentos com a tradição,
com a aristocracia e com os padrões em voga até o momento.
      Levando em conta esse panorama, este trabalho tem como objetivo
apresentar discussões a respeito da presença da moda na sociedade moderna,
destacando o papel do jornalista enquanto atividade social na constituição de
narrativas sobre estilos de vida. Pretende empreender um resgate histórico parcial
acerca do surgimento e evolução da indústria do vestuário no mundo, bem como de
sua inserção no Brasil. Será apresentado, no capítulo 2, um panorama da imprensa
em geral e, principalmente, do jornalismo segmentado no país, a fim de entender a
inserção tão maciça do jornalismo de moda na internet.
      A importância da concepção da moda como um sistema, dá-se em razão da
nova organização econômica que estava em vias de formação ao final do século XV,
o capitalismo. Em um cotidiano em que estão refletidas mudanças de todos os tipos,
o interesse pelo vestuário e a necessidade da configuração da indústria da moda,
transformações certamente não tardarão a ocorrer.
      Desta maneira, a moda constitui-se como um sistema organizado propiciando
o culto ao novo e o “Império do efêmero”, nome que titula a importante obra de Gilles
Lipovetsky, texto utilizado como base deste trabalho. A indústria da moda passa a
ter o consumo como seu principal motivador e o incentivo ao individualismo como
justificativa de sua existência. No entanto, agrega em sua essência uma dualidade
conceptiva entre a promoção da individualidade e os artifícios de distinção.
      Como veremos no primeiro capítulo deste trabalho, algumas fases
acompanharam seu percurso, como a “moda de cem anos”, momento em que é
14


efetivada como uma organização estável e duradoura, e a “moda aberta”, período
em que a indústria volta-se à produção em série e burocratização da produção.
Desde então, passados cinco séculos de uma etapa responsável por transformar a
moda no que é atualmente, diversos setores ligam-se a esta indústria, hoje em
constante diálogo com todas as partes do mundo. Entre os setores de destaque,
está a comunicação, especificamente o jornalismo e a publicidade, com papel
essencial nessa globalização da moda e do consumo: são essas duas atividades
que, por meio de veículos a exemplo da internet, dinamizam e globalizam a moda.
Ganha destaque proeminente o jornalismo de moda, responsável por dar cobertura
integral à temática.
      Incluída nos veículos online, que surgem efetivamente há pouco mais de dez
anos, a moda encontra na web uma forma de demonstrar sua importância na vida
cotidiana. Se, por um lado, surge por uma necessidade do mercado e da indústria,
por outro, reflete também o interesse dos próprios consumidores. A partir desta
popularização da internet e da temática do vestuário, surgem duas modalidades
comunicacionais de livre acesso: os sites e blogs, que serão diferenciados no
segundo capítulo deste trabalho.
      Buscando referências do jornalismo de revista, o principal expoente do
jornalismo segmentado, os veículos online assumiram novas características,
buscando alinhar-se à contemporaneidade tecnológica e adquirir uma identidade
própria neste campo midiático ainda recente que é a internet. Nesse processo,
conhecido como midiatização, o veículo percorre todos os campos sociais, que,
segundo Maldonado (2002, p. 4), irá “condicioná-los e adequá-los às formas
expressivas e representativas da mídia”.
      A partir de suas possibilidades, a mídia online transpassa o valor expositivo,
dos veículos de comunicação. Agora, os veículos online buscam “traduzir” a moda e
suas particularidades ao leitor, utilizando para tal objetivo as diversas ferramentas
que tem configuradas em sua estrutura, definidas por Palacios, Mielniczuk, Barbosa,
Ribas e Narita (2002), por seis características: interatividade,   hipertextualidade,
multimidialidade, personalização, memória e atualização contínua. Preceitos
responsáveis por inovar e transformar a comunicação e romper barreiras entre
emissor e receptor, formando um leitor aparentemente mais crítico e ativo.
      Aliando as possibilidades da internet com a crescente necessidade da
abordagem da moda por diversos meios, nas revistas, portais, sites ou blogs,
15


discutem-se as especificidades da moda brasileira e internacional, expondo ainda a
característica crítica que pode ser adotada pelo veículo. A informação de moda,
atuando em um jornalismo conceitualmente expositivo e descritivo, também adquire
a função de jornalismo de serviço. Inserido no gênero utilitário, o jornalismo de
serviço tem se tornado cada vez mais comum na sociedade capitalista, com o
propósito de prestar serviço à sociedade.
      Em seguida, apresentamos nossas considerações finais que, antes de se
pretender conclusiva, faz um balanço das principais questões que o trabalho
suscitou. Por meio da análise de como está estruturado o discurso do site Chic a
partir da cobertura do São Paulo Fashion Week. A escolha do site é justificada pelo
pioneirismo do portal, criado em 2000 por Glória Kalil e por ser considerado um dos
primeiros veículos online de moda do Brasil. Por meio das configurações do site,
este estudo pretende identificar quais as formações discursivas estão presentes no
site Chic. Pretende discutir, além da compreensão dos textos, os meios de
interpretação da análise dos discursos presentes nas matérias veiculadas pelo site,
buscando entender de qual forma o uso da linguagem e de expressões simbólicas
são responsáveis por construir e constituir relações sociais, muitas vezes inseridas
de forma sutil nas publicações.
16


2 A INSTITUIÇÃO DA MODA COMO SISTEMA: NOVOS PARÂMETROS PARA A
ERA MODERNA


       Antes de explorarmos especificamente o tema do nosso trabalho, necessário
se faz apresentar algumas reflexões a respeito da moda em suas diversas
perspectivas. Um fio condutor que nos guia aqui pode ser encontrado nos debates
de cunho sociológico, político e econômico destinados ao tema.
       Conceituada por Lipovetsky (1989) como um fenômeno inseparável do
nascimento e desenvolvimento do mundo moderno ocidental, o surgimento da moda
marca uma ruptura. Datado no fim da Idade Média e no surgimento da era moderna,
a moda não institui apenas a novidade como pilar de sustentação, mas agrega em
sua estrutura um sistema baseado na promoção do individualismo, promoção da
distinção, associada a uma autonomização das consciências e dos desejos dos
indivíduos. Para SOUZA (1987), a moda não pode ser considerada um fenômeno
universal e sim particular a certas sociedades e períodos históricos.
       O fim do século XIV não marca somente o nascimento da moda, mas também
a sua consolidação de forma sistemática e durável. Até aquele momento, o vestuário
(cujo princípio acredita-se que tenha ocorrido na era pré-histórica, antes mesmo do
surgimento da escrita), era concebido apenas como uma necessidade. Mesmo que
este último fator tivesse perdido espaço para a vaidade e hierarquização das
sociedades ao longo dos séculos, os trajes eram tão somente a vestimenta, pré-
determinada seguindo os preceitos da época. As variações do traje limitavam-se às
hierarquias de classe, em que as diferenciações davam-se, essencialmente, nos
tecidos e ornamentos utilizados. Assim, de acordo com Lipovetsky, “durante séculos,
o vestuário respeitou globalmente a hierarquia das condições: cada estado usava os
trajes que lhe eram próprios” (1989, p. 40). Mesmo que houvesse uma ínfima
diferenciação entre os trajes de classes distintas, não havia possibilidade e
tampouco liberdade para que a moda e o luxo fossem acessíveis aos mais diferentes
níveis sociais.
                     De maneira geral, podemos dizer que os povos primitivos a desconhecem
                     (talvez a grande significação religiosa e social atribuída à roupa e aos
                     enfeites represente um empecilho às manifestações de mudança), que entre
                     os gregos e romanos ela se limita a alguns setores, como a variação dos
                     estilos de penteado, e que na Idade Média praticamente não existe
                     (SOUZA, 1987, p. 20).
17


      A elitização dos trajes dá-se em razão de um conceito enraizado nas relações
e comportamentos dos homens do fim do século XIV: a tradição. Sua força impedia
que as classes inferiores tivessem acesso aos trajes que pertenciam aos nobres,
que não desejavam ter seus privilégios e particularidades usurpadas pelos plebeus.
O rompimento realizado pela moda em relação aos comportamentos tradicionais é
explicado por Gilda de Mello e Souza, que diz que “os costumes cultuam o passado,
ligando-se assim à tradição, e a moda cultua o presente, adotando sempre a
novidade” (1987, p. 20). As classes nobres não desejavam compartilhar com seus
subalternos o luxo dos tecidos, acessórios e jóias, características que consideravam
traço de seu poder e elegância, marca maior de distinção e austeridade da nobreza.
      A moda surge em um século em que a arte é representada por artigos com
propriedades   predominantemente     extravagantes,    cujo   excesso   e   utilização
desmedida de ornamentos eram próprios deste período, particulares às classes que
podiam vestir-se com adornos exagerados.
      A uniformização dos trajes será colocada em discussão com o surgimento da
moda e as transformações que ela inevitavelmente provoca. A figura do burguês é
fundamental para se pensar na reestruturação que a moda propõe. “(...) o grande
novo rico, de padrão de vida faustoso, que se veste como os nobres, que se cobre
de jóias e de tecidos preciosos, que rivaliza em elegância com a nobreza de sangue”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 40). O burguês surge em meio a um crescimento
vertiginoso das cidades, da produção, do comércio e dos bancos, que tem por
consequência o surgimento de uma nova classe social, que não possui sangue azul,
mas é detentora de imensas fortunas e cujo prestígio e poder só irão aumentar. Seu
cenário principal, as cidades, propiciam efetivamente comportamentos próprios da
moda, destacados por Souza. “A aproximação em que vivem as pessoas na área
urbana desenvolve, efetivamente, a excitabilidade nervosa, estimulando o desejo de
competir e o hábito de imitar” (SOUZA, 1987, p. 21). Em contrapartida, enquanto a
ascensão da burguesia caminha pari passu com a sociedade moderna, a nobreza vê
seu poder em constante diminuição em decorrência do novo e duradouro regime
político, o capitalismo, que forneceu cada vez mais subsídios para o aumento de
poder da burguesia, detentora dos meios de produção.
      Fenômeno indissociável do ocidente, o surgimento da moda só foi possível
por meio de fatores particulares à Europa após o século X. Condições possibilitadas
18


nos campos econômicos, sociais e políticos que se refletiram na dinâmica europeia,
fator essencial ao desenvolvimento da moda e de seus desdobramentos.
      Com o fim dos ataques bárbaros e da destruição causada pelas constantes
disputas territoriais, a Europa ocidental passa a enfrentar um longo período de
imunidade,    livre   dos   ataques      estrangeiros.     Este    fenômeno       favoreceu      o
desenvolvimento da economia e impulsionou a civilização. Embora as guerras ainda
fossem comuns, elas ocorriam entre os europeus, consolidando aspectos próprios
ao continente. Para LIPOVETSKY (1989), estes fatores particulares ao Ocidente,
que transformaram costumes, valores e a civilização europeia como um todo,
tornaram possível uma sociedade apta às mudanças e disposta a se entregar aos
prazeres mundanos do luxo e da sofisticação.
                       Os jogos imoderados da frivolidade só foram possíveis em razão dessa
                       profunda estabilidade cultural, que assegurou um ancoradouro permanente
                       à identidade coletiva: na raiz do princípio de inconstância, a constância da
                       identidade cultural ocidental, excepcional na história (LIPOVETSKY, 1989,
                       p. 50).

      Embora a moda tenha em seus pilares de sustentação os acontecimentos
políticos que caracterizaram o período de seu surgimento, com o fim da Idade
Média, ascensão do capitalismo e início da era moderna, configurações de cunho
social e econômico que precederam este período tiveram papel fundamental nas
transformações alguns séculos depois. A situação econômica do século XI, com um
crescimento econômico contínuo e sólido, o surgimento das cidades e do comércio e
o estabelecimento do feudalismo, que tiveram como resultado o aumento do poder
monetário da aristocracia, cujo reflexo deu-se nas vestimentas ostentatórias,
atribuídas apenas às classes nobres.
      Ao final da Idade Média, com a atenção toda voltada às cidades e ao
comércio, o abandono das terras e dos trabalhos agrícolas pelos camponeses
acabou de vez com o poder do senhorio rural, gerando uma crise financeira. Os
reflexos da crise não foram sentidos em toda a Europa e, embora tenha sido um
período de marasmo econômico, a concentração de fortunas e constante
multiplicação dos poderosos burgueses permitiram não uma diminuição, mas o
crescimento    dos    dispêndios     suntuosos.      Segundo      LIPOVETSKY          (1989),    a
manutenção e o crescimento dos gastos era uma forma encontrada pelos burgueses
de demonstrar os signos de seu novo poder e uma estratégia também utilizada pelos
19


nobres, que viam no luxo e no prestígio dos signos estéticos uma forma de manter
sua posição, ao menos na aparência.


2.1 A MODA COMO SISTEMA

       Pensar na moda como sistema implica em uma mudança pontual no modo
como era concebido o vestuário até o momento. De tal maneira, o sistema da moda
nasce como uma forma de organizar social e economicamente os indivíduos. Com a
característica principal de basear-se pelo efêmero e pelo gosto pela novidade, as
definições da moda só encontraram uma razão de ocorrer pela nova estruturação da
sociedade moderna e capitalista no final do século XIV. “Só a partir do final da Idade
Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, como
suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 23).
       A moda como sistema foi responsável por uma revolução no vestuário e, ao
mesmo tempo, uma mudança em toda a estrutura da sociedade e das relações do
homem com o mundo moderno. A sociedade passou por períodos pontuais que
revolucionaram não somente a economia, mas a sociedade como um todo. Assim,
mudanças em relação à elitização e hierarquização do vestuário só poderão ser
vistas realmente na sociedade a partir da passagem do século XVI para o século
XVII, com a imitação parcial do vestuário nobre não só na média, mas também na
pequena burguesia. Estimulada basicamente pelo aumento na produção e pelo
aumento do poder aquisitivo da população, a partir deste momento a sociedade
passa a ter acesso aos mais elegantes trajes, tecidos e ornamentos, embora não
tenha os adotado completamente.
       A criação das leis suntuárias, que determinavam quais trajes poderiam ser
utilizados pelas classes mais baixas, cumpriram seu objetivo até o surgimento do
sistema da moda1. Para Souza, as leis suntuárias tinham como objetivo principal
impedir que as classes inferiores usassem trajes semelhantes aos da nobreza, que
queria de toda forma distanciar-se das classes subalternas.


1
  Sistema da moda: termo compartilhado por Gilles Lipovetsky (1989) e Roland Barthes, que
conceitua a fase em que a moda passa a ser organizada e concebida de acordo com suas
particularidades, ao final do século XV. “(...) é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda
como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 23).
20

                         Apenas os príncipes e as princesas podem vestir-se de carmesim; os
                         gentis-homens e suas esposas só têm o direito de utilizar essa cor nas
                         peças mais escondidas; às mulheres da classe média só é permitido o uso
                         do veludo nas costas ou nas mangas; aos maridos, proíbe-se o seu
                         emprego nas vestes superiores, a não ser que as inferiores sejam de pano;
                         às pessoas que se dedicam aos ofícios e aos habitantes do campo, a seda
                         é interdita, mesmo como acessório (SOUZA, 1987, p. 47).

        Inevitavelmente, os trajes são comparados em sua elegância e luxuosidade,
o que torna evidente as distinções entre os trajes burgueses em relação aos nobres.
Lipovetsky destaca, como uma das diferenciações entre eles, o período de
defasagem que ocorre se comparados, haja vista que o vestuário burguês utiliza os
artigos da moda com atraso, ao passo que já estão sendo substituídos na corte.
“Ainda que o traje burguês jamais tenha igualado o brilho, a audácia, a ostentação
aristocrática, ainda que se difunda com atraso, quando o uso começa a desaparecer
na corte” (LIPOVETSKY, 1989, p. 41). Mesmo que as autoridades tentassem impedir
as classes inferiores de copiar modelos, tecidos e as formas de vestuário, as
transgressões aos decretos e multas por parte dos burgueses tiveram papel
essencial para dar início a um processo de democratização2 da moda. Eram
adotados, aos poucos, elementos do vestuário aristocrático até que, em 1620, as
leis e os decretos deixaram de segregar um grupo por meio de sua classe social. As
interdições passam a ser destinadas a toda a sociedade e não somente a um grupo
específico.
       Gilles Lipovetsky define o processo pelo qual a moda passou para chegar aos
dias de hoje, como símbolo da possibilidade de individualização e distinção entre os
sujeitos.
                         Mas a moda só pôde ser um agente da revolução democrática porque foi
                         acompanhada mais fundamentalmente por um duplo processo de
                         conseqüências incalculáveis para a história de nossas sociedades: a
                         ascensão econômica da burguesia, por um lado, e o crescimento do Estado
                         moderno, por outro, os quais, juntos puderam dar uma realidade e uma
                         legitimidade aos desejos de promoção social das classes sujeitas ao
                         trabalho (LIPOVETSKY, 1989, p. 42).




2
  A acepção correta do termo, neste contexto, situa-se à parte das conceituações de raízes políticas e
agrega ao termo o que se entende como uma das temáticas mais discutidas na moda, seu acesso
sem restrições, possível a todas as classes. Embora, antes mesmo do surgimento do sistema da
moda, sua função de distinção tenha se tornado latente, ao longo dos séculos algumas
transformações na moda discutem, de certa forma, o acesso de uma maioria às inovações e
proposições da indústria do vestuário, tentando desvincular a moda da visível hierarquia de classes.
“Uma democratização da grife que não acarreta de modo algum um nivelamento homogêneo; castas
e hierarquias permanecem, mas com fronteiras menos nítidas, menos estáveis, salvo para pequenas
minorias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 118).
21


      Muito embora alguns elementos do vestuário aristocrático fossem adotados
pela burguesia, não foram todos e nem qualquer um dos elementos suntuários que
despertaram admiração da nova classe. Houve um mimetismo parcial de gostos e
símbolos da nobreza, chamado por Lipovetsky de “mimetismo seletivo e controlado”.
                      Ainda que as classes burguesas tenham efetivamente escolhido seus
                      modelos na nobreza, não os copiaram em tudo, nem todas as inovações
                      frívolas foram aceitas, e isso, mesmo na corte. Nos círculos mundanos, as
                      excentricidades não foram todas assimiladas e, na burguesia, os traços
                      mais fantasiosos do parecer despertaram mais reprovação do que
                      admiração (LIPOVETSKY, 1989, p. 42).

