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Apelação Cível n. 2007.016673-2, da Capital
Relator: Des. Raulino Jacó Brüning
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA OPERADORA
DE PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. 1. PERDA
SUPERVENIENTE DO OBJETO EM RAZÃO DE ACORDO
EXTRAJUDICIAL FIRMADO ENTRE A OPERADORA E A ANS
(AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE) COM ADOÇÃO DE
PERCENTUAL DE CORREÇÃO DOS VALORES SUGERIDO
PELA ENTIDADE REGULADORA. INOCORRÊNCIA.
ABARCAMENTO PARCIAL DA PRETENSÃO. AFASTAMENTO.
2. RECONHECIMENTO DO PEDIDO (CPC, ART. 269, II).
TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL QUE AFASTA A
LITIGIOSIDADE NO PONTO. AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA À
PRETENSÃO AUTORAL. RECONHECIMENTO PARCIAL DA
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 3. TUTELA DE DIREITOS
DIFUSOS E COLETIVOS. CLÁUSULA DETERMINANTE DO
REAJUSTE DO VALOR DAS MENSALIDADES DOS
CONTRATOS INDIVIDUAIS DE PLANOS DE ASSISTÊNCIA À
SAÚDE FIRMADOS ANTES DA LEI N. 9.656/1998.
DISPOSIÇÕES POTESTATIVAS, COM EXPRESSÕES
GENÉRICAS, QUE COLOCAM O CONSUMIDOR EM
SITUAÇÃO EXAGERADAMENTE DESVANTAJOSA EM RAZÃO
DA ADOÇÃO DE CRITÉRIOS CONFUSOS E OBSCUROS DE
REAJUSTAMENTO DO PREÇO, SEM ADOÇÃO DE ÍNDICES
PREDETERMINADOS. 3.1 DEFERIMENTO DE LIMINAR EM
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SUSPENDENDO A EFICÁCIA
DO ARTIGO 35-E DA LEI N. 9.656/1998, QUE CONDICIONAVA
O REAJUSTE DE PREÇO À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA ANS.
DERROCADA DA DISPOSIÇÃO LEGAL QUE NÃO AUTORIZA O
AUMENTO EXORBITANTE DE VALORES. 3.2 DISPOSIÇÕES
CONTRATUAIS NULAS DE PLENO DIREITO (CDC, ART. 51)
POR ESTABELECEREM OBRIGAÇÕES INÍQUAS, ABUSIVAS E
INCOMPATÍVEIS COM A BOA-FÉ. 3.3 VANTAGEM
MANIFESTAMENTE EXCESSIVA CONFIGURADA (CDC, ART.
39). PRÁTICA VEDADA PELA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA.
3.4 OFENSA AOS DEVERES DE TRANSPARÊNCIA E
INFORMAÇÃO, BEM COMO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ
OBJETIVA E DA LEALDADE CONTRATUAL. 3.4 MANUTENÇÃO
DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
CLÁUSULAS POTESTATIVAS, A SEREM SUBSTITUÍDAS POR
DISPOSIÇÕES QUE ESTABELEÇAM REAJUSTE ADOTADO
PELA ANS OU ÍNDICE OFICIAL QUE REFLITA A INFLAÇÃO. 4.
REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. EXEGESE DO
ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
ENGANO JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO.
CONDENAÇÃO MANTIDA. 5. PREQUESTIONAMENTO
DESNECESSÁRIO. 6. CONDENAÇÃO DE OFÍCIO POR
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRÁTICA DESLEAL EVIDENCIADA.
IMPOSIÇÃO DE MULTA DE 1% (UM POR CENTO) E
INDENIZAÇÃO DE 20% (VINTE POR CENTO), AMBAS A
INCIDIR SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA. 7.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2007.016673-2, da comarca da Capital (2ª Vara da Fazenda Pública), em que é
apelante Bradesco Saúde S/A, e apelado Representante do Ministério Público:
A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, conhecer do recurso,
negar-lhe provimento e, de ofício, condenar a apelante ao pagamento de multa de 1%
(um por cento), a título de litigância de má-fé (CPC, art. 17, IV), bem como de
indenização de 20% (vinte por cento) (CPC, art. 18, § 2º), ambas incidentes sobre o
valor atualizado da causa. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 30 de outubro de 2014, foi presidido por
este Relator e dele participaram os Desembargadores Sebastião César Evangelista e
Gerson Cherem II.
Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr.
Alexandre Herculano Abreu.
Florianópolis, 30 de outubro de 2014.
Raulino Jacó Brüning
RELATOR
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
RELATÓRIO
Na Comarca da Capital, o Ministério Público ajuizou ação civil pública
em face de Bradesco Saúde S.A., tendo por objeto: "a) declaração de nulidade da
cláusula dos contratos colocados pela ré no mercado de consumo, por via da qual
impõe aos consumidores reajuste anual em patamares exagerados, sem justa causa,
notadamente porque lastreada em critério unilateral e de difícil compreensão; b)
substituição do alvitrado critério pelo índice estabelecido pela Agência Nacional de
Saúde (ANS) no que tange ao presente e a futuros reajustes, ou por outro índice a ser
aplicado anualmente que reflita a inflação no período, isso para os contratos
individuais de planos e seguros de saúde firmados antes de 1º de janeiro de 1999; c)
cessação imediata, em sede de antecipação de tutela, de tal prática abusiva; d) a
imposição à ré de diversas obrigações de fazer e não fazer, notadamente a de cessar
divulgação dúbia e incompleta, que induz o consumidor em erro a propósito do
elevado percentual de reajuste aplicado; e e) condenação genérica à restituição aos
consumidores catarinenses que pagaram as mensalidades com o aumento indevido"
(fl. 03).
Alegou que, em junho de 2004, a demandada reajustou o valor das
mensalidades dos contratos individuais de seguro de saúde, celebrados antes da
vigência da Lei n. 9.656/1998, em percentuais exorbitantes que variam de 44,66%
(quarenta e quatro vírgula sessenta e seis por cento) a 81,61% (oitenta e um vírgula
sessenta e um por cento), muito acima dos 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por
cento) autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ademais,
informou aos consumidores que o reajuste estava amparado em disposição contratual
e decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADI n. 1.931/DF, que
suspendera a eficácia do artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998, que regulamenta contratos
de seguro firmados antes de sua vigência.
Asseverou que, por absoluta falta de esclarecimento e manipulação
intencional das informações prestadas, os consumidores foram induzidos a acreditar
que o reajuste fora efetuado sob o manto da legalidade, pois estava supostamente
previsto em contrato e em consonância com decisão da Corte Suprema, o que,
segundo o Órgão Ministerial, não é verdade, porquanto: "a) invocada cláusula
contratual está inquinada de inúmeras máculas que a tornaram nula de pleno direito,
pois, entre outras impropriedades (...), prevê critério de reajuste absolutamente
genérico, cuja compreensão não é possível ao mais atento exegeta e possibilita
reajuste unilateral (potestativo), além de não estar redigida em destaque; b) a liminar
(cujo caráter de provisoriedade nem é preciso enaltecer) deferida no bojo da ADI n.
1.931/DF não trouxe autorização de reajuste algum, ainda mais no absurdo patamar
utilizado pela empresa ré" (fls. 05/06).
Esclareceu que a cláusula 33ª das condições gerais dos seguros
individuais autoriza reajustes trimestrais "pela diferença entre a variação dos custos
médico-hospitalares e a variação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN)" (fl. 15), e seu
parágrafo único permite reajuste em periodicidade menor, em evidente abusividade.
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
Ademais, a cláusula 34ª prevê mudança de valores em qualquer época, conforme a
variação da faixa etária, incorrendo também em vício por ofensa ao equilíbrio
contratual.
Acrescentou que a justificativa da operadora do plano de saúde para
reajustar as mensalidades, consistente no aumento dos custos médico-hospitalares,
decorrentes da introdução de novas tecnologias, da elevação de preços de materiais
e medicamentos e do aumento das ocorrências de internações, é genérica e
incompreensível, configurando verdadeiro subterfúgio para o aumento do custo do
seguro saúde sem respaldo legal ou contratual.
De outra parte, salientou que o comunicado enviado pela requerida a
seus clientes "induziu o consumidor a acreditar que o exacerbado reajuste se deu sob
o crivo da 'instância máxima' do Judiciário (STF) e intimidou os desavisados a
aderirem à oferta de migração dos planos firmados anteriormente à Lei n. 9.656/1998
(...), a qual, pelo que consta, caso aderida, poderia sujeitá-los ao pagamento de
mensalidades superiores a até 300% da praticada até então" (fl. 08).
Sustentou, ainda, ter o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
(SNDC) elaborado nota técnica, após estudo aprofundado dos contratos, revelando
que a real intenção das operadoras de plano de saúde era recompor um lucro não
alcançado no período compreendido entre janeiro de 1999 e setembro de 2003, ao
tempo em que concluiu "pela abusividade das cláusulas em análise, por permitirem a
alteração unilateral dos valores cobrados dos consumidores, com a incidência de
reajustes excessivamente onerosos, recompondo uma expectativa de lucro não
realizado no passado" (fls. 18/19).
Destacou, ainda, que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
já havia estabelecido procedimento para reajuste das mensalidades dos "planos
antigos", por meio da Súmula Normativa n. 05/2003, que determina a adoção do
percentual de variação divulgado pela Agência, bem como por meio do artigo 3º da
Resolução Normativa 74/2004, que estabelece o percentual de reajuste da ANS como
limite para os contratos cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice para
correção da prestação pecuniária. Contudo, a demandada valeu-se de cláusula
flagrantemente abusiva para exigir do consumidor vantagem manifestamente
excessiva ao elevar o preço do plano de saúde unilateralmente, impondo-se a
intervenção do Judiciário para reestabelecer o equilíbrio contratual.
Discorreu sobre aplicação da legislação consumerista aos contratos de
planos de seguro saúde, praticas abusivas e nulidade da cláusula de reajuste, por
ofender os princípios da informação e da boa-fé, norteadores da relação de consumo,
pelo que requereu antecipação dos efeitos da tutela para que, relativamente aos
contratos individuais de planos e seguros de saúde celebrados antes da vigência da
Lei 9.656/1998:
1.1. Sejam antecipados os efeitos da declaração de nulidade da cláusula
contratual dos contratos celebrados pela Ré com os consumidores catarinenses que
estabelece critérios de reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor
(cláusula 33);
1.2. O reajuste praticado pela Ré seja limitado ao percentual de 11,75%
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
referido na Resolução 74/04 e Súmula Normativa 5/03, ambas da Agência Nacional
de Saúde, bem como a novos percentuais a serem estabelecidos pela ANS até o
trânsito em julgado da sentença a ser prolatada nesta ação, sem prejuízo da
prestação dos serviços médicos e fornecimento de eventuais e correlatos materiais
garantidos pelo contrato;
1.3. Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consistente em determiná-la a
emitir boletos bancários em valor compatível com o percentual de reajuste de
11,75%;
1.4. Seja imposta à Ré a obrigação de não fazer, consubstanciada na vedação
imediata de promover a rescisão dos contratos com os consumidores catarinenses
que recusarem-se ou não puderem pagar as mensalidades dos planos de saúde no
valor resultante do reajuste superior ao patamar de 11,75%;
1.5. Seja imposta à Ré a obrigação de não fazer, consistente em cessar
imediatamente a divulgação peremptória e vaga de que o aumento decorre de
previsão contratual e em decorrência do julgamento da ADIN n. 1931, pelo STF;
1.6. Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consubstanciada em informar, de
maneira adequada, clara, precisa e compreensível, no prazo de 30 (trinta) dias
contados da intimação da decisão antecipatória da tutela, os reflexos pecuniários e
de cobertura na hipótese de migração, adaptação e manutenção do plano para os
contratos celebrados anteriormente ao início de vigência da Lei n. 9656/98,
notadamente no que tange ao valor das mensalidades a serem suportadas pelos
consumidores que aderirem à oferta de migração;
1.7. Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, representada em informar de
maneira clara, adequada e inconfundível aos consumidores, no prazo de até 10 (dez)
dias contado da intimação da decisão liminar deferida por este Juízo (art. 84, § 5º do
CDC); e
1.8. Seja imposta à Ré a multa diária na ordem de R$ 250.000,00 a ser
revertido para o Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa
Catarina, na hipótese de descumprimento de cada uma das obrigações impostas na
decisão liminar, sem prejuízo da responsabilização criminal na hipótese de
desobediência em face dos provimentos mandamentais.
Adiante, no que se refere aos contratos celebrados anteriormente à
vigência da Lei 9.656/1998, pediu a procedência dos seguintes pedidos:
4.1. Declarar a nulidade da cláusula que impõe o reajuste anual com critérios
que permitam, na prática, a variação unilateral de preço e que estabelece critérios de
reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor (cláusula 33);
4.2. A substituição da previsão contratual do critério de reajuste utilizado para
outro que se valha do índice de reajuste estabelecido pela ANS, conforme a Súmula
n. 05 e artigo 4º, XVII e XXI da Lei n. 9.961/2000 ou, sucessivamente (art. 289,
CPC), por outro índice oficial que reflita a inflação no período;
4.3 Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consubstanciada no dever de
informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores os novos critérios e
índices estabelecidos na sentença e que serão utilizados para reajustes das
mensalidades, evitando-se que novas ocorrências de desinformação coloquem o
consumidor em situação de vulnerabilidade;
4.4 Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consistente em ordenar que preste
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
informações aos consumidores inerentes à relação contratual de forma ampla,
adequada, precisa e veraz, de modo a permitir que exerça juízo de valor a propósito
de escolhas que lhe são submetidas, tais como inerentes à proposta de adequação,
migração ou manutenção dos contratos "antigos", e de qualquer outro fator que
interfira na relação contratual (art. 286, II, do CPC);
4.5 Imposição de multa diária no valor de R$ 250.000,00 na hipótese de
descumprimento de quaisquer obrigações impostas à Ré, valor este a ser revertido
ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, sem
prejuízo da responsabilização criminal na hipótese de desobediência em face dos
provimentos mandamentais;
4.6 A condenação genericamente da Ré a restituir a quantia paga a maior
desembolsada pelos consumidores catarinenses para o pagamento do reajuste
ilegalmente aplicado, devidamente atualizado, na forma do art. 42, parágrafo único
do CDC, cujo valor será apurado em liquidação de sentença a ser feita pelos
consumidores (art. 95 do CDC).
5. A publicação de edital de que cuida o artigo 94 do Código de Defesa do
Consumidor, para a ciência dos interessados (fls. 02/49).
