Foi mantida em segundo grau a multa de R$2 milhões aplicada à Construtora Vipe Ltda e seus proprietários devido ao descumprimento de medida liminar, obtida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), que determinava a incorporação no Ofício de Registro de Imóveis do Edifício Residencial Baía Azul, construído pela empresa na cidade de Bombinhas.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Consumidor Porto Belo - Apelação Cível n. 2012.027429-3
1. Apelação Cível n. 2012.027429-3, de Porto Belo
Relator: Des. Jairo Fernandes Gonçalves
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARCIAL
PROCEDÊNCIA. COMPRA E VENDA DE UNIDADES
IMOBILIÁRIAS SEM A DEVIDA INCORPORAÇÃO.
RECURSO PRINCIPAL DOS RÉUS. PRELIMINARES.
ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
DESCABIMENTO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
QUE DÃO AZO À INTERVENÇÃO DO ÓRGÃO
MINISTERIAL. LEGITIMIDADE CONSUBSTANCIADA NO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CERCEAMENTO
DE DEFESA, PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
INOCORRÊNCIA. PROVA TESTEMUNHAL QUE NÃO
ALTERARIA O DESFECHO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE
NULIDADE POR FALTA DE OPORTUNIDADE DE
OFERECIMENTO DE ALEGAÇÕES FINAIS. INEXISTÊNCIA
DE PREJUÍZO À DEFESA. AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA
TEMPESTIVA CONTRA A DELIBERAÇÃO DE
ENCERRAMENTO DA ETAPA INSTRUTÓRIA. CARÊNCIA
DE ANÁLISE DO PEDIDO DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO
PARA INCORPORAÇÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO
REALIZADO NA SENTENÇA. EXAME EXTEMPORÂNEO
QUE NÃO OCASIONOU TRANSTORNO AOS
INSURGENTES. PREFACIAIS AFASTADAS. MÉRITO.
APLICAÇÃO INCONTESTE DAS NORMAS
CONSUMERISTAS À PRESENTE DEMANDA. ANÚNCIO DE
IMÓVEIS SEM MENCIONAR O NÚMERO DE REGISTRO
DA INCORPORAÇÃO. PUBLICIDADE ENGANOSA
EVIDENCIADA. OBRIGAÇÃO DE PUBLICAR O
DISPOSITIVO DA SENTENÇA MANTIDA COMO MEIO DE
PROPAGAR A INFORMAÇÃO CORRETA E EVITAR LESÃO
A OUTROS CONSUMIDORES EVENTUAIS. NÃO
INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA, EM RAZÃO DE SUPOSTA
DIFICULDADE FINANCEIRA À ÉPOCA. ESTADO DE
NECESSIDADE QUE NÃO OBSTA O CUMPRIMENTO DA
NORMA LEGAL. ALIENAÇÃO DOS IMÓVEIS QUE DEVERIA
SER PRECEDIDA DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 32, §§ 1º E 3º, DA LEI N.
4.591/1964. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA INCERTA.
DECISÃO JUDICIAL QUE POSSIBILITOU AOS
2. ADQUIRENTES DOS IMÓVEIS A CONTRATAÇÃO DE
OUTRA INCORPORADORA ÀS CUSTAS DOS
RECORRENTES. ARGUMENTO REFUTADO. MEDIDA
EFICAZ PARA O CUMPRIMENTO DOS DIREITOS DOS
CONSUMIDORES. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE
INDENIZAÇÕES INDIVIDUAIS, A SER APURADO EM
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DEMANDAS COLETIVAS
QUE POSSIBILITAM A APURAÇÃO DE VALORES EM
EXECUÇÃO DE SENTENÇA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO
103 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PLEITO
DE REVOGAÇÃO DA DECRETAÇÃO DE
INDISPONIBILIDADE DE BENS. IMPOSSIBILIDADE
IMEDIATA DE MENSURAR OS DANOS CAUSADOS.
INVIABILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DOS IMÓVEIS
SUFICIENTES PARA RESGUARDAR FUTURA EXECUÇÃO.
IRRESIGNAÇÃO CONTRA AS ASTREINTES. NÃO
CONHECIMENTO DESTE TÓPICO RECURSAL.
SENTENÇA QUE APENAS A REDUZIU. PRECLUSÃO DO
DIREITO DE SE INSURGIR CONTRA TAL PENALIDADE.
MULTA DETERMINADA EM LIMINAR QUE NÃO FOI
OBJETO DE RECURSO. RECURSO EM PARTE
CONHECIDO E DESPROVIDO.
APELO ADESIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PLEITO
DE MANUTENÇÃO DAS ASTREINTES FIXADAS EM
PRIMEIRO GRAU ANTES DA REDUÇÃO OPERADA NA
SENTENÇA. DESPROVIMENTO. VALOR QUE SE
MOSTROU EXCESSIVO E DESPROPORCIONAL NO
DECORRER DO TEMPO. INSTITUTO QUE NÃO VISA O
EMPOBRECIMENTO DO DEVEDOR. MINORAÇÃO
ACERTADAMENTE REALIZADA PELO JUÍZO A QUO.
MANUTENÇÃO QUE SE FAZ IMPERIOSA. APELO
CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2012.027429-3, da comarca de Porto Belo (2ª Vara), em que são apelantes e
recorridos adesivos Construtora Vipe Ltda. e Pedro Virgílio Dell Agnolo, e é
apelado e recorrente adesivo o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade,
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
3. conhecer de parte do recurso principal interposto pelos réus e negar-lhes
provimento, e conhecer do apelo adesivo manejado pelo autor para desprovê-lo.
Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 4 de setembro de 2014, foi presidido
pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil, com voto, e dele
participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Substituto Odson Cardoso
Filho.
Funcionou como representante do Ministério Público o
Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Paulo Ricardo da Silva.
Florianópolis, 5 de setembro de 2014.
Jairo Fernandes Gonçalves
RELATOR
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
4. RELATÓRIO
Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou, na comarca
de Porto Belo, Ação Civil Pública, registrada com o n. 139040024137, contra
Construtora Vipe Ltda., Pedro Virgílio Dell´Agnolo, Juscélia Maria Ludvig e
Karime da Graça Franzoi, na qual alegou, em linhas gerais, que os demandados
comercializaram unidades de um empreendimento imobiliário – nominado
Residencial Baia Azul – na cidade de Bombinhas, no ano de 2004, antes do
devido registro e incorporação imobiliária, bem como realizando divulgação de
seu empreendimento sem a menção do número do registro de incorporação no
cartório competente, em desacordo com a Lei n. 4.591/1964 (Condomínio e
Incorporação Imobiliária) e com o disposto no artigo 167, inciso I, item 17, da Lei
de Registros Públicos – Lei n. 6.015/1973.
Aduziu, ainda, que os réus atentaram contra os direitos do
consumidor ao alienarem de forma irregular as unidades condominiais não
incorporadas, com o auxílio de imobiliárias da região, o que causou prejuízos a
diversos adquirentes, e que o material de divulgação do empreendimento violou o
dever de informação inerente à real situação do imóvel perante as autoridades
públicas responsáveis pelo devido licenciamento e registro.
Requereu, liminarmente, a concessão de medida liminar para obstar
a venda, a intermediação e a divulgação comercial do empreendimento até que
os réus comprovassem a sua regularização, sob pena de multa diária; a
concessão do prazo de 120 dias para que os réus providenciassem a
regularização da incorporação junto ao Cartório de Registro Civil, sob pena de
multa diária de R$ 5.000,00; e a decretação da indisponibilidade dos bens
pertencentes às pessoas físicas e jurídicas demandadas.