      O século XVII é marcado pela “moda ponderada”, livre dos excessos da
aristocracia, agregadora de valores essenciais à burguesia, como o conforto, a
prudência, a utilidade e a limpeza. É uma moda do “homem correto” efeito do filtro
burguês, que só extrai dos gostos e preferências corteses aquilo que não fere suas
normas de bom senso e moderação. É também traço do crescente individualismo
que surge e se desenvolve com a moda.
      Por sua estrutura relativamente maleável, a moda abre as possibilidades de
recusa ou submissão, responsável pela liberdade que concede às pessoas em
aceitar ou não as novidades que, com o sistema da moda, não cessam em aparecer.
Parte disso é decorrente do rompimento com a tradição realizado pelo vestuário.
Rompeu com os ideais que o impediam de se desenvolver de forma autônoma e
livre, na constante exaltação da individualidade e do culto ao efêmero e às
novidades. Para Lipovetsky, foi a partir daí que a sociedade deixou de exaltar
práticas tradicionalistas e pode constituir um sistema de essência moderna, no qual
o antigo não é mais venerável e as atenções estão todas voltadas ao presente.
                      (...) enquanto nas eras de costume reinam o prestígio da antiguidade e a
                      imitação dos ancestrais, nas eras da moda dominam o culto das novidades
                      assim como a imitação dos modelos presentes e entrangeiros – prefere-se
                      ter semelhanças com os inovadores contemporâneos do que com os
                      antepassados (LIPOVETSKY, 1989, p. 32).

      As mudanças em diversas áreas, como o trabalho, economia e a vida em
sociedade foram responsáveis por transformações pontuais nos hábitos dos
indivíduos. O consumo torna-se uma atividade comum aos sujeitos, destacada pela
por fatores que configuram sua existência, como o capitalismo e as novas
estratégias produtivas, além de novos parâmetros, como o prestígio do novo e o
culto pelo presente social.
                      Institucionalizando o efêmero, diversificando o leque dos objetos e dos
                      serviços, o terminal da moda multiplicou as ocasiões da escolha individual,
22

                        obrigou o indivíduo a informar-se, a acolher as novidades, a afirmar
                        preferências subjetivas: o indivíduo tornou-se um centro decisório
                        permanente, um sujeito aberto e móvel através do caleidoscópio da
                        mercadoria (LIPOVETSKY, 1989, p. 175).

      Falar de multiplicação das escolhas individuais também converge em um
sentido tão particular da moda, que justifica em grande parte sua existência e sua
predominância até o presente momento nas sociedades com as mais variadas
características. Pressuposto das escolhas dos homens e da capacidade de o
indivíduo tomar sua própria decisão no que concerne as manifestações simbólicas, o
vestuário é destacado como principal agente da autonomia das consciências,
adquirida apenas a partir de sua criação como sistema, no qual “a moda aparece
antes de tudo como o agente por excelência da espiral individualista e da
consolidação das sociedades liberais” (LIPOVETSKY, 1989, p. 13).
      Acrescente-se ainda que como forma de manifestação de oposição a valores
estabelecidos, o consumo configura-se material ou simbolicamente. Como forma de
desvalorizar os atributos das classes mais baixas, os dominantes tendem a
classificar as classes dominadas por meio de antagonismos, como masculino e
feminino, sério e frívolo, útil e fútil, o realismo e o irrealismo. A nova concepção do
ser, sua autonomia e individualidade foram responsáveis por retirar da moda o
aspecto hierarquizado da aparência, que culminou na generalização do desejo de
moda, ao mesmo tempo que pretende tornar cada homem único, pretende também
uniformizar alguns setores da vida cotidiana. Cabe ao indivíduo adotar ou utilizar,
fazendo uso das novidades conforme sua necessidade ou desejo. Essa situação
ambivalente é facilmente comprovada nos dias de hoje, conforme veremos nas
análises posteriores.
      A individualização dos gostos, que institui-se como uma das características
mais importantes da moda, se desenvolveu paralelamente à individualização
religiosa e econômica e precedeu o surgimento do individualismo ideológico. Tem-
se, portanto, a importância da moda não somente em fornecer ao homem o direito
de ser concebido como um ser individualizado e livre, mas também em possibilitar a
ascensão e criação de um individualismo em todas as áreas que circundam os
homens, a individualização econômica, religiosa e ideológica só foi possível a
medida em que a moda adquiriu sua importância e seus preceitos foram legitimados
nas sociedades modernas ocidentais. Para Lipovetsky, por meio de conceitos tão
particulares à moda, como o luxo e a ambiguidade, foi possível o desenvolvimento
23


de uma sociedade aos moldes do ocidente: “o indivíduo livre, solto, criador, e seu
correlato, o êxtase frívolo do eu” (LIPOVETSKY, 1989, p. 49).



2.2 A MODA COMO FATOR DE DISTINÇÃO SOCIAL

      Mas não é possível deixar de identificar preceitos que tornam a moda símbolo
de distinção, em qualquer fase de análise. Embora não se possa justificar a urgência
da moda e suas características fundadoras apenas como tentativas de distinção dos
indivíduos, esta função esteve presente em todos as fases da moda, mesmo que de
maneira sutil.
                     A moda é um todo harmonioso mais ou menos indissociável. Serve à
                     estrutura social, acentuando a divisão em classe; reconcilia o conflito entre o
                     impulso individualizador de cada um de nós (necessidade de afirmação
                     como pessoa) e o socializador (necessidade de afirmação como um
                     membro do grupo); exprime ideias e sentimentos, pois é uma linguagem
                     que se traduz em termos artísticos (SOUZA, 1987, p. 29).

      Devido a configuração moderna da sociedade - não mais baseada por
posições estamentárias - em que o poder e o dinheiro é que conferem ao indivíduo a
possibilidade de mobilidade social -, algumas estratégias de distinção social passam
a ser aplicadas. Uma competição, agora configurada de diversas maneiras, não
somente por meio do vestuário e da moda, mas, basicamente, por meio dos bens de
consumo, que estão cada vez mais afastadas do consumo motivado pela
necessidade. Se, até pouco antes do capitalismo, o consumo só possuía como mote
a necessidade, justificada pela produção escassa, agora o consumo está fincado em
bases distintas, e o lugar da necessidade é ocupado pela diversificação dos artigos
e pela sedução, admitidos como “a produção e o consumo de massa sob a lei da
obsolescência” (LIPOVETSKY, 1989, p. 159).
      As novidades agora ditam o curso das decisões e dos desejos, atrelada,
basicamente, às novas estratégias de sedução para o consumo de massa. Para
Lipovetsky (1989, p. 29), “(...) não há sistema da moda senão quando o gosto pelas
novidades se torna um princípio constante e regular, quando já não se identifica,
precisamente, só com a curiosidade em relação às coisas exógenas”. A busca por
meios de distinguir-se esteticamente tem origem na mobilidade social. Ainda que a
sociedade tenha se transformado completamente com o novo meio de produção
capitalista e a ascensão da burguesia, os indivíduos agora eram livres em suas
24


escolhas, não só no que concerne o vestuário, mas no que diz respeito às escolhas
no cardápio, decoração e todos os artigos de consumo.
       Os indivíduos buscam – também muito influenciados pelo consumo de massa
– elementos que possam individualizar sua existência e provar sua necessidade de
afirmação como parte da sociedade, com características próprias que podem variar
entre a distinção e a uniformização. Mas a capacidade de escolha e decisão dos
seres, mesmo que inconscientes, de acordo com Bourdieu (2007), é capaz não só
de individualizar os homens, mas também de consolidar as posições por eles
ocupadas.
                     As tomadas de posição, objetiva e subjetivamente, estéticas – por exemplo,
                    a cosmética corporal, o vestuário ou a decoração de uma casa – constituem
                    outras tantas oportunidades de experimentar ou afirmar a posição ocupada
                    no espaço social como lugar a assegurar ou distanciamento a manter
                    (BOURDIEU, 2007, p. 57).


       Do mesmo modo como são concebidas como estratégias de confirmação da
posição exercida, as escolhas são percebidas como elementos de distinção entre os
seres, mais comumente exercidas por meio das distinções de classe e classificações
sociais.
                     De fato, as escolhas estéticas explícitas constituem-se, muitas vezes, por
                    oposição às escolhas dos grupos mais próximos no espaço social, com
                    quem a concorrência é mais direta e imediata e, sem dúvida, de modo mais
                    preciso, em relação àquelas, entre tais escolhas, em que se torna mais
                    evidente a intenção, percebida como pretensão, de marcar a distinção em
                    relação aos grupos inferiores (BOURDIEU, 2007, p. 58).


       Os fenômenos de distinção podem explicar o gosto pelas novidades, o culto
do presente, no entanto, não conseguem explicar a negação da tradição e do
passado. Para Lipovetsky, as teorias da distinção não foram suficientes para
esclarecer nem o advento da autonomia pessoal, nem a paixão pelo efêmero e pelo
novo, embora Bourdieu discorde. De acordo com Bourdieu, as estratégias distintivas,
que atuam por meio dos gostos pessoais e, principalmente, pela classe a qual
pertencem os indivíduos, pode explicar o gosto pelo efêmero, pela novidade e pela
promoção da autonomia. Pode explicar a eclosão da moda e de sua importância na
sociedade, como tornou-se, em um tempo relativamente pequeno, um fenômeno tão
importante à estrutura da sociedade, do trabalho e das relações econômicas. A
afirmação de Lipovetsky, no entanto, não quer dizer que a moda seja estranha aos
fenômenos de rivalidade entre as classes. O autor é categórico, por meio de
análises, afirmando que o motor principal do consumo das classes superiores
25


“obedece essencialmente ao princípio do esbanjamento ostentatório, e isso a fim de
atrair a estima e a inveja dos outros” (LIPOVETSKY, 1989, p. 55). A exibição da
riqueza, do luxo e do poder que se dá por meio dos elementos da moda, são fatores
destacados por ele como indissociáveis da rivalidade de classes, destacadas como a
base da raiz do consumo. Para Souza (1987), a moda converge para duas
classificações, em que está incluído o desejo de individualizar-se e distinguir-se dos
outros indivíduos. “Com efeito, ao mesmo tempo que traduz a necessidade do
adorno, a moda corresponde ao desejo de distinção social” (SOUZA, 1987, p. 47).
      Manifestações estéticas de poder e riqueza como formas de conquistar honra
e prestígio fazem parte do escopo da moda, que “acha-se particularmente adaptada
para intensificar o dispêndio ostensivo (...), um instrumento de obtenção da
honorabilidade social” (LIPOVETSKY, 1989, p. 56),             concepções partilhadas por
Gilles Lipovetsky e Pierre Bourdieu.
                     Compreende-se que a maneira de usar bens simbólicos e, em particular,
                     daqueles que são considerados como os atributos da excelência, constitui
                     um dos marcadores privilegiados da “classe”, ao mesmo tempo que o
                     instrumento por excelência das estratégias de distinção, ou seja, na
                     linguagem de Proust, da “arte infinitamente variada de marcar as distâncias
                     (BOURDIEU, 2007, p. 65).


      A consciência inédita da identidade dos seres, a predominância do particular
e o gosto pelo novo possibilitaram a moda assumir sua posição, sempre mutável e
buscando a individualização dos sujeitos. A partir de tais preceitos, a moda também
assume feições ainda mais particulares ao seu sistema, como o gosto pelas marcas
e do luxo, possível para poucos. Na tentativa de, ao mesmo tempo buscar a
individualização e, com ela, a diferença, o efêmero é tido como pilar de sustentação
das artimanhas da moda e de sua sedução aos homens.
      O apreço pelo novo e por esta nova configuração do vestuário, possibilitou ao
homem, mesmo que a níveis pequenos, o exercício de sua liberdade, de seus níveis
particulares escolha e seu gosto próprio, características que viriam a se tornar
próprias do mundo moderno ocidental.
      Economia e meios de produção ganharam diferentes conceitos com o passar
dos anos, marcados pela lógica capitalista, e foi por meio deles que a moda se
desenvolveu. Com o aumento na intensidade das trocas internacionais, o
renascimento urbano e as constantes renovações na produção, outros modos de se
conceber a moda foram tomando forma. O intercâmbio entre países impulsionou a
26


diversificação das matérias-primas do vestuário, como tecidos, acessórios, tinturas e
tecelagem, e eram importados todos os artigos para a confecção de moda que se
podia imaginar, dos mais diversos países.
        As primeiras décadas experimentadas pela moda são caracterizadas pelo
furor das novidades, impulsionada de forma dispersa e irregular. Suas variações
ocorriam de forma tão rápida que praticamente não havia hiato entre os desejos e a
produção de vestuário na época. O grande motor das paixões frívolas e das
ambições de consumo eram as inovações e extravagâncias dos integrantes da
nobreza, que, mesmo sem o poder de antes, eram conhecidos como expoentes da
moda.
        O século XIX marca uma fase notável no curso da moda como sistema. É o
que Lipovetsky (1989) nomeia “moda de cem anos”. Da metade do século XIX até o
ano de 1960, tem-se um período que foi considerado a primeira fase da moda
moderna, momento em que a moda é efetivada como uma organização estável e
duradoura.
        A moda de cem anos é caracterizada por estar articulada entre indústrias
recentes, a alta-costura e a confecção, duas indústrias de vestuário que atuam sobre
bases completamente distintas. A primeira, que fabrica o luxo, o traje prestigioso e
sob medida. E a segunda, uma confecção industrial, com bases na produção em
série e de baixo custo, que tenta reproduzir as criações de sua opositora, a alta-
costura.
                     Criação de modelos originais, reprodução industrial: a moda que ganha
                     corpo se apresenta sob o signo de uma diferenciação marcada em matéria
                     de técnicas, de preços, de renomes, de objetivos, de acordo com uma
                     sociedade ela própria dividida em classes, com modos de vida e aspirações
                     nitidamente contrastados (LIPOVETSKY, 1989, p. 70).

        Com a produção de moda dividida em duas partes, em que uma está
conceituada como a alta-costura, que monopoliza a inovação e lança as tendências
e a outra são as confecções industriais, que seguem os lançamentos da primeira,
inspirando-se de forma suave ou intensa. É o que o autor considera o período de
monocefalia da moda, em que apenas uma base lança conceitos, difunde
tendências e define o que será ou não utilizado na próxima estação. Tendo como
centro a capital francesa, Paris, a estrutura da alta-costura é suntuosa: as belas
maisons, casas ilustres, local no qual aconteciam as revoluções e experimentações
da moda de cem anos.
27


      Em certo ponto, a inspiração dos modelos da alta-costura pela indústria da
confecção passou de algo velado para uma estrutura fixa de produção:
                     Os profissionais estrangeiros compram os modelos de sua escolha com o
                     direito de reproduzi-los no mais das vezes em grande série em seus países.
                     Munidos dos modelos e das fichas de referência dando as indicações
                     necessárias para a reprodução do vestido, os fabricantes (...) podiam
                     reproduzir as criações parisienses simplificando-as: assim, muito
                     rapidamente, em algumas semanas, a clientela estrangeira poderia vestir-se
                     na última moda da Alta Costura a preços acessíveis, ou até muito baixos,
                     segundo a categoria da confecção (LIPOVETSKY, 1989, p. 73).

      Com a dinâmica instaurada pela alta-costura, as inovações e tendências em
matéria de vestuário agora são lançadas com data marcada, a moda torna-se
bianual, de acordo com o lançamento das coleções de verão e inverno.
      As novidades eram, primeiramente, apresentadas aos representantes
estrangeiros, que compram os modelos desejados com a permissão de reproduzi-los
em série nos seus países. “(...) assim, muito rapidamente, em algumas semanas, a
clientela estrangeira podia vestir-se na última moda da alta-costura a preços
acessíveis (...)” (LIPOVETSKY, 1989, p. 73). Segundo o autor, o surgimento da alta-
costura e de seus desdobramentos disciplinou a moda no momento em que ela
provocava inovações nunca antes vistas.
      Como se viu, a alta-costura foi o primeiro expoente de uma moda produzida
em série, classificada por Lipovetsky como “a primeira manifestação de um consumo
de massa, homogêneo, estandardizado, indiferente às fronteiras” (1989, p. 74).
Como consequência, a distribuição das criações luxuosas das maisons parisienses
para serem produzidas em série gerou, além da centralização, o que se pode
conceituar como uma democratização da moda. Muito impulsionada pela
comunicação de massa, causou, no início do século XX, a atenuação parcial das
desigualdades que existiam entre o vestuário das diferentes classes sociais.
      O mais notável da alta-costura deve-se ao fato de, ao mesmo tempo que
centralizou as criações e difundiu ainda mais a indústria do luxo e do prestígio, foi
responsável pela formação de uma moda menos hierarquizada, acessível aos mais
distintos públicos com diferenças menos evidentes que nos séculos anteriores. A
partir de 1920, a alta-costura torna-se mais facilmente imitável por defender uma
aparência de propriedades mais simples, menos extravagante e ostentatória,
impulsionada pela visionária estilista e fundadora da Maison Chanel, conhecida
28


como Coco Chanel3, cuja história remonta um período importante da moda do século
XX e ainda se faz essencial, haja vista que a grife fundada por Chanel ainda é um
dos mais significativos nomes da moda no mundo.
                        Evidentemente, distâncias muito nítidas continuaram as toaletes das
                        diferentes classes, mas o fato mais importante reside em que o luxo do
                        vestuário deixou de ser um imperativo ostentatório, só legítimo uma vez
                        esfumado e invisível; uma certa simplicidade “impessoal”, aparentemente
                        estandizável, conseguiu impor-se na cena da elegância feminina
                        (LIPOVETSKY, 1989, p. 74).