6. A intimação pessoal do Órgão do Ministério Público de todos os atos
processuais, na forma de que dispõe o artigo 236, parágrafo 2º, do CPC e artigo 41,
IV, da Lei n. 8.625/1993;
7. A condenação da Ré ao pagamento das despesas processuais e outras de
estilo.
Juntou documentos (fls. 50/289).
O Magistrado a quo deferiu integralmente a tutela antecipada (fls.
291/292) e a decisão foi combatida por agravo de instrumento, interposto pela
requerida (fls. 305/330).
Bradesco Saúde S.A., devidamente citada, apresentou contestação,
defendendo a legalidade dos reajustes aplicados aos contratos de seguro saúde
firmados antes da vigência da Lei 9.656/1998. Para tanto, asseverou que por muitos
anos os órgãos governamentais vetaram aumentos anuais pretendidos pelas
operadoras de plano de saúde, provocando desequilíbrio entre a receita dos prêmios
de seguro e as despesas de indenização de sinistros, majoradas, muitas vezes, pelo
custeio de eventos não previstos, em razão de decisões judiciais.
Sustentou, ademais, que o emprego de novas tecnologias também
contribui para o aumento significativo dos custos hospitalares, em ritmo superior à
inflação medida pelos índices oficiais, impondo-se o reajuste proporcional dos
prêmios dos seguros.
Destacou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) havia
aprovado, em 11/08/2003, no âmbito de sua Diretoria de Normas e Habilitação dos
Produtos, a revisão técnica dessas apólices em percentual da ordem de 48,20%
(quarenta e oito vírgula vinte por cento), tendo o Ministério da Fazenda
manifestado-se favoravelmente ao reajuste. Contudo, antes da ratificação desta
decisão por órgão colegiado da ANS, o Supremo Tribunal Federal deferiu a liminar na
ADI 1931-8/DF e declarou a inconstitucionalidade do artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998,
desobrigando, consequentemente, as operadoras dos planos de saúde à submissão
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
prévia dos reajustes das prestações pecuniárias à ANS.
Defendeu não se tratar de aplicação retroativa dos efeitos da liminar da
Corte Suprema, que implicaria a cobrança da diferença dos prêmios já pagos pelos
segurados, mas de incidência do reajuste a partir de julho de 2004, conforme previsão
contratual, com objetivo de resgatar o equilíbrio futuro das prestações, sem o controle
equivocado de preços que vinha ocorrendo.
Ressaltou que o critério de reajuste da prestação pecuniária vertida
pelos segurados, com base na variação dos custos médico-hospitalares, é o mesmo
adotado nas apólices negociadas atualmente, que observam as normas contidas na
Lei n. 9.656/1998, não sendo tal circunstância capaz, por si só, de justificar a nulidade
da cláusula de reajuste.
Disse, ainda, da impossibilidade de incidência do Código de Defesa do
Consumidor aos contratos firmados anteriormente a sua vigência, por força do
preceito constitucional da irretroatividade da lei, seja ela de ordem pública ou privada,
na esteira de julgados do Supremo Tribunal Federal.
Discorreu acerca de sua conduta escorreita, pautada nos princípios da
boa-fé e da publicidade, ao informar os segurados do reajuste e seus motivos, ao
tempo em que rebate a pretensão à indenização genérica, fundamentada em dano
fantasioso, à míngua de ofensa a um bem jurídico. Desta forma, requereu a
improcedência dos pedidos (fls. 404/421).
O Órgão Ministerial apresentou impugnação à contestação, reeditando
argumentação inicial, com a ressalva de que o aumento fundamenta-se na vaga e
genérica expressão "variação dos custos médico-hospitalares", dos quais não se tem
prova. Assim, pediu a antecipação do julgamento e a procedência dos pedidos (fls.
423/436).
Bradesco Saúde S.A. informou a realização de acordo com a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio do qual se obrigou a adotar para os
contratos firmados até 1/01/1999 o índice de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por
cento), definido pela Agência, para o reajuste aplicado em julho de 2004, razão por
que pleiteou a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo
267, VI, do Código de Processo Civil (fls. 438/440).
O autor manifestou-se pela impossibilidade de extinção do feito, à vista
da existência de outros pedidos não abrangidos pela transação noticiada pela parte
demandada (fl. 455), sobrevindo aos autos cópia da decisão colegiada que negou
provimento ao agravo de instrumento interposto pela seguradora contra decisão
deferitória da tutela antecipada (fls. 457/468).
O doutor Juiz de Direito da Unidade da fazenda Pública da Comarca da
Capital julgou procedentes os pedidos e condenou a ré ao pagamento de custas
processuais e honorários advocatícios, estes no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais)
(fls. 476/485).
Bradesco Saúde S.A. interpõe recurso de apelação, sustentando a
perda superveniente do objeto da presente ação civil pública, decorrente do acordo
formulado por meio de Temos de Compromisso e de Ajuste de Conduta firmados com
a ANS, em que ficou estabelecido o reajuste de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
por cento) no período de julho de 2004 a junho de 2005, comprometendo-se a
recorrente a devolver os valores pagos a maior, tudo devidamente cumprido. Daí a
necessária extinção do feito por perda superveniente de interesse processual da parte
autora.
De outra parte, enfatiza que não reconheceu a procedência do pedido,
de que trata o inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil, mas apenas
acordou a adoção do índice de reajuste proposto pela ANS, sem, contudo, concordar
com seu percentual.
Diz da inexistência de abusividade nas cláusulas de reajuste dos
prêmios de seguro saúde, fundamentadas em critérios técnicos de variação dos
custos médico-hospitalares, que devem ser observados a fim de garantir o equilíbrio
do sistema privado de saúde suplementar, mormente porque o aumento de preços
dos serviços prestados por planos de saúde é geralmente superior à inflação.
Ademais, ressalta ser "necessário que o valor do prêmio de seguro
acompanhe a realidade da massa de segurados, que, ao final, são os próprios
garantidores dos custos dos contratos. O aumento dos prêmios do seguro em questão
segue a realidade dos custos operacionais, não havendo, portanto, obtenção de lucro
com tais reajustes, mas, sim e unicamente o propósito de manter a equação original
do contrato – risco/prêmio" (fl. 500). Por esta razão, alega que a cláusula de reajuste
não pode ser considerada abusiva, porquanto visa, unicamente, ao equilíbrio
contratual e à manutenção da equação entre o risco assumido e o valor dos prêmios.
Acrescenta que o reajuste aplicado apenas restaura o valor que a
mensalidade teria hoje se não houvesse controle equivocado de preços por órgãos
reguladores, além do que o critério de correção do valor dos prêmios é o mesmo
utilizado nos contratos atuais, firmados sob a égide da Lei n. 9.656/1998, não se
podendo falar em sua nulidade.
Acena que, em contratos de longa duração, é imprescindível a correção
monetária do prêmio, cuja fixação é de livre escolha das partes contratantes, nos
termos do artigo 1.442 do Código Civil de 1916, com base em três fatores:
desvalorização da moeda ao longo do tempo; acréscimo do risco com a elevação da
idade do segurado, e; aumento dos custos dos procedimentos, por razões de ordem
técnica e científica. Este último fator, segundo a recorrente, tem maior relevância em
contratos de assistência à saúde por estar ligado a causas especiais influenciadas por
determinantes que não se vinculam aos índices que ordinariamente medem a
inflação, quais sejam os custos da medicina em evolução.
Discorre acerca da garantia constitucional à irretroatividade da lei em
prejuízo ao ato jurídico perfeito, assegurado pelo artigo 5º, XXXVI, da Constituição
Federal, a obstar a incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da
ANS aos contratos firmados anteriormente à vigência de referenciada legislação,
utilizadas como fundamento da sentença.
Aduz haver prestado informações claras e precisas aos segurados
acerca do reajuste do valor do prêmio, por meio de correspondência, havendo
disponibilizado, ainda, informações por meio virtual (internet) e atendimento
telefônico, não se havendo falar em desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva. De
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
outra parte, entende ser descabida a penalidade contida no artigo 42 do Código de
Defesa do Consumidor, consistente na devolução em dobro do valor cobrado a mais
dos segurados, porquanto não agiu com má-fé.
Prequestiona diversos artigos de lei e da Constituição Federal e requer a
reforma da sentença para a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos
termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, ou a improcedência dos
pedidos, com a inversão dos ônus sucumbenciais (fls. 490/525).
O Órgão Ministerial apresentou contrarrazões, pugnando pela
manutenção da sentença (fls. 533/555), e a Douta Procuradoria-Geral de Justiça
alvitrou o conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 560/568).
O Desembargador Newton Janke, em decisão monocrática, redistribuiu
o feito a uma das Câmaras de Direito Civil (fls. 570/571) e o Desembargador Ronei
Danielli suscitou conflito de competência (fl. 574), tendo o Órgão Especial decidido
pela competência desta Primeira Câmara de Direito Civil para julgar o recurso (fls.
586/592).
Conclusos a este Relator, os autos foram remetidos ao Núcleo de
Conciliação deste Tribunal (fls. 599/600), havendo informado o Representante do
Órgão Ministerial a impossibilidade de dispor do interesse público para transigir na
espécie (fl. 603).
Este é o relatório.
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
VOTO
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Bradesco Saúde
S.A. contra a sentença de procedência dos pedidos deduzidos em ação civil pública
ajuizada contra ela pelo Ministério Público de Santa Catarina, que deve ser conhecido
à vista de sua tempestividade (fls. 489 e 490) e do preparo (fl. 526).
Bradesco Saúde S.A. sustenta, em síntese: a) perda superveniente do
objeto da ação civil pública, em razão do acordo formulado com a ANS, em que ficou
estabelecido o reajuste de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) no período
de julho de 2004 a junho de 2005, comprometendo-se a recorrente a devolver os
valores pagos a maior, tudo devidamente cumprido; b) não ter reconhecido a
procedência do pedido, na forma do inciso II do artigo 269 do Código de Processo
Civil; c) inexistência de abusividade nas cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro
saúde, pelos seguintes motivos: c1) fundamentam-se em critérios técnicos de
variação dos custos médico-hospitalares, que devem ser observados a fim de garantir
o equilíbrio do sistema privado de saúde suplementar; c2) não visa à elevação dos
lucros, mas ao equilíbrio contratual e à manutenção da equação entre o risco
assumido e o valor dos prêmios; c3) o reajuste somente restaura o valor que a
mensalidade teria hoje se não houvesse controle equivocado de preços por órgãos
reguladores; c4) o critério de correção do valor das mensalidades é o mesmo utilizado
nos contratos atuais, firmados sob a égide da Lei n. 9.656/1998; e, c5) é
imprescindível a correção monetária do prêmio com base na desvalorização da
moeda ao longo do tempo, no acréscimo do risco com a elevação da idade do
segurado e no aumento dos custos dos procedimentos, por razões de ordem técnica
e científica; d) irretroatividade da lei em prejuízo ao ato jurídico perfeito, a obstar a
incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos
anteriores; e) haver prestado informações claras e precisas aos segurados acerca do
reajuste do valor do prêmio, f) ser descabida a penalidade contida no artigo 42 do
Código de Defesa do Consumidor, consistente na devolução em dobro do valor
cobrado a mais dos segurados, porquanto não agiu de má-fé; e g) prequestiona
diversos artigos de lei e da Constituição Federal.
1. Perda superveniente do objeto
Sustenta a apelante que o "Termo de Compromisso de Ajuste de
Conduta n. 001/2004" (fls. 441/446), firmado com a Agência Nacional de Saúde –
ANS, estabelecendo reajuste de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) aos
contratos antigos, no período de julho de 2004 a junho de 2005, com a devolução de
valores pagos a maior, já devidamente cumprido, exauriu o objeto desta ação civil
pública, a ser extinta sem resolução de mérito.
Com efeito, consta de referenciado acordo o seguinte objeto:
Ajustar a conduta, na forma da Resolução RDC n. 57, de 19 de fevereiro de
2001, da COMPROMISSÁRIA às diretrizes gerais estabelecidas pela ANS para o
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
setor de saúde suplementar, especialmente no que tange aos percentuais a serem
aplicados para reajuste anual das contraprestações pecuniárias dos planos privados
de assistência à saúde, no período de julho de 2004 a julho de 2005, firmados
individualmente até 01.10.1999 e ainda não adaptados à Lei n. 9.656, de 1998
(Cláusula primeira).
Mais adiante, compromete-se a recorrente a:
I - cessar a aplicação de percentuais de reajuste das contraprestações
pecuniárias superiores a 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento), para todos
os contratos individuais firmados até 01/01/1999 e não adaptados à Lei n. 9.656, de
1998, durante o período compreendido entre julho de 2004 e julho de 2005, conforme
aniversário dos respectivos contratos;
II – promover a imediata redução dos percentuais aplicados, adequando-se
ao percentual de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) o reajuste anual
das contraprestações pecuniárias;
III – promover a apuração e a devolução imediata aos consumidores do valor
pago em razão da aplicação do percentual superior a 11,75% (onze vírgula setenta e
cinco por cento), ficando a COMPROMISSÁRIA autorizada a compensar tal valor no
boleto de pagamento do mês subsequente à celebração deste Termo (...).
Sem perder de vista o artigo 462 do Código de Processo Civil, que
obriga o julgador a considerar, na sentença, a existência de fato posterior ao
ajuizamento da ação que possa influenciar no julgamento da lide, modificando ou
extinguindo o direito alegado, não restou configurada a perda do objeto da
presente ação, porquanto alguns pedidos não foram abarcados pela transação
extrajudicial, a saber: a declaração de nulidade da cláusula que impõe o reajuste
anual com critérios que permitam, na prática, a variação unilateral de preço e que
estabelece critérios de reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor
(cláusula 33); a substituição da previsão contratual do critério de reajuste para outro
que se valha do índice estabelecido pela ANS; a condenação da ré à obrigação de
informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores os novos critérios e
índices estabelecidos na sentença; a imposição de multa diária no valor de R$
250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) na hipótese de descumprimento; a
condenação à restituição em dobro dos valores pagos a mais pelos consumidores; e a
publicação de edital de que cuida o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, não exaurida a pretensão do autor por meio da transação
extrajudicial firmada, não há falar em perda do objeto da ação, sobre o qual leciona
Moacyr Amaral Santos, in verbis:
A ação se propõe a obter uma providência jurisdicional quanto a uma
pretensão e, pois, quanto a um bem jurídico, material ou incorpóreo, pretendido pelo
autor. Chamamo-lo de interesse primário.