Por fim, pugnou pela declaração de nulidade das cláusulas abusivas
apontadas no contrato entabulado entre a construtora ré e os terceiros
adquirentes; a condenação dos demandados ao pagamento de indenização aos
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5. consumidores lesados, a ser apurada em liquidação individual; a determinação
de não comercialização de mais nenhuma unidade autônoma de seus
empreendimentos, até que comprovem a sua regularização registral e a
obrigação de divulgar, em jornal de grande circulação, eventual sentença de
procedência, para cientificar a coletividade; além da imposição de multas
pecuniárias por descumprimento das determinações requeridas.
Construtora Vipe Ltda. e Pedro Virgílio Dall´Agnolo apresentaram
resposta em forma de contestação (fls. 294-325), arguindo, preliminarmente, a
ilegitimidade do Ministério Público para propor a demanda, uma vez que versa
sobre direitos individuais disponíveis, que refogem à competência do Parquet.
Pontuaram que a obra do condomínio em questão restou concluída
e que o procedimento de incorporação e registro sofreu atraso por culpa exclusiva
dos antigos proprietários do imóvel, responsáveis pelo desmembramento do
terreno, razão pela qual pleitearam a denunciação da lide. Expuseram que as
vendas realizadas anteriormente à necessária incorporação se deram em caráter
de urgência, objetivando a continuidade de sua atividade comercial, e de não ter
havido dano aos adquirentes das unidades condominiais, e que as propagandas
veiculadas foram lícitas, uma vez que não se enquadrariam no conceito de
enganosas ou abusivas, além de se insurgiram contra o pleito de
desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, ao argumento de que
seus pressupostos não estariam preenchidos.
A ré Karime da Graça Fanzoi não apresentou defesa (fl. 686) e foi
noticiado o falecimento da demandada Juscélia Maria Coelho Ludvig (fl. 687),
extinguindo-se o feito, por consequência, em relação a ela.
A Togada singular afastou a arguição de ilegitimidade do Ministério
Público e deferiu a medida liminar para proibir a divulgação e comercialização de
unidades condominiais, bem como decretou a indisponibilidade dos bens de
propriedade dos réus (fls. 263-270). Indeferiu o pedido de denunciação da lide e
anotou o prazo de 90 dias para que a parte demandada promovesse a
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6. regularização do empreendimento imobiliário objeto da lide, sob pena de multa
diária de R$ 5.000,00 (fls. 729-731).
Os réus Construtora Vipe e Pedro Virgílio manifestaram-se
requerendo prorrogação do prazo concedido para a regularização do
empreendimento, ao argumento de que não obteriam, em tempo hábil, certidões
negativas de débitos, por possuírem dívidas previdenciárias que necessitariam de
parcelamento junto à fazenda pública (fls. 776-777).
Sobreveio a sentença (fls. 918-928) que julgou parcialmente
procedentes os pedidos iniciais para condenar os réus Construtora VIPE Ltda.,
Pedro Virgílio Dell'Agnolo e Karime da Graça Franzói a incluir em todas as
publicidades o número do registro de incorporação e a proceder a incorporação
do Edifício Residencial Baía Azul, no prazo de 30 dias do trânsito em julgado
desta decisão, bem como ao pagamento de astreintes, cujo valor foi reduzido de
R$ 7.500.000,00 para R$ 2.000.000,00, o que seria destinado ao Fundo Estadual
de Reconstituição de Bens Lesados e à indenização aos consumidores lesados,
de forma individual, em valor a ser apurado em sede de liquidação de sentença,
além de lhes imputar os ônus sucumbenciais e determinar que promovam a
publicação, em dois jornais de grande circulação naquela cidade, em três dias
alternados, nas dimensões de 20cm x 20cm, a parte dispositiva desta sentença,
às suas expensas. Facultou aos proprietários das unidades, no caso de
descumprimento da determinação judicial, a eleição de outra incorporadora para o
cumprimento da obrigação aqui exposta e posterior reembolso dos custos pelos
réus, a ser apurado na fase de cumprimento de sentença.
