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DIETA E DOENÇAS
CRÔNICAS

Isabela M. Bensenor
Profa. Associada FMUSP
DIETA E DCV
No final dos anos 50 surge a pergunta: Por
que os homens italianos e gregos são os
que menos morrem de doenças
cardiovasculares no mundo ocidental se as
condições de vida nesses países são piores
que as de muitos outros países onde a
mortalidade por DCV é mais elevada?
DIETA E DCV
Na década de 50, Ancel Kiss coordena o Seven Countries,
estudo realizado em 16 coortes de 7 países (Finlândia,
Itália, Holanda, Grécia, Japão, Estados Unidos,
Iugoslávia) visando responder 3 perguntas:
1. Há diferenças reais na incidência e mortalidade por
DCV, e especialmente por DIC em populações diferentes?
2. Se há diferenças, elas podem ser explicadas por estilos
de vida distintos?
3. As características individuais dentro de uma população
podem predizer o risco individual de um desfecho clínico
determinado?
DIETA E DCV
Os dados provenientes de Framingham e do
Seven Countries apontaram para o papel das
gorduras e especialmente o papel do colesterol
na gênese da epidemia de doença isquêmica
coronariana no pós guerra. O consumo de ácidos
graxos saturados se associa aos valores de
colesterol sérico nas populações estudadas no
Seven Countries.
DIETA E DCV
A teoria da ligação entre dieta-DIC é composta
de três afirmações:
1. As gorduras saturadas da dieta aumentavam
os níveis séricos de colesterol;

2. Níveis elevados de colesterol sérico levavam a
aterosclerose;
3. Aterosclerose resulta em elevada morbimortalidade por DCV.
DIETA E DCV
Essa teoria falhou em vários momentos:
Hu et al no Nurses’ Health e no Health Professionals
Follow-up mostrou que pessoas que comiam mais ovos
apresentavam níveis mais elevados de colesterol mas
não morriam mais de DIC comparadas às pessoas
com menor consumo de ovos na dieta. (JAMA, 1999)
Seven countries: menor mortalidade por DIC foi em
Creta, um dos locais com maior ingestão de gordura
(40% da energia era proveniente da ingestão de
gorduras em Creta).
DIETA E DCV
A partir da década de 70, as dietas com
baixo conteúdo de gordura foram
defendidas como uma política de saúde
pública (American Heart) antes que fossem
realizados estudos sobre se a adoção
dessa prática realmente diminuiria a
mortalidade por DIC.
DIETA E DCV
Não adianta estudar as gorduras como um fator único. É
necessário dividi-las em LDL-col, HDL-col, gorduras
saturadas, poliinsaturadas, monoinsaturadas e as gorduras
trans.

As gorduras trans são formadas a partir da hidrogenação
parcial feita industrialmente de óleos vegetais (1920).
Nos anos 60, a introdução das margarinas cremosas
manteve em 2% a ingestão de TF no total de calorias. A
gordura trans aumenta o LDL-col como a saturada mas
diminui o HDL-col, alterando duas vezes mais a relação
LDL/HDL colesterol. (NEJM 1999;340:1994-1998)
DIETA E DCV
Tipos de gordura:
Colesterol LDL e HDL
Triglicérides (transportam ácidos graxos)
Ácidos graxos saturados: gordura sólida

Ácidos graxos monossaturados: azeite de oliva e canola
Ácidos graxos polinsaturados: nozes, peixe (ômega3/ômega-6/ômega-9)

Ácidos graxos trans: conversão do óleo polinsaturado em
gordura sólida como a margarina.
DIETA E DCV
Hu et. al. estudaram em 1997 a relação entre a
ingestão de vários tipos de gordura,
particularmente as gorduras trans e o risco de
DIC em 80.082 mulheres de 34 a 59 anos que
participavam do Nurses’ Health Study. Desde
1980 o Nurses’ colhe informações bianuais sobre
dieta.