Mas há um interesse outro, que move a ação. É o interesse em obter uma
providência jurisdicional quanto àquele interesse. Por outras palavras há o interesse
de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do Estado, para que este tutele o
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
interesse primário, que de outra forma não seria protegido. Por isso mesmo o
interesse de agir se confunde, de ordinário, com a necessidade de se obter o
interesse primário ou direito material pelos órgãos jurisdicionais (SANTOS, Moacyr
Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 19 ed., São Paulo: Saraiva. p.
163).
Afasta-se, assim, o pedido de extinção do processo por perda de seu
objeto.
2. Reconhecimento do pedido
Relativamente ao reconhecimento da procedência do pedido, na forma
do inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil, agiu bem o ilustre Magistrado
sentenciante, Dr. Domingos Paludo, ao consignar que, "por força de acordo que
celebrou com a ANS, o reajuste discutido nestes autos acabou sendo negociado em
11,75%, 'tal como postula o Ministério Público', de onde se vê que a ré acabou por
reconhecer a procedência do pedido formulado na inicial.
O reconhecimento da procedência do pedido está previsto no art. 269, II,
do CPC, como forma de extinção do processo com resolução de mérito e, se incidiu
sobre a parte principal do pedido, todas as especificações deste que não puderem
subsistir sem contrariar o reconhecimento estão já solvidas na forma reconhecida"
(fls. 477/478).
A transação judicial com adoção do percentual de reajuste definido pela
Agência Nacional de Saúde – ANS a todos os contratos individuais firmados até
01/01/1999 e não adaptados à Lei n. 9.656/1998 é causa que afasta a litigiosidade, à
míngua de resistência à pretensão autoral, configurando reconhecimento parcial da
procedência do pedido.
Sobre o instituto, Ernane Fidélis dos Santos ensina tratar-se de "forma
de sujeição imediata do réu ao pedido do autor, não competindo ao juiz apreciar sua
justiça ou não. Pelo reconhecimento, o réu capitula, aceita a pretensão contra ele
formulada, em todos os seus termos" (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de
Direito Processual Civil, v. 1, São Paulo: Saraiva, 2006, 11. ed. rev. e atual. p. 610).
No mesmo sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
acrescentam:
Reconhecimento jurídico do pedido. Ato privativo do réu, consiste na
admissão de que a pretensão do autor é fundada e, portanto, deve ser julgada
procedente. Seu objeto é, portanto, o direito. Pode ser parcial ou total, tácito ou
expresso. Somente pode ocorrer quando a direitos disponíveis e, se regular e
correto na forma, implica necessariamente a extinção do processo com resolução de
mérito, de procedência do pedido (NERY JUNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa
Maria, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12. ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 621) (Grifo acrescido).
É da jurisprudência:
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECONHECIMENTO
JURÍDICO IMPLÍCITO DO PEDIDO. VERBAS SUCUMBENCIAIS. O reconhecimento
jurídico do pedido deve sempre se encontrar expresso nos autos. Havendo ato
extrajudicial registrada de forma inequívoca e expressa nos autos e que é
incompatível com a intenção de resistir ao pleito dos autores, responde o réu -
causador da lide - pelas verbas sucumbenciais, pois o ato concessivo
repercute no processo como genuíno reconhecimento da procedência do
pedido e não em perda de interesse processual. No caso em apreço, o fato
jurídico do pagamento dos benefícios pedidos na inicial acarreta o reconhecimento
implícito da obrigação e renúncia à impugnação do pedido autoral. 1. EMBARGOS
REJEITADOS (TJDF, AC 20030110960169/DF, Relator: Flavio Rostirola, j.
23/09/2005, DJU 13/10/2005 p. 56) (Grifo acrescido).
Não fosse o bastante, o Togado a quo enfatizou que "a solução seria
mesmo pelo acolhimento do pedido em tal sentido", ao tempo em que fez referência
aos fundamentos da decisão concessiva da tutela antecipada para fundamentar sua
sentença, a fim de reconhecer a abusividade de reajuste superior àquele fixado pela
Agência Nacional de Seguros – ANS, abordando o mérito da ação e não apenas
declarando a extinção processual com base na aquiescência da demandada.
Desta forma, desmerece guarida a irresignação recursal no tocante ao
reconhecimento parcial dos pedidos.
3. Das cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro saúde
Com relação às disposições contratuais concernentes à atualização das
mensalidades, alega a recorrente que estas fundamentam-se em critérios técnicos de
variação dos custos médico-hospitalares, a serem observados com vistas à
manutenção do equilíbrio do sistema privado de saúde suplementar e da equação
entre o risco assumido e o valor dos prêmios, restaurando as prestações ao valor que
estariam caso não houvesse controle equivocado de preços por órgãos reguladores.
Acrescenta que o critério de correção do valor das mensalidades é o
mesmo utilizado nos contratos atuais, firmados sob a égide da Lei n. 9.656/1998,
sendo imprescindível a correção monetária do prêmio com base na desvalorização da
moeda ao longo do tempo, no acréscimo do risco com a elevação da idade do
segurado e no aumento dos custos dos procedimentos, por razões de ordem técnica
e científica.
Não obstante o longo arrazoado e o esforço da recorrente para
desvencilhar-se do decreto condenatório, seu inconformismo não merece
prosperar.
Primeiramente, é perfeitamente aplicável o Código de Defesa do
Consumidor às relações jurídicas sob análise, fundamentadas em contratos de
assistência à saúde, porquanto se fazem presentes as figuras do consumidor, nos
termos do artigo 2º do Código Consumerista, e do fornecedor, segundo preconiza o
artigo 3º de mesmo diploma legal.
A par disso, a Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça enuncia:
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde",
desmerecendo maiores digressões.
Superada a questão, é de grande valia a conceituação elaborada pela
eminente Ministra Nancy Andrighi, acerca dos contratos de plano de assistência à
saúde. Nas palavras de renomada Magistrada:
O plano de assistência à saúde, apresenta natureza jurídica de contrato de
trato sucessivo, por prazo indeterminado, a envolver transferência onerosa de riscos,
que possam afetar futuramente a saúde do consumidor e seus dependentes,
mediante a prestação de serviços de assistência médico-ambulatorial e hospitalar,
diretamente ou por meio de rede credenciada, ou ainda pelo simples reembolso de
despesas.
Como característica principal, sobressai o fato de envolver execução
periódica ou continuada, por se tratar de contrato de fazer de longa duração,
que se prolonga no tempo; os direitos e obrigações dele decorrentes são exercidos
por tempo indeterminado e sucessivamente. Dessa forma, mês a mês, o consumidor
efetua o pagamento das mensalidades para ter acesso à cobertura contratualmente
prevista, o que, ao mesmo tempo lhe assegura o direito de, mês a mês, ter prestada
a assistência à saúde tal como estabelecida na lei e no contrato. Assim, ao firmar o
contrato de plano de saúde, o consumidor tem como objetivo primordial à
garantia de que, no futuro, quando ele e sua família necessitarem, será dada a
cobertura nos termos em que contratada. A operadora, por sua vez, a qualquer
momento, pode ser acionada, desde que receba mensalmente o valor estipulado na
avença.
Além da continuidade na prestação, assume destaque o dado da "catividade"
do contrato de plano de assistência à saúde, reproduzida na relação de consumo
havida entre as partes. O convívio ao longo de anos a fio gera expectativas para o
consumidor no sentido da manutenção do equilíbrio econômico e da qualidade de
serviços. Esse vínculo de convivência e dependência, movido com a clara afinidade
de alcançar segurança e estabilidade, reduz o consumidor a uma posição de "cativo"
do fornecedor (Recurso Especial n. 989.380-RN. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. j.
20/11/2008) (Grifos acrescidos).
Destarte, pode-se afirmar com segurança que os contratos de
assistência à saúde configuram pactos onerosos de trato sucessivo, por prazo
indeterminado, que envolvem, de um lado, o consumidor "cativo", com expectativas
de satisfação de suas necessidades e manutenção equilibrada da relação, e, de
outro, um fornecedor obrigado à prestação adequada e eficaz do objeto avençado,
com observância a preceitos básicos de seus clientes, previstos nas normas
consumeristas.
Estas relações jurídicas, atualmente, são reguladas pela Lei n.
9.656/1998, que trouxe vários benefícios aos usuários dos planos de saúde ao tornar
obrigatória a comercialização do Plano Referência, proibir a rescisão unilateral de
contratos e submeter os índices de reajuste anuais à prévia aprovação da Agência
Nacional de Saúde Suplementar – ANS.
Com relação a este último aspecto – reajustes anuais dos preços dos
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produtos – referentes aos contratos individuais de plano de saúde, firmados antes
da vigência da Lei n. 9.656/1998, é que reside a controvérsia.
Isso porque o texto original desta lei obrigava a adaptação dos contratos
anteriores, com observância das novas regras, no prazo de 90 (noventa) dias, período
este dilatado para 15 (quinze) meses, por meio da Medida Provisória n. 1.685-1/1998,
em razão da impossibilidade técnica e do inevitável aumento de preço decorrente da
ampliação de cobertura assistencial, como determinado no texto legal.
Contudo, antes do encerramento do prazo, a adaptação obrigatória dos
contratos foi transformada em opção do consumidor pela Medida Provisória n.
1.908-17/1999, passando os contratos antigos individuais a ter validade por tempo
indeterminado, devendo, contudo, observar o disposto no artigo 35-E, incluído pela
Medida Provisória n. 2.177-44/2001, assim redacionado:
Art. 35-E. A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos
celebrados anteriormente à data de vigência desta Lei que:
I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores
com mais de sessenta anos de idade estará sujeita à autorização prévia da
ANS;
II - a alegação de doença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia
regulamentação da matéria pela ANS;
III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou
familiar de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei por parte da
operadora, salvo o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei;
IV - é vedada a interrupção de internação hospitalar em leito clínico, cirúrgico
ou em centro de terapia intensiva ou similar, salvo a critério do médico assistente.
§ 1º Os contratos anteriores à vigência desta Lei, que estabeleçam reajuste por
mudança de faixa etária com idade inicial em sessenta anos ou mais, deverão ser
adaptados, até 31 de outubro de 1999, para repactuação da cláusula de reajuste,
observadas as seguintes disposições:
I - a repactuação será garantida aos consumidores de que trata o parágrafo
único do art. 15, para as mudanças de faixa etária ocorridas após a vigência desta
Lei, e limitar-se-á à diluição da aplicação do reajuste anteriormente previsto, em
reajustes parciais anuais, com adoção de percentual fixo que, aplicado a cada ano,
permita atingir o reajuste integral no início do último ano da faixa etária considerada;
II - para aplicação da fórmula de diluição, consideram-se de dez anos as faixas
etárias que tenham sido estipuladas sem limite superior;
III - a nova cláusula, contendo a fórmula de aplicação do reajuste, deverá ser
encaminhada aos consumidores, juntamente com o boleto ou título de cobrança, com
a demonstração do valor originalmente contratado, do valor repactuado e do
percentual de reajuste anual fixo, esclarecendo, ainda, que o seu pagamento
formalizará esta repactuação;
IV - a cláusula original de reajuste deverá ter sido previamente submetida
à ANS;
V - na falta de aprovação prévia, a operadora, para que possa aplicar reajuste
por faixa etária a consumidores com sessenta anos ou mais de idade e dez anos ou
mais de contrato, deverá submeter à ANS as condições contratuais acompanhadas
de nota técnica, para, uma vez aprovada a cláusula e o percentual de reajuste,
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
adotar a diluição prevista neste parágrafo.
§ 2º Nos contratos individuais de produtos de que tratam o inciso I e o §
1º do art. 1º desta Lei, independentemente da data de sua celebração, a
aplicação de cláusula de reajuste das contraprestações pecuniárias dependerá
de prévia aprovação da ANS.
§ 3º O disposto no art. 35 desta Lei aplica-se sem prejuízo do estabelecido
neste artigo (Grifos acrescidos).
Nos termos da lei dos planos e seguros privados de assistência à saúde,
os contratos individuais, firmados antes de sua vigência, no que se refere ao reajuste
de suas mensalidades, estavam sujeitos ao controle prévio da Agência Nacional de
Saúde Suplementar – ANS.
Ocorre que a Conferência Nacional de Hospitais e Estabelecimentos de
Saúde – CNS propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.931-8,
questionando a constitucionalidade da retroatividade da lei em questão, e o Supremo
Tribunal Federal deferiu o pleito liminar para suspender a eficácia do supracitado
artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998.
A decisão recebeu a seguinte ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORDINÁRIA 9656/98.
PLANOS DE SEGUROS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. MEDIDA
PROVISÓRIA 1730/98. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA. INEXISTÊNCIA.
AÇÃO CONHECIDA. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS E OBSERVÂNCIA
DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO E AO ATO
JURÍDICO PERFEITO. 1. Propositura da ação. Legitimidade. Não depende de
autorização específica dos filiados a propositura de ação direta de
inconstitucionalidade. Preenchimento dos requisitos necessários. 2. Alegação
genérica de existência de vício formal das normas impugnadas. Conhecimento.
Impossibilidade. 3. Inconstitucionalidade formal quanto à autorização, ao
funcionamento e ao órgão fiscalizador das empresas operadoras de planos de
saúde. Alterações introduzidas pela última edição da Medida Provisória 1908-18/99.
Modificação da natureza jurídica das empresas. Lei regulamentadora. Possibilidade.
Observância do disposto no artigo 197 da Constituição Federal. 4. Prestação de
serviço médico pela rede do SUS e instituições conveniadas, em virtude da
impossibilidade de atendimento pela operadora de Plano de Saúde. Ressarcimento à
Administração Pública mediante condições preestabelecidas em resoluções internas
da Câmara de Saúde Complementar. Ofensa ao devido processo legal. Alegação
improcedente. Norma programática pertinente à realização de políticas públicas.
Conveniência da manutenção da vigência da norma impugnada. 5. Violação ao
direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Pedido de inconstitucionalidade do artigo
35, caput e parágrafos 1º e 2º, da Medida Provisória 1730-7/98. Ação não conhecida
tendo em vista as substanciais alterações neles promovida pela medida provisória
superveniente. 6. Artigo 35-G, caput, incisos I a IV, parágrafos 1º, incisos I a V, e
2º, com a nova versão dada pela Medida Provisória 1908-18/99. Incidência da
norma sobre cláusulas contratuais preexistentes, firmadas sob a égide do
regime legal anterior. Ofensa aos princípios do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito. Ação conhecida, para suspender-lhes a eficácia até decisão
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
final da ação. 7. Medida cautelar deferida, em parte, no que tange à suscitada
violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição, quanto ao artigo 35-G, hoje,
renumerado como artigo 35-E pela Medida Provisória 1908-18, de 24 de
setembro de 1999; ação conhecida, em parte, quanto ao pedido de
inconstitucionalidade do § 2º do artigo 10 da Lei 9656/1998, com a redação dada
pela Medida Provisória 1908-18/1999, para suspender a eficácia apenas da
expressão "atuais e". Suspensão da eficácia do artigo 35-E (redação dada pela
MP 2177-44/2001) e da expressão "artigo 35-E", contida no artigo 3º da Medida
Provisória 1908-18/99 (ADI 1931 MC, Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno,
julgado em 21/08/2003, DJ 28-05-2004) (Grifos acrescidos).