Foram opostos Embargos de Declaração pela Construtora Vipe
Ltda. (fls. 931-932), em que apontou omissão quanto ao pedido de indeferimento
da desconsideração da sua personalidade jurídica, pois a indisponibilidade dos
bens não poderia recair sobre os bens particulares das pessoas físicas, o que foi
rejeitado pelo Togado singular (fls. 934-936).
Inconformados, Construtora Vipe Ltda. e Pedro Virgílio Dell`Agnolo
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7. interpuseram recurso de Apelação Cível (fls. 938-947), no qual suscitaram,
prefacialmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor a Ação Civil
Pública, uma vez que versa sobre interesses individuais disponíveis que refogem
à competência do Parquet.
Ainda em preliminar, arguiram cerceamento de defesa, em razão do
julgamento antecipado, pois requereram a produção de prova testemunhal a fim
de comprovar a ausência de irregularidades na incorporação imobiliária e da
inexistência de prejuízo aos adquirentes das unidades condominiais, bem como
por não ter sido oportunizada a apresentação de alegações finais, além da
ausência de análise do pedido de prorrogação do prazo para regularização da
incorporação imobiliária.
No mérito, asseveraram que realizaram a venda de unidades
condominiais, antes da regularização registral, em decorrência do estado de
necessidade em que se encontravam à época. Expuseram que a determinação
de que os condôminos poderiam eleger outra incorporadora para que fosse
promovida a incorporação do imóvel caracteriza sentença incerta e geradora de
efeitos benéficos a terceiros que não são parte na lide.
Rechaçaram a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao
caso concreto, ao argumento de que a relação entre as partes seria regrada pela
Lei n. 4.591/1964, bem como refutaram que tenha havido publicidade enganosa
ou abusiva. Aduziram ser desproporcional a multa diária aplicada e que a
sentença foi incerta também quanto à indisponibilidade de bens.
Foram ofertadas contrarrazões (fls. 955-965).
O Ministério Público interpôs Recurso Adesivo (fls. 967-971), no
qual, em suma, pleiteou a manutenção da multa diária anteriormente fixada, que
totalizava o valor de R$ 7.500.000,00, uma vez que era desnecessária a redução
operada em sentença, diante do caráter inibidor do instituto ou, alternativamente,
sua diminuição para 50% daquele montante.
Logo após, os autos foram remetidos a esta superior instância, e o
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8. Ministério Público, em parecer da lavra do Excelentíssimo Senhor Procurador de
Justiça André Carvalho, manifestou-se pelo conhecimento parcial do recurso de
Apelação Cível, pelo conhecimento do Recurso Adesivo, e pelo desprovimento de
ambos (fls. 986-1002).
Este é o relatório.
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
9. VOTO
Apelação Cível dos réus
O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de
admissibilidade, razão pela qual merece ser parcialmente conhecido.
Trata-se de insurgência da construtora e de seu sócio contra a
sentença que, entre outras imposições judiciais, determinou que se procedesse a
incorporação do Edifício Residencial Baía Azul e incluísse em todas as
publicidades o seu número de registro de incorporação, em observância as
normas da Lei n. 4.591/1964.
Os apelantes suscitaram, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do
Ministério Público para propor a ação civil pública, uma vez que versa sobre
interesses individuais disponíveis que refogem à competência do Parquet.
A prefacial não merece prosperar.
Nos termos da uníssona jurisprudência deste Tribunal de Justiça, "o
Ministério Público detém a legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa
de interesses individuais homogêneos com substrato no Código de Defesa do
Consumidor" (Apelação Cível n. 2004.029368-3, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros,
julgada em 29-9-2006).
No presente caso, a venda irregular de unidades imobiliárias feriu
diversos consumidores, pelo menos, os que foram alcançados pela oferta dos
imóveis. Tal coletividade de consumidores é composta por pessoas
indeterminadas e ligadas entre si pelo ato de ilegalidade em discussão, de modo
que se trata de interesse ou direitos individuais homogêneos, decorrentes de
origem comum, e não de interesses individuais disponíveis, como faz crer os
recorrentes.