Estudos de coorte - comparar o quartil/quintil de
maior consumo em relação ao de menor consumo
(referência).
DIETA E DCV
Hu et. al. mostraram que:
 5% do valor energético a partir de gorduras saturadas
comparado ao mesmo aumento a partir de carboidratos levava a
aumento de 17% no risco de DIC (RR=1,17; IC 95% 0,97-1,41.
 2% do valor energético a partir de trans fatty comparado à
mesma quantidade de energia proveniente de carboidratos,
levava a um aumento de 93% no risco de DIC (RR=1,93; IC 95%
1,43-2,61).
 5% a partir de monoinsaturados comparado a gordura
saturada mostrou RR=0,81 (IC 95% 0,65-1,00).
 de 5% a partir de poliinsaturados comparado a gordura
saturada chegou a um RR=0,62 (IC 95% 0,46-0,85). (NEJM
1997;337:1491-9)
RR MULTIVARIADO DE DIC DE ACORDO COM A
INGESTÃO DE GORDURAS TRANS E
POLIINSATURADA. (HU 1994)
DIETA E DCV
O estudo ainda mostrou que o consumo total de
gorduras não se relacionou com um risco
aumentado de DIC (RR=1,02 IC 95% 0,97-1,07)
A substituição de 5% da energia proveniente da
gordura saturada por gorduras poliinsaturadas
reduziu o risco em 42% (IC 95% 23-56%) e a
substituição de 2% da gordura trans por
poliinsaturados e monoinsaturados reduziria o
risco em 53% (IC 95% 34-67%).
ALTERAÇÕES PERCENTUAIS ESTIMADAS NO RISCO
DE DIC ASSOCIADOS COM SUBSTITUIÇÃO DE UM
DOS COMPONENTES DA DIETA POR OUTRO.
DIETA E DCV
Essas análises foram repetidas em 2005 com
maior tempo de seguimento confirmando os
dados originais e mostrando uma associação mais
forte nas mulheres com < 65 anos. (Oh K, Am J
Epidemiol, 2005)
Os resultados do estudo mostram que substituir
gorduras saturadas e trans por gorduras mono e
poliinsaturadas é mais efetivo na prevenção da
DIC que reduzir a oferta total de gorduras.
DIETA E DCV
De onde vem o trans fat na dieta?
1970- margarina, cookies, pão branco
e carne vermelha (ruminantes)
Ruminantes – hidrogenação na posição cis (parece
não se associar a risco aumentado mas as
quantidades ingeridas na dieta é muito pequena.
DIETA E DCV
Gorduras são altamente calóricas e levariam a um
aumento de peso.

As dietas pobres em gordura visam induzir perda de
peso. Ensaios-clínicos controlados não mostraram isso.
Normalmente quando o conteúdo de gordura da dieta
diminui, aumenta o conteúdo de carboidratos. Pessoas
submetidas a uma dieta pobre em gorduras perdem
pouco peso e essa perda é interrompida após alguns
meses deixando um saldo negativo de 800 g a 2,6 kg.
EFEITO DA REDUÇÃO DE GORDURAS NA DIETA
SOBRE O IMC NOS ENSAIOS-CLÍNICOS. (NEJM
1997)
DIETA E DCV
Um exemplo prático dos efeitos poucos benéficos
da redução do conteúdo de gorduras na dieta
são os EUA. Nos últimos 40 anos a porcentagem
de energia vinda da dieta caiu de 40 para 30%.
Nesse mesmo intervalo de tempo, a prevalência
de obesidade aumentou em 35% ou mais,
mostrando que a substituição das gorduras por
carbohidratos pode levar a um aumento de peso.
DIETA E DCV
Dietas que diminuem os níveis séricos de colesterol
teoricamente diminuiriam os risco de DIC. Isso
aconteceria pela queda dos níveis de LDLcolesterol. Entretanto, dietas pobres em gorduras
podem diminuir também os níveis de HDL-colesterol.