Destarte, considerando que o quadro jurídico-normativo atual não
condiciona o reajuste dos preços dos contratos de assistência à saúde à aprovação
de Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, e tampouco vincula, em tese, a
atualização de valores ao percentual definido pela agência reguladora, Bradesco
Saúde S.A., em junho de 2004, reajustou o valor das mensalidades dos contratos
individuais de seguro de saúde, celebrados antes da vigência da Lei n. 9.656/1998,
em percentuais que variam de 44,66% (quarenta e quatro vírgula sessenta e seis por
cento) a 81,61% (oitenta e um vírgula sessenta e um por cento), muito além dos
11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) autorizados pela Agência Nacional de
Saúde Suplementar – ANS para os contratos novos, ao tempo em que informou aos
consumidores que o reajuste estava amparado em disposição contratual e na decisão
do Supremo Tribunal Federal, práticas estas combatidas pelo Ministério Público por
meio desta Ação Civil Pública, em defesa dos consumidores.
Em que pese a aparente liberdade para o reajuste das mensalidades
sem o controle prévio da agência reguladora e fiscalizadora da atividade privada de
assistência à saúde, não podem as operadoras camuflar seu intento lesivo em
cláusulas determinantes do aumento de preço sem critérios claros, precisos e
objetivamente aferíveis pelos consumidores.
Em outras palavras, a suspensão liminar da eficácia do artigo 35-E da
Lei n. 9.656/1998, pelo Supremo Tribunal Federal, não importa ausência de regulação
ou inobservância ao ordenamento jurídico pelas operadoras de planos de saúde, que
insistem na prevalência do seu direito à atualização das mensalidades sobre qualquer
outro. Não significa, portanto, que as operadoras de plano de saúde ou cooperativas
de serviços médicos possam aumentar o preço de seus serviços
indiscriminadamente, fundamentadas na desnecessidade de controle prévio e em
cláusulas contratuais evidentemente abusivas, desprovidas de clareza e objetividade.
Isso porque o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, IV,
reputa nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas que "estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".
Sobre o assunto, Humberto Theodoro Jr. assevera:
Em todas essas hipóteses, o objetivo do legislador não foi o de fragilizar ou
inutilizar o instituto do contrato, tornando-o simplesmente rompível unilateralmente
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pelo consumidor. Em nome da boa-fé o que se visou foi, antes de tudo, aperfeiçoar o
negócio jurídico, revendo suas bases para torná-lo equitativo, seja por
reequacionamento das prestações seja por eliminação das cláusulas abusivas
(THEODORO JR., Humberto. Direitos do consumidor: busca de um ponto de
equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios
gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.
26).
A par disto, torna-se possível a revisão das cláusulas contratuais
abusivas, sendo certo dizer que tal análise "[...] não viola os princípios do pacta sunt
servanda e da boa fé contratual, nem o ato jurídico perfeito - art. 5º, inciso XXXVI, da
CF/88 - que, conforme a norma do art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do
Consumidor e a teoria moderna, devem ser relativizados para possibilitar a alteração
ou anulação das cláusulas contratuais abusivas ou ilegais que submetam alguma das
partes ou que tenham sido impostas ao arbítrio do hipersuficiente sem a manifestação
de vontade do adverso" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.060369-4, de Lages, rel. Des.
Stanley da Silva Braga, j. 27-01-2011).
Sob esta ótica, a existência de cláusula contratual conferindo às
operadoras o direito de reajustar as mensalidades dos planos de assistência à saúde,
sem critérios objetivos e previamente determinados, padece do vício de legalidade e
não tem validade, pois esbarra nas disposições dos artigos 47 e 51 Código de Defesa
do Consumidor, por revestir flagrante abusividade e ferir os princípios da boa-fé e da
veracidade, a tornar relativas as condições gerais preestabelecidas. Ademais, não se
olvida que a avença de que se trata configura contrato "cativo de longa duração", a
exigir das operadoras e cooperativas de contratos de assistência à saúde conduta
pautada na boa-fé objetiva, como esclarece a doutrina de Cláudia Lima Marques:
Trata-se de uma série de novos contratos ou relações contratuais que utilizam
os métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de
condições gerais dos contratos), para fornecer serviços especiais no mercado,
criando relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de
fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante: a posição
de 'catividade' ou 'dependência' dos clientes, consumidores. Esta posição de
dependência ou, como aqui estamos denominando, de 'catividade', só pode ser
entendida no exame do contexto das relações atuais, onde determinados serviços
prestados no mercado asseguram (ou prometem) ao consumidor e sua família
'segurança', 'crédito renovado' [...]. Os exemplos principais destes contratos cativos
de longa duração são as novas relações banco-cliente, os contratos de seguro-saúde
e de assistência médico-hospitalar, os contratos de previdência privada, os contratos
de uso de cartão de crédito, os seguros em geral [...]. O novo aqui não é a espécie
de contrato (seguro, por exemplo), mas a sua relevância no contexto atual, a
sociedade de consumo atual beneficia e fomenta estes serviços, considerados, então
socialmente essenciais, a necessitar uma nova disciplina (MARQUES, Cláudia Lima
Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004. p. 79/80).
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Mais adiante, acrescenta renomada doutrinadora:
Esses contratos baseiam-se mais na confiança, no convívio reiterado, na
manutenção do potencial econômico e da qualidade dos serviços, pois trazem
implícita a expectativa de mudança das condições sociais, econômicas e legais na
sociedade nestes vários anos de relação contratual. A satisfação da finalidade
perseguida pelo consumidor depende da continuação da relação jurídica fonte de
obrigações. A capacidade de adaptação, de cooperação entre contratantes, de
continuação da relação contratual é aqui essencial, básica. [...] O objetivo principal
destes contratos muitas vezes é um evento certo ou incerto, é a transferência
(onerosa e contratual) de riscos referentes a futura necessidade, por exemplo, de
assistência médica ou hospitalar, pensão para a viúva, formação escolar para os
filhos do falecido, crédito imediato para consumo. Para atingir o objetivo contratual os
consumidores manterão relações de convivência e dependência com fornecedores
desses serviços por anos, pagando mensalmente suas contribuições, seguindo as
instruções (por vezes, exigentes, burocráticas e mais impeditivas do que
regulamentadoras) dos fornecedores, usufruindo ou não dos serviços, a depender da
ocorrência ou não do evento contratualmente previsto.
Nestes contratos de trato sucessivo a relação é movida pela busca de uma
segurança, pela busca de uma futura prestação, status ou determinada qualidade
nos serviços, o que reduz o consumidor a uma posição 'cativo'-cliente' do fornecedor
e de seu grupo de colaboradores ou agentes econômicos. Após anos de convivência,
da atuação da publicidade massiva identificando o status de segurado, de cliente ou
de conveniado a determinada segurança para o futuro, de determinada qualidade de
serviços, após anos de contribuição, após atingir determinada idade e cumprir todos
os requisitos exigidos, não interessa mais ao consumidor desvencilhar-se do contrato
(MARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor.
4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 87/88).
A abusividade encontra-se estampada na medida em que os poderes
atribuídos à operadora são ilimitados, cabendo a ela a escolha do índice de reajuste
com base no aumento de custos médico-hospitalares, sobre os quais o consumidor
não tem ingerência e tampouco conhecimento técnico para averiguar a veracidade.
Tal fato configura ofensa às questões de ordem pública e aos interesses sociais do
contrato, a autorizar a relativização do princípio pacta sunt servanda, com vistas ao
equilíbrio da relação contratual.
Sobre o assunto, destaca a doutrina de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho:
O que é importante destacar, porém, como arremate deste capítulo, é que,
como todos os demais princípios tradicionais aqui descritos, também se verifica, na
modernidade, sem trocadilho, a 'relativização do princípio da relatividade subjetiva',
quando se constata, por exemplo, a violação de regras de ordem pública e interesse
social, como no caso da declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva, em
atuação judicial do Ministério Público, na defesa dos consumidores (CDC, art. 51, §
4.º) (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito
civil contratos: teoria geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 79).
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
A fim de impedir a prática abusiva de que se trata, o Código de Defesa
do Consumidor vale-se do princípio da boa-fé objetiva para estabelecer limitações ao
poder de contratar, impondo a adoção de interpretação favorável ao consumidor
hipossuficiente (art. 47) e desobrigando-os do cumprimento de contrato cujos termos
não lhe são previamente conhecidos ou que tenham sido redigidos de forma a
dificultar a compreensão (art. 46).
Referenciados dispositivos receberam a seguinte redação:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de
seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar
a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável
ao consumidor.
Claudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem
discorrem sobre o dever de informar:
Dever de clareza na redação e dever de destaque: se lidos em conjunto, os
arts. 46 e 54, especialmente os §§ 3º e 4º deste último, impõem aos fornecedores de
serviço e produtos no mercado brasileiro um dever de clareza na redação dos
contratos de consumo, em especial nos contratos por adesão, e um dever de
destacar aquelas cláusulas limitativas dos direitos dos consumidores, sem prejuízo
que sejam estas mais tarde consideradas abusivas ou não (art. 51, I, do CDC).
O art. 46 trata do descumprimento deste dever, isto é, traz uma sanção para o
fornecedor que não alcançar a referida "clareza", pois os seus instrumentos
contratuais foram "redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e
alcance" (art. 46, in fine), qual seja: que o contrato não obriga o consumidor. Já o art.
54 traz estes dois deveres de forma positiva, impondo-os àquele fornecedor que
utilizar o método de contratação por adesão ou contratos de adesão. (MARQUES,
Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
Código de Defesa ao Consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.
1024)
Isso porque, nos termos do artigo 422 do Código Civil, "os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios da probidade e boa-fé", significando dizer que, além de cumprirem o
pactuado e sujeitarem-se aos seus efeitos, como consequência direta do princípio do
pacta sunt servanda, as partes envolvidas em uma relação contratual devem pautar
suas condutas no princípio da boa-fé objetiva, que, conforme a lição de Luiz
Guilherme Loureiro,
aponta a maneira de como deve o contratante agir, sempre orientado para a
consecução de sua prestação contratual. Trata-se de não fazer aquilo que, direta ou
indiretamente, possa dificultar ou impedir o alcance do resultado pretendido. Vale
dizer, os contratantes devem realizar todos os atos necessários para que seja
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alcançado o resultado desejado, ainda que tal comportamento não tenha sido
expressamente previsto e na medida, é óbvio, que não seja completamente estranho
ao objeto do contrato ou que agrave a obrigação do devedor de forma exagerada (...)
(LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil.
Método, 2002. p. 75).
Não é por outra razão que, nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, "na
análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser examinadas as condições
em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento
histórico e econômico" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das
obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 2. p. 374).
Assim, a relação jurídica obrigacional não se limita a um dever de
prestar, decorrente do vínculo objetivo entre sujeitos de um contrato, mas contém
obrigações secundárias provenientes da observância à boa-fé objetiva, que definem
um dever de conduta. A violação deste dever, seja na fase pré-contratual, contratual
ou pós-contratual, autoriza a responsabilização do contratante faltoso, ainda que haja
cumprido o objeto central da avença.
Nesta linha de pensamento, a boa-fé objetiva comporta três dimensões,
de sorte a influenciar na interpretação dos contratos, (Código Civil, art. 113), no
controle da conduta dos partícipes (Código Civil, art. 187) e na observância aos
deveres anexos (Código Civil, art. 422), impondo limites ao exercício de direitos
subjetivos, a fim de que o contrato cumpra sua função social.
Neste sentido é a lição doutrinária:
(...) a boa-fé também impõe certos deveres aos contratantes, chamados
secundários, laterais ou acessórios, porque, estando em segundo plano com relação
à obrigação principal (o cumprimento do objeto do contrato), surgem durante todo o
processo de contratação (negociação, conclusão e execução), podendo até mesmo
subsistir além desta, em momento pós-contratual (BIERWAGEN, Mônica Yoshizato.
Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil. 3. ed., São
Paulo: Saraiva, 2007. p. 83).
Entre os deveres de conduta, corolários da boa-fé objetiva, estão o de
cooperação e de não causar dano, porquanto
(...) o conteúdo do contrato amplia-se, por força da boa-fé, para além das
obrigações estritamente contratuais. Ao lado das obrigações que não existiriam fora
do contrato, a boa-fé passou a incluir no contexto contratual o dever geral de não
causar dano, em todas as suas múltiplas especificações. Este campo de atuação dos
deveres instrumentais. (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos
paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P 155-156).
Sob este prisma, a existência de cláusulas que prevêem reajuste de
valores sem adoção de índices específicos, com expressões genéricas tais quais
"variação dos custos médico-hospitalares" (Cláusula 33ª) e "diferença entre a
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variação dos custos médico-hospitalares e a variação do Bônus do Tesouro Nacional
(BTN)" (Cláusula 34ª), que serviram de fundamento para o reajuste de mensalidades
em percentuais exorbitantes, propicia a prática vedada pelo artigo 39, V, do Código de
Defesa do Consumidor, qual seja a exigência de "vantagem manifestamente
excessiva" pelo fornecedor. E a excessividade é tão evidente que a Agência Nacional
de Saúde aprovou previamente o aumento na ordem de 11,75% (onze vírgula setenta
e cinco por cento) para a mesma época, conforme consta da Resolução Normativa n.
74/2004 e na Súmula Normativa n. 5/2003, que assim dispõem:
Os contratos individuais de planos privados de assistência à saúde celebrados
anteriormente à vigência da Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, cujas cláusulas não
indiquem expressamente o índice de preços a ser utilizado para reajustes das
contraprestações pecuniárias e sejam omissos quanto ao critérios de apuração e
demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o
percentual de variação divulgado pela ANS e apurado de acordo com a metodologia
e as diretrizes submetidas ao Ministério da Fazenda (Súmula Normativa n. 5, de 4 de
dezembro de 2003 da Agência Nacional de Saúde).
Art. 3º. Os contratos individuais de plano privados de assistência à saúde
celebrados anteriormente à vigência da Lei n. 9.656, cujas cláusulas não indiquem
expressamente o índice a ser utilizado para reajustes das contraprestações
pecuniárias e sejam omissos quanto ao critério de apuração e demonstração das
variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o percentual limitado
ao reajuste estipulado neste resolução.