       No entanto, falar na teórica democratização da moda não implica em uma
uniformização dos trajes. O caráter de distinção adquirido pelo vestuário continua
existindo, conceituado como um valor de gosto e de refinamento das classes
superiores, novos signos, mais sutis, promovem pontos de referência que remetam e
valorizem mais os atributos pessoais.
       A democratização também é responsável por uma universalização do gosto
de moda. As classes mais baixas, que até o momento não tinham capital para
consumir com frequência artigos de vestuário, agora contavam com acesso às
novidades ao mesmo tempo que eram lançadas nos luxuosos ateliês de Paris. “À
democratização da aparência correspondeu a extensão e depois a generalização do
desejo de moda, outrora circunscrito às camadas privilegiadas da sociedade”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 78). Mas não é possível dizer que a moda está, a partir de
então, mediante o acesso irrestrito de todas as classes sociais, sem parâmetros
distintivos. De certa forma, está disponível para a maioria dos indivíduos, no entanto,
sob critérios que as distinguem, como materiais, tecidos e também pelas grifes, que
tem como compradores apenas os membros das classes dominantes. É somente
após as grandes guerras mundiais que o direito à moda terá uma base sólida e uma
legitimidade de massa. A moda de cem anos, além de aproximar o modo de vestir
dos indivíduos de todos os âmbitos sociais, salvo algumas particularidades, difundiu
o gosto pelo efêmero e pelo novo, tornando a paixão pelas frivolidades um


3
  Gabrielle Bonheur Chanel, mais conhecida Coco Chanel, é considerada uma das figuras mais
icônicas da moda. Nasceu em uma família pobre, foi abandonada pela mãe aos seis anos, que
deixou Gabrielle e os quatro irmãos aos cuidados do pai. Funda, em 1910, uma pequena chapelaria,
que viria a se tornar uma das grifes mais influentes e conceituadas do mundo da moda, a Chanel. Em
1920, já era uma pessoa influente na França e passa a criar, além dos chapéus, roupas, perfumes e
acessórios. Tem, como marcas registradas, a bolsa Chanel 2.55, as pérolas e o vestido preto. Morre
em 1971, aos 87, época em que ainda trabalhava ativamente no desenvolvimento das coleções de
sua Maison. Seu nome, além de constar como uma das figuras mais importantes da moda, está
atualmente ligado a uma série de publicações que a envolvem com o nazismo, que tratam-se apenas
de hipóteses, sem comprovações efetivas.
29


sentimento compartilhado por todos os indivíduos, mesmo que de formas próprias à
classe em que se enquadram.
      O direito dado às mais distintas classes de consumirem a moda assim que é
lançada promove a discussão sobre moda nas revistas especializadas, que se
tornaram cada vez mais numerosas devido a alta-costura. Desta forma, realizou uma
revolução comercial feita por estratégias voltadas ao consumo desenfreado. Visando
saciar os desejos no que diz respeito à aparência, a indústria da moda torna seus
produtos artigos de sedução aos indivíduos, sob a faceta de uma individualização
mais profunda e a possibilidade da escolha de cada integrante da sociedade, que
“consiste em estimular, em desculpabilizar a compra e o consumo através de
estratégias   de   encenação     publicitária,    de    superexposição       dos    produtos”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 95).
      O consumo e produção de massa caracterizam-se pela produção em larga
escala, característica que implica em indivíduos de trajes homogêneos e análogos.
No entanto, segundo Lipovetsky, tais conceitos exigem da indústria posições que
contrariam a uniformização dos indivíduos definidas como “a multiplicação dos
modelos, a diversificação das séries, a produção de diferenças opcionais, a
estimulação de uma procura personalizada” (LIPOVETSKY 1989, p. 98). A
organização da sociedade, compreendida pela produção, organização, difusão e
toda a ode dos costumes dos homens, é influenciada pela moda a promover os
desejos individuais, estimular a participação social e fornecer opções plausíveis aos
indivíduos. Não há como negar a verdadeira faceta das constantes novidades e
inovações promovidas pela indústria da moda. Com a constante obsolescência dos
produtos, a moda, empresa industrial e comercial de luxo, objetiva o desejo por suas
criações para acelerar o consumo e obter maiores lucros. Mas, segundo Gilda de
Mello e Souza, é errado responsabilizar costureiros e estilistas por estas constantes
renovações e inovações da moda.
                     É um grave erro dizer que o costureiro força o sentido da moda. “Nenhum
                     produtor apresenta um produto sem que o público a quem se endereça o
                     tenha solicitado”, afirma Steinmetz. Como o poeta, ele é apenas o porta-voz
                     de uma corrente que se esboça e cuja tomada de consciência antecipa
                     (SOUZA, 1987, p. 31).

      Transformações nos âmbitos sociais, econômicos e organizacionais ocorridas
partir dos anos 1950 e 1960 inauguraram a segunda fase da moda moderna,
conhecida como “moda aberta”. Essa nova fase estende e universaliza os preceitos
30


mais modernos da moda de cem anos: estruturação de uma indústria de série,
burocratização da produção, gerenciamento da criação por profissionais da moda,
bem como lançamentos organizados em coleções sazonais e a destinação
publicitária dos desfiles de moda.
      Além de consolidar traços do sistema anterior, como fundamento, rompe com
alguns dos princípios de sua predecessora. A moda não é concebida a partir da
configuração hierarquizada e unitária anterior e ganha estrutura diversa sustentada
em três pilares: burocrático-estético, industrial e o pilar democrático e individualista
da moda. Nesta nova fase, embora ainda seja consagrada e dotada de prestígio
único, a alta-costura não lança mais as novidades do mercado e tampouco produz a
última moda. Configura-se como uma marca eterna, nem clássica, nem vanguarda,
“realizando obras primas de execução, de proeza, de gratuidade estética, toaletes
inauditas, únicas, suntuosas, transcendendo a realidade efêmera da própria moda”
(LIPOVETSKY, 1989, p. 109)
      Como principal revolução da moda aberta, tem-se o prêt-a-porter, expressão
lançada na França que significa “pronto para usar”, que rivaliza a produção de
massa na qualidade e referência estilística de seus produtos.
                     Enquanto a roupa de confecção apresentava muitas vezes um corte
                     defeituoso, uma falta de acabamento, de qualidade e de fantasia, o prêt-a-
                     porter quer fundir a indústria e a moda, quer colocar a novidade, o estilo, a
                     estética na rua (LIPOVETSKY, 1989, p. 110).

      Mimetizando parcial ou completamente as inovações da alta-costura, o prêt-a-
porter só vai se estabelecer quando começa a criar peças e conceber roupas com
um espírito bem diferente do abordado pela alta-costura, com a moda voltada à
juventude, à novidade e à audácia. Enquanto a alta-costura é deposta de seu status
criador de desejos e paixões em moda, é substituída por um sistema alinhado ao
seu tempo e ao estilo dos consumidores: um vestuário livre e de estilo jovem. Ainda
contrariamente às maisons parisienses, o prêt-a-porter despolariza a criação de
moda, dissemina os polos criativos e impede que apenas um país detenha todas as
criações de moda de todo o mundo. Como características principais, o prêt-a-porter
quer unir itens considerados indispensáveis aos indivíduos: peças de qualidade, com
bom acabamento e sempre à disposição dos consumidores, lançando seus produtos
a todo momento, sem definir coleções específicas.
      O prêt-a-porter inaugura a fase industrial de essência homogênea da moda,
na qual o sistema do sob medida e em série deu lugar a uma indústria que oferece,
31


a preços considerados baixos, produtos com qualidade estética e de criação de
moda específica. As razões de existência do prêt-a-porter estão nas características
da sociedade, que enfrentava um período de elevação do nível de vida, valorização
do bem-estar, da cultura e do lazer, que tornaram possível a concretização da última
etapa da legitimação e da democratização das constantes criações de moda.
                       Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes
                       populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros; tornaram-
                       se uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma
                       sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades (LIPOVETSKY,
                       1989, p. 115).


       Há uma reviravolta na produção de moda em série, que sai do anonimato e é
exibida em revistas de moda, nas vitrines, nos artigos publicitários e até nas próprias
roupas. Paralelamente, o prêt-a-porter democratiza um símbolo de distinção muito
aparente nas fases posteriores da moda, a grife. Mesmo que a popularização do
vestuário tenha dado seus passos em direção a uma moda sem barreiras, não é
possível falar na democratização da moda em seu sentido irrestrito: existe, de fato, a
possibilidade, antes inexistente, no consumo de artigos de moda por diferentes
classes sociais, principalmente para as classes mais baixas. Mas isso não quer dizer
que os símbolos hierárquicos tenham desaparecido e tampouco que as fronteiras
entre as classes tenham se esvaído.
       A sociedade atual é caracterizada pelas vitrines, pelo olhar e pelo parecer. “O
fato é que estamos vivendo numa era das telas e dos visores, de uma sociedade
escópica, comandada pelo olhar”. (SEVCENKO 2001, p. 123). Como condição
principal, esta nova forma de conceituar a sociedade “impõe uma existência
vinculada à visibilidade, e consequentemente à celebridade, mas por outro lado,
amplia cada vez mais a vigilância e o controle sobre cada indivíduo” 4. Os sujeitos
preocupam-se mais com sua aparência, aumentando a importância da moda na
sociedade chamada por Sevcenko de “escópica”, em que o parecer é
constantemente evocado na sociedade e nas relações entre os indivíduos.
       Assim, o consumo passa a ser visto como o regulador da sociedade, com a
dupla função de feições distintivas que funciona também sob a perspectiva do
utilitarismo e do individualismo. Para Lipovetsky, “isso não significa, evidentemente,
4
 LOPES, Ana Isabel; SANTOS, Sónia; POMBO, Olga. Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de
Controle. Disponível em:
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20de
%20controle.htm Acesso em: 23/08/2011
32


que os objetos já não tenham valor simbólico e que o consumo esteja livre de toda
competição por status” (1989, p. 174).


      2.3 A CRIAÇÃO (IMPOSIÇÃO) DE ESTILOS DE VIDA: O LUGAR DO VESTUÁRIO

      Tem-se a moda e seus desdobramentos formados, em grande parte, por
rupturas. Rompimentos no que concerne o vestuário, a visão individual do homem e
sua concepção na sociedade. As relações sociais, que se transformaram juntamente
com a estética e aspirações, irromperam ideais muito diferentes daqueles que eram
praticados até o momento. Desta maneira, costumes e valores antigos e tradicionais
deixaram de ser cultuados para dar lugar ao efêmero e à paixão da inovação. O
rompimento com os hábitos antigos é caracterizado por Lipovetsky por meio da nova
configuração das relações humanas.
                     Mesmo se o indivíduo, no mais das vezes, continua a obedecer fielmente às
                     regras de vestuário coletivas, acabou sua sujeição de princípio ao conjunto:
                     onde era preciso fundir-se na lei do grupo, trata-se agora de fazer valer uma
                     idiossincrasia e uma distinção singular; onde era preciso continuar o
                     passado, há a legitimidade da mudança e do gosto criador pessoal
                     (LIPOVETSKY, 1989, p. 29).

      A vida em sociedade agora é pautada por novos ideais de vida, novas
relações e, principalmente, novos valores estéticos. Ainda que os indivíduos
continuem a obedecer, embora não completamente, as regras de vestuário coletivas,
há a possibilidade de se exercer o gosto criador pessoal e as transformações no
vestuário comum. A customização presta-se a proclamar a personalização inventiva.
De um sistema enrijecido, fechado, avesso a mudanças, passou-se para um
universo em que a mudança é cultuada e os indivíduos possuem liberdade em vários
aspectos da vida cotidiana, principalmente nas questões relativas ao vestuário e
aparência. As preocupações tais fatores, impulsionadas pelo consumo, adquirem
outros preceitos e outros formatos, definidos, em grande parte, por meio dos estilos
de vida.
      Definidos por uma variável de condições de existência próprias aos
indivíduos, os estilos de vida são responsáveis por definir as práticas geradas pelos
diferentes   habitus. Conceituado por Bourdieu              como     as configurações de
propriedades que exprimem as diferenças objetivamente inscritas nas condições de
existência dos indivíduos, nas disposições do habitus estão inseridos toda a
estrutura do sistema de condições, entre elas, as oposições, que se impõem como
33


princípios fundamentais das práticas sociais e de sua percepção pelos homens. “A
identidade social define-se e afirma-se na diferença” (BOURDIEU, 2007, p. 164).
      Paralelamente, o gosto está presente como parte do sistema de classificação
e diferenciação, por meio de ações inconscientes e é também definido pela posição
social, cada vez mais atuante na vida dos homens. O gosto atua como o principal
operador de uma prática que fabrica elementos distintos e distintivos, fazendo com
que elementos de distinção que pertençam à esfera física tenham acesso à esfera
simbólica das diferenciações significantes. Embora a definição de gosto em relação
ao vestuário vislumbre a escolha independente dos indivíduos sem qualquer
interferência social ou econômica, a uniformização dos trajes para certos grupos de
indivíduos permitem observar as variadas influências sofridas pelos sujeitos.
                     Quanto ao gosto, se a moda implica uma imposição do grupo e depende de
                     um sentimento especial de aprovação coletiva, pois que é um fenômeno
                     organizado, disciplinado e sancionado, o gosto representa uma escolha
                     especial dentre muitas possibilidades. É verdade que, como observa Sapir,
                     a escolha de cada um dependerá, em geral, de uma combinação dos dois
                     elementos (SOUZA, 1987, p. 20).

      Com a transformação das necessidades em virtude e das obrigações em
preferências, o gosto utiliza como estratégia a produção dos habitus, fazendo com
que as “escolhas” dos indivíduos sejam correlatas ao produto vendido.
      Essa transformação da necessidade em aporte principal ao gosto às decisões
de consumo individuais não abrangem o real sentido da escolha pessoal dos
indivíduos. O gosto, parâmetro individual e que pressupõe liberdade absoluta, tem
seu sentido real reduzido, transformado em gosto da necessidade. Os indivíduos são
condenados a consumir certos produtos que, embora existam outras opções, só se
sentirão realmente satisfeitos ao consumir aquilo que lhes foi designado gostar e
escolher.
                     O gosto é amor fati, escolha do destino, embora forçada, produzida por
                     condições de existência que, ao excluir qualquer outra possibilidade como
                     se tratasse de puro devaneio, deixam como única escolha o gosto pelo
                     necessário (BOURDIEU, 2007, p. 169).

      Baseado no jogo de estratégias do consumo e nas escolhas emblemáticas e
pré-determinadas da classe social a que pertence, os gostos de necessidade se
aplicam, essencialmente, a um estilo de vida classificado negativamente. Através da
privação, os artigos consumidos pelas classes mais baixas tornam-se elementos
distintivos, por meio dos quais os indivíduos denunciam imediatamente qual classe
social pertencem. De tal maneira, as classes sociais acabam por uniformizar os
34


gostos dos indivíduos com as constantes mudanças de gosto da massa. Percebe-se
o surgimento de mais uma forma de distinção, feita a partir do contraste dos grupos
sociais e para demarcar os indivíduos de forma negativa de acordo com o que
consomem e o que não possuem condições de consumir.
                      Assim, por exemplo, para cada novo recém-chegado, o universo das
                      práticas e dos espetáculos esportivos apresenta-se como um conjunto de
                      escolhas previamente determinadas e de possibilidades objetivamente
                      instituídas – tradições, regras, valores, equipamentos, técnicas, símbolos –
                      que recebem sua significação social do sistema constituído por elas
                      (BOURDIEU, 2007, p. 197).

      Para distanciar-se das classes operárias, os membros das classes
dominantes buscam um gosto que seja o mais distinto possível do gosto de
necessidade, o gosto de luxo. A partir dele, as classes superiores fazem suas
escolhas baseadas em três estruturas de consumo: a alimentação, a cultura e os
itens que envolvem o cuidado pessoal, como artigos de higiene, beleza e vestuário.
Dotadas de características proporcionais ao seu capital e, por tal motivo, opostas em
cada conjunto social, as escolhas realizadas pelas classes dominantes buscarão o
afastamento máximo das práticas das massas, desejarão buscar o prestígio da
heterogeneidade e o luxo de sua posição social.
      Predisposto a expressar as diferenças de classes sociais, o universo dos
bens de luxo tem inscrita em sua estrutura a relação de distinção. Deste modo, os
gostos efetivos estão intimamente ligados ao sistema dos bens oferecidos, em uma
relação dependente e reacionária, em que qualquer mudança no sistema dos bens
de consumo resulta na mudança dos gostos. Contrariamente, segundo Bourdieu, as
transformações ocorridas antes na produção e no produto e, em seguida nos gostos
não são aleatórias.
                      Qualquer mudança dos gostos resultante de uma transformação das
                      condições de existência e das disposições correlatas é de natureza a
                      determinar, quase diretamente, uma transformação do campo da produção,
                      facilitando o sucesso, na luta constitutiva deste campo, dos produtores mais
                      bem preparados para produzir as necessidades correspondentes às novas
                      disposições (BOURDIEU, 2007, p. 216).

      Mesmo com a importância cada vez mais evidente do vestuário e do
individualismo nas práticas sociais e no consumo, a aquisição de artigos referentes à
aparência física é predominante à medida que se sobe na hierarquia social. Muito
embora Gilles Lipovetsky não considere a distinção social o principal objetivo e
motor da moda como sistema, não exclui a importância dos métodos de
diferenciação dos indivíduos. “Não se pode duvidar de que o desejo de diferenciação
35


social tenha sido, durante séculos, um móvel preponderante, particularmente
intenso” (LIPOVETSKY, 1989, p. 151).
        As incessantes transformações da moda, tão particulares ao seu sistema
erigido concomitantemente ao mundo moderno e do qual se extraiu o desejo pelo
efêmero e pelo novo, justificam-se pela interligação de dois espaços autônomos,
representados pelas lutas internas ao campo de produção e pelas lutas internas das
classes dominantes.
                       A oposição entre o “autêntico” e o “símile”, a “verdadeira” cultura e a
                       “vulgarização”, que alicerça o jogo ao servir de fundamento à crença no
                       valor absoluto do que está em jogo(...) as distinção e a pretensão, a alta
                       cultura e a cultura média – como, alhures, a alta costura e a costura, os
                       salões mais prestigiados de cabelereiro e os mais comuns, e assim por
                       diante – só existem uma pela outra e é sua relação, ou, melhor ainda, a
                       colaboração objetiva entre seus aparelho de produção e os respectivos
                       clientes que produz o valor da cultura e da necessidade de apropriar-se dela
                       (BOURDIEU, 2007, p. 234).




Figura 1 – Evolução esquemática da moda no decorrer do século XIX. Fonte: SOUZA (1987, p. 66)



       A distinção realizada por meio da moda fica evidente pela constante tentativa,
de acordo com Bourdieu, de aproximar-se do fator diferenciador, para afastar-se
daqueles que estão desprovidos de determinados bens simbólicos. Fornecendo
valor às estratégias de distinção, os indivíduos fazem do consumo material uma
36


forma de confirmar a posse de um capital elevado, constatada a importância do
poder em relação à necessidade.


      Para Gilda de Mello e Souza, é com o desenvolvimento das sociedades
democráticas, do capitalismo e das indústrias do vestuário que a moda encontra um
cenário em que vislumbra todas as possibilidades de demonstrar sua forma. “Na
sociedade democrática do século XIX, quando os desejos de prestígio se avolumam
e crescem as necessidades de distinção e de liderança, a moda encontrará recursos
infinitos de torná-los visíveis” (SOUZA, 1987, p. 25).


2.4 A MODA NO BRASIL: NOVAS FORMAS DE AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL

      A moda e a indústria do vestuário no Brasil passaram por diversas fases até
chegar ao cenário em que se encontram atualmente. No início da moda brasileira,
são encontradas características muito particulares aos polos produtores de moda,
como a capital francesa, responsável por influenciar diversos países e por organizar
as estruturas próprias de cada um deles em relação à moda.
      O começo do século XX é o período em que a moda começa a se apoiar
também em questões nacionais, como a arte, com o modernismo. Sofre a influência
de artistas como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfati, bem como
de novos ideais estéticos vindos também da França, como Art Déco e o cubismo. Na
metade do século, a industrialização rivaliza a produção internacional e a indústria
têxtil se fortalece, muito impulsionada por um fator essencial no trabalho aqui
presente, a comunicação. A facilidade com que eram encontrados tecidos, moldes e
artigos de costura nos centros urbanos mudaram a forma de se conceber a moda e
sua produção. Revistas e jornais popularizam-se e possibilitam a cópia de modelos e
com preços mais acessíveis em relação aos praticados até o momento.
                      Uma série de fatores como o advento da burguesia, a melhoria das vias de
                      comunicação e o número crescente de figurinos – cujas pranchas de moda
                      eram copiadas pelos jornais e revistas da província e de outros países –
                      fizeram com que não fosse mais o apanágio de uma classe e se difundisse
                      fora dos grandes centros de irradiação da cultura (SOUZA, 1987, p. 89).