A legítima atuação do Parquet no polo ativo da presente demanda
não apenas é ratificada pela Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica do Ministério
Público), como pelo regramento especial da Lei n. 7.347/1985, que disciplina a
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10. Ação Civil Pública, em obediência ao regramento da própria Constituição Federal
que, inseriu entre as funções institucionais do Ministério Público a de promover a
"ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (artigo 129, inciso I).
Como ressaltou a Togada singular, "o Ministério Público, na
incumbência de servir à comunidade e zelar pela lídima aplicação da lei, não
somente poderá, mas deverá ajuizar Ação Civil Pública, sempre que preenchidas
as condições legais" (fl. 266).
Ante o exposto, não se cogita em extinção do feito, sem resolução
do mérito, diante da ilegitimidade ativa do Ministério Público.
Os apelantes arguiram, ainda, cerceamento de defesa, em razão do
julgamento antecipado da lide, pois pretendiam comprovar, através de prova
testemunhal, a ausência de irregularidade e de prejuízo dos adquirentes das
unidades condominiais, bem como por não ter sido oportunizada a apresentação
de alegações finais, além da falta de análise do pedido de prorrogação do prazo
para a regularização da incorporação imobiliária.
Sem razão os apelantes.
Isso porque, é fato incontroverso nos autos que a venda das
unidades imobiliárias do empreendimento nominado Residencial Baía Azul foi
realizada antes de sua prévia incorporação imobiliária, em clara afronta as
normas da Lei n. 4.591/1964, tanto que, em razões recursais (fl. 943), os
apelantes asseveraram terem agido dessa forma, em decorrência da situação
econômica por eles enfrentada à época.
Assim, era completamente desnecessária a produção de prova
testemunhal para comprovar a ausência de irregularidade da incorporação
imobiliária, já que confirmada pelos próprios recorrentes. De igual forma, para
demonstrar a suposta inexistência de prejuízo dos adquirentes das unidades
imobiliárias, visto que o dano é inerente, decorrente da própria violação da norma
legal.
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
11. No mais, é sabido que o magistrado é o destinatário das provas,
competindo-lhe indeferir as inúteis e/ou protelatórias, como de fato ocorreu (fl.
909), sendo que, na hipótese, o feito encontra-se amplamente instruído, além de
os apelantes não terem demonstrado que o julgamento antecipado do feito
importou em prejuízo a sua defesa, evidenciando trata-se de mera insurgência
com o desfecho da lide.
O fato de não lhes ter sido oportunizada a apresentação de
alegações finais não justifica a cassação da sentença, por cerceamento de
defesa. A uma, porque os apelantes tiveram conhecimento em audiência (fl. 909)
de que a sentença seria proferida em gabinete, quedando-se inertes a respeito.
Conforme tem reiterado esta Câmara Julgadora, "encerrada a etapa
instrutória, e não havendo insurgência tempestiva contra tal deliberação, não há
que se falar em cerceamento de defesa, pois operada a preclusão" (Apelação
Cível n. 2012.064844-3, rel. Des. Subst. Odson Cardoso Filho, julgada em 5-12-
2013).
A duas, porque não demonstraram a ocorrência de nenhum prejuízo
à sua defesa, ônus que lhes competia. Nesse sentido, extrai-se: Apelação Cível
n. 2013.081153-7, rel. Des. Monteiro Rocha, julgada em 5-6-2014.
Quanto a suposta falta de análise do pedido de prorrogação do
prazo para a regularização da incorporação imobiliária, de igual forma, não se
mostra hábil para o desiderato dos apelantes.