Desde a década de 80, é sabido que o HDLcolesterol se correlaciona de forma inversa com a
DIC e portanto, o melhor preditor do risco de DIC é
a relação colesterol total/HDL. (Stampfer et. al; NEJM
1991;325:373-9)
DIETA E DCV
Mensink & Katan estudaram o efeito da dieta rica
em carbohidratos comparada à rica em azeite de
oliva em homens e mulheres saudáveis. O nível de
colesterol sérico caiu 0,44 mmol/l no grupo
carbohidrato comparado à 0,46 no grupo azeite.
HDL colesterol caiu 0,19 mmol/l no grupo
carbohidrato comparado à elevação de 0,03
mmol/l no grupo azeite. Os TG aumentaram 0,19
mmol/l no grupo carbohidrato comparados à
queda de 0,06 mmol/l no grupo azeite. Os
resultados mostram as vantagens da dieta rica em
monoinsaturados comparadas às ricas em
carbohidratos complexos. (Lancet 1987)
Efeitos da dieta rica em azeite sobre os níveis de gorduras comparada a
outra c/ alto conteúdo de CH/fibras e pouca gordura.
DIETA E DCV
Alguns ácidos graxos como o linoleico (n-6) e o
alfa linolênico (n-3) são essenciais e devem ser
consumidos a partir da dieta.
Os ácidos graxos n-3 incluem o
eicosapentaenoico e docosahexaenoico
provenientes dos peixes (salmão, atum) e o ácido
graxo de cadeia intermediária alfa-linolênico
que na dieta ocidental é proveniente das nozes.
DIETA E DCV
Albert et. al. analisaram no Physicians’ Health
Study (20551 homens 40-84 anos) a
associação entre consumo de peixe e risco de
morte súbita com seguimento de 11 anos.
Após ajuste multivariado, a ingestão de uma
refeição de peixe por semana se associou a
um RR=0,48 (IC 95% 0,24-0,96) comparado
a um consumo de peixe inferior a uma vez por
mês. Não houve associação do consumo de
peixe com uma diminuição da incidência de
DIC. (JAMA 1999)
RR MULTIVARIADO DE MORTE SÚBITA DE ACORDO
COM OS NÍVEIS DE INGESTÃO DE PEIXE EXPRESSO
NA FORMA DE NÚMERO DE REFEIÇÕES COM PEIXE
POR SEMANA (IC 95%) (ALBERT 1998)
RR MULTIVARIADO DE MORTE SÚBITA DE ACORDO
COM A INGESTÃO DE ÁCIDOS GRAXOS N-3
PROVENIENTES DO CONSUMO DE PEIXE EM
GRAMAS/SEMANA. (ALBERT 1998)
DIETA E DCV
Albert et. al. usando dados do Nurses’ Health Study avaliou
consumo de ácidos graxos n-3 e risco de morte súbita em 5103
enfermeiras com DM. Comparadas às mulheres que consumiam
peixe raramente (menos de uma vez/ mês), as que consumiam
peixe:
1-3 vezes por mês apresentavam um RR=0,70 (IC 95% 0,481,03);
1 vez/semana, RR=0,60 IC 95% 0,42-0,85;
2-4/semana RR=0,64 (IC 95% 0,42-0,99);

 5 vezes/semana RR=0,36 (IC 95% 0,20-0,66). P para
tendência = 0,002. (Circulation 2003)
DIETA E DCV
Uma nova teoria entre dieta e DCV (DIC) surge:
1. A ingestão de ácidos graxos n-3 aumenta sua
incorporação nas membranas celulares
2. Os níveis elevados de n-3 alteram de modo favorável
a função dos canais iônicos;

3. A mudança dos canais iônicos modifica o potencial de
ação cardíaco;
4. As alterações do potencial de ação cardíaco diminuem
o risco de FV, a principal causa de morte súbita em
pacientes com DIC. (Siscovick 2003)
MECANISMOS QUE RESUMEM COMO A DIETA
INFLUENCIA O RISCO DE DIC

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  • 1. DIETA E DOENÇAS CRÔNICAS Isabela M. Bensenor Profa. Associada FMUSP
  • 2. DIETA E DCV No final dos anos 50 surge a pergunta: Por que os homens italianos e gregos são os que menos morrem de doenças cardiovasculares no mundo ocidental se as condições de vida nesses países são piores que as de muitos outros países onde a mortalidade por DCV é mais elevada?