Art. 4º. O reajuste máximo a ser autorizado pela ANS para o período de que
trata este resolução será de 11,75% (onze inteiros e setenta e cinco centésimos por
cento).
Destarte, impõe-se a manutenção da sentença declaratória da nulidade
de cláusula que prevê reajuste anual com critérios que permitam, na prática, a
variação unilateral de preço, fundamentada em critérios de reajuste genéricos e de
difícil compreensão ao consumidor (cláusula 33), impondo-se a sua substituição por
outra em que conste critério objetivo de reajuste estabelecido pela ANS ou índice
oficial que reflita a inflação.
Neste sentido, extrai-se do acórdão proferido em agravo de instrumento
interposto contra decisão deferitória da tutela antecipada, in verbis:
Colhe-se dos autos que Bradesco Saúde S/A aplicou percentual de reajuste
entre 44,66% e 81,61% nas mensalidades dos planos de saúde, cujos contratos
foram celebrados antes da entrada em vigor da Lei n. 9.656/98, a qual "Dispõe sobre
os planos e seguros privados de assistência à saúde".
O art. 35-G, renumerado pela Medida Provisória 1908-18 como art. 35-E, da
Lei acima citada determinava que os eventuais reajustes estariam sujeitos à
autorização prévia da Agência Nacional de Saúde – ANS.
(...)
Como se verifica, o dispositivo (...) determinava a aplicação da Lei também aos
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
contratos celebrados antes de sua vigência. Todavia, o Supremo Tribunal Federal,
pelo seu Tribunal Pleno, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
1931/DF, concedeu, em parte, a medida cautelar para suspender a eficácia do
referido dispositivo em razão da "incidência da norma sobre cláusulas contratuais
preexistentes, firmadas sob a égide do regime legal anterior. Ofensa aos princípios
do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ação conhecida, para suspender-lhe a
eficácia até decisão final da ação". Ou seja, segundo entendimento da Corte
Suprema, a exigência de autorização da ANS para aplicação de reajuste, prevista na
Lei n. 9656/98, não é aplicável aos contratos celebrados antes da sua vigência.
É importante ressaltar que a medida cautelar acima mencionada suspendeu a
aplicação da citada lei aos contratos celebrados antes de sua vigência, rechaçando a
necessidade de autorização da Agência Nacional de Saúde para aplicação de
reajuste nas mensalidades. Isso não significa que as seguradoras ou
cooperativas de serviços médicos possam aumentar suas mensalidades
indiscriminadamente e de forma abusiva.
É incontroverso que a relação existente entre o usuário e a seguradora ou
cooperativa de saúde é de consumo.
(...)
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, ao arrolar as práticas
abusivas, enumera, no inciso V, "exigir do consumidor vantagem manifestamente
excessiva". É evidente que o reajuste no percentual de 81,61% nas mensalidades
dos planos de saúde é considerado manifestamente excessivo, sendo que nessa
mesma época a Agência Nacional de Saúde aprovou previamente o aumento na
ordem de 11,75%, conforme consta na Resolução Normativa n. 74/2004 e na Súmula
Normativa n. 5, de 4/12/2003.
(...)
Dessa forma, mesmo que o Supremo Tribunal Federal tenha suspendido a
eficácia do dispositivo que exigia a prévia autorização da ANS para o reajuste
dos planos de saúde, cujos contratos tenham sido celebrados antes da
vigência da Lei n. 9.656/98, deve ser levado em consideração o percentual
sugerido pela Agência para o período (11,75%), haja vista ter sido calculado de
acordo com os critérios legais. Aumento superior a esse, em princípio e em
tese, configura abusividade, que deve ser sustada, pelo menos enquanto
tramita o processo no qual se procura deslindar a questão. É indiscutível que
caracterizada está a verossimilhança das alegações.
O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, por sua vez, se mostra
candente, pois se o reajuste aplicado fosse mantido, é bem provável que usuários
acabariam rescindindo seus contratos em decorrência do alto custo, colocando em
risco o direito à saúde, conforme se pode verificar da tabela ilustrativa elaborada pelo
autor na petição inicial, cuja cópia está acostada à fl. 42.
É indiscutível que a manutenção da decisão que antecipou os efeitos da tutela
trará prejuízos à agravante; todavia, cotejando os direitos em conflito, é evidente
que o direito à saúde dos segurados, a qual será colocada em risco caso os
planos venham a ser reajustados abusivamente, é infinitamente mais
importante e, por isso, deve prevalecer sobre os valores que a agravante terá
que suportar até o final julgamento da demanda.
(...)
Presente, portanto, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Assim,
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
existindo os requisitos imprescindíveis para a antecipação dos efeitos da tutela,
correta a decisão que a deferiu (Grifos acrescidos).
Nestes termos, à vista da nulidade de cláusula impositiva do reajuste
anual com critérios genéricos e de difícil compreensão de variação do preço
(cláusulas 33 e 34), mantém-se a sentença de procedência a fim de que estas
disposições contratuais sejam substituídas por outras que contenham critério objetivo
de reajuste ou adotem índice oficial que reflita a inflação.
4. Irretroatividade da Lei n. 9.656/1998
Com relação à vedação ao prejuízo do ato jurídico perfeito, a obstar a
incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos
anteriormente firmados, cumpre observar que a jurisprudência pacífica desta Corte é
no sentido de que, em contratos de trato sucessivo, inexiste violação ao princípio da
irretroatividade da lei na aplicação de norma cogente, editada durante a
contratualidade que se renova anualmente e que deve se adequar à regulamentação
vigente em cada novo período.
O seguinte julgado exemplifica a questão:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE PLANO DE
SAÚDE. REAJUSTE DE 100% NO VALOR DA MENSALIDADE, EM RAZÃO DA
ELEVAÇÃO DA FAIXA ETÁRIA DO BENEFICIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE
ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO. CONDUTA ABUSIVA DA OPERADORA
CARACTERIZADA. LEI Nº 9.656/98 QUE, NOS CONTRATOS PACTUADOS ANTES
DE SUA VIGÊNCIA, VEDA A VARIAÇÃO DO PRÊMIO/MENSALIDADE EM RAZÃO
DA IDADE DO CONSUMIDOR QUANDO ESTE CONTAR MAIS DE 60 ANOS, SEM
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA ANS. ART. 35-E, INC. I, DO MESMO PRECEITO
LEGAL. SITUAÇÃO EVIDENCIADA NA ESPÉCIE. ALEGAÇÃO DE QUE TAL
LEGISLAÇÃO NÃO SERIA APLICÁVEL AOS CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA
SUA VIGÊNCIA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO NO
SENTIDO DE QUE A NORMA SUPERVENIENTE É APLICÁVEL QUANDO NÃO
TENHA SIDO AO CONSUMIDOR OPORTUNIZADA A ADAPTAÇÃO DO PLANO
PARA A MODALIDADE REFERENCIAL. "Embora não seja permitida a aplicação
retroativa da lei, há entendimento predominante na jurisprudência de que nos
contratos de plano de saúde, se não foi oportunizada a possibilidade de migração de
plano atingido pela nova lei, o contrato passa a ser regulamentado por esta, face a
sua renovação anual e automática. Assim no presente caso, ao contrato de plano de
saúde, do qual a autora apelada é beneficiária, são aplicáveis as normas da Lei n°
9.656/1998. É bom que se diga que a incidência da norma supracitada não ofende o
ato jurídico, pois não se trata de aplicação retroativa do referido diploma legal, mas
de mera adequação do contrato a esse novo regramento jurídico, que, além de
possuir caráter de ordem pública, tem aplicação imediata. Logo, não há falar em
violação ao princípio da irretroatividade das leis, uma vez que, tratando-se de
contrato de longa duração, o qual se renova, de regra, anualmente e de forma
automática, obrigação essa de trato sucessivo, também denominado de
contrato cativo, devem as estipulações fixadas no curso deste atender à
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
regulação atinente a cada novo período (Apelação Cível n° 2008.082158-7,
Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, DJ de 26/05/2009) [...]" (Apelação Cível n°
2011.008812-5, de Itajaí. Relator: Des. Carlos Prudêncio, j. 13/04/2011).
APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI Nº 10.741/03. REGRA DE ORDEM PÚBLICA E
INTERESSE SOCIAL QUE, EM SEU ART. 15, § 3º, VEDA A DISCRIMINAÇÃO DO
IDOSO NOS PLANOS DE SAÚDE EM RAZÃO DA IDADE. AFRONTA AO ATO
JURÍDICO PERFEITO E AO DIREITO ADQUIRIDO NÃO DEMONSTRADA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "[...] O § 3º do art. 15 da lei n.º
10.741/2003 (Estatuto do Idoso) dispõe que "é vedada a discriminação do idoso nos
planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade". Assim,
não há qualquer fundamentação legal para que sejam acolhidos os argumentos da ré
em relação à inaplicabilidade do Estatuto do Idoso por terem os autores firmado
contrato antes do advento desta lei, conforme já decidiu este Tribunal com a
fundamentação que se enquadra perfeitamente no caso em tela: "Não há falar em
violação à regra da irretroatividade das leis e do ato jurídico perfeito, porquanto
estamos diante de preceitos legais cogentes, de ordem pública, prevalentes, e de
aplicação imediata, podendo os efeitos, sem sombra de dúvida, incidir sobre os
pactos em vigor, até porque são eles, no presente caso, de trato sucessivo"
(Apelação Cível nº 2009.011501-6, Des. Mazoni Ferreira)" (Apelação Cível nº
2012.063387-5, de Lages. Relator Desembargador Marcus Túlio Sartorato, julgado
em 25/09/2012). (TJSC, Apelação Cível n. 2012.082007-6, da Capital, rel. Des. Luiz
Fernando Boller, j. 27-06-2013) (Grifo acrescido).
De toda sorte, a controvérsia foi dirimida à luz do Código de Defesa do
Consumidor, não havendo falar em afronta ao ato jurídico perfeito ou à irretroatividade
de lei.
5. Observância ao dever de prestar informações
No tocante à obrigação de prestar informações claras e precisas aos
segurados acerca do reajuste do valor do prêmio, os artigos 4º, caput, e 6º, III, do
Código de Defesa do Consumidor, estabelecem:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde
e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo (...)
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III - a informação adequada e
clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e
preço, bem como sobre os riscos que apresentem (Grifos acrescidos).
Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva discorre acerca do princípio da
transparência nas relações de consumo, ao ponderar que:
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
O princípio da transparência, essencialmente democrático que é, ao
reconhecer que, em uma sociedade, o poder não é só exercido no plano da política,
mas também da economia, surge no Código de Defesa do Consumidor, com o fim de
regulamentar o poder econômico, exigindo-lhe visibilidade, ao atuar na esfera jurídica
do consumidor (SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do
Consumidor Anotado e legislação complementar, 3. ed. São Paulo: Saraiva 2003).
Cláudia Lima Marques acrescenta:
Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio
básico norteador é aquele instituído pelo art. 4. º, caput, do CDC, o da
Transparência. A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação
contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor.
Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser
vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas
relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na
fase negocial dos contratos de consumo (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no
Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4. ed.
rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002. P. 594-595) (Grifo acrescido).
Sob este prisma, diante da reconhecida nulidade de cláusula potestativa,
determinante do reajuste das mensalidades do plano de assistência à saúde, agiu
com acerto o Magistrado sentenciante ao julgar procedente o pedido a fim de compelir
a operadora a "informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores os novos
critérios e índices estabelecidos na sentença e que serão utilizados para reajustes
das mensalidades", bem como acerca das propostas de adequação, migração ou
manutenção dos contratos antigos, em observância à transparência na relação de
consumo.
Mantém-se, pois, a decisão de primeiro grau neste aspecto.
6. Sanção do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor
A operadora de plano de assistência à saúde insurge-se contra a
procedência do pleito condenatório à devolução em dobro do valor cobrado a mais
dos segurados, alegando ausência de má-fé.
Melhor sorte não socorre a recorrente, porquanto o parágrafo único do
artigo 42 da legislação consumerista determina que, "o consumidor cobrado em
quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que
pagou em excesso, acrescidos de correção monetária e juros legais, salvo hipótese
de engano justificável".
Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin esclarece:
A pena do art. 42, parágrafo único, rege-se por três pressupostos
objetivos e um subjetivo ('engano justificável'). No plano objetivo, a multa civil só
é possível nos casos de cobrança de dívida; além disso, a cobrança deve ser
extrajudicial; finalmente, deve ela ter por origem uma dívida de consumo [...]
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
Se o engano é justificável, não cabe a repetição.
No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação
especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão
ensejo à punição [...]. A prova da justificabilidade do engano, na medida em que é
matéria de defesa, compete ao fornecedor. O consumidor, ao reclamar o que pagou
a mais e o valor da sanção, prova apenas que o seu pagamento foi indevido e teve
por base uma cobrança desacertada do credor (Benjamin, Antônio Herman de
Vasconcellos. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores
do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 394, 396-397)
(Grifos acrescidos).
A jurisprudência da Corte Superior perfilha o mesmo entendimento, no
sentido de que a culpa do fornecedor, aferível pela ausência de prova da justificação
do engano, é suficiente para a responsabilização à devolução em dobro da quantia
cobrada indevidamente do consumidor.
Vejam-se as seguintes ementas:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO
GENÉRICA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ART. 42 DO
CDC. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA TARIFA COBRADA. REEXAME DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. FUNDAMENTO DO
ACÓRDÃO RECORRIDO INATACADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. (...) 2.
O STJ tem decidido que basta a configuração de culpa para o cabimento da
devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo consumidor,
porque "o engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de
culpa (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, 9ª ed., Rio de janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 408)" (AgRg no
AgRg no Ag 1.255.232/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe
16/3/2011) (...) (AgRg no AREsp 402.148/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em
20/03/2014, DJe 28/03/2014) (Grifos acrescidos).
ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇOS TELEFÔNICOS NÃO SOLICITADOS PELO
USUÁRIO. COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. REVISÃO DO
ACÓRDÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. Dispõe o art. 42, parágrafo único, do Código de
Defesa do Consumidor que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem
direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de
engano justificável". 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, o engano é considerado justificável quando não decorrer de dolo
(má-fé) ou culpa na conduta do prestador do serviço público (...) (AgRg no
AREsp 431.065/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, julgado em 17/12/2013, DJe
03/02/2014) (Grifos acrescidos).