Isso porque, apesar de terem requerido tal prorrogação em
novembro de 2006 (fls. 776-777) e não terem obtido resposta até a prolação da
sentença (em outubro de 2010 – fls. 918-928), naquela mesma oportunidade, a
Togada singular analisou o pedido (fls. 920-921), indeferindo-o, uma vez que o
processo tramitava há quase seis anos, não tendo os apelantes procurado
demonstrar ao menos a quitação do débito, que teria inviabilizado a obtenção das
certidões negativas necessárias para a regularização da obra, e que motivou o
pedido de prorrogação.
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
12. Dessa forma, ainda que tardiamente analisado, o requerimento de
prorrogação do prazo foi acertadamente indeferido, diante da evidência de que se
tratava de simples tentativa de postergar o cumprimento da determinação liminar
(fls. 729-731).
Ante o exposto, afasta-se as prefaciais suscitadas.
No mérito, os apelantes pleitearam que fossem afastadas a
possibilidade de os adquirentes nomearem outro incorporador às suas expensas
bem como de promoverem a publicidade do dispositivo da decisão recorrida em
jornais locais, além da revogação da aplicação de astreintes e da
indisponibilidade dos bens decretada em primeiro grau de jurisdição.
A sentença não merece reparos.
De início, importante registrar serem inquestionavelmente aplicáveis
as normas consumeristas em demandas dessa espécie, na qual se discute a
irregular comercialização de unidades imobiliárias, por se evidenciar, de um lado
a presença do fornecedor, no caso, da construtora demandada e, de outro o
consumidor, in casu, os adquirentes do imóvel, coletividade de pessoas
lesionadas pelos fatos aqui narrados, representados nesta ocasião pelo
Ministério Público.
É da jurisprudência desta Corte: "aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor nas ações que versam sobre contratos de compra e venda de
imóveis firmados entre construtora e destinatário final" (Apelação Cível n.
2005.016143-7, rel. Des. Edson Ubaldo, julgada em 16-7-2009).
Logo, descabida a alegação dos recorrentes de inaplicabilidade das
normas consumeristas ao presente feito, por se enquadrarem na legislação
específica (Lei n. 4.591/1964), pois "a interpretação do contrato de incorporação
imobiliária disciplinado pela Lei 4591/64 deve ser examinada em conjunto com o
Código de Defesa do Consumidor, a fim de preservar seu equilíbrio e o princípio
da boa-fé objetiva" (Apelação Cível n. 2005.006771-3, rel. Des. Subst. Saul Steil,
julgada em 29-10-2009).
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
13. Em decorrência da clara obrigação de observância das normas
consumeristas, competia a construtora recorrente promover a comercialização do
empreendimento sem omitir informação relevante do produto, nos termos do
artigo 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, o que foi sumariamente
ignorado.
Como salientou a Magistrada a quo "percebe-se que o anúncio
publicado pelos réus, promovendo a comercialização do empreendimento de sua
propriedade, sem mencionar o número do registro de incorporação, mesmo
porque este número ainda não existia, afronta, sobremaneira, o disposto na Lei n.
4.591/1964 e no Código de Defesa do Consumidor" (fl. 924).
Não procede a assertiva dos recorrentes (fl. 943-b) de que as
comercializações dos imóveis não decorreram da propaganda e da publicidade,
na medida em que os clientes interessados nas aquisições procuraram direta e
expontaneamente a construtora apelante.
Verifica-se pelos contratos de compra e venda apensados aos autos
(fls. 114, 118 e 122), bem como pela declaração de Ivete Dellacosta (fl. 185), que
a alienação das unidades imobiliárias foram perfectibilizadas pela Imobiliária
Perrone, a qual foi contratada pela construtora para a intermediação do negócio
jurídico, sendo que, por certo, valeu-se da publicidade realizada pelos recorrentes
para alienação dos imóveis.
Como consequência lógica da publicidade enganosa, é de se
manter a condenação de primeiro grau à publicação do dispositivo da sentença,
em dois jornais de grande circulação da cidade, em três dias alternados, nas
dimensões de 20cm x 20cm, às expensas dos recorrentes, a fim de promover a
informação correta e evitar que outros eventuais consumidores sejam lesados
pelo mesmo fato.