  • 3. DIETA E DCV Na década de 50, Ancel Kiss coordena o Seven Countries, estudo realizado em 16 coortes de 7 países (Finlândia, Itália, Holanda, Grécia, Japão, Estados Unidos, Iugoslávia) visando responder 3 perguntas: 1. Há diferenças reais na incidência e mortalidade por DCV, e especialmente por DIC em populações diferentes? 2. Se há diferenças, elas podem ser explicadas por estilos de vida distintos? 3. As características individuais dentro de uma população podem predizer o risco individual de um desfecho clínico determinado?
  • 4. DIETA E DCV Os dados provenientes de Framingham e do Seven Countries apontaram para o papel das gorduras e especialmente o papel do colesterol na gênese da epidemia de doença isquêmica coronariana no pós guerra. O consumo de ácidos graxos saturados se associa aos valores de colesterol sérico nas populações estudadas no Seven Countries.
  • 5. DIETA E DCV A teoria da ligação entre dieta-DIC é composta de três afirmações: 1. As gorduras saturadas da dieta aumentavam os níveis séricos de colesterol; 2. Níveis elevados de colesterol sérico levavam a aterosclerose; 3. Aterosclerose resulta em elevada morbimortalidade por DCV.
  • 6. DIETA E DCV Essa teoria falhou em vários momentos: Hu et al no Nurses’ Health e no Health Professionals Follow-up mostrou que pessoas que comiam mais ovos apresentavam níveis mais elevados de colesterol mas não morriam mais de DIC comparadas às pessoas com menor consumo de ovos na dieta. (JAMA, 1999) Seven countries: menor mortalidade por DIC foi em Creta, um dos locais com maior ingestão de gordura (40% da energia era proveniente da ingestão de gorduras em Creta).
  • 7. DIETA E DCV A partir da década de 70, as dietas com baixo conteúdo de gordura foram defendidas como uma política de saúde pública (American Heart) antes que fossem realizados estudos sobre se a adoção dessa prática realmente diminuiria a mortalidade por DIC.
  • 8. DIETA E DCV Não adianta estudar as gorduras como um fator único. É necessário dividi-las em LDL-col, HDL-col, gorduras saturadas, poliinsaturadas, monoinsaturadas e as gorduras trans. As gorduras trans são formadas a partir da hidrogenação parcial feita industrialmente de óleos vegetais (1920). Nos anos 60, a introdução das margarinas cremosas manteve em 2% a ingestão de TF no total de calorias. A gordura trans aumenta o LDL-col como a saturada mas diminui o HDL-col, alterando duas vezes mais a relação LDL/HDL colesterol. (NEJM 1999;340:1994-1998)
  • 9. DIETA E DCV Tipos de gordura: Colesterol LDL e HDL Triglicérides (transportam ácidos graxos) Ácidos graxos saturados: gordura sólida Ácidos graxos monossaturados: azeite de oliva e canola Ácidos graxos polinsaturados: nozes, peixe (ômega3/ômega-6/ômega-9) Ácidos graxos trans: conversão do óleo polinsaturado em gordura sólida como a margarina.
  • 10. DIETA E DCV Hu et. al. estudaram em 1997 a relação entre a ingestão de vários tipos de gordura, particularmente as gorduras trans e o risco de DIC em 80.082 mulheres de 34 a 59 anos que participavam do Nurses’ Health Study. Desde 1980 o Nurses’ colhe informações bianuais sobre dieta. Estudos de coorte - comparar o quartil/quintil de maior consumo em relação ao de menor consumo (referência).