      A adoção de fatores internos e externos ao país também possibilitam outros
paradigmas no que diz respeito aos trajes, que muito se assemelham aos conceitos
empregados na capital francesa e na sociedade americana. Muito embora a
produção ainda sofra fortes influências de outros países, o progresso técnico e as
37


novas estruturas fabris do país, juntamente com o novo poder aquisitivo do brasileiro
possibilitam uma inserção do desejo de moda e da indústria do vestuário na
concepção das mulheres e também dos homens.
                     O século XIX, trazendo as profissões liberais, a democracia, a emancipação
                     das mulheres e a difusão dos esportes, completará as metamorfoses sociais
                     que fizeram o traje hirto dos séculos anteriores desabrochar na estrutura
                     movediça de hoje em dia (SOUZA, 1987, p. 50).

      Instaurando a simplicidade dos trajes como símbolo da elegância na Europa,
Coco Chanel possibilitou ainda mais a popularização da moda e a mimetização do
vestuário. Característica também encontrada sob influência da moda inglesa, a
simplicidade do traje também é visivelmente agregada aos trajes brasileiros. Para
Lipovetsky (1989), a transformação, ocorrida a partir dos anos 1920 “com a
simplificação do vestuário feminino, de que Chanel é de alguma maneira o símbolo,
a moda se tornou, com efeito, menos inacessível porque mais facilmente imitável”
(1989, 74). A partir deste período, a exibição ostentatória do luxo e do prestígio
passa a ser signo de mau gosto, tendo destaque apenas para a discrição e
diminuição dos adornos até então admirados quando em excesso. A simplificação do
vestuário é também conceituada por Gilda de Mello e Souza, que partiu de um
movimento político e social e invadiu as criações de moda não somente da Europa,
mas também do Brasil.
                     O século XIX, dissemos, se inicia sob o signo da simplicidade. Nesse
                     sentido já vinha se processando, desde o século anterior, um movimento
                     que partiu talvez das ideias de Rousseau e da influência das modas
                     inglesas, acentuando-se com a Revolução Francesa. As mulheres, abolindo
                     os espartilhos, as anáguas, os saltos altos, puseram-se de camisola branca
                     atada debaixo dos seios; e o vestido se tornou escasso e sem formas
                     (SOUZA, 1987, p. 61).

      A mulher do século XIX utiliza da moda como uma “grande arma na luta entre
os sexos e na afirmação do indivíduo dentro do grupo” (SOUZA, 1987, p. 89).
Enquanto o desinteresse dos homens pelo vestuário diminuía, as mulheres
consagraram os trajes como um aliado e importante meio de expressão diante de
uma sociedade em que o principal objetivo do sexo feminino é o casamento. A moda
reforçou o pensamento individualista da mulher e as roupas realizaram pelo sexo
feminino uma característica incomum na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX:
o gosto pela sedução, pelos artifícios possibilitados pela moda para assumir uma
feição diferente ou transformar-se apenas variando-se o traje.
38


      Com mudanças na comunicação e na publicidade, em que cada vez mais
estão acessíveis os produtos, os jornais e revistas de moda, o comportamento da
sociedade também se transforma. Se no início da moda como sistema os trajes da
nobreza eram desejados e imitados, no séculos XIX e XX são as celebridades que
ditam a moda e despertam o interesse. “As estrelas despertaram comportamentos
miméticos em massa, imitou-se amplamente sua maquiagem dos olhos e dos lábios,
suas mímicas e posturas” (LIPOVETSKY, 1989, p. 214).
      O crescente interesse da sociedade em geral e principalmente das mulheres
com a moda foi responsável por avanços em todas as áreas do vestuário. Crescem
as indústrias de moda, surgem e expandem-se os cursos de graduação em moda e
nas áreas relacionadas. Lojas espalham-se por todo o país e, no ano de 1996,
ocorre a primeira semana de moda no Brasil. Batizada inicialmente de Morumbi
Fashion Brasil, o evento, de proporções muito diferentes daquelas atingidas pelas
semanas de moda atuais, contava apenas com quatro desfiles diários e com um
público de apenas trezentas pessoas.
      A importância das semanas de moda justifica-se pela visibilidade do produto
nacional e, consequentemente, da abertura em diversos setores que realizam no
país, possibilitando a entrada de grifes internacionais conceituadas. Foi o que
ocorreu no Brasil, com marcas como Chanel e Versace que, a partir deste momento,
preocuparam os empresários brasileiros e os obrigaram a investir em tecnologia de
ponta para rivalizar com esses símbolos internacionais.
                     A entrada do Brasil no fechado circuito, no final dos anos 90, foi resultado
                     de uma simultaneidade de fatores: o crescimento do setor têxtil e de
                     confecção, a valorização da moda como negócio; a qualidade da matéria-
                     prima nacional (e o seu aprimoramento), a utilização e os investimentos em
                     tecnologia de ponta; a criatividade dos estilistas, demonstradas em coleções
                     contemporâneas, não limitadas a roupas artesanais ou “de folclore”; a
                     consolidação de um calendário de moda uniformizando as iniciativas antes
                     isoladas, aliadas à cobertura e repercussão na imprensa especializada no
                     Brasil e exterior (HINERASKY, 2006, p. 02).

      Foi apenas em 2001 que o evento transformou-se em São Paulo Fashion
Week, acontecendo duas vezes ao ano, registrando crescimento surpreendente
desde sua criação cinco anos antes, em sua décima edição. A semana de moda
paulistana é considerada o evento de moda mais importante da América Latina e
está entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, ao lado de expoentes
como a semana de moda de Paris, Nova Iorque, Milão e Londres.
39


      A moda, configurada como elemento importante na individualização dos seres
e promoção de suas características pessoais, adquire   formatos   bem     distintos
daqueles que a caracterizavam em seu início, no século XV. De lá pra cá,
globalizou-se e atingiu proporções inimagináveis em relação à produção e difusão
de seus produtos. Suas criações tornaram-se objetos de desejo para grande parte
dos indivíduos e seus artigos, tantas vezes elitizados e que só poderiam ser
adquiridos por uma ínfima parcela da sociedade, acabaram por se tornar elementos
de distinção social. Os gostos e as escolhas destacaram-se de sua função original:
pautados pelas arbitrariedades do mercado e das classes dominantes, deixaram de
ser fruto das preferências individuais. Com tais conceitos, delineia-se o
questionamento abordado por este trabalho: a moda é um estilo de vida pessoal ou
é um artifício do mercado para impor bens fugazes aos indivíduos? Tal
questionamento será retomado nas análises realizadas no quarto capítulo deste
trabalho
40


3 FORMAS JORNALÍSTICAS DE NARRAR ACONTECIMENTOS DO MUNDO: A
SEGMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO



      Uma vez que, como vimos no capítulo anterior, a moda constitui-se como um
vetor importante para pensar a modernidade, era de se esperar que ela figurasse
como um departamento vital para a narrativa jornalística contemporânea. Desse
modo, antes de proceder a análise do portal de moda Chic, faz-se necessário definir
os parâmetros do surgimento do jornalismo no Brasil e no mundo. Além disso, o
capítulo pretende abordar temas como o jornalismo segmentado, conceitos do
jornalismo especializado em moda e de suas vertentes no universo online.
      O surgimento da imprensa data do século XV, na Europa. Concebida como
um fenômeno moderno, que, assim como a moda, surgiu em meio a importantes
transformações nos âmbitos sociais, políticos e econômicos, no período de transição
da Idade Média para a Idade Moderna. Sua criação, muito impulsionada pela prensa
móvel, criação do alemão Johanes Gutenberg, em 1452, marca uma etapa decisiva
para a sociedade. Responsável pelos tipos móveis, que possibilitaram a impressão
em papel com uma tinta específica criada por Gutenberg, diversas obras puderam
ser impressas. O livro mais notável impresso pelo criador da prensa móvel ficou
conhecido como a "Bíblia de Gutenberg", impresso em duas colunas e contendo
1282 páginas. Tornou-se notável porque marcou a impressão em massa de livros e
outros artigos no Ocidente.
      Com a prensa móvel, mudanças acontecem no que diz respeito à rapidez,
quantidade de impressões e, consequentemente, à circulação de informação. Por
isso, é considerada "uma das revoluções técnicas mais importantes da história da
humanidade" (VERGER, 1999 apud RIBEIRO, CHAGAS, PINTO, 2007, p. 30).
Transformou a sociedade europeia no que diz respeito a aspectos sociais, políticos e
psicológicos e no desenvolvimento da ciência, cultura, religião e da política. A
tipografia passou a ter importância em diversos países do norte europeu, nos quais
funcionava como propulsor do Humanismo e da Reforma Protestante.
      Somente mais de 150 anos depois do surgimento da prensa móvel surge o
primeiro periódico jornalístico da história: o "Frankfurter Journal". Escrito em alemão
e com periodicidade semanal, o jornal abriu as portas para a criação de diversos
41


periódicos em países da Europa. Assim, em 1621, surge em Londres o primeiro
jornal de língua inglesa, chamado "The Corante".


3.1 O JORNALISMO NO BRASIL

       Cerca de duzentos anos separam o surgimento da imprensa mundial da
imprensa brasileira. Mais de um século depois da criação de Gutenberg, no século
XVII, os países europeus já possuíam oficinas de impressão consolidadas. Estima-
se que, apenas dez anos após a criação da prensa móvel, já se registrava a
existência das oficinas de impressão em 108 cidades europeias e, no ano de 1500,
estima-se que este número já chegava a 226.
       Foi apenas no ano de 1808 que teve início de forma sistemática o exercício
da imprensa no Brasil, com a chegada da corte portuguesa e a instalação da
tipografia da Imprensa Régia. A transformação do Brasil colônia em sede da
monarquia portuguesa muda também a sociedade e a organização social e
econômica. Há a abertura de portos, a fundação do Banco do Brasil e a
popularização dos periódicos nas grandes cidades. Ao mesmo tempo em que os
jornais periódicos surgem na colônia, o Brasil conhece a censura, que realizava a
interdição de publicações que não se encaixavam nos parâmetros morais, religiosos
e políticos da corte. Por consequência da censura, o Correio Brasiliense, o primeiro
jornal brasileiro, não era feito no país, e sim produzido em Londres para distribuição
em território nacional.
                      Papel específico teve, sem dúvida, o Correio Brasiliense, mas é discutível a
                      sua inserção na imprensa brasileira, menos pelo fato de ser feito no exterior,
                      o que aconteceu muitas vezes, do que pelo fato de não ter surgido e se
                      mantido por força de condições internas, mas de condições externas
                      (SODRÉ, 1999, p. 20).

       Mesmo antes do surgimento oficial da imprensa, jornais como a Gazeta de
Lisboa já circulavam pelo país desde 1778 e outras publicações produzidas na
Europa chegavam ao Brasil, pelo menos, desde o início do século XVIII. O
jornalismo se mostrava presente no cotidiano da colônia algumas décadas antes do
surgimento da imprensa.
       A "importação" dos periódicos não compreendia por completo o ideal vivido
pela população. A maioria das publicações trazidas ou inspiradas pelos periódicos
da Europa compartilhava com o ideal absolutista e não promovia os debates,
discussões e críticas para a sociedade.
42


      De acordo com Martins e Luca (2008), embora tenha surgido com atraso em
relação ao a outros países, a imprensa periódica no Brasil teve seu início em meio a
um período em que já existiam outras formas de comunicação e as formas de
transmissão já existentes passam a compartilhar espaço com a imprensa recém
criada no país.
                      O periodismo pretendia, também, marcar e ordenar uma cena pública que
                      passava por transformações na relação de poder que diziam respeito a
                      amplos setores da hierarquia da sociedade, em suas dimensões políticas e
                      sociais (MARTINS; LUCA, 2008, p. 25).

      A partir de setembro de 1808, com a instalação da Imprensa Régia, passa a
ser produzida no Brasil a “Gazeta do Rio de Janeiro”, dirigida inicialmente pelo Frei
Tibúrcio da Rocha. O primeiro jornal oficial, produzido no país, tinha como objetivo
divulgar o conteúdo conivente à corte. No entanto, seu conteúdo não era atrativo aos
leitores, como ressalta SODRÉ (1999, p. 20).           “Jornal oficial, feito na imprensa
oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos
que o faziam, como a dos que o haviam criado”.
      Muito semelhante ao principal jornal português a “Gazeta de Lisboa”, na
“Gazeta do Rio de Janeiro” não havia espaço para críticas à corte e tampouco aos
debates políticos. “Não se manchavam essas páginas com efervescências da
democracia, nem com a exposição de agravos”. (ARMITAGE, John, 1914 apud
SODRÉ, 1999, p. 20). Com a morte do responsável pelo jornal, D. Rodrigo de Sousa
Coutinho, é nomeado como redator Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, que fica
no jornal até o inicio do ano de 1821. Com a mudança de orientação política do
jornal no ano de 1820, causada pelo movimento liberal português, no ano seguinte a
“Gazeta do Rio de Janeiro” tem como redator o cônego Vieira Goulart. O novo
redator também era responsável pela publicação do jornal "O bem da ordem", que
pretendia ser lido pelos indivíduos que não faziam parte da sociedade intelectual,
segundo Martins e Luca, "pelo povo rude e sem aplicação às letras" (2008, p. 30).
Era a forma que os jornalistas encontraram de ampliar os leitores dos jornais,
democratizando a informação e fornecendo conhecimento àqueles que não faziam
parte dos intelectuais do país.
      Surge, a partir da imprensa, com os novos ordenamentos e a propensão ao
debate, a opinião pública. A sociedade passa a posicionar-se de forma mais crítica,
muito influenciada pela quantidade de publicações e pluralidade de ideais que, com
os jornais, puderam florescer e tornaram-se acessíveis aos indivíduos. "A opinião
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Análise das tendências da moda brasileira no SPFW