Os recorrentes não apenas afrontaram as regras consumeristas
como violaram diretamente as normas da legislação especial (art. 32, §§ 1º e 3º,
da Lei n. 4.591/1964) ao alienar imóvel, sem prévia incorporação imobiliária, fato
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
14. confessado pelos mesmos, que se utilizaram da alegação de estado de
necessidade (fl. 943) para justificar o descumprimento da lei.
O argumento de que foram obrigados e vender algumas unidades
com o fim de possibilitar a execução e a conclusão da obra é descabido e
incapaz de alterar a sentença recorrida, pois, não poderiam violar a lei em
nenhuma circunstância, nem mesmo por terem sofrido eventual dificuldade
econômica à época e/ou por excessiva burocracia dos órgãos da Administração
Pública ou, ainda, por suposta inadimplência de alguns dos adquirentes dos
imóveis.
Nem mesmo se cogita em sentença incerta, por ter a Magistrada de
primeiro grau possibilitado aos consumidores, no caso de descumprimento da
ordem judicial, eleger outra incorporadora para o cumprimento da obrigação
exposta na sentença recorrida, competindo aos recorrentes posterior reembolso
dos custos, a serem apurados na fase de cumprimento de sentença.
É que, como bem elucidou o Procurador de Justiça André Carvalho
(fl. 997), "sentença incerta é aquela que não resolve a lide, sendo que não é este,
manifestamente, o caso dos autos. A possibilidade de eleição de outra
incorporadora busca garantir o cumprimento da lei e dos direitos consumeristas,
sendo possibilidade válida e legal".
Em outros termos, a sentença só seria incerta se tivesse ido além
ou aquém dos pedidos formulados na inicial ou, ainda, tivesse sido proferida de
natureza diversa da postulada, ou em quantidade superior do que foi demandado,
nos exatos termos do artigo 460 do Código de Processo Civil, o que
evidentemente não ocorreu no presente caso.
Tampouco a sentença foi incerta ao condenar os recorrentes ao
pagamento de indenização aos adquirentes dos imóveis, de forma individual, por
eventuais valores gastos, por conta das irregularidades narradas nestes autos, a
serem apurados em sede de liquidação de sentença, mediante comprovação dos
custos suportados.
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
15. Isso porque, tratando-se de tutela coletiva é plenamente possível
que a apuração de valores sejam realizados na fase executória, consoante a
regra insculpida no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor. O referido
dispositivo dispõe que, no caso de procedência do pedido, a sentença fará coisa
julgada erga omnes, para beneficiar todos as vítimas e seus sucessores, que
poderão proceder a liquidação e a execução do julgado, prescindindo-se de nova
fase de conhecimento.
Da mesma forma, despropositado o pedido de revogação da
indisponibilidade de bens decretada na decisão liminar de fls. 263-270, por não
ter sido individualizado os bens bloqueados, o que inviabilizaria a atividade
econômica principal dos recorrentes.
É que, no presente momento, tem-se inviável a apuração do
quantum devido a cada consumidor lesado pela atitude ilegal dos recorrentes
aqui narrada, o que não possibilita indicar expressamente os bens que deveriam
estar bloqueados, suficientes para garantir o futuro cumprimento da obrigação.
Nos termos da jurisprudência desta Corte de Justiça para revogar a
liminar que determinou a indisponibilidade de bens em sede de ação civil pública
mostra-se imprescindível a existência de fato novo, até porque se sabe que o
patrimônio atual e futuro do devedor responde pelas suas obrigações. Nesse
sentido, extrai-se: Agravo de Instrumento n. 2007.019210-8, rel. Des. Jânio
Machado, julgado em 24-7-2008.