  • 11. DIETA E DCV Hu et. al. mostraram que:  5% do valor energético a partir de gorduras saturadas comparado ao mesmo aumento a partir de carboidratos levava a aumento de 17% no risco de DIC (RR=1,17; IC 95% 0,97-1,41.  2% do valor energético a partir de trans fatty comparado à mesma quantidade de energia proveniente de carboidratos, levava a um aumento de 93% no risco de DIC (RR=1,93; IC 95% 1,43-2,61).  5% a partir de monoinsaturados comparado a gordura saturada mostrou RR=0,81 (IC 95% 0,65-1,00).  de 5% a partir de poliinsaturados comparado a gordura saturada chegou a um RR=0,62 (IC 95% 0,46-0,85). (NEJM 1997;337:1491-9)
  • 12. RR MULTIVARIADO DE DIC DE ACORDO COM A INGESTÃO DE GORDURAS TRANS E POLIINSATURADA. (HU 1994)
  • 13. DIETA E DCV O estudo ainda mostrou que o consumo total de gorduras não se relacionou com um risco aumentado de DIC (RR=1,02 IC 95% 0,97-1,07) A substituição de 5% da energia proveniente da gordura saturada por gorduras poliinsaturadas reduziu o risco em 42% (IC 95% 23-56%) e a substituição de 2% da gordura trans por poliinsaturados e monoinsaturados reduziria o risco em 53% (IC 95% 34-67%).
  • 14. ALTERAÇÕES PERCENTUAIS ESTIMADAS NO RISCO DE DIC ASSOCIADOS COM SUBSTITUIÇÃO DE UM DOS COMPONENTES DA DIETA POR OUTRO.
  • 15. DIETA E DCV Essas análises foram repetidas em 2005 com maior tempo de seguimento confirmando os dados originais e mostrando uma associação mais forte nas mulheres com < 65 anos. (Oh K, Am J Epidemiol, 2005) Os resultados do estudo mostram que substituir gorduras saturadas e trans por gorduras mono e poliinsaturadas é mais efetivo na prevenção da DIC que reduzir a oferta total de gorduras.
  • 16. DIETA E DCV De onde vem o trans fat na dieta? 1970- margarina, cookies, pão branco e carne vermelha (ruminantes) Ruminantes – hidrogenação na posição cis (parece não se associar a risco aumentado mas as quantidades ingeridas na dieta é muito pequena.
  • 17. DIETA E DCV Gorduras são altamente calóricas e levariam a um aumento de peso. As dietas pobres em gordura visam induzir perda de peso. Ensaios-clínicos controlados não mostraram isso. Normalmente quando o conteúdo de gordura da dieta diminui, aumenta o conteúdo de carboidratos. Pessoas submetidas a uma dieta pobre em gorduras perdem pouco peso e essa perda é interrompida após alguns meses deixando um saldo negativo de 800 g a 2,6 kg.
  • 18. EFEITO DA REDUÇÃO DE GORDURAS NA DIETA SOBRE O IMC NOS ENSAIOS-CLÍNICOS. (NEJM 1997)
  • 19. DIETA E DCV Um exemplo prático dos efeitos poucos benéficos da redução do conteúdo de gorduras na dieta são os EUA. Nos últimos 40 anos a porcentagem de energia vinda da dieta caiu de 40 para 30%. Nesse mesmo intervalo de tempo, a prevalência de obesidade aumentou em 35% ou mais, mostrando que a substituição das gorduras por carbohidratos pode levar a um aumento de peso.