  • 1. NAIÁ AIELLO ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA NO SPFW Londrina 2011
  • 2. NAIÁ AIELLO ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA NO SPFW Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. Orientadora: Professora Dra. Rosane Borges da Silva Londrina 2011
  • 3. NAIÁ AIELLO ENTRE O CONSUMO E A NECESSIDADE: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DA MODA BRASILEIRA NO SPFW Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Prof. Orientador Rosane Borges da Silva Universidade Estadual de Londrina ____________________________________ Prof. Componente da Banca Silvio Demétrio Universidade Estadual de Londrina ____________________________________ Prof. Componente da Banca Valdirene Aparecida Vieira Nunes Universidade Estadual de Londrina Londrina, _____de ___________de _____.
  • 4. Dedico este trabalho aos responsáveis por tudo em minha vida, os meus queridos e amados pais, Car e Gi.
  • 5. AGRADECIMENTOS Agradeço ao maior amor do mundo refletido no amor de pai e mãe. Aos meus mestres supremos da sabedoria, os acolhedores da minha dor e incentivadores do meu riso. Ao grande exemplo de vida e de força. Este trabalho só foi possível graças ao imensurável amor de dois grandes seres humanos, meus pais, Carlos e Gisele. A quem devo minha vida e a quem dedico não só este trabalho, mas também todas as minhas conquistas. Agradeço a cumplicidade e amizade que tenho em minha irmã, Mayra, que existe além do nosso elo eterno de amor. Não dividimos o quarto, os pais, a vida, e sim, compartilhamos tudo isso. Minha melhor amiga e parceira. Agradeço a Baby, por ter feito e ainda fazer parte da minha vida. Que me ensinou que um ser de quatro patas possa amar e ser amado de forma tão pura e bela. Pequena, muito obrigada por tudo, sempre. O companheiro de todas horas, o amigo e amor que encontrei dentro desta universidade. Foi com ele que conheci o significado de caminhar lado a lado e o amor entre um homem e mulher. Com você, vivi e vivo um amor mágico que nunca pensei existir. Muito obrigada por tudo, André. Aos tão importantes na minha vida, meus avós, Darci e Arlindo, que me ensinaram tanto e continuam ensinando. Agradeço a minha avó Clô e ao meu avô querido, Antônio Carlos. Meus tios de sangue e minha tia de consideração, sempre tão importantes para mim. Minha sempre amiga desde que me dou conta de existir, Tarsila, por tudo o que você me ensinou e o que aprendemos juntas. Meus amigos, tão queridos, do passado ou do presente, de Bauru ou de Londrina, partes indissociáveis de quem sou. Não vou citar nomes já que os meus verdadeiros amigos sabem tanto de mim a ponto de terem a plena certeza quem são. Em especial, agradeço a um deles, Filipe, o protagonista principal da saudade que sinto. Não uso metáforas porque a morte já passou aqui há muito levando minhas esperanças tão doentes e essas epifanias doidas que insisto em decorar. Muito obrigada por tudo que você me ensinou! Por último, mas não menos importante, minha orientadora querida, Rosane Borges, cujo estilo, elegância e inteligência foram tão inspiradores a este trabalho. Obrigada por fazer tudo dar certo e pela orientação tão valiosa.
  • 6. (...) As vezes amanheço, e minha alma está úmida. Soa, ressoa o mar distante. Isto é um porto. Aqui eu te amo. Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte. Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas. As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes, que correm pelo mar rumo a onde não chegam. Já me creio esquecido como estas velhas âncoras. São mais tristes os portos ao atracar da tarde. Cansa-se minha vida inutilmente faminta... (...) Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos. Mas a noite enche e começa a cantar-me. A lua faz girar sua arruela de sonho. Olham-me com teus olhos as estrelas maiores. E como eu te amo, os pinheiros no vento, querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre. Pablo Neruda
  • 7. AIELLO, Naiá. Entre o consumo e a necessidade: uma análise das tendências da moda brasileira no SPFW. 2011. 123. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011. RESUMO Este trabalho tem como propósito analisar os desfiles das coleções outuno/inverno e primavera/verão do São Paulo Fashion Week, tomando como suporte a cobertura do evento do Site Chic destes três estilistas: Alexandre Herchcovitch, Glória Coelho e Reinaldo Lourenço. Fundamenta-se nos princípios da análise do discurso para verificar de que forma a moda constitui-se em um vetor, importante não apenas do ponto de vista da utilidade, mas sobretudo do ponto de vista da afirmação dos sujeitos no contexto de uma sociedade hiperconsumista. Estilos de vida, comportamentos, mudanças geracionais, o papel do jornalismo segmentado são alguns dos temas aqui explorados. Palavras-chave: Moda. Discurso. Jornalismo Segmentado. Consumo. Estilos de Vida
  • 8. AIELLO, Naiá. Between consumption and necessity: an analysis of brazilian fashion trends in SPFW. 2011. 123. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação Comunicação Social - Jornalismo) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011. ABSTRACT This work aims to analyze the collections Autumn/Winter and Spring/Summer of the fashion show São Paulo Fashion Week, using as a support the Chic Site event coverage of these three designers: Alexandre Herchcovitch, Gloria Coelho and Reinaldo Lourenço. It is based on the principles of speech analysis to see how fashion establishes itself as a vector, not only important from the standpoint of utility, but especially from the standpoint of the assertion of the subjects in the context of a hyper consuming society. Lifestyles, behaviors, generational changes, the role of segmented journalism are some of the themes explored here. Key words: Fashion. Speech. Segmented Journalism. Consumption. Lifestyles
  • 9. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Evolução esquemática da moda no século XIX ..................................... 35 Figura 2 – Página inicial do site Chic ...................................................................... 65 Figura 3 – Foto número 28 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 71 Figura 4 – Foto número 11 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 71 Figura 5 – Foto número 1 desfile Inverno Herchcovitch.......................................... 74 Figura 6 – Foto número 10 desfile Inverno Herchcovitch........................................ 74 Figura 7 – Foto número 08 desfile Verão Herchcovitch ......................................... 75 Figura 8 – Foto número 10 desfile Verão Herchcovitch ......................................... 75 Figura 9 – Foto número 31 desfile Verão Herchcovitch .......................................... 78 Figura 10 – Foto número 17 desfile Verão Herchcovitch ........................................ 78 Figura 11 – Foto número 04 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 80 Figura 12 – Foto número 34 desfile Inverno Glória Coelho ................................... 80 Figura 13 – Foto número 02 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 81 Figura 14 – Foto número 15 desfile Inverno Glória Coelho .................................... 81 Figura 15 – Foto número 09 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 84 Figura 16 – Foto número 27 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 84 Figura 17 – Foto número 02 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 86 Figura 18 – Foto número 34 desfile Verão Glória Coelho ....................................... 86 Figura 19 – Foto número 02 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 87 Figura 20 – Foto número 10 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 87 Figura 21 – Foto número 22 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 89 Figura 22 – Foto número 18 desfile Inverno Reinaldo Lourenço ............................ 89 Figura 23 – Foto número 25 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 90 Figura 24 – Foto número 26 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 90 Figura 25 – Foto número 21 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 92 Figura 26 – Foto número 22 desfile Verão Reinaldo Lourenço............................... 92
  • 10. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AD – Análise do Discurso ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network BBN - Bold, Beranek e Newman FWD – Fashion Wire Daily SPFW – São Paulo Fashion Week WEB – World Wide Web
  • 11. LISTA DE TABELAS Tabela 1– A análise do discurso: dispositivos e procedimentos ............................ 60
  • 12. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13 2 A INSTITUIÇÃO DA MODA COMO SISTEMA: NOVOS PARÂMETROS PARA A ERA MODERNA ...................................................................................................... 16 2.1 A MODA COMO SISTEMA ......................................................................................... 19 2.2 A MODA COMO FATOR DE DISTINÇÃO SOCIAL ............................................................ 23 2.3 A CRIAÇÃO (IMPOSIÇÃO) DE ESTILOS DE VIDA: O LUGAR DO VESTUÁRIO ...................... 32 2.4 O MODA NO BRASIL: NOVAS FORMAS DE AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL ........... 36 3 FORMAS JORNALÍSTICAS DE NARRAR ACONTECIMENTOS DO MUNDO: A SEGMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO...................................................................... 40 3.1 O JORNALISMO NO BRASIL ...................................................................................... 41 3.2 A SEGMENTAÇÃO NA IMPRENSA BRASILEIRA ............................................................. 43 3.2.1 As Revistas Femininas: tematização prioritária da moda e dos costumes ...... 44 3.3 AS NOVAS PROPOSTAS DA INTERNET....................................................................... 48 3.3.1 A Internet e o Mercado da Moda ..................................................................... 50 3.4 JORNALISMO DE MODA: NECESSIDADE OU FRIVOLIDADE? .......................................... 53 4 UMA PROPOSTA DE ANÁLISE: O MOVIMENTO DOS DISCURSOS SOBRE A MODA NO SITE CHIC.............................................................................................. 55 4.1 EM TORNO DA METODOLOGIA ................................................................................. 55 4.2 O DISCURSO E A COMUNICAÇÃO ............................................................................. 57 4.3 AS BASES DA ANÁLISE............................................................................................ 58 4.4 PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO ............................................................ 59 5 ESTILOS DE VIDA, CONSUMO, LUXO, NECESSIDADE: PRODUÇÃO DE SENTIDOS NOS DESFILES DE MODA DO SPFW................................................. 61 5.1 TRAJETÓRIA DO SÃO PAULO FASHION WEEK ............................................................. 61 5.2 O SITE CHIC E A COBERTURA DE MODA ................................................................... 63 5.2.1 As Configurações Verbo-visuais do Site Chic ................................................. 64 5.3 OS ESTILISTAS DE MODA E A VISIBILIDADE NO SITE CHIC ............................................ 69
  • 13. 5.3.1 Alexandre Herchcovitch ................................................................................... 69 5.3.1.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Herchcovitch................................ 70 5.3.1.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Herchcovitch ............... 73 5.3.1.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Herchcovitch .................................. 74 5.3.1.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Herchcovitch .................. 77 5.3.2 Glória Coelho ................................................................................................... 78 5.3.2.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Glória Coelho .............................. 79 5.3.2.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Glória Coelho .............. 81 5.3.2.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Glória Coelho ................................. 82 5.3.2.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Glória Coelho ................. 85 5.3.3 Reinaldo Lourenço........................................................................................... 86 5.3.3.1 Análise da cobertura do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço ...................... 86 5.3.3.2 Análise da cobertura imagética do inverno 2011 de Reinaldo Lourenço ...... 88 5.3.3.3 Análise da cobertura do verão 2012 de Reinaldo Lourenço ......................... 89 5.3.3.4 Análise da cobertura imagética do verão 2012 de Reinaldo Lourenço ......... 91 5.4 ANÁLISE COMPARATIVA DAS COBERTURAS ANALISADAS ............................................ 93 CONCLUSAO .......................................................................................................... 96 REFERÊNCIAS .................................................................................................... ..101 ANEXOS .............................................................................................................. ..105 ANEXO A – Cobertura Inverno 2011 SPFW Alexandre Herchcovitch .................. ..106 ANEXO B – Cobertura Verão 2012 SPFW Alexandre Herchcovitch .................... ..109 ANEXO C – Cobertura Inverno 2011 SPFW Glória Coelho.................................. ..112 ANEXO D – Cobertura Verão 2012 SPFW Glória Coelho ...................................... 115 ANEXO E – Cobertura Inverno 2011 SPFW Reinaldo Lourenço............................ 118 ANEXO F – Cobertura Verão 2012 SPFW Reinaldo Lourenço .............................. 121
  • 14. 13 INTRODUÇÃO A evolução percebida pela história do vestuário retrata as muitas fases pelas quais a moda passou até configurar-se como sistema, no século XV. Até este período, que marca o fim da Idade Média, surgimento do capitalismo e a ascensão da burguesia ao poder, o vestuário tinha como função a demarcação social realizada por meio das roupas e uma inserção hierarquizada na vida dos indivíduos. A moda, pois, constitui-se como um fenômeno que, segundo Lipovetsky (1989), é inseparável do nascimento e desenvolvimento do mundo ocidental. Assim, desenvolve-se paralela e juntamente com as principais rupturas ocorridas na passagem para a modernidade e, de certa forma, traz em sua gênese rompimentos com a tradição, com a aristocracia e com os padrões em voga até o momento. Levando em conta esse panorama, este trabalho tem como objetivo apresentar discussões a respeito da presença da moda na sociedade moderna, destacando o papel do jornalista enquanto atividade social na constituição de narrativas sobre estilos de vida. Pretende empreender um resgate histórico parcial acerca do surgimento e evolução da indústria do vestuário no mundo, bem como de sua inserção no Brasil. Será apresentado, no capítulo 2, um panorama da imprensa em geral e, principalmente, do jornalismo segmentado no país, a fim de entender a inserção tão maciça do jornalismo de moda na internet. A importância da concepção da moda como um sistema, dá-se em razão da nova organização econômica que estava em vias de formação ao final do século XV, o capitalismo. Em um cotidiano em que estão refletidas mudanças de todos os tipos, o interesse pelo vestuário e a necessidade da configuração da indústria da moda, transformações certamente não tardarão a ocorrer. Desta maneira, a moda constitui-se como um sistema organizado propiciando o culto ao novo e o “Império do efêmero”, nome que titula a importante obra de Gilles Lipovetsky, texto utilizado como base deste trabalho. A indústria da moda passa a ter o consumo como seu principal motivador e o incentivo ao individualismo como justificativa de sua existência. No entanto, agrega em sua essência uma dualidade conceptiva entre a promoção da individualidade e os artifícios de distinção. Como veremos no primeiro capítulo deste trabalho, algumas fases acompanharam seu percurso, como a “moda de cem anos”, momento em que é
  • 15. 14 efetivada como uma organização estável e duradoura, e a “moda aberta”, período em que a indústria volta-se à produção em série e burocratização da produção. Desde então, passados cinco séculos de uma etapa responsável por transformar a moda no que é atualmente, diversos setores ligam-se a esta indústria, hoje em constante diálogo com todas as partes do mundo. Entre os setores de destaque, está a comunicação, especificamente o jornalismo e a publicidade, com papel essencial nessa globalização da moda e do consumo: são essas duas atividades que, por meio de veículos a exemplo da internet, dinamizam e globalizam a moda. Ganha destaque proeminente o jornalismo de moda, responsável por dar cobertura integral à temática. Incluída nos veículos online, que surgem efetivamente há pouco mais de dez anos, a moda encontra na web uma forma de demonstrar sua importância na vida cotidiana. Se, por um lado, surge por uma necessidade do mercado e da indústria, por outro, reflete também o interesse dos próprios consumidores. A partir desta popularização da internet e da temática do vestuário, surgem duas modalidades comunicacionais de livre acesso: os sites e blogs, que serão diferenciados no segundo capítulo deste trabalho. Buscando referências do jornalismo de revista, o principal expoente do jornalismo segmentado, os veículos online assumiram novas características, buscando alinhar-se à contemporaneidade tecnológica e adquirir uma identidade própria neste campo midiático ainda recente que é a internet. Nesse processo, conhecido como midiatização, o veículo percorre todos os campos sociais, que, segundo Maldonado (2002, p. 4), irá “condicioná-los e adequá-los às formas expressivas e representativas da mídia”. A partir de suas possibilidades, a mídia online transpassa o valor expositivo, dos veículos de comunicação. Agora, os veículos online buscam “traduzir” a moda e suas particularidades ao leitor, utilizando para tal objetivo as diversas ferramentas que tem configuradas em sua estrutura, definidas por Palacios, Mielniczuk, Barbosa, Ribas e Narita (2002), por seis características: interatividade, hipertextualidade, multimidialidade, personalização, memória e atualização contínua. Preceitos responsáveis por inovar e transformar a comunicação e romper barreiras entre emissor e receptor, formando um leitor aparentemente mais crítico e ativo. Aliando as possibilidades da internet com a crescente necessidade da abordagem da moda por diversos meios, nas revistas, portais, sites ou blogs,
  • 16. 15 discutem-se as especificidades da moda brasileira e internacional, expondo ainda a característica crítica que pode ser adotada pelo veículo. A informação de moda, atuando em um jornalismo conceitualmente expositivo e descritivo, também adquire a função de jornalismo de serviço. Inserido no gênero utilitário, o jornalismo de serviço tem se tornado cada vez mais comum na sociedade capitalista, com o propósito de prestar serviço à sociedade. Em seguida, apresentamos nossas considerações finais que, antes de se pretender conclusiva, faz um balanço das principais questões que o trabalho suscitou. Por meio da análise de como está estruturado o discurso do site Chic a partir da cobertura do São Paulo Fashion Week. A escolha do site é justificada pelo pioneirismo do portal, criado em 2000 por Glória Kalil e por ser considerado um dos primeiros veículos online de moda do Brasil. Por meio das configurações do site, este estudo pretende identificar quais as formações discursivas estão presentes no site Chic. Pretende discutir, além da compreensão dos textos, os meios de interpretação da análise dos discursos presentes nas matérias veiculadas pelo site, buscando entender de qual forma o uso da linguagem e de expressões simbólicas são responsáveis por construir e constituir relações sociais, muitas vezes inseridas de forma sutil nas publicações.
  • 17. 16 2 A INSTITUIÇÃO DA MODA COMO SISTEMA: NOVOS PARÂMETROS PARA A ERA MODERNA Antes de explorarmos especificamente o tema do nosso trabalho, necessário se faz apresentar algumas reflexões a respeito da moda em suas diversas perspectivas. Um fio condutor que nos guia aqui pode ser encontrado nos debates de cunho sociológico, político e econômico destinados ao tema. Conceituada por Lipovetsky (1989) como um fenômeno inseparável do nascimento e desenvolvimento do mundo moderno ocidental, o surgimento da moda marca uma ruptura. Datado no fim da Idade Média e no surgimento da era moderna, a moda não institui apenas a novidade como pilar de sustentação, mas agrega em sua estrutura um sistema baseado na promoção do individualismo, promoção da distinção, associada a uma autonomização das consciências e dos desejos dos indivíduos. Para SOUZA (1987), a moda não pode ser considerada um fenômeno universal e sim particular a certas sociedades e períodos históricos. O fim do século XIV não marca somente o nascimento da moda, mas também a sua consolidação de forma sistemática e durável. Até aquele momento, o vestuário (cujo princípio acredita-se que tenha ocorrido na era pré-histórica, antes mesmo do surgimento da escrita), era concebido apenas como uma necessidade. Mesmo que este último fator tivesse perdido espaço para a vaidade e hierarquização das sociedades ao longo dos séculos, os trajes eram tão somente a vestimenta, pré- determinada seguindo os preceitos da época. As variações do traje limitavam-se às hierarquias de classe, em que as diferenciações davam-se, essencialmente, nos tecidos e ornamentos utilizados. Assim, de acordo com Lipovetsky, “durante séculos, o vestuário respeitou globalmente a hierarquia das condições: cada estado usava os trajes que lhe eram próprios” (1989, p. 40). Mesmo que houvesse uma ínfima diferenciação entre os trajes de classes distintas, não havia possibilidade e tampouco liberdade para que a moda e o luxo fossem acessíveis aos mais diferentes níveis sociais. De maneira geral, podemos dizer que os povos primitivos a desconhecem (talvez a grande significação religiosa e social atribuída à roupa e aos enfeites represente um empecilho às manifestações de mudança), que entre os gregos e romanos ela se limita a alguns setores, como a variação dos estilos de penteado, e que na Idade Média praticamente não existe (SOUZA, 1987, p. 20).