Por fim, mostra-se descabido o pedido formulado em razões
recursais (fls. 947) de revogação da aplicação de astreintes, limitadas na
sentença ao montante de R$ 2.000.000,00 (fl. 928), bem como sua minoração
para R$ 40.000,00 ou, ainda, sua limitação ao teto de R$ 100.000,00.
Os apelantes não detém interesse recursal no tocante a referida
matéria, pois as astreintes foram fixadas pela decisão liminar de fls. 729-731, que
deferiu a prorrogação do prazo de 90 dias para que os réus regularizassem o
empreendimento, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, sendo que de tal
Gabinete Des. Jairo Fernandes Gonçalves
16. decisum não houve recurso (certidão de fl. 738).
Em sede de sentença, a Togada singular apenas reduziu o
montante devido, ao considerar que a referida multa somaria o valor aproximado
de R$ 7.500.000,00, ou seja, em quantia excessiva e desproporcional, uma vez
que o imóvel não estaria regularizado até aquela data (outubro/2010 – fl. 928),
motivo pelo qual limitou a R$ 2.000.000,00, destinando-os ao Fundo Estadual de
Reconstituição de Bens Lesados.
É sabido que a adequação das astreintes pode ser realizada a
qualquer tempo, o que não possibilita nova rediscussão sobre o tema. Os
recorrentes precluíram do direito de se insurgir contra o valor estipulado pelo
Juízo a quo à título de multa diária para impor a obrigação determinada na
decisão liminar (fls. 729-731), razão pela qual este tópico do recurso não merece
ser conhecido.
Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer em parte do recurso
de Apelação Civil interposto pelos réus, para afastar as preliminares e, no mérito,
negar-lhe provimento.
Recurso adesivo do Autor:
O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de
admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.
O Ministério Público limitou-se a postular a manutenção das
astreintes anteriormente fixada, que totalizava o valor aproximado de R$
7.500.000,00, uma vez que era desnecessária a redução operada em sentença
(fls. 925-926), diante do caráter inibidor do instituto ou, alternativamente, sua
diminuição para 50% daquele montante.
A sentença de primeiro grau não merece reparos.
A multa prevista no artigo 461, §§ 3º e 4º, do Código de Processo
Civil, tem por finalidade servir como fator desestimulante ao descumprimento da
medida antecipatória concedida, de modo que não deve ser arbitrada em valor
ínfimo. Porém, não pode se mostrar excessivo ou desproporcional, sob pena de
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17. desvirtuar o próprio instituto.
No presente caso, a Togada singular reduziu a penalidade para R$
2.000.000,00, porquanto, até a prolação da sentença (outubro/2010), a medida
liminar não tinha sido devidamente cumprida pelos recorrentes, de modo que a
multa diária totalizaria R$ 7.500.000,00, o que se mostrou excessivo e
desproporcional ao fim pretendido pela aplicação da medida sancionatória.
Como bem salientou o Procurador de Justiça André Carvalho:
[...]Em sede liminar, o valor de R$ 5.000,00 diários se mostrava razoável
ante a necessidade de compelir o urgente cumprimento da obrigação. No
entanto, tal qual o indicou o magistrado sentenciante, com o decurso do tempo,
o montante tornou-se exorbitante, motivo pelo qual exarceba a necessidade de
coibir a ilicitude, sendo plenamente razoável o valor alcançado pela minoração
operada em sentença [...] (fl. 1.002).
Dessa forma, considerando o escopo do próprio instituto, ou seja,
de compelir o devedor ao urgente cumprimento da obrigação determinada em
liminar, tem-se que o valor fixado pela Juíza sentenciante (R$ 2.000.000,00 – fl.
928) não merece reparos, de modo que se nega provimento ao apelo adesivo
ofertado pelo Órgão Ministerial.
Ex positis, vota-se no sentido de conhecer de parte do recurso
principal interposto pelos réus e negar-lhes provimento, e conhecer do apelo
adesivo manejado pelo autor para desprovê-lo.
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