  • 20. DIETA E DCV Dietas que diminuem os níveis séricos de colesterol teoricamente diminuiriam os risco de DIC. Isso aconteceria pela queda dos níveis de LDLcolesterol. Entretanto, dietas pobres em gorduras podem diminuir também os níveis de HDL-colesterol. Desde a década de 80, é sabido que o HDLcolesterol se correlaciona de forma inversa com a DIC e portanto, o melhor preditor do risco de DIC é a relação colesterol total/HDL. (Stampfer et. al; NEJM 1991;325:373-9)
  • 21. DIETA E DCV Mensink & Katan estudaram o efeito da dieta rica em carbohidratos comparada à rica em azeite de oliva em homens e mulheres saudáveis. O nível de colesterol sérico caiu 0,44 mmol/l no grupo carbohidrato comparado à 0,46 no grupo azeite. HDL colesterol caiu 0,19 mmol/l no grupo carbohidrato comparado à elevação de 0,03 mmol/l no grupo azeite. Os TG aumentaram 0,19 mmol/l no grupo carbohidrato comparados à queda de 0,06 mmol/l no grupo azeite. Os resultados mostram as vantagens da dieta rica em monoinsaturados comparadas às ricas em carbohidratos complexos. (Lancet 1987)
  • 22. Efeitos da dieta rica em azeite sobre os níveis de gorduras comparada a outra c/ alto conteúdo de CH/fibras e pouca gordura.
  • 23. DIETA E DCV Alguns ácidos graxos como o linoleico (n-6) e o alfa linolênico (n-3) são essenciais e devem ser consumidos a partir da dieta. Os ácidos graxos n-3 incluem o eicosapentaenoico e docosahexaenoico provenientes dos peixes (salmão, atum) e o ácido graxo de cadeia intermediária alfa-linolênico que na dieta ocidental é proveniente das nozes.
  • 24. DIETA E DCV Albert et. al. analisaram no Physicians’ Health Study (20551 homens 40-84 anos) a associação entre consumo de peixe e risco de morte súbita com seguimento de 11 anos. Após ajuste multivariado, a ingestão de uma refeição de peixe por semana se associou a um RR=0,48 (IC 95% 0,24-0,96) comparado a um consumo de peixe inferior a uma vez por mês. Não houve associação do consumo de peixe com uma diminuição da incidência de DIC. (JAMA 1999)
  • 25. RR MULTIVARIADO DE MORTE SÚBITA DE ACORDO COM OS NÍVEIS DE INGESTÃO DE PEIXE EXPRESSO NA FORMA DE NÚMERO DE REFEIÇÕES COM PEIXE POR SEMANA (IC 95%) (ALBERT 1998)
  • 26. RR MULTIVARIADO DE MORTE SÚBITA DE ACORDO COM A INGESTÃO DE ÁCIDOS GRAXOS N-3 PROVENIENTES DO CONSUMO DE PEIXE EM GRAMAS/SEMANA. (ALBERT 1998)
  • 27. DIETA E DCV Albert et. al. usando dados do Nurses’ Health Study avaliou consumo de ácidos graxos n-3 e risco de morte súbita em 5103 enfermeiras com DM. Comparadas às mulheres que consumiam peixe raramente (menos de uma vez/ mês), as que consumiam peixe: 1-3 vezes por mês apresentavam um RR=0,70 (IC 95% 0,481,03); 1 vez/semana, RR=0,60 IC 95% 0,42-0,85; 2-4/semana RR=0,64 (IC 95% 0,42-0,99);  5 vezes/semana RR=0,36 (IC 95% 0,20-0,66). P para tendência = 0,002. (Circulation 2003)
  • 28. DIETA E DCV Uma nova teoria entre dieta e DCV (DIC) surge: 1. A ingestão de ácidos graxos n-3 aumenta sua incorporação nas membranas celulares 2. Os níveis elevados de n-3 alteram de modo favorável a função dos canais iônicos; 3. A mudança dos canais iônicos modifica o potencial de ação cardíaco; 4. As alterações do potencial de ação cardíaco diminuem o risco de FV, a principal causa de morte súbita em pacientes com DIC. (Siscovick 2003)
  • 29. MECANISMOS QUE RESUMEM COMO A DIETA INFLUENCIA O RISCO DE DIC