  • 18. 17 A elitização dos trajes dá-se em razão de um conceito enraizado nas relações e comportamentos dos homens do fim do século XIV: a tradição. Sua força impedia que as classes inferiores tivessem acesso aos trajes que pertenciam aos nobres, que não desejavam ter seus privilégios e particularidades usurpadas pelos plebeus. O rompimento realizado pela moda em relação aos comportamentos tradicionais é explicado por Gilda de Mello e Souza, que diz que “os costumes cultuam o passado, ligando-se assim à tradição, e a moda cultua o presente, adotando sempre a novidade” (1987, p. 20). As classes nobres não desejavam compartilhar com seus subalternos o luxo dos tecidos, acessórios e jóias, características que consideravam traço de seu poder e elegância, marca maior de distinção e austeridade da nobreza. A moda surge em um século em que a arte é representada por artigos com propriedades predominantemente extravagantes, cujo excesso e utilização desmedida de ornamentos eram próprios deste período, particulares às classes que podiam vestir-se com adornos exagerados. A uniformização dos trajes será colocada em discussão com o surgimento da moda e as transformações que ela inevitavelmente provoca. A figura do burguês é fundamental para se pensar na reestruturação que a moda propõe. “(...) o grande novo rico, de padrão de vida faustoso, que se veste como os nobres, que se cobre de jóias e de tecidos preciosos, que rivaliza em elegância com a nobreza de sangue” (LIPOVETSKY, 1989, p. 40). O burguês surge em meio a um crescimento vertiginoso das cidades, da produção, do comércio e dos bancos, que tem por consequência o surgimento de uma nova classe social, que não possui sangue azul, mas é detentora de imensas fortunas e cujo prestígio e poder só irão aumentar. Seu cenário principal, as cidades, propiciam efetivamente comportamentos próprios da moda, destacados por Souza. “A aproximação em que vivem as pessoas na área urbana desenvolve, efetivamente, a excitabilidade nervosa, estimulando o desejo de competir e o hábito de imitar” (SOUZA, 1987, p. 21). Em contrapartida, enquanto a ascensão da burguesia caminha pari passu com a sociedade moderna, a nobreza vê seu poder em constante diminuição em decorrência do novo e duradouro regime político, o capitalismo, que forneceu cada vez mais subsídios para o aumento de poder da burguesia, detentora dos meios de produção. Fenômeno indissociável do ocidente, o surgimento da moda só foi possível por meio de fatores particulares à Europa após o século X. Condições possibilitadas
  • 19. 18 nos campos econômicos, sociais e políticos que se refletiram na dinâmica europeia, fator essencial ao desenvolvimento da moda e de seus desdobramentos. Com o fim dos ataques bárbaros e da destruição causada pelas constantes disputas territoriais, a Europa ocidental passa a enfrentar um longo período de imunidade, livre dos ataques estrangeiros. Este fenômeno favoreceu o desenvolvimento da economia e impulsionou a civilização. Embora as guerras ainda fossem comuns, elas ocorriam entre os europeus, consolidando aspectos próprios ao continente. Para LIPOVETSKY (1989), estes fatores particulares ao Ocidente, que transformaram costumes, valores e a civilização europeia como um todo, tornaram possível uma sociedade apta às mudanças e disposta a se entregar aos prazeres mundanos do luxo e da sofisticação. Os jogos imoderados da frivolidade só foram possíveis em razão dessa profunda estabilidade cultural, que assegurou um ancoradouro permanente à identidade coletiva: na raiz do princípio de inconstância, a constância da identidade cultural ocidental, excepcional na história (LIPOVETSKY, 1989, p. 50). Embora a moda tenha em seus pilares de sustentação os acontecimentos políticos que caracterizaram o período de seu surgimento, com o fim da Idade Média, ascensão do capitalismo e início da era moderna, configurações de cunho social e econômico que precederam este período tiveram papel fundamental nas transformações alguns séculos depois. A situação econômica do século XI, com um crescimento econômico contínuo e sólido, o surgimento das cidades e do comércio e o estabelecimento do feudalismo, que tiveram como resultado o aumento do poder monetário da aristocracia, cujo reflexo deu-se nas vestimentas ostentatórias, atribuídas apenas às classes nobres. Ao final da Idade Média, com a atenção toda voltada às cidades e ao comércio, o abandono das terras e dos trabalhos agrícolas pelos camponeses acabou de vez com o poder do senhorio rural, gerando uma crise financeira. Os reflexos da crise não foram sentidos em toda a Europa e, embora tenha sido um período de marasmo econômico, a concentração de fortunas e constante multiplicação dos poderosos burgueses permitiram não uma diminuição, mas o crescimento dos dispêndios suntuosos. Segundo LIPOVETSKY (1989), a manutenção e o crescimento dos gastos era uma forma encontrada pelos burgueses de demonstrar os signos de seu novo poder e uma estratégia também utilizada pelos
  • 20. 19 nobres, que viam no luxo e no prestígio dos signos estéticos uma forma de manter sua posição, ao menos na aparência. 2.1 A MODA COMO SISTEMA Pensar na moda como sistema implica em uma mudança pontual no modo como era concebido o vestuário até o momento. De tal maneira, o sistema da moda nasce como uma forma de organizar social e economicamente os indivíduos. Com a característica principal de basear-se pelo efêmero e pelo gosto pela novidade, as definições da moda só encontraram uma razão de ocorrer pela nova estruturação da sociedade moderna e capitalista no final do século XIV. “Só a partir do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, como suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 23). A moda como sistema foi responsável por uma revolução no vestuário e, ao mesmo tempo, uma mudança em toda a estrutura da sociedade e das relações do homem com o mundo moderno. A sociedade passou por períodos pontuais que revolucionaram não somente a economia, mas a sociedade como um todo. Assim, mudanças em relação à elitização e hierarquização do vestuário só poderão ser vistas realmente na sociedade a partir da passagem do século XVI para o século XVII, com a imitação parcial do vestuário nobre não só na média, mas também na pequena burguesia. Estimulada basicamente pelo aumento na produção e pelo aumento do poder aquisitivo da população, a partir deste momento a sociedade passa a ter acesso aos mais elegantes trajes, tecidos e ornamentos, embora não tenha os adotado completamente. A criação das leis suntuárias, que determinavam quais trajes poderiam ser utilizados pelas classes mais baixas, cumpriram seu objetivo até o surgimento do sistema da moda1. Para Souza, as leis suntuárias tinham como objetivo principal impedir que as classes inferiores usassem trajes semelhantes aos da nobreza, que queria de toda forma distanciar-se das classes subalternas. 1 Sistema da moda: termo compartilhado por Gilles Lipovetsky (1989) e Roland Barthes, que conceitua a fase em que a moda passa a ser organizada e concebida de acordo com suas particularidades, ao final do século XV. “(...) é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 23).
  • 21. 20 Apenas os príncipes e as princesas podem vestir-se de carmesim; os gentis-homens e suas esposas só têm o direito de utilizar essa cor nas peças mais escondidas; às mulheres da classe média só é permitido o uso do veludo nas costas ou nas mangas; aos maridos, proíbe-se o seu emprego nas vestes superiores, a não ser que as inferiores sejam de pano; às pessoas que se dedicam aos ofícios e aos habitantes do campo, a seda é interdita, mesmo como acessório (SOUZA, 1987, p. 47). Inevitavelmente, os trajes são comparados em sua elegância e luxuosidade, o que torna evidente as distinções entre os trajes burgueses em relação aos nobres. Lipovetsky destaca, como uma das diferenciações entre eles, o período de defasagem que ocorre se comparados, haja vista que o vestuário burguês utiliza os artigos da moda com atraso, ao passo que já estão sendo substituídos na corte. “Ainda que o traje burguês jamais tenha igualado o brilho, a audácia, a ostentação aristocrática, ainda que se difunda com atraso, quando o uso começa a desaparecer na corte” (LIPOVETSKY, 1989, p. 41). Mesmo que as autoridades tentassem impedir as classes inferiores de copiar modelos, tecidos e as formas de vestuário, as transgressões aos decretos e multas por parte dos burgueses tiveram papel essencial para dar início a um processo de democratização2 da moda. Eram adotados, aos poucos, elementos do vestuário aristocrático até que, em 1620, as leis e os decretos deixaram de segregar um grupo por meio de sua classe social. As interdições passam a ser destinadas a toda a sociedade e não somente a um grupo específico. Gilles Lipovetsky define o processo pelo qual a moda passou para chegar aos dias de hoje, como símbolo da possibilidade de individualização e distinção entre os sujeitos. Mas a moda só pôde ser um agente da revolução democrática porque foi acompanhada mais fundamentalmente por um duplo processo de conseqüências incalculáveis para a história de nossas sociedades: a ascensão econômica da burguesia, por um lado, e o crescimento do Estado moderno, por outro, os quais, juntos puderam dar uma realidade e uma legitimidade aos desejos de promoção social das classes sujeitas ao trabalho (LIPOVETSKY, 1989, p. 42). 2 A acepção correta do termo, neste contexto, situa-se à parte das conceituações de raízes políticas e agrega ao termo o que se entende como uma das temáticas mais discutidas na moda, seu acesso sem restrições, possível a todas as classes. Embora, antes mesmo do surgimento do sistema da moda, sua função de distinção tenha se tornado latente, ao longo dos séculos algumas transformações na moda discutem, de certa forma, o acesso de uma maioria às inovações e proposições da indústria do vestuário, tentando desvincular a moda da visível hierarquia de classes. “Uma democratização da grife que não acarreta de modo algum um nivelamento homogêneo; castas e hierarquias permanecem, mas com fronteiras menos nítidas, menos estáveis, salvo para pequenas minorias” (LIPOVETSKY, 1989, p. 118).
  • 22. 21 Muito embora alguns elementos do vestuário aristocrático fossem adotados pela burguesia, não foram todos e nem qualquer um dos elementos suntuários que despertaram admiração da nova classe. Houve um mimetismo parcial de gostos e símbolos da nobreza, chamado por Lipovetsky de “mimetismo seletivo e controlado”. Ainda que as classes burguesas tenham efetivamente escolhido seus modelos na nobreza, não os copiaram em tudo, nem todas as inovações frívolas foram aceitas, e isso, mesmo na corte. Nos círculos mundanos, as excentricidades não foram todas assimiladas e, na burguesia, os traços mais fantasiosos do parecer despertaram mais reprovação do que admiração (LIPOVETSKY, 1989, p. 42). O século XVII é marcado pela “moda ponderada”, livre dos excessos da aristocracia, agregadora de valores essenciais à burguesia, como o conforto, a prudência, a utilidade e a limpeza. É uma moda do “homem correto” efeito do filtro burguês, que só extrai dos gostos e preferências corteses aquilo que não fere suas normas de bom senso e moderação. É também traço do crescente individualismo que surge e se desenvolve com a moda. Por sua estrutura relativamente maleável, a moda abre as possibilidades de recusa ou submissão, responsável pela liberdade que concede às pessoas em aceitar ou não as novidades que, com o sistema da moda, não cessam em aparecer. Parte disso é decorrente do rompimento com a tradição realizado pelo vestuário. Rompeu com os ideais que o impediam de se desenvolver de forma autônoma e livre, na constante exaltação da individualidade e do culto ao efêmero e às novidades. Para Lipovetsky, foi a partir daí que a sociedade deixou de exaltar práticas tradicionalistas e pode constituir um sistema de essência moderna, no qual o antigo não é mais venerável e as atenções estão todas voltadas ao presente. (...) enquanto nas eras de costume reinam o prestígio da antiguidade e a imitação dos ancestrais, nas eras da moda dominam o culto das novidades assim como a imitação dos modelos presentes e entrangeiros – prefere-se ter semelhanças com os inovadores contemporâneos do que com os antepassados (LIPOVETSKY, 1989, p. 32). As mudanças em diversas áreas, como o trabalho, economia e a vida em sociedade foram responsáveis por transformações pontuais nos hábitos dos indivíduos. O consumo torna-se uma atividade comum aos sujeitos, destacada pela por fatores que configuram sua existência, como o capitalismo e as novas estratégias produtivas, além de novos parâmetros, como o prestígio do novo e o culto pelo presente social. Institucionalizando o efêmero, diversificando o leque dos objetos e dos serviços, o terminal da moda multiplicou as ocasiões da escolha individual,
  • 23. 22 obrigou o indivíduo a informar-se, a acolher as novidades, a afirmar preferências subjetivas: o indivíduo tornou-se um centro decisório permanente, um sujeito aberto e móvel através do caleidoscópio da mercadoria (LIPOVETSKY, 1989, p. 175). Falar de multiplicação das escolhas individuais também converge em um sentido tão particular da moda, que justifica em grande parte sua existência e sua predominância até o presente momento nas sociedades com as mais variadas características. Pressuposto das escolhas dos homens e da capacidade de o indivíduo tomar sua própria decisão no que concerne as manifestações simbólicas, o vestuário é destacado como principal agente da autonomia das consciências, adquirida apenas a partir de sua criação como sistema, no qual “a moda aparece antes de tudo como o agente por excelência da espiral individualista e da consolidação das sociedades liberais” (LIPOVETSKY, 1989, p. 13). Acrescente-se ainda que como forma de manifestação de oposição a valores estabelecidos, o consumo configura-se material ou simbolicamente. Como forma de desvalorizar os atributos das classes mais baixas, os dominantes tendem a classificar as classes dominadas por meio de antagonismos, como masculino e feminino, sério e frívolo, útil e fútil, o realismo e o irrealismo. A nova concepção do ser, sua autonomia e individualidade foram responsáveis por retirar da moda o aspecto hierarquizado da aparência, que culminou na generalização do desejo de moda, ao mesmo tempo que pretende tornar cada homem único, pretende também uniformizar alguns setores da vida cotidiana. Cabe ao indivíduo adotar ou utilizar, fazendo uso das novidades conforme sua necessidade ou desejo. Essa situação ambivalente é facilmente comprovada nos dias de hoje, conforme veremos nas análises posteriores. A individualização dos gostos, que institui-se como uma das características mais importantes da moda, se desenvolveu paralelamente à individualização religiosa e econômica e precedeu o surgimento do individualismo ideológico. Tem- se, portanto, a importância da moda não somente em fornecer ao homem o direito de ser concebido como um ser individualizado e livre, mas também em possibilitar a ascensão e criação de um individualismo em todas as áreas que circundam os homens, a individualização econômica, religiosa e ideológica só foi possível a medida em que a moda adquiriu sua importância e seus preceitos foram legitimados nas sociedades modernas ocidentais. Para Lipovetsky, por meio de conceitos tão particulares à moda, como o luxo e a ambiguidade, foi possível o desenvolvimento
  • 24. 23 de uma sociedade aos moldes do ocidente: “o indivíduo livre, solto, criador, e seu correlato, o êxtase frívolo do eu” (LIPOVETSKY, 1989, p. 49). 2.2 A MODA COMO FATOR DE DISTINÇÃO SOCIAL Mas não é possível deixar de identificar preceitos que tornam a moda símbolo de distinção, em qualquer fase de análise. Embora não se possa justificar a urgência da moda e suas características fundadoras apenas como tentativas de distinção dos indivíduos, esta função esteve presente em todos as fases da moda, mesmo que de maneira sutil. A moda é um todo harmonioso mais ou menos indissociável. Serve à estrutura social, acentuando a divisão em classe; reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós (necessidade de afirmação como pessoa) e o socializador (necessidade de afirmação como um membro do grupo); exprime ideias e sentimentos, pois é uma linguagem que se traduz em termos artísticos (SOUZA, 1987, p. 29). Devido a configuração moderna da sociedade - não mais baseada por posições estamentárias - em que o poder e o dinheiro é que conferem ao indivíduo a possibilidade de mobilidade social -, algumas estratégias de distinção social passam a ser aplicadas. Uma competição, agora configurada de diversas maneiras, não somente por meio do vestuário e da moda, mas, basicamente, por meio dos bens de consumo, que estão cada vez mais afastadas do consumo motivado pela necessidade. Se, até pouco antes do capitalismo, o consumo só possuía como mote a necessidade, justificada pela produção escassa, agora o consumo está fincado em bases distintas, e o lugar da necessidade é ocupado pela diversificação dos artigos e pela sedução, admitidos como “a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência” (LIPOVETSKY, 1989, p. 159). As novidades agora ditam o curso das decisões e dos desejos, atrelada, basicamente, às novas estratégias de sedução para o consumo de massa. Para Lipovetsky (1989, p. 29), “(...) não há sistema da moda senão quando o gosto pelas novidades se torna um princípio constante e regular, quando já não se identifica, precisamente, só com a curiosidade em relação às coisas exógenas”. A busca por meios de distinguir-se esteticamente tem origem na mobilidade social. Ainda que a sociedade tenha se transformado completamente com o novo meio de produção capitalista e a ascensão da burguesia, os indivíduos agora eram livres em suas
  • 25. 24 escolhas, não só no que concerne o vestuário, mas no que diz respeito às escolhas no cardápio, decoração e todos os artigos de consumo. Os indivíduos buscam – também muito influenciados pelo consumo de massa – elementos que possam individualizar sua existência e provar sua necessidade de afirmação como parte da sociedade, com características próprias que podem variar entre a distinção e a uniformização. Mas a capacidade de escolha e decisão dos seres, mesmo que inconscientes, de acordo com Bourdieu (2007), é capaz não só de individualizar os homens, mas também de consolidar as posições por eles ocupadas. As tomadas de posição, objetiva e subjetivamente, estéticas – por exemplo, a cosmética corporal, o vestuário ou a decoração de uma casa – constituem outras tantas oportunidades de experimentar ou afirmar a posição ocupada no espaço social como lugar a assegurar ou distanciamento a manter (BOURDIEU, 2007, p. 57). Do mesmo modo como são concebidas como estratégias de confirmação da posição exercida, as escolhas são percebidas como elementos de distinção entre os seres, mais comumente exercidas por meio das distinções de classe e classificações sociais. De fato, as escolhas estéticas explícitas constituem-se, muitas vezes, por oposição às escolhas dos grupos mais próximos no espaço social, com quem a concorrência é mais direta e imediata e, sem dúvida, de modo mais preciso, em relação àquelas, entre tais escolhas, em que se torna mais evidente a intenção, percebida como pretensão, de marcar a distinção em relação aos grupos inferiores (BOURDIEU, 2007, p. 58). Os fenômenos de distinção podem explicar o gosto pelas novidades, o culto do presente, no entanto, não conseguem explicar a negação da tradição e do passado. Para Lipovetsky, as teorias da distinção não foram suficientes para esclarecer nem o advento da autonomia pessoal, nem a paixão pelo efêmero e pelo novo, embora Bourdieu discorde. De acordo com Bourdieu, as estratégias distintivas, que atuam por meio dos gostos pessoais e, principalmente, pela classe a qual pertencem os indivíduos, pode explicar o gosto pelo efêmero, pela novidade e pela promoção da autonomia. Pode explicar a eclosão da moda e de sua importância na sociedade, como tornou-se, em um tempo relativamente pequeno, um fenômeno tão importante à estrutura da sociedade, do trabalho e das relações econômicas. A afirmação de Lipovetsky, no entanto, não quer dizer que a moda seja estranha aos fenômenos de rivalidade entre as classes. O autor é categórico, por meio de análises, afirmando que o motor principal do consumo das classes superiores
  • 26. 25 “obedece essencialmente ao princípio do esbanjamento ostentatório, e isso a fim de atrair a estima e a inveja dos outros” (LIPOVETSKY, 1989, p. 55). A exibição da riqueza, do luxo e do poder que se dá por meio dos elementos da moda, são fatores destacados por ele como indissociáveis da rivalidade de classes, destacadas como a base da raiz do consumo. Para Souza (1987), a moda converge para duas classificações, em que está incluído o desejo de individualizar-se e distinguir-se dos outros indivíduos. “Com efeito, ao mesmo tempo que traduz a necessidade do adorno, a moda corresponde ao desejo de distinção social” (SOUZA, 1987, p. 47). Manifestações estéticas de poder e riqueza como formas de conquistar honra e prestígio fazem parte do escopo da moda, que “acha-se particularmente adaptada para intensificar o dispêndio ostensivo (...), um instrumento de obtenção da honorabilidade social” (LIPOVETSKY, 1989, p. 56), concepções partilhadas por Gilles Lipovetsky e Pierre Bourdieu. Compreende-se que a maneira de usar bens simbólicos e, em particular, daqueles que são considerados como os atributos da excelência, constitui um dos marcadores privilegiados da “classe”, ao mesmo tempo que o instrumento por excelência das estratégias de distinção, ou seja, na linguagem de Proust, da “arte infinitamente variada de marcar as distâncias (BOURDIEU, 2007, p. 65). A consciência inédita da identidade dos seres, a predominância do particular e o gosto pelo novo possibilitaram a moda assumir sua posição, sempre mutável e buscando a individualização dos sujeitos. A partir de tais preceitos, a moda também assume feições ainda mais particulares ao seu sistema, como o gosto pelas marcas e do luxo, possível para poucos. Na tentativa de, ao mesmo tempo buscar a individualização e, com ela, a diferença, o efêmero é tido como pilar de sustentação das artimanhas da moda e de sua sedução aos homens. O apreço pelo novo e por esta nova configuração do vestuário, possibilitou ao homem, mesmo que a níveis pequenos, o exercício de sua liberdade, de seus níveis particulares escolha e seu gosto próprio, características que viriam a se tornar próprias do mundo moderno ocidental. Economia e meios de produção ganharam diferentes conceitos com o passar dos anos, marcados pela lógica capitalista, e foi por meio deles que a moda se desenvolveu. Com o aumento na intensidade das trocas internacionais, o renascimento urbano e as constantes renovações na produção, outros modos de se conceber a moda foram tomando forma. O intercâmbio entre países impulsionou a
  • 27. 26 diversificação das matérias-primas do vestuário, como tecidos, acessórios, tinturas e tecelagem, e eram importados todos os artigos para a confecção de moda que se podia imaginar, dos mais diversos países. As primeiras décadas experimentadas pela moda são caracterizadas pelo furor das novidades, impulsionada de forma dispersa e irregular. Suas variações ocorriam de forma tão rápida que praticamente não havia hiato entre os desejos e a produção de vestuário na época. O grande motor das paixões frívolas e das ambições de consumo eram as inovações e extravagâncias dos integrantes da nobreza, que, mesmo sem o poder de antes, eram conhecidos como expoentes da moda. O século XIX marca uma fase notável no curso da moda como sistema. É o que Lipovetsky (1989) nomeia “moda de cem anos”. Da metade do século XIX até o ano de 1960, tem-se um período que foi considerado a primeira fase da moda moderna, momento em que a moda é efetivada como uma organização estável e duradoura. A moda de cem anos é caracterizada por estar articulada entre indústrias recentes, a alta-costura e a confecção, duas indústrias de vestuário que atuam sobre bases completamente distintas. A primeira, que fabrica o luxo, o traje prestigioso e sob medida. E a segunda, uma confecção industrial, com bases na produção em série e de baixo custo, que tenta reproduzir as criações de sua opositora, a alta- costura. Criação de modelos originais, reprodução industrial: a moda que ganha corpo se apresenta sob o signo de uma diferenciação marcada em matéria de técnicas, de preços, de renomes, de objetivos, de acordo com uma sociedade ela própria dividida em classes, com modos de vida e aspirações nitidamente contrastados (LIPOVETSKY, 1989, p. 70). Com a produção de moda dividida em duas partes, em que uma está conceituada como a alta-costura, que monopoliza a inovação e lança as tendências e a outra são as confecções industriais, que seguem os lançamentos da primeira, inspirando-se de forma suave ou intensa. É o que o autor considera o período de monocefalia da moda, em que apenas uma base lança conceitos, difunde tendências e define o que será ou não utilizado na próxima estação. Tendo como centro a capital francesa, Paris, a estrutura da alta-costura é suntuosa: as belas maisons, casas ilustres, local no qual aconteciam as revoluções e experimentações da moda de cem anos.
  • 28. 27 Em certo ponto, a inspiração dos modelos da alta-costura pela indústria da confecção passou de algo velado para uma estrutura fixa de produção: Os profissionais estrangeiros compram os modelos de sua escolha com o direito de reproduzi-los no mais das vezes em grande série em seus países. Munidos dos modelos e das fichas de referência dando as indicações necessárias para a reprodução do vestido, os fabricantes (...) podiam reproduzir as criações parisienses simplificando-as: assim, muito rapidamente, em algumas semanas, a clientela estrangeira poderia vestir-se na última moda da Alta Costura a preços acessíveis, ou até muito baixos, segundo a categoria da confecção (LIPOVETSKY, 1989, p. 73). Com a dinâmica instaurada pela alta-costura, as inovações e tendências em matéria de vestuário agora são lançadas com data marcada, a moda torna-se bianual, de acordo com o lançamento das coleções de verão e inverno. As novidades eram, primeiramente, apresentadas aos representantes estrangeiros, que compram os modelos desejados com a permissão de reproduzi-los em série nos seus países. “(...) assim, muito rapidamente, em algumas semanas, a clientela estrangeira podia vestir-se na última moda da alta-costura a preços acessíveis (...)” (LIPOVETSKY, 1989, p. 73). Segundo o autor, o surgimento da alta- costura e de seus desdobramentos disciplinou a moda no momento em que ela provocava inovações nunca antes vistas. Como se viu, a alta-costura foi o primeiro expoente de uma moda produzida em série, classificada por Lipovetsky como “a primeira manifestação de um consumo de massa, homogêneo, estandardizado, indiferente às fronteiras” (1989, p. 74). Como consequência, a distribuição das criações luxuosas das maisons parisienses para serem produzidas em série gerou, além da centralização, o que se pode conceituar como uma democratização da moda. Muito impulsionada pela comunicação de massa, causou, no início do século XX, a atenuação parcial das desigualdades que existiam entre o vestuário das diferentes classes sociais. O mais notável da alta-costura deve-se ao fato de, ao mesmo tempo que centralizou as criações e difundiu ainda mais a indústria do luxo e do prestígio, foi responsável pela formação de uma moda menos hierarquizada, acessível aos mais distintos públicos com diferenças menos evidentes que nos séculos anteriores. A partir de 1920, a alta-costura torna-se mais facilmente imitável por defender uma aparência de propriedades mais simples, menos extravagante e ostentatória, impulsionada pela visionária estilista e fundadora da Maison Chanel, conhecida
  • 29. 28 como Coco Chanel3, cuja história remonta um período importante da moda do século XX e ainda se faz essencial, haja vista que a grife fundada por Chanel ainda é um dos mais significativos nomes da moda no mundo. Evidentemente, distâncias muito nítidas continuaram as toaletes das diferentes classes, mas o fato mais importante reside em que o luxo do vestuário deixou de ser um imperativo ostentatório, só legítimo uma vez esfumado e invisível; uma certa simplicidade “impessoal”, aparentemente estandizável, conseguiu impor-se na cena da elegância feminina (LIPOVETSKY, 1989, p. 74). No entanto, falar na teórica democratização da moda não implica em uma uniformização dos trajes. O caráter de distinção adquirido pelo vestuário continua existindo, conceituado como um valor de gosto e de refinamento das classes superiores, novos signos, mais sutis, promovem pontos de referência que remetam e valorizem mais os atributos pessoais. A democratização também é responsável por uma universalização do gosto de moda. As classes mais baixas, que até o momento não tinham capital para consumir com frequência artigos de vestuário, agora contavam com acesso às novidades ao mesmo tempo que eram lançadas nos luxuosos ateliês de Paris. “À democratização da aparência correspondeu a extensão e depois a generalização do desejo de moda, outrora circunscrito às camadas privilegiadas da sociedade” (LIPOVETSKY, 1989, p. 78). Mas não é possível dizer que a moda está, a partir de então, mediante o acesso irrestrito de todas as classes sociais, sem parâmetros distintivos. De certa forma, está disponível para a maioria dos indivíduos, no entanto, sob critérios que as distinguem, como materiais, tecidos e também pelas grifes, que tem como compradores apenas os membros das classes dominantes. É somente após as grandes guerras mundiais que o direito à moda terá uma base sólida e uma legitimidade de massa. A moda de cem anos, além de aproximar o modo de vestir dos indivíduos de todos os âmbitos sociais, salvo algumas particularidades, difundiu o gosto pelo efêmero e pelo novo, tornando a paixão pelas frivolidades um 3 Gabrielle Bonheur Chanel, mais conhecida Coco Chanel, é considerada uma das figuras mais icônicas da moda. Nasceu em uma família pobre, foi abandonada pela mãe aos seis anos, que deixou Gabrielle e os quatro irmãos aos cuidados do pai. Funda, em 1910, uma pequena chapelaria, que viria a se tornar uma das grifes mais influentes e conceituadas do mundo da moda, a Chanel. Em 1920, já era uma pessoa influente na França e passa a criar, além dos chapéus, roupas, perfumes e acessórios. Tem, como marcas registradas, a bolsa Chanel 2.55, as pérolas e o vestido preto. Morre em 1971, aos 87, época em que ainda trabalhava ativamente no desenvolvimento das coleções de sua Maison. Seu nome, além de constar como uma das figuras mais importantes da moda, está atualmente ligado a uma série de publicações que a envolvem com o nazismo, que tratam-se apenas de hipóteses, sem comprovações efetivas.
  • 30. 29 sentimento compartilhado por todos os indivíduos, mesmo que de formas próprias à classe em que se enquadram. O direito dado às mais distintas classes de consumirem a moda assim que é lançada promove a discussão sobre moda nas revistas especializadas, que se tornaram cada vez mais numerosas devido a alta-costura. Desta forma, realizou uma revolução comercial feita por estratégias voltadas ao consumo desenfreado. Visando saciar os desejos no que diz respeito à aparência, a indústria da moda torna seus produtos artigos de sedução aos indivíduos, sob a faceta de uma individualização mais profunda e a possibilidade da escolha de cada integrante da sociedade, que “consiste em estimular, em desculpabilizar a compra e o consumo através de estratégias de encenação publicitária, de superexposição dos produtos” (LIPOVETSKY, 1989, p. 95). O consumo e produção de massa caracterizam-se pela produção em larga escala, característica que implica em indivíduos de trajes homogêneos e análogos. No entanto, segundo Lipovetsky, tais conceitos exigem da indústria posições que contrariam a uniformização dos indivíduos definidas como “a multiplicação dos modelos, a diversificação das séries, a produção de diferenças opcionais, a estimulação de uma procura personalizada” (LIPOVETSKY 1989, p. 98). A organização da sociedade, compreendida pela produção, organização, difusão e toda a ode dos costumes dos homens, é influenciada pela moda a promover os desejos individuais, estimular a participação social e fornecer opções plausíveis aos indivíduos. Não há como negar a verdadeira faceta das constantes novidades e inovações promovidas pela indústria da moda. Com a constante obsolescência dos produtos, a moda, empresa industrial e comercial de luxo, objetiva o desejo por suas criações para acelerar o consumo e obter maiores lucros. Mas, segundo Gilda de Mello e Souza, é errado responsabilizar costureiros e estilistas por estas constantes renovações e inovações da moda. É um grave erro dizer que o costureiro força o sentido da moda. “Nenhum produtor apresenta um produto sem que o público a quem se endereça o tenha solicitado”, afirma Steinmetz. Como o poeta, ele é apenas o porta-voz de uma corrente que se esboça e cuja tomada de consciência antecipa (SOUZA, 1987, p. 31). Transformações nos âmbitos sociais, econômicos e organizacionais ocorridas partir dos anos 1950 e 1960 inauguraram a segunda fase da moda moderna, conhecida como “moda aberta”. Essa nova fase estende e universaliza os preceitos
  • 31. 30 mais modernos da moda de cem anos: estruturação de uma indústria de série, burocratização da produção, gerenciamento da criação por profissionais da moda, bem como lançamentos organizados em coleções sazonais e a destinação publicitária dos desfiles de moda. Além de consolidar traços do sistema anterior, como fundamento, rompe com alguns dos princípios de sua predecessora. A moda não é concebida a partir da configuração hierarquizada e unitária anterior e ganha estrutura diversa sustentada em três pilares: burocrático-estético, industrial e o pilar democrático e individualista da moda. Nesta nova fase, embora ainda seja consagrada e dotada de prestígio único, a alta-costura não lança mais as novidades do mercado e tampouco produz a última moda. Configura-se como uma marca eterna, nem clássica, nem vanguarda, “realizando obras primas de execução, de proeza, de gratuidade estética, toaletes inauditas, únicas, suntuosas, transcendendo a realidade efêmera da própria moda” (LIPOVETSKY, 1989, p. 109) Como principal revolução da moda aberta, tem-se o prêt-a-porter, expressão lançada na França que significa “pronto para usar”, que rivaliza a produção de massa na qualidade e referência estilística de seus produtos. Enquanto a roupa de confecção apresentava muitas vezes um corte defeituoso, uma falta de acabamento, de qualidade e de fantasia, o prêt-a- porter quer fundir a indústria e a moda, quer colocar a novidade, o estilo, a estética na rua (LIPOVETSKY, 1989, p. 110). Mimetizando parcial ou completamente as inovações da alta-costura, o prêt-a- porter só vai se estabelecer quando começa a criar peças e conceber roupas com um espírito bem diferente do abordado pela alta-costura, com a moda voltada à juventude, à novidade e à audácia. Enquanto a alta-costura é deposta de seu status criador de desejos e paixões em moda, é substituída por um sistema alinhado ao seu tempo e ao estilo dos consumidores: um vestuário livre e de estilo jovem. Ainda contrariamente às maisons parisienses, o prêt-a-porter despolariza a criação de moda, dissemina os polos criativos e impede que apenas um país detenha todas as criações de moda de todo o mundo. Como características principais, o prêt-a-porter quer unir itens considerados indispensáveis aos indivíduos: peças de qualidade, com bom acabamento e sempre à disposição dos consumidores, lançando seus produtos a todo momento, sem definir coleções específicas. O prêt-a-porter inaugura a fase industrial de essência homogênea da moda, na qual o sistema do sob medida e em série deu lugar a uma indústria que oferece,
  • 32. 31 a preços considerados baixos, produtos com qualidade estética e de criação de moda específica. As razões de existência do prêt-a-porter estão nas características da sociedade, que enfrentava um período de elevação do nível de vida, valorização do bem-estar, da cultura e do lazer, que tornaram possível a concretização da última etapa da legitimação e da democratização das constantes criações de moda. Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros; tornaram- se uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades (LIPOVETSKY, 1989, p. 115). Há uma reviravolta na produção de moda em série, que sai do anonimato e é exibida em revistas de moda, nas vitrines, nos artigos publicitários e até nas próprias roupas. Paralelamente, o prêt-a-porter democratiza um símbolo de distinção muito aparente nas fases posteriores da moda, a grife. Mesmo que a popularização do vestuário tenha dado seus passos em direção a uma moda sem barreiras, não é possível falar na democratização da moda em seu sentido irrestrito: existe, de fato, a possibilidade, antes inexistente, no consumo de artigos de moda por diferentes classes sociais, principalmente para as classes mais baixas. Mas isso não quer dizer que os símbolos hierárquicos tenham desaparecido e tampouco que as fronteiras entre as classes tenham se esvaído. A sociedade atual é caracterizada pelas vitrines, pelo olhar e pelo parecer. “O fato é que estamos vivendo numa era das telas e dos visores, de uma sociedade escópica, comandada pelo olhar”. (SEVCENKO 2001, p. 123). Como condição principal, esta nova forma de conceituar a sociedade “impõe uma existência vinculada à visibilidade, e consequentemente à celebridade, mas por outro lado, amplia cada vez mais a vigilância e o controle sobre cada indivíduo” 4. Os sujeitos preocupam-se mais com sua aparência, aumentando a importância da moda na sociedade chamada por Sevcenko de “escópica”, em que o parecer é constantemente evocado na sociedade e nas relações entre os indivíduos. Assim, o consumo passa a ser visto como o regulador da sociedade, com a dupla função de feições distintivas que funciona também sob a perspectiva do utilitarismo e do individualismo. Para Lipovetsky, “isso não significa, evidentemente, 4 LOPES, Ana Isabel; SANTOS, Sónia; POMBO, Olga. Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle. Disponível em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/sociedade%20disciplinar/Sociedade%20de %20controle.htm Acesso em: 23/08/2011
  • 33. 32 que os objetos já não tenham valor simbólico e que o consumo esteja livre de toda competição por status” (1989, p. 174). 2.3 A CRIAÇÃO (IMPOSIÇÃO) DE ESTILOS DE VIDA: O LUGAR DO VESTUÁRIO Tem-se a moda e seus desdobramentos formados, em grande parte, por rupturas. Rompimentos no que concerne o vestuário, a visão individual do homem e sua concepção na sociedade. As relações sociais, que se transformaram juntamente com a estética e aspirações, irromperam ideais muito diferentes daqueles que eram praticados até o momento. Desta maneira, costumes e valores antigos e tradicionais deixaram de ser cultuados para dar lugar ao efêmero e à paixão da inovação. O rompimento com os hábitos antigos é caracterizado por Lipovetsky por meio da nova configuração das relações humanas. Mesmo se o indivíduo, no mais das vezes, continua a obedecer fielmente às regras de vestuário coletivas, acabou sua sujeição de princípio ao conjunto: onde era preciso fundir-se na lei do grupo, trata-se agora de fazer valer uma idiossincrasia e uma distinção singular; onde era preciso continuar o passado, há a legitimidade da mudança e do gosto criador pessoal (LIPOVETSKY, 1989, p. 29). A vida em sociedade agora é pautada por novos ideais de vida, novas relações e, principalmente, novos valores estéticos. Ainda que os indivíduos continuem a obedecer, embora não completamente, as regras de vestuário coletivas, há a possibilidade de se exercer o gosto criador pessoal e as transformações no vestuário comum. A customização presta-se a proclamar a personalização inventiva. De um sistema enrijecido, fechado, avesso a mudanças, passou-se para um universo em que a mudança é cultuada e os indivíduos possuem liberdade em vários aspectos da vida cotidiana, principalmente nas questões relativas ao vestuário e aparência. As preocupações tais fatores, impulsionadas pelo consumo, adquirem outros preceitos e outros formatos, definidos, em grande parte, por meio dos estilos de vida. Definidos por uma variável de condições de existência próprias aos indivíduos, os estilos de vida são responsáveis por definir as práticas geradas pelos diferentes habitus. Conceituado por Bourdieu como as configurações de propriedades que exprimem as diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência dos indivíduos, nas disposições do habitus estão inseridos toda a estrutura do sistema de condições, entre elas, as oposições, que se impõem como
  • 34. 33 princípios fundamentais das práticas sociais e de sua percepção pelos homens. “A identidade social define-se e afirma-se na diferença” (BOURDIEU, 2007, p. 164). Paralelamente, o gosto está presente como parte do sistema de classificação e diferenciação, por meio de ações inconscientes e é também definido pela posição social, cada vez mais atuante na vida dos homens. O gosto atua como o principal operador de uma prática que fabrica elementos distintos e distintivos, fazendo com que elementos de distinção que pertençam à esfera física tenham acesso à esfera simbólica das diferenciações significantes. Embora a definição de gosto em relação ao vestuário vislumbre a escolha independente dos indivíduos sem qualquer interferência social ou econômica, a uniformização dos trajes para certos grupos de indivíduos permitem observar as variadas influências sofridas pelos sujeitos. Quanto ao gosto, se a moda implica uma imposição do grupo e depende de um sentimento especial de aprovação coletiva, pois que é um fenômeno organizado, disciplinado e sancionado, o gosto representa uma escolha especial dentre muitas possibilidades. É verdade que, como observa Sapir, a escolha de cada um dependerá, em geral, de uma combinação dos dois elementos (SOUZA, 1987, p. 20). Com a transformação das necessidades em virtude e das obrigações em preferências, o gosto utiliza como estratégia a produção dos habitus, fazendo com que as “escolhas” dos indivíduos sejam correlatas ao produto vendido. Essa transformação da necessidade em aporte principal ao gosto às decisões de consumo individuais não abrangem o real sentido da escolha pessoal dos indivíduos. O gosto, parâmetro individual e que pressupõe liberdade absoluta, tem seu sentido real reduzido, transformado em gosto da necessidade. Os indivíduos são condenados a consumir certos produtos que, embora existam outras opções, só se sentirão realmente satisfeitos ao consumir aquilo que lhes foi designado gostar e escolher. O gosto é amor fati, escolha do destino, embora forçada, produzida por condições de existência que, ao excluir qualquer outra possibilidade como se tratasse de puro devaneio, deixam como única escolha o gosto pelo necessário (BOURDIEU, 2007, p. 169). Baseado no jogo de estratégias do consumo e nas escolhas emblemáticas e pré-determinadas da classe social a que pertence, os gostos de necessidade se aplicam, essencialmente, a um estilo de vida classificado negativamente. Através da privação, os artigos consumidos pelas classes mais baixas tornam-se elementos distintivos, por meio dos quais os indivíduos denunciam imediatamente qual classe social pertencem. De tal maneira, as classes sociais acabam por uniformizar os
  • 35. 34 gostos dos indivíduos com as constantes mudanças de gosto da massa. Percebe-se o surgimento de mais uma forma de distinção, feita a partir do contraste dos grupos sociais e para demarcar os indivíduos de forma negativa de acordo com o que consomem e o que não possuem condições de consumir. Assim, por exemplo, para cada novo recém-chegado, o universo das práticas e dos espetáculos esportivos apresenta-se como um conjunto de escolhas previamente determinadas e de possibilidades objetivamente instituídas – tradições, regras, valores, equipamentos, técnicas, símbolos – que recebem sua significação social do sistema constituído por elas (BOURDIEU, 2007, p. 197). Para distanciar-se das classes operárias, os membros das classes dominantes buscam um gosto que seja o mais distinto possível do gosto de necessidade, o gosto de luxo. A partir dele, as classes superiores fazem suas escolhas baseadas em três estruturas de consumo: a alimentação, a cultura e os itens que envolvem o cuidado pessoal, como artigos de higiene, beleza e vestuário. Dotadas de características proporcionais ao seu capital e, por tal motivo, opostas em cada conjunto social, as escolhas realizadas pelas classes dominantes buscarão o afastamento máximo das práticas das massas, desejarão buscar o prestígio da heterogeneidade e o luxo de sua posição social. Predisposto a expressar as diferenças de classes sociais, o universo dos bens de luxo tem inscrita em sua estrutura a relação de distinção. Deste modo, os gostos efetivos estão intimamente ligados ao sistema dos bens oferecidos, em uma relação dependente e reacionária, em que qualquer mudança no sistema dos bens de consumo resulta na mudança dos gostos. Contrariamente, segundo Bourdieu, as transformações ocorridas antes na produção e no produto e, em seguida nos gostos não são aleatórias. Qualquer mudança dos gostos resultante de uma transformação das condições de existência e das disposições correlatas é de natureza a determinar, quase diretamente, uma transformação do campo da produção, facilitando o sucesso, na luta constitutiva deste campo, dos produtores mais bem preparados para produzir as necessidades correspondentes às novas disposições (BOURDIEU, 2007, p. 216). Mesmo com a importância cada vez mais evidente do vestuário e do individualismo nas práticas sociais e no consumo, a aquisição de artigos referentes à aparência física é predominante à medida que se sobe na hierarquia social. Muito embora Gilles Lipovetsky não considere a distinção social o principal objetivo e motor da moda como sistema, não exclui a importância dos métodos de diferenciação dos indivíduos. “Não se pode duvidar de que o desejo de diferenciação
  • 36. 35 social tenha sido, durante séculos, um móvel preponderante, particularmente intenso” (LIPOVETSKY, 1989, p. 151). As incessantes transformações da moda, tão particulares ao seu sistema erigido concomitantemente ao mundo moderno e do qual se extraiu o desejo pelo efêmero e pelo novo, justificam-se pela interligação de dois espaços autônomos, representados pelas lutas internas ao campo de produção e pelas lutas internas das classes dominantes. A oposição entre o “autêntico” e o “símile”, a “verdadeira” cultura e a “vulgarização”, que alicerça o jogo ao servir de fundamento à crença no valor absoluto do que está em jogo(...) as distinção e a pretensão, a alta cultura e a cultura média – como, alhures, a alta costura e a costura, os salões mais prestigiados de cabelereiro e os mais comuns, e assim por diante – só existem uma pela outra e é sua relação, ou, melhor ainda, a colaboração objetiva entre seus aparelho de produção e os respectivos clientes que produz o valor da cultura e da necessidade de apropriar-se dela (BOURDIEU, 2007, p. 234). Figura 1 – Evolução esquemática da moda no decorrer do século XIX. Fonte: SOUZA (1987, p. 66) A distinção realizada por meio da moda fica evidente pela constante tentativa, de acordo com Bourdieu, de aproximar-se do fator diferenciador, para afastar-se daqueles que estão desprovidos de determinados bens simbólicos. Fornecendo valor às estratégias de distinção, os indivíduos fazem do consumo material uma
  • 37. 36 forma de confirmar a posse de um capital elevado, constatada a importância do poder em relação à necessidade. Para Gilda de Mello e Souza, é com o desenvolvimento das sociedades democráticas, do capitalismo e das indústrias do vestuário que a moda encontra um cenário em que vislumbra todas as possibilidades de demonstrar sua forma. “Na sociedade democrática do século XIX, quando os desejos de prestígio se avolumam e crescem as necessidades de distinção e de liderança, a moda encontrará recursos infinitos de torná-los visíveis” (SOUZA, 1987, p. 25). 2.4 A MODA NO BRASIL: NOVAS FORMAS DE AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL A moda e a indústria do vestuário no Brasil passaram por diversas fases até chegar ao cenário em que se encontram atualmente. No início da moda brasileira, são encontradas características muito particulares aos polos produtores de moda, como a capital francesa, responsável por influenciar diversos países e por organizar as estruturas próprias de cada um deles em relação à moda. O começo do século XX é o período em que a moda começa a se apoiar também em questões nacionais, como a arte, com o modernismo. Sofre a influência de artistas como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Anita Malfati, bem como de novos ideais estéticos vindos também da França, como Art Déco e o cubismo. Na metade do século, a industrialização rivaliza a produção internacional e a indústria têxtil se fortalece, muito impulsionada por um fator essencial no trabalho aqui presente, a comunicação. A facilidade com que eram encontrados tecidos, moldes e artigos de costura nos centros urbanos mudaram a forma de se conceber a moda e sua produção. Revistas e jornais popularizam-se e possibilitam a cópia de modelos e com preços mais acessíveis em relação aos praticados até o momento. Uma série de fatores como o advento da burguesia, a melhoria das vias de comunicação e o número crescente de figurinos – cujas pranchas de moda eram copiadas pelos jornais e revistas da província e de outros países – fizeram com que não fosse mais o apanágio de uma classe e se difundisse fora dos grandes centros de irradiação da cultura (SOUZA, 1987, p. 89). A adoção de fatores internos e externos ao país também possibilitam outros paradigmas no que diz respeito aos trajes, que muito se assemelham aos conceitos empregados na capital francesa e na sociedade americana. Muito embora a produção ainda sofra fortes influências de outros países, o progresso técnico e as
  • 38. 37 novas estruturas fabris do país, juntamente com o novo poder aquisitivo do brasileiro possibilitam uma inserção do desejo de moda e da indústria do vestuário na concepção das mulheres e também dos homens. O século XIX, trazendo as profissões liberais, a democracia, a emancipação das mulheres e a difusão dos esportes, completará as metamorfoses sociais que fizeram o traje hirto dos séculos anteriores desabrochar na estrutura movediça de hoje em dia (SOUZA, 1987, p. 50). Instaurando a simplicidade dos trajes como símbolo da elegância na Europa, Coco Chanel possibilitou ainda mais a popularização da moda e a mimetização do vestuário. Característica também encontrada sob influência da moda inglesa, a simplicidade do traje também é visivelmente agregada aos trajes brasileiros. Para Lipovetsky (1989), a transformação, ocorrida a partir dos anos 1920 “com a simplificação do vestuário feminino, de que Chanel é de alguma maneira o símbolo, a moda se tornou, com efeito, menos inacessível porque mais facilmente imitável” (1989, 74). A partir deste período, a exibição ostentatória do luxo e do prestígio passa a ser signo de mau gosto, tendo destaque apenas para a discrição e diminuição dos adornos até então admirados quando em excesso. A simplificação do vestuário é também conceituada por Gilda de Mello e Souza, que partiu de um movimento político e social e invadiu as criações de moda não somente da Europa, mas também do Brasil. O século XIX, dissemos, se inicia sob o signo da simplicidade. Nesse sentido já vinha se processando, desde o século anterior, um movimento que partiu talvez das ideias de Rousseau e da influência das modas inglesas, acentuando-se com a Revolução Francesa. As mulheres, abolindo os espartilhos, as anáguas, os saltos altos, puseram-se de camisola branca atada debaixo dos seios; e o vestido se tornou escasso e sem formas (SOUZA, 1987, p. 61). A mulher do século XIX utiliza da moda como uma “grande arma na luta entre os sexos e na afirmação do indivíduo dentro do grupo” (SOUZA, 1987, p. 89). Enquanto o desinteresse dos homens pelo vestuário diminuía, as mulheres consagraram os trajes como um aliado e importante meio de expressão diante de uma sociedade em que o principal objetivo do sexo feminino é o casamento. A moda reforçou o pensamento individualista da mulher e as roupas realizaram pelo sexo feminino uma característica incomum na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX: o gosto pela sedução, pelos artifícios possibilitados pela moda para assumir uma feição diferente ou transformar-se apenas variando-se o traje.
  • 39. 38 Com mudanças na comunicação e na publicidade, em que cada vez mais estão acessíveis os produtos, os jornais e revistas de moda, o comportamento da sociedade também se transforma. Se no início da moda como sistema os trajes da nobreza eram desejados e imitados, no séculos XIX e XX são as celebridades que ditam a moda e despertam o interesse. “As estrelas despertaram comportamentos miméticos em massa, imitou-se amplamente sua maquiagem dos olhos e dos lábios, suas mímicas e posturas” (LIPOVETSKY, 1989, p. 214). O crescente interesse da sociedade em geral e principalmente das mulheres com a moda foi responsável por avanços em todas as áreas do vestuário. Crescem as indústrias de moda, surgem e expandem-se os cursos de graduação em moda e nas áreas relacionadas. Lojas espalham-se por todo o país e, no ano de 1996, ocorre a primeira semana de moda no Brasil. Batizada inicialmente de Morumbi Fashion Brasil, o evento, de proporções muito diferentes daquelas atingidas pelas semanas de moda atuais, contava apenas com quatro desfiles diários e com um público de apenas trezentas pessoas. A importância das semanas de moda justifica-se pela visibilidade do produto nacional e, consequentemente, da abertura em diversos setores que realizam no país, possibilitando a entrada de grifes internacionais conceituadas. Foi o que ocorreu no Brasil, com marcas como Chanel e Versace que, a partir deste momento, preocuparam os empresários brasileiros e os obrigaram a investir em tecnologia de ponta para rivalizar com esses símbolos internacionais. A entrada do Brasil no fechado circuito, no final dos anos 90, foi resultado de uma simultaneidade de fatores: o crescimento do setor têxtil e de confecção, a valorização da moda como negócio; a qualidade da matéria- prima nacional (e o seu aprimoramento), a utilização e os investimentos em tecnologia de ponta; a criatividade dos estilistas, demonstradas em coleções contemporâneas, não limitadas a roupas artesanais ou “de folclore”; a consolidação de um calendário de moda uniformizando as iniciativas antes isoladas, aliadas à cobertura e repercussão na imprensa especializada no Brasil e exterior (HINERASKY, 2006, p. 02). Foi apenas em 2001 que o evento transformou-se em São Paulo Fashion Week, acontecendo duas vezes ao ano, registrando crescimento surpreendente desde sua criação cinco anos antes, em sua décima edição. A semana de moda paulistana é considerada o evento de moda mais importante da América Latina e está entre as cinco maiores semanas de moda do mundo, ao lado de expoentes como a semana de moda de Paris, Nova Iorque, Milão e Londres.
  • 40. 39 A moda, configurada como elemento importante na individualização dos seres e promoção de suas características pessoais, adquire formatos bem distintos daqueles que a caracterizavam em seu início, no século XV. De lá pra cá, globalizou-se e atingiu proporções inimagináveis em relação à produção e difusão de seus produtos. Suas criações tornaram-se objetos de desejo para grande parte dos indivíduos e seus artigos, tantas vezes elitizados e que só poderiam ser adquiridos por uma ínfima parcela da sociedade, acabaram por se tornar elementos de distinção social. Os gostos e as escolhas destacaram-se de sua função original: pautados pelas arbitrariedades do mercado e das classes dominantes, deixaram de ser fruto das preferências individuais. Com tais conceitos, delineia-se o questionamento abordado por este trabalho: a moda é um estilo de vida pessoal ou é um artifício do mercado para impor bens fugazes aos indivíduos? Tal questionamento será retomado nas análises realizadas no quarto capítulo deste trabalho
  • 41. 40 3 FORMAS JORNALÍSTICAS DE NARRAR ACONTECIMENTOS DO MUNDO: A SEGMENTAÇÃO DA INFORMAÇÃO Uma vez que, como vimos no capítulo anterior, a moda constitui-se como um vetor importante para pensar a modernidade, era de se esperar que ela figurasse como um departamento vital para a narrativa jornalística contemporânea. Desse modo, antes de proceder a análise do portal de moda Chic, faz-se necessário definir os parâmetros do surgimento do jornalismo no Brasil e no mundo. Além disso, o capítulo pretende abordar temas como o jornalismo segmentado, conceitos do jornalismo especializado em moda e de suas vertentes no universo online. O surgimento da imprensa data do século XV, na Europa. Concebida como um fenômeno moderno, que, assim como a moda, surgiu em meio a importantes transformações nos âmbitos sociais, políticos e econômicos, no período de transição da Idade Média para a Idade Moderna. Sua criação, muito impulsionada pela prensa móvel, criação do alemão Johanes Gutenberg, em 1452, marca uma etapa decisiva para a sociedade. Responsável pelos tipos móveis, que possibilitaram a impressão em papel com uma tinta específica criada por Gutenberg, diversas obras puderam ser impressas. O livro mais notável impresso pelo criador da prensa móvel ficou conhecido como a "Bíblia de Gutenberg", impresso em duas colunas e contendo 1282 páginas. Tornou-se notável porque marcou a impressão em massa de livros e outros artigos no Ocidente. Com a prensa móvel, mudanças acontecem no que diz respeito à rapidez, quantidade de impressões e, consequentemente, à circulação de informação. Por isso, é considerada "uma das revoluções técnicas mais importantes da história da humanidade" (VERGER, 1999 apud RIBEIRO, CHAGAS, PINTO, 2007, p. 30). Transformou a sociedade europeia no que diz respeito a aspectos sociais, políticos e psicológicos e no desenvolvimento da ciência, cultura, religião e da política. A tipografia passou a ter importância em diversos países do norte europeu, nos quais funcionava como propulsor do Humanismo e da Reforma Protestante. Somente mais de 150 anos depois do surgimento da prensa móvel surge o primeiro periódico jornalístico da história: o "Frankfurter Journal". Escrito em alemão e com periodicidade semanal, o jornal abriu as portas para a criação de diversos
  • 42. 41 periódicos em países da Europa. Assim, em 1621, surge em Londres o primeiro jornal de língua inglesa, chamado "The Corante". 3.1 O JORNALISMO NO BRASIL Cerca de duzentos anos separam o surgimento da imprensa mundial da imprensa brasileira. Mais de um século depois da criação de Gutenberg, no século XVII, os países europeus já possuíam oficinas de impressão consolidadas. Estima- se que, apenas dez anos após a criação da prensa móvel, já se registrava a existência das oficinas de impressão em 108 cidades europeias e, no ano de 1500, estima-se que este número já chegava a 226. Foi apenas no ano de 1808 que teve início de forma sistemática o exercício da imprensa no Brasil, com a chegada da corte portuguesa e a instalação da tipografia da Imprensa Régia. A transformação do Brasil colônia em sede da monarquia portuguesa muda também a sociedade e a organização social e econômica. Há a abertura de portos, a fundação do Banco do Brasil e a popularização dos periódicos nas grandes cidades. Ao mesmo tempo em que os jornais periódicos surgem na colônia, o Brasil conhece a censura, que realizava a interdição de publicações que não se encaixavam nos parâmetros morais, religiosos e políticos da corte. Por consequência da censura, o Correio Brasiliense, o primeiro jornal brasileiro, não era feito no país, e sim produzido em Londres para distribuição em território nacional. Papel específico teve, sem dúvida, o Correio Brasiliense, mas é discutível a sua inserção na imprensa brasileira, menos pelo fato de ser feito no exterior, o que aconteceu muitas vezes, do que pelo fato de não ter surgido e se mantido por força de condições internas, mas de condições externas (SODRÉ, 1999, p. 20). Mesmo antes do surgimento oficial da imprensa, jornais como a Gazeta de Lisboa já circulavam pelo país desde 1778 e outras publicações produzidas na Europa chegavam ao Brasil, pelo menos, desde o início do século XVIII. O jornalismo se mostrava presente no cotidiano da colônia algumas décadas antes do surgimento da imprensa. A "importação" dos periódicos não compreendia por completo o ideal vivido pela população. A maioria das publicações trazidas ou inspiradas pelos periódicos da Europa compartilhava com o ideal absolutista e não promovia os debates, discussões e críticas para a sociedade.
  • 43. 42 De acordo com Martins e Luca (2008), embora tenha surgido com atraso em relação ao a outros países, a imprensa periódica no Brasil teve seu início em meio a um período em que já existiam outras formas de comunicação e as formas de transmissão já existentes passam a compartilhar espaço com a imprensa recém criada no país. O periodismo pretendia, também, marcar e ordenar uma cena pública que passava por transformações na relação de poder que diziam respeito a amplos setores da hierarquia da sociedade, em suas dimensões políticas e sociais (MARTINS; LUCA, 2008, p. 25). A partir de setembro de 1808, com a instalação da Imprensa Régia, passa a ser produzida no Brasil a “Gazeta do Rio de Janeiro”, dirigida inicialmente pelo Frei Tibúrcio da Rocha. O primeiro jornal oficial, produzido no país, tinha como objetivo divulgar o conteúdo conivente à corte. No entanto, seu conteúdo não era atrativo aos leitores, como ressalta SODRÉ (1999, p. 20). “Jornal oficial, feito na imprensa oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam, como a dos que o haviam criado”. Muito semelhante ao principal jornal português a “Gazeta de Lisboa”, na “Gazeta do Rio de Janeiro” não havia espaço para críticas à corte e tampouco aos debates políticos. “Não se manchavam essas páginas com efervescências da democracia, nem com a exposição de agravos”. (ARMITAGE, John, 1914 apud SODRÉ, 1999, p. 20). Com a morte do responsável pelo jornal, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, é nomeado como redator Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, que fica no jornal até o inicio do ano de 1821. Com a mudança de orientação política do jornal no ano de 1820, causada pelo movimento liberal português, no ano seguinte a “Gazeta do Rio de Janeiro” tem como redator o cônego Vieira Goulart. O novo redator também era responsável pela publicação do jornal "O bem da ordem", que pretendia ser lido pelos indivíduos que não faziam parte da sociedade intelectual, segundo Martins e Luca, "pelo povo rude e sem aplicação às letras" (2008, p. 30). Era a forma que os jornalistas encontraram de ampliar os leitores dos jornais, democratizando a informação e fornecendo conhecimento àqueles que não faziam parte dos intelectuais do país. Surge, a partir da imprensa, com os novos ordenamentos e a propensão ao debate, a opinião pública. A sociedade passa a posicionar-se de forma mais crítica, muito influenciada pela quantidade de publicações e pluralidade de ideais que, com os jornais, puderam florescer e tornaram-se acessíveis aos indivíduos. "A opinião