Na espécie, a recorrente valeu-se da suspensão liminar da eficácia do
artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998, pelo Supremo Tribunal Federal – norma
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
condicionante do reajuste dos preços dos contratos de assistência à saúde à
aprovação de Agência Nacional de Saúde Suplementar – para informar
equivocadamente a seus consumidores sobre a liberdade de adoção de índices de
correção monetária, ao tempo em que promoveu o reajuste exorbitante do valor das
mensalidades dos contratos individuais de seguro de saúde, celebrados antes da
vigência da Lei n. 9.656/1998, em percentuais que variam de 44,66% (quarenta e
quatro vírgula sessenta e seis por cento) a 81,61% (oitenta e um vírgula sessenta e
um por cento), muito além dos 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento)
sugeridos e autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para os
contratos novos.
É evidente a conduta dolosa da operadora do plano de assistência à
saúde que, na tentativa de ludibriar os consumidores para reajustar significativamente
contratos antigos, comunicou-lhes que a prática infausta estava amparada em
disposição contratual e na decisão do Supremo Tribunal Federal.
Acrescenta-se a isto o fato de que a operadora do plano de assistência à
saúde firmou acordo com a ANS reconhecendo, parcialmente, o equívoco no reajuste
exorbitante de preços, a denotar que sabia da ilicitude de sua conduta.
Não fosse o bastante, não logrou a recorrente comprovar o engano
justificável, hipótese excludente da repetição do indébito, por valor igual ao dobro do
pagamento em excesso, dever inteiramente seu, nos termos do artigo 333, II, do
Código de Processo Civil.
Sob este prisma, diante do reajuste exorbitante das mensalidades do
plano de assistência à saúde e da ofensa ao dever de informar clara, ampla e
adequadamente aos consumidores sobre critérios e índices incidentes sobre a
avença, pela recorrente, impõe-se-lhe a obrigação de restituir, em dobro, os valores
excessivamente cobrados dos consumidores, conforme determinado na decisão de
primeiro grau.
7. Prequestionamento de dispositivos legais e constitucionais
Bradesco Saúde S.A. pretende a manifestação expressa, para fins de
prequestionamento, a respeito dos dispositivos de lei mencionados em suas razões.
Todavia, é cediço que não há necessidade de o Magistrado
pronunciar-se acerca de todos os dispositivos legais invocados pelas partes. É que a
aplicação do direito ao caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, realizada de
forma motivada, a fim de atender ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal,
mostra-se suficiente.
Nesse sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS.
PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE
REVOLVIMENTO FÁTICO. 1. Satisfaz o requisito do prequestionamento o
efetivo debate no Tribunal de origem das questões devolvidas no recurso
especial, ainda que não constem no texto do aresto os artigos supostamente
violados, admitindo-se, portanto, o prequestionamento implícito. Precedentes.
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
2. Não há que se falar na violação da Súmula 7/STJ, pois a questão analisada no
recurso especial não exige revolvimento fático. A nulidade do acórdão proferido pelo
Tribunal de origem foi decretada em virtude de omissão na análise da alegação da
Fazenda Nacional quanto à prescrição - o fato de que a declaração do contribuinte
seria posterior ao vencimento da obrigação, alterando-se o termo inicial. 3. Embargos
de declaração rejeitados (STJ, Edcl no Resp n. 1166833/MG. Relator: Min. Castro
Meira. Data: 02/12/2010) (Grifo acrescido).
8. Litigância de má-fé
O artigo 17 do Código de Processo Civil determina, entre outras
situações, que será considerado litigante de má-fé quem deduzir pretensão ou defesa
de fato incontroverso, alterar a verdade dos fatos, opuser resistência injustificada ao
andamento da lide, usar do processo para conseguir objetivo ilegal ou, ainda,
interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
No caso em apreço, constata-se, de ofício, que a operadora do plano de
assistência à saúde litigou de má-fé, pois utilizou de teses infundadas em suas razões
recursais, as quais foram todas afastadas, bem como deduziu defesa de fato
incontroverso na tentativa de alterar a verdade dos fatos e opor resistência
injustificada ao andamento do processo ao alegar: a) perda superveniente do objeto
da ação, em razão do acordo formulado com a ANS; b) não ter reconhecido a
procedência do pedido, na forma do inciso II do artigo 269 do Código de Processo
Civil; c) inexistência de abusividade nas cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro
saúde; d) irretroatividade da lei em prejuízo ao ato jurídico perfeito, a obstar a
incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos
anteriores; e) haver prestado informações claras e precisas aos segurados acerca do
reajuste do valor do prêmio, e f) ser descabida a penalidade contida no artigo 42 do
Código de Defesa do Consumidor.
A conduta que se descrevem, sem dúvida, configura a lide temerária de
que ora se trata, sendo a multa respectiva impositiva.
Sobre o tema, colhe-se desta Corte:
A seguradora deve ser condenada às penas da litigância de má-fé quando
obsta processualmente o cumprimento da obrigação advinda do contrato de seguro
com fundamentos esparsos e sem força a derruir o direito do segurado, porquanto
marchar de forma inversa descredita as relações jurídicas em geral. (TJSC, Apelação
Cível n. 2012.072844-2, de Joinville, rel. Des. Fernando Carioni, j. 06-11-2012).
Resta flagrante, portanto, que o recurso interposto contrapõe-se ao
dever das partes – e daqueles que participam do processo – de contribuir para
com o Judiciário, conforme o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil, in
verbis:
Art. 14 São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma
participam do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
II – proceder com lealdade e boa-fé;
III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são
destituídas de fundamento;
IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários àÂ
declaração ou defesa do direito;
V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
O art. 339 do Código de Processo Civil acrescenta: "Ninguém se exime
do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade."
Luiz Guilherme Marinoni explica que o Juiz tem o dever de prestar tutela
adequada, efetiva e célere, enquanto o cidadão é o credor destes serviços
qualificados (conforme art. 5º, inciso XXXV, CF) (in Código de Processo Civil
comentado artigo por artigo, p. 345).
Não é outra a dicção do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor,
aplicável aos usuários do Poder Judiciário:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(omissis)
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Não se pode condescender com atitudes tais, razão pela qual se justifica
a imposição da sanção citada, com fincas a desestimular a litigância judicial infundada
e a "eternização" do processo, frente a um Judiciário sobrecarregado em todo o país.
Só no Tribunal de Justiça de Santa Catarina há mais de 80.000 (oitenta mil)
processos em estoque, esperando julgamento – número, inclusive, que cresce
continuamente.
Outrossim, para reflexão, lembremos que cada processo julgado nesta
Corte de Justiça consome em média, aproximadamente, 32 (trinta e duas) horas de
trabalho, entre atividades meio e atividades fim. As atitudes inidôneas dos litigantes
habituais, que abusam do direito de recorrer e formulam alegações protelatórias,
fazem com que as horas trabalhadas e o custo dos processos duplique, triplique ou
mais. A prática desleal dos operadores do direito contribui sobremaneira para o
crescimento desse dado, retarda a prestação jurisdicional e lesa o erário.
Segundo a Associação dos Magistrados Catarinenses, os litigantes
habituais vêm-se utilizando de forma predatória do Judiciário, "consumindo" os
nossos já escassos recursos humanos e financeiros. É certo que os recursos
protelatórios atrasam ou inviabilizam a prestação jurisdicional de outros processos
mais importantes, além de tal facere enfraquecer, inclusive, a própria magistratura,
quiçá a cidadania dos jurisdicionados.
Referida interpretação deve ser adotada não só para os maiores
"clientes" do Judiciário, mas para todos os casos em que se verifique o abuso do
direito de defesa ou do uso desmedido dos recursos previstos na legislação pátria.
A cada recurso protelatório ou com teses infundadas, outros ficam na
pilha aguardando a apreciação dos Julgadores e equipes. Oportuno lembrar que um
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
dos objetivos fundamentais da República é a formação de uma sociedade justa e
solidária (art. 3º, CF), em que uns colaboram com os outros para alcance de fins
comuns. Não é constitucional atrasar os processos das outras pessoas.
Por último, é de se perguntar se estes litigantes contumazes, que
tumultuam a contenda, estão respeitando o preceito constitucional da razoável
duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF, cumulado com art. 14, do CPC).
A desordem processual tem por consequência a demora de dois ou mais
processos que deixaram de ser julgados porque “faltou tempo”.
Dessa feita, devidamente evidenciada a prática desleal da recorrente,
impõe-se sua condenação ao pagamento de multa de 1% (um por cento), a título de
litigância de má-fé (CPC, art. 17, IV), bem como de indenização de 20% (vinte por
cento) (CPC, art. 18, § 2º), ambas incidentes sobre o valor atualizado da causa.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso,
negar-lhe provimento e, de ofício, condenar a apelante ao pagamento de multa de 1%
(um por cento), a título de litigância de má-fé (CPC, art. 17, IV), bem como de
indenização de 20% (vinte por cento) (CPC, art. 18, § 2º), ambas incidentes sobre o
valor atualizado da causa.
Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning

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Apelação cível - 2007.016673-2

  • 1. Apelação Cível n. 2007.016673-2, da Capital Relator: Des. Raulino Jacó Brüning APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA OPERADORA DE PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. 1. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO EM RAZÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO ENTRE A OPERADORA E A ANS (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE) COM ADOÇÃO DE PERCENTUAL DE CORREÇÃO DOS VALORES SUGERIDO PELA ENTIDADE REGULADORA. INOCORRÊNCIA. ABARCAMENTO PARCIAL DA PRETENSÃO. AFASTAMENTO. 2. RECONHECIMENTO DO PEDIDO (CPC, ART. 269, II). TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL QUE AFASTA A LITIGIOSIDADE NO PONTO. AUSÊNCIA DE RESISTÊNCIA À PRETENSÃO AUTORAL. RECONHECIMENTO PARCIAL DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 3. TUTELA DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. CLÁUSULA DETERMINANTE DO REAJUSTE DO VALOR DAS MENSALIDADES DOS CONTRATOS INDIVIDUAIS DE PLANOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE FIRMADOS ANTES DA LEI N. 9.656/1998. DISPOSIÇÕES POTESTATIVAS, COM EXPRESSÕES GENÉRICAS, QUE COLOCAM O CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO EXAGERADAMENTE DESVANTAJOSA EM RAZÃO DA ADOÇÃO DE CRITÉRIOS CONFUSOS E OBSCUROS DE REAJUSTAMENTO DO PREÇO, SEM ADOÇÃO DE ÍNDICES PREDETERMINADOS. 3.1 DEFERIMENTO DE LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SUSPENDENDO A EFICÁCIA DO ARTIGO 35-E DA LEI N. 9.656/1998, QUE CONDICIONAVA O REAJUSTE DE PREÇO À PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA ANS. DERROCADA DA DISPOSIÇÃO LEGAL QUE NÃO AUTORIZA O AUMENTO EXORBITANTE DE VALORES. 3.2 DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS NULAS DE PLENO DIREITO (CDC, ART. 51) POR ESTABELECEREM OBRIGAÇÕES INÍQUAS, ABUSIVAS E INCOMPATÍVEIS COM A BOA-FÉ. 3.3 VANTAGEM MANIFESTAMENTE EXCESSIVA CONFIGURADA (CDC, ART. 39). PRÁTICA VEDADA PELA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. 3.4 OFENSA AOS DEVERES DE TRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÃO, BEM COMO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA LEALDADE CONTRATUAL. 3.4 MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
  • 2. CLÁUSULAS POTESTATIVAS, A SEREM SUBSTITUÍDAS POR DISPOSIÇÕES QUE ESTABELEÇAM REAJUSTE ADOTADO PELA ANS OU ÍNDICE OFICIAL QUE REFLITA A INFLAÇÃO. 4. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. EXEGESE DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ENGANO JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. 5. PREQUESTIONAMENTO DESNECESSÁRIO. 6. CONDENAÇÃO DE OFÍCIO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRÁTICA DESLEAL EVIDENCIADA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DE 1% (UM POR CENTO) E INDENIZAÇÃO DE 20% (VINTE POR CENTO), AMBAS A INCIDIR SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA. 7. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.016673-2, da comarca da Capital (2ª Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Bradesco Saúde S/A, e apelado Representante do Ministério Público: A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, conhecer do recurso, negar-lhe provimento e, de ofício, condenar a apelante ao pagamento de multa de 1% (um por cento), a título de litigância de má-fé (CPC, art. 17, IV), bem como de indenização de 20% (vinte por cento) (CPC, art. 18, § 2º), ambas incidentes sobre o valor atualizado da causa. Custas legais. O julgamento, realizado no dia 30 de outubro de 2014, foi presidido por este Relator e dele participaram os Desembargadores Sebastião César Evangelista e Gerson Cherem II. Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu. Florianópolis, 30 de outubro de 2014. Raulino Jacó Brüning RELATOR Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 3. RELATÓRIO Na Comarca da Capital, o Ministério Público ajuizou ação civil pública em face de Bradesco Saúde S.A., tendo por objeto: "a) declaração de nulidade da cláusula dos contratos colocados pela ré no mercado de consumo, por via da qual impõe aos consumidores reajuste anual em patamares exagerados, sem justa causa, notadamente porque lastreada em critério unilateral e de difícil compreensão; b) substituição do alvitrado critério pelo índice estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS) no que tange ao presente e a futuros reajustes, ou por outro índice a ser aplicado anualmente que reflita a inflação no período, isso para os contratos individuais de planos e seguros de saúde firmados antes de 1º de janeiro de 1999; c) cessação imediata, em sede de antecipação de tutela, de tal prática abusiva; d) a imposição à ré de diversas obrigações de fazer e não fazer, notadamente a de cessar divulgação dúbia e incompleta, que induz o consumidor em erro a propósito do elevado percentual de reajuste aplicado; e e) condenação genérica à restituição aos consumidores catarinenses que pagaram as mensalidades com o aumento indevido" (fl. 03). Alegou que, em junho de 2004, a demandada reajustou o valor das mensalidades dos contratos individuais de seguro de saúde, celebrados antes da vigência da Lei n. 9.656/1998, em percentuais exorbitantes que variam de 44,66% (quarenta e quatro vírgula sessenta e seis por cento) a 81,61% (oitenta e um vírgula sessenta e um por cento), muito acima dos 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ademais, informou aos consumidores que o reajuste estava amparado em disposição contratual e decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida na ADI n. 1.931/DF, que suspendera a eficácia do artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998, que regulamenta contratos de seguro firmados antes de sua vigência. Asseverou que, por absoluta falta de esclarecimento e manipulação intencional das informações prestadas, os consumidores foram induzidos a acreditar que o reajuste fora efetuado sob o manto da legalidade, pois estava supostamente previsto em contrato e em consonância com decisão da Corte Suprema, o que, segundo o Órgão Ministerial, não é verdade, porquanto: "a) invocada cláusula contratual está inquinada de inúmeras máculas que a tornaram nula de pleno direito, pois, entre outras impropriedades (...), prevê critério de reajuste absolutamente genérico, cuja compreensão não é possível ao mais atento exegeta e possibilita reajuste unilateral (potestativo), além de não estar redigida em destaque; b) a liminar (cujo caráter de provisoriedade nem é preciso enaltecer) deferida no bojo da ADI n. 1.931/DF não trouxe autorização de reajuste algum, ainda mais no absurdo patamar utilizado pela empresa ré" (fls. 05/06). Esclareceu que a cláusula 33ª das condições gerais dos seguros individuais autoriza reajustes trimestrais "pela diferença entre a variação dos custos médico-hospitalares e a variação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN)" (fl. 15), e seu parágrafo único permite reajuste em periodicidade menor, em evidente abusividade. Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 4. Ademais, a cláusula 34ª prevê mudança de valores em qualquer época, conforme a variação da faixa etária, incorrendo também em vício por ofensa ao equilíbrio contratual. Acrescentou que a justificativa da operadora do plano de saúde para reajustar as mensalidades, consistente no aumento dos custos médico-hospitalares, decorrentes da introdução de novas tecnologias, da elevação de preços de materiais e medicamentos e do aumento das ocorrências de internações, é genérica e incompreensível, configurando verdadeiro subterfúgio para o aumento do custo do seguro saúde sem respaldo legal ou contratual. De outra parte, salientou que o comunicado enviado pela requerida a seus clientes "induziu o consumidor a acreditar que o exacerbado reajuste se deu sob o crivo da 'instância máxima' do Judiciário (STF) e intimidou os desavisados a aderirem à oferta de migração dos planos firmados anteriormente à Lei n. 9.656/1998 (...), a qual, pelo que consta, caso aderida, poderia sujeitá-los ao pagamento de mensalidades superiores a até 300% da praticada até então" (fl. 08). Sustentou, ainda, ter o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) elaborado nota técnica, após estudo aprofundado dos contratos, revelando que a real intenção das operadoras de plano de saúde era recompor um lucro não alcançado no período compreendido entre janeiro de 1999 e setembro de 2003, ao tempo em que concluiu "pela abusividade das cláusulas em análise, por permitirem a alteração unilateral dos valores cobrados dos consumidores, com a incidência de reajustes excessivamente onerosos, recompondo uma expectativa de lucro não realizado no passado" (fls. 18/19). Destacou, ainda, que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) já havia estabelecido procedimento para reajuste das mensalidades dos "planos antigos", por meio da Súmula Normativa n. 05/2003, que determina a adoção do percentual de variação divulgado pela Agência, bem como por meio do artigo 3º da Resolução Normativa 74/2004, que estabelece o percentual de reajuste da ANS como limite para os contratos cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice para correção da prestação pecuniária. Contudo, a demandada valeu-se de cláusula flagrantemente abusiva para exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva ao elevar o preço do plano de saúde unilateralmente, impondo-se a intervenção do Judiciário para reestabelecer o equilíbrio contratual. Discorreu sobre aplicação da legislação consumerista aos contratos de planos de seguro saúde, praticas abusivas e nulidade da cláusula de reajuste, por ofender os princípios da informação e da boa-fé, norteadores da relação de consumo, pelo que requereu antecipação dos efeitos da tutela para que, relativamente aos contratos individuais de planos e seguros de saúde celebrados antes da vigência da Lei 9.656/1998: 1.1. Sejam antecipados os efeitos da declaração de nulidade da cláusula contratual dos contratos celebrados pela Ré com os consumidores catarinenses que estabelece critérios de reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor (cláusula 33); 1.2. O reajuste praticado pela Ré seja limitado ao percentual de 11,75% Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 5. referido na Resolução 74/04 e Súmula Normativa 5/03, ambas da Agência Nacional de Saúde, bem como a novos percentuais a serem estabelecidos pela ANS até o trânsito em julgado da sentença a ser prolatada nesta ação, sem prejuízo da prestação dos serviços médicos e fornecimento de eventuais e correlatos materiais garantidos pelo contrato; 1.3. Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consistente em determiná-la a emitir boletos bancários em valor compatível com o percentual de reajuste de 11,75%; 1.4. Seja imposta à Ré a obrigação de não fazer, consubstanciada na vedação imediata de promover a rescisão dos contratos com os consumidores catarinenses que recusarem-se ou não puderem pagar as mensalidades dos planos de saúde no valor resultante do reajuste superior ao patamar de 11,75%; 1.5. Seja imposta à Ré a obrigação de não fazer, consistente em cessar imediatamente a divulgação peremptória e vaga de que o aumento decorre de previsão contratual e em decorrência do julgamento da ADIN n. 1931, pelo STF; 1.6. Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consubstanciada em informar, de maneira adequada, clara, precisa e compreensível, no prazo de 30 (trinta) dias contados da intimação da decisão antecipatória da tutela, os reflexos pecuniários e de cobertura na hipótese de migração, adaptação e manutenção do plano para os contratos celebrados anteriormente ao início de vigência da Lei n. 9656/98, notadamente no que tange ao valor das mensalidades a serem suportadas pelos consumidores que aderirem à oferta de migração; 1.7. Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, representada em informar de maneira clara, adequada e inconfundível aos consumidores, no prazo de até 10 (dez) dias contado da intimação da decisão liminar deferida por este Juízo (art. 84, § 5º do CDC); e 1.8. Seja imposta à Ré a multa diária na ordem de R$ 250.000,00 a ser revertido para o Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, na hipótese de descumprimento de cada uma das obrigações impostas na decisão liminar, sem prejuízo da responsabilização criminal na hipótese de desobediência em face dos provimentos mandamentais. Adiante, no que se refere aos contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei 9.656/1998, pediu a procedência dos seguintes pedidos: 4.1. Declarar a nulidade da cláusula que impõe o reajuste anual com critérios que permitam, na prática, a variação unilateral de preço e que estabelece critérios de reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor (cláusula 33); 4.2. A substituição da previsão contratual do critério de reajuste utilizado para outro que se valha do índice de reajuste estabelecido pela ANS, conforme a Súmula n. 05 e artigo 4º, XVII e XXI da Lei n. 9.961/2000 ou, sucessivamente (art. 289, CPC), por outro índice oficial que reflita a inflação no período; 4.3 Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consubstanciada no dever de informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores os novos critérios e índices estabelecidos na sentença e que serão utilizados para reajustes das mensalidades, evitando-se que novas ocorrências de desinformação coloquem o consumidor em situação de vulnerabilidade; 4.4 Seja imposta à Ré a obrigação de fazer, consistente em ordenar que preste Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 6. informações aos consumidores inerentes à relação contratual de forma ampla, adequada, precisa e veraz, de modo a permitir que exerça juízo de valor a propósito de escolhas que lhe são submetidas, tais como inerentes à proposta de adequação, migração ou manutenção dos contratos "antigos", e de qualquer outro fator que interfira na relação contratual (art. 286, II, do CPC); 4.5 Imposição de multa diária no valor de R$ 250.000,00 na hipótese de descumprimento de quaisquer obrigações impostas à Ré, valor este a ser revertido ao Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, sem prejuízo da responsabilização criminal na hipótese de desobediência em face dos provimentos mandamentais; 4.6 A condenação genericamente da Ré a restituir a quantia paga a maior desembolsada pelos consumidores catarinenses para o pagamento do reajuste ilegalmente aplicado, devidamente atualizado, na forma do art. 42, parágrafo único do CDC, cujo valor será apurado em liquidação de sentença a ser feita pelos consumidores (art. 95 do CDC). 5. A publicação de edital de que cuida o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor, para a ciência dos interessados (fls. 02/49). 6. A intimação pessoal do Órgão do Ministério Público de todos os atos processuais, na forma de que dispõe o artigo 236, parágrafo 2º, do CPC e artigo 41, IV, da Lei n. 8.625/1993; 7. A condenação da Ré ao pagamento das despesas processuais e outras de estilo. Juntou documentos (fls. 50/289). O Magistrado a quo deferiu integralmente a tutela antecipada (fls. 291/292) e a decisão foi combatida por agravo de instrumento, interposto pela requerida (fls. 305/330). Bradesco Saúde S.A., devidamente citada, apresentou contestação, defendendo a legalidade dos reajustes aplicados aos contratos de seguro saúde firmados antes da vigência da Lei 9.656/1998. Para tanto, asseverou que por muitos anos os órgãos governamentais vetaram aumentos anuais pretendidos pelas operadoras de plano de saúde, provocando desequilíbrio entre a receita dos prêmios de seguro e as despesas de indenização de sinistros, majoradas, muitas vezes, pelo custeio de eventos não previstos, em razão de decisões judiciais. Sustentou, ademais, que o emprego de novas tecnologias também contribui para o aumento significativo dos custos hospitalares, em ritmo superior à inflação medida pelos índices oficiais, impondo-se o reajuste proporcional dos prêmios dos seguros. Destacou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) havia aprovado, em 11/08/2003, no âmbito de sua Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos, a revisão técnica dessas apólices em percentual da ordem de 48,20% (quarenta e oito vírgula vinte por cento), tendo o Ministério da Fazenda manifestado-se favoravelmente ao reajuste. Contudo, antes da ratificação desta decisão por órgão colegiado da ANS, o Supremo Tribunal Federal deferiu a liminar na ADI 1931-8/DF e declarou a inconstitucionalidade do artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998, desobrigando, consequentemente, as operadoras dos planos de saúde à submissão Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 7. prévia dos reajustes das prestações pecuniárias à ANS. Defendeu não se tratar de aplicação retroativa dos efeitos da liminar da Corte Suprema, que implicaria a cobrança da diferença dos prêmios já pagos pelos segurados, mas de incidência do reajuste a partir de julho de 2004, conforme previsão contratual, com objetivo de resgatar o equilíbrio futuro das prestações, sem o controle equivocado de preços que vinha ocorrendo. Ressaltou que o critério de reajuste da prestação pecuniária vertida pelos segurados, com base na variação dos custos médico-hospitalares, é o mesmo adotado nas apólices negociadas atualmente, que observam as normas contidas na Lei n. 9.656/1998, não sendo tal circunstância capaz, por si só, de justificar a nulidade da cláusula de reajuste. Disse, ainda, da impossibilidade de incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados anteriormente a sua vigência, por força do preceito constitucional da irretroatividade da lei, seja ela de ordem pública ou privada, na esteira de julgados do Supremo Tribunal Federal. Discorreu acerca de sua conduta escorreita, pautada nos princípios da boa-fé e da publicidade, ao informar os segurados do reajuste e seus motivos, ao tempo em que rebate a pretensão à indenização genérica, fundamentada em dano fantasioso, à míngua de ofensa a um bem jurídico. Desta forma, requereu a improcedência dos pedidos (fls. 404/421). O Órgão Ministerial apresentou impugnação à contestação, reeditando argumentação inicial, com a ressalva de que o aumento fundamenta-se na vaga e genérica expressão "variação dos custos médico-hospitalares", dos quais não se tem prova. Assim, pediu a antecipação do julgamento e a procedência dos pedidos (fls. 423/436). Bradesco Saúde S.A. informou a realização de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio do qual se obrigou a adotar para os contratos firmados até 1/01/1999 o índice de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento), definido pela Agência, para o reajuste aplicado em julho de 2004, razão por que pleiteou a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil (fls. 438/440). O autor manifestou-se pela impossibilidade de extinção do feito, à vista da existência de outros pedidos não abrangidos pela transação noticiada pela parte demandada (fl. 455), sobrevindo aos autos cópia da decisão colegiada que negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela seguradora contra decisão deferitória da tutela antecipada (fls. 457/468). O doutor Juiz de Direito da Unidade da fazenda Pública da Comarca da Capital julgou procedentes os pedidos e condenou a ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) (fls. 476/485). Bradesco Saúde S.A. interpõe recurso de apelação, sustentando a perda superveniente do objeto da presente ação civil pública, decorrente do acordo formulado por meio de Temos de Compromisso e de Ajuste de Conduta firmados com a ANS, em que ficou estabelecido o reajuste de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 8. por cento) no período de julho de 2004 a junho de 2005, comprometendo-se a recorrente a devolver os valores pagos a maior, tudo devidamente cumprido. Daí a necessária extinção do feito por perda superveniente de interesse processual da parte autora. De outra parte, enfatiza que não reconheceu a procedência do pedido, de que trata o inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil, mas apenas acordou a adoção do índice de reajuste proposto pela ANS, sem, contudo, concordar com seu percentual. Diz da inexistência de abusividade nas cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro saúde, fundamentadas em critérios técnicos de variação dos custos médico-hospitalares, que devem ser observados a fim de garantir o equilíbrio do sistema privado de saúde suplementar, mormente porque o aumento de preços dos serviços prestados por planos de saúde é geralmente superior à inflação. Ademais, ressalta ser "necessário que o valor do prêmio de seguro acompanhe a realidade da massa de segurados, que, ao final, são os próprios garantidores dos custos dos contratos. O aumento dos prêmios do seguro em questão segue a realidade dos custos operacionais, não havendo, portanto, obtenção de lucro com tais reajustes, mas, sim e unicamente o propósito de manter a equação original do contrato – risco/prêmio" (fl. 500). Por esta razão, alega que a cláusula de reajuste não pode ser considerada abusiva, porquanto visa, unicamente, ao equilíbrio contratual e à manutenção da equação entre o risco assumido e o valor dos prêmios. Acrescenta que o reajuste aplicado apenas restaura o valor que a mensalidade teria hoje se não houvesse controle equivocado de preços por órgãos reguladores, além do que o critério de correção do valor dos prêmios é o mesmo utilizado nos contratos atuais, firmados sob a égide da Lei n. 9.656/1998, não se podendo falar em sua nulidade. Acena que, em contratos de longa duração, é imprescindível a correção monetária do prêmio, cuja fixação é de livre escolha das partes contratantes, nos termos do artigo 1.442 do Código Civil de 1916, com base em três fatores: desvalorização da moeda ao longo do tempo; acréscimo do risco com a elevação da idade do segurado, e; aumento dos custos dos procedimentos, por razões de ordem técnica e científica. Este último fator, segundo a recorrente, tem maior relevância em contratos de assistência à saúde por estar ligado a causas especiais influenciadas por determinantes que não se vinculam aos índices que ordinariamente medem a inflação, quais sejam os custos da medicina em evolução. Discorre acerca da garantia constitucional à irretroatividade da lei em prejuízo ao ato jurídico perfeito, assegurado pelo artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, a obstar a incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos firmados anteriormente à vigência de referenciada legislação, utilizadas como fundamento da sentença. Aduz haver prestado informações claras e precisas aos segurados acerca do reajuste do valor do prêmio, por meio de correspondência, havendo disponibilizado, ainda, informações por meio virtual (internet) e atendimento telefônico, não se havendo falar em desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva. De Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 9. outra parte, entende ser descabida a penalidade contida no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, consistente na devolução em dobro do valor cobrado a mais dos segurados, porquanto não agiu com má-fé. Prequestiona diversos artigos de lei e da Constituição Federal e requer a reforma da sentença para a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, ou a improcedência dos pedidos, com a inversão dos ônus sucumbenciais (fls. 490/525). O Órgão Ministerial apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da sentença (fls. 533/555), e a Douta Procuradoria-Geral de Justiça alvitrou o conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 560/568). O Desembargador Newton Janke, em decisão monocrática, redistribuiu o feito a uma das Câmaras de Direito Civil (fls. 570/571) e o Desembargador Ronei Danielli suscitou conflito de competência (fl. 574), tendo o Órgão Especial decidido pela competência desta Primeira Câmara de Direito Civil para julgar o recurso (fls. 586/592). Conclusos a este Relator, os autos foram remetidos ao Núcleo de Conciliação deste Tribunal (fls. 599/600), havendo informado o Representante do Órgão Ministerial a impossibilidade de dispor do interesse público para transigir na espécie (fl. 603). Este é o relatório. Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 10. VOTO Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Bradesco Saúde S.A. contra a sentença de procedência dos pedidos deduzidos em ação civil pública ajuizada contra ela pelo Ministério Público de Santa Catarina, que deve ser conhecido à vista de sua tempestividade (fls. 489 e 490) e do preparo (fl. 526). Bradesco Saúde S.A. sustenta, em síntese: a) perda superveniente do objeto da ação civil pública, em razão do acordo formulado com a ANS, em que ficou estabelecido o reajuste de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) no período de julho de 2004 a junho de 2005, comprometendo-se a recorrente a devolver os valores pagos a maior, tudo devidamente cumprido; b) não ter reconhecido a procedência do pedido, na forma do inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil; c) inexistência de abusividade nas cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro saúde, pelos seguintes motivos: c1) fundamentam-se em critérios técnicos de variação dos custos médico-hospitalares, que devem ser observados a fim de garantir o equilíbrio do sistema privado de saúde suplementar; c2) não visa à elevação dos lucros, mas ao equilíbrio contratual e à manutenção da equação entre o risco assumido e o valor dos prêmios; c3) o reajuste somente restaura o valor que a mensalidade teria hoje se não houvesse controle equivocado de preços por órgãos reguladores; c4) o critério de correção do valor das mensalidades é o mesmo utilizado nos contratos atuais, firmados sob a égide da Lei n. 9.656/1998; e, c5) é imprescindível a correção monetária do prêmio com base na desvalorização da moeda ao longo do tempo, no acréscimo do risco com a elevação da idade do segurado e no aumento dos custos dos procedimentos, por razões de ordem técnica e científica; d) irretroatividade da lei em prejuízo ao ato jurídico perfeito, a obstar a incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos anteriores; e) haver prestado informações claras e precisas aos segurados acerca do reajuste do valor do prêmio, f) ser descabida a penalidade contida no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, consistente na devolução em dobro do valor cobrado a mais dos segurados, porquanto não agiu de má-fé; e g) prequestiona diversos artigos de lei e da Constituição Federal. 1. Perda superveniente do objeto Sustenta a apelante que o "Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta n. 001/2004" (fls. 441/446), firmado com a Agência Nacional de Saúde – ANS, estabelecendo reajuste de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) aos contratos antigos, no período de julho de 2004 a junho de 2005, com a devolução de valores pagos a maior, já devidamente cumprido, exauriu o objeto desta ação civil pública, a ser extinta sem resolução de mérito. Com efeito, consta de referenciado acordo o seguinte objeto: Ajustar a conduta, na forma da Resolução RDC n. 57, de 19 de fevereiro de 2001, da COMPROMISSÁRIA às diretrizes gerais estabelecidas pela ANS para o Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 11. setor de saúde suplementar, especialmente no que tange aos percentuais a serem aplicados para reajuste anual das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, no período de julho de 2004 a julho de 2005, firmados individualmente até 01.10.1999 e ainda não adaptados à Lei n. 9.656, de 1998 (Cláusula primeira). Mais adiante, compromete-se a recorrente a: I - cessar a aplicação de percentuais de reajuste das contraprestações pecuniárias superiores a 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento), para todos os contratos individuais firmados até 01/01/1999 e não adaptados à Lei n. 9.656, de 1998, durante o período compreendido entre julho de 2004 e julho de 2005, conforme aniversário dos respectivos contratos; II – promover a imediata redução dos percentuais aplicados, adequando-se ao percentual de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) o reajuste anual das contraprestações pecuniárias; III – promover a apuração e a devolução imediata aos consumidores do valor pago em razão da aplicação do percentual superior a 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento), ficando a COMPROMISSÁRIA autorizada a compensar tal valor no boleto de pagamento do mês subsequente à celebração deste Termo (...). Sem perder de vista o artigo 462 do Código de Processo Civil, que obriga o julgador a considerar, na sentença, a existência de fato posterior ao ajuizamento da ação que possa influenciar no julgamento da lide, modificando ou extinguindo o direito alegado, não restou configurada a perda do objeto da presente ação, porquanto alguns pedidos não foram abarcados pela transação extrajudicial, a saber: a declaração de nulidade da cláusula que impõe o reajuste anual com critérios que permitam, na prática, a variação unilateral de preço e que estabelece critérios de reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor (cláusula 33); a substituição da previsão contratual do critério de reajuste para outro que se valha do índice estabelecido pela ANS; a condenação da ré à obrigação de informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores os novos critérios e índices estabelecidos na sentença; a imposição de multa diária no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) na hipótese de descumprimento; a condenação à restituição em dobro dos valores pagos a mais pelos consumidores; e a publicação de edital de que cuida o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, não exaurida a pretensão do autor por meio da transação extrajudicial firmada, não há falar em perda do objeto da ação, sobre o qual leciona Moacyr Amaral Santos, in verbis: A ação se propõe a obter uma providência jurisdicional quanto a uma pretensão e, pois, quanto a um bem jurídico, material ou incorpóreo, pretendido pelo autor. Chamamo-lo de interesse primário. Mas há um interesse outro, que move a ação. É o interesse em obter uma providência jurisdicional quanto àquele interesse. Por outras palavras há o interesse de agir, de reclamar a atividade jurisdicional do Estado, para que este tutele o Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 12. interesse primário, que de outra forma não seria protegido. Por isso mesmo o interesse de agir se confunde, de ordinário, com a necessidade de se obter o interesse primário ou direito material pelos órgãos jurisdicionais (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 19 ed., São Paulo: Saraiva. p. 163). Afasta-se, assim, o pedido de extinção do processo por perda de seu objeto. 2. Reconhecimento do pedido Relativamente ao reconhecimento da procedência do pedido, na forma do inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil, agiu bem o ilustre Magistrado sentenciante, Dr. Domingos Paludo, ao consignar que, "por força de acordo que celebrou com a ANS, o reajuste discutido nestes autos acabou sendo negociado em 11,75%, 'tal como postula o Ministério Público', de onde se vê que a ré acabou por reconhecer a procedência do pedido formulado na inicial. O reconhecimento da procedência do pedido está previsto no art. 269, II, do CPC, como forma de extinção do processo com resolução de mérito e, se incidiu sobre a parte principal do pedido, todas as especificações deste que não puderem subsistir sem contrariar o reconhecimento estão já solvidas na forma reconhecida" (fls. 477/478). A transação judicial com adoção do percentual de reajuste definido pela Agência Nacional de Saúde – ANS a todos os contratos individuais firmados até 01/01/1999 e não adaptados à Lei n. 9.656/1998 é causa que afasta a litigiosidade, à míngua de resistência à pretensão autoral, configurando reconhecimento parcial da procedência do pedido. Sobre o instituto, Ernane Fidélis dos Santos ensina tratar-se de "forma de sujeição imediata do réu ao pedido do autor, não competindo ao juiz apreciar sua justiça ou não. Pelo reconhecimento, o réu capitula, aceita a pretensão contra ele formulada, em todos os seus termos" (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil, v. 1, São Paulo: Saraiva, 2006, 11. ed. rev. e atual. p. 610). No mesmo sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery acrescentam: Reconhecimento jurídico do pedido. Ato privativo do réu, consiste na admissão de que a pretensão do autor é fundada e, portanto, deve ser julgada procedente. Seu objeto é, portanto, o direito. Pode ser parcial ou total, tácito ou expresso. Somente pode ocorrer quando a direitos disponíveis e, se regular e correto na forma, implica necessariamente a extinção do processo com resolução de mérito, de procedência do pedido (NERY JUNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 12. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 621) (Grifo acrescido). É da jurisprudência: Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 13. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECONHECIMENTO JURÍDICO IMPLÍCITO DO PEDIDO. VERBAS SUCUMBENCIAIS. O reconhecimento jurídico do pedido deve sempre se encontrar expresso nos autos. Havendo ato extrajudicial registrada de forma inequívoca e expressa nos autos e que é incompatível com a intenção de resistir ao pleito dos autores, responde o réu - causador da lide - pelas verbas sucumbenciais, pois o ato concessivo repercute no processo como genuíno reconhecimento da procedência do pedido e não em perda de interesse processual. No caso em apreço, o fato jurídico do pagamento dos benefícios pedidos na inicial acarreta o reconhecimento implícito da obrigação e renúncia à impugnação do pedido autoral. 1. EMBARGOS REJEITADOS (TJDF, AC 20030110960169/DF, Relator: Flavio Rostirola, j. 23/09/2005, DJU 13/10/2005 p. 56) (Grifo acrescido). Não fosse o bastante, o Togado a quo enfatizou que "a solução seria mesmo pelo acolhimento do pedido em tal sentido", ao tempo em que fez referência aos fundamentos da decisão concessiva da tutela antecipada para fundamentar sua sentença, a fim de reconhecer a abusividade de reajuste superior àquele fixado pela Agência Nacional de Seguros – ANS, abordando o mérito da ação e não apenas declarando a extinção processual com base na aquiescência da demandada. Desta forma, desmerece guarida a irresignação recursal no tocante ao reconhecimento parcial dos pedidos. 3. Das cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro saúde Com relação às disposições contratuais concernentes à atualização das mensalidades, alega a recorrente que estas fundamentam-se em critérios técnicos de variação dos custos médico-hospitalares, a serem observados com vistas à manutenção do equilíbrio do sistema privado de saúde suplementar e da equação entre o risco assumido e o valor dos prêmios, restaurando as prestações ao valor que estariam caso não houvesse controle equivocado de preços por órgãos reguladores. Acrescenta que o critério de correção do valor das mensalidades é o mesmo utilizado nos contratos atuais, firmados sob a égide da Lei n. 9.656/1998, sendo imprescindível a correção monetária do prêmio com base na desvalorização da moeda ao longo do tempo, no acréscimo do risco com a elevação da idade do segurado e no aumento dos custos dos procedimentos, por razões de ordem técnica e científica. Não obstante o longo arrazoado e o esforço da recorrente para desvencilhar-se do decreto condenatório, seu inconformismo não merece prosperar. Primeiramente, é perfeitamente aplicável o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas sob análise, fundamentadas em contratos de assistência à saúde, porquanto se fazem presentes as figuras do consumidor, nos termos do artigo 2º do Código Consumerista, e do fornecedor, segundo preconiza o artigo 3º de mesmo diploma legal. A par disso, a Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça enuncia: Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 14. aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde", desmerecendo maiores digressões. Superada a questão, é de grande valia a conceituação elaborada pela eminente Ministra Nancy Andrighi, acerca dos contratos de plano de assistência à saúde. Nas palavras de renomada Magistrada: O plano de assistência à saúde, apresenta natureza jurídica de contrato de trato sucessivo, por prazo indeterminado, a envolver transferência onerosa de riscos, que possam afetar futuramente a saúde do consumidor e seus dependentes, mediante a prestação de serviços de assistência médico-ambulatorial e hospitalar, diretamente ou por meio de rede credenciada, ou ainda pelo simples reembolso de despesas. Como característica principal, sobressai o fato de envolver execução periódica ou continuada, por se tratar de contrato de fazer de longa duração, que se prolonga no tempo; os direitos e obrigações dele decorrentes são exercidos por tempo indeterminado e sucessivamente. Dessa forma, mês a mês, o consumidor efetua o pagamento das mensalidades para ter acesso à cobertura contratualmente prevista, o que, ao mesmo tempo lhe assegura o direito de, mês a mês, ter prestada a assistência à saúde tal como estabelecida na lei e no contrato. Assim, ao firmar o contrato de plano de saúde, o consumidor tem como objetivo primordial à garantia de que, no futuro, quando ele e sua família necessitarem, será dada a cobertura nos termos em que contratada. A operadora, por sua vez, a qualquer momento, pode ser acionada, desde que receba mensalmente o valor estipulado na avença. Além da continuidade na prestação, assume destaque o dado da "catividade" do contrato de plano de assistência à saúde, reproduzida na relação de consumo havida entre as partes. O convívio ao longo de anos a fio gera expectativas para o consumidor no sentido da manutenção do equilíbrio econômico e da qualidade de serviços. Esse vínculo de convivência e dependência, movido com a clara afinidade de alcançar segurança e estabilidade, reduz o consumidor a uma posição de "cativo" do fornecedor (Recurso Especial n. 989.380-RN. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. j. 20/11/2008) (Grifos acrescidos). Destarte, pode-se afirmar com segurança que os contratos de assistência à saúde configuram pactos onerosos de trato sucessivo, por prazo indeterminado, que envolvem, de um lado, o consumidor "cativo", com expectativas de satisfação de suas necessidades e manutenção equilibrada da relação, e, de outro, um fornecedor obrigado à prestação adequada e eficaz do objeto avençado, com observância a preceitos básicos de seus clientes, previstos nas normas consumeristas. Estas relações jurídicas, atualmente, são reguladas pela Lei n. 9.656/1998, que trouxe vários benefícios aos usuários dos planos de saúde ao tornar obrigatória a comercialização do Plano Referência, proibir a rescisão unilateral de contratos e submeter os índices de reajuste anuais à prévia aprovação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Com relação a este último aspecto – reajustes anuais dos preços dos Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 15. produtos – referentes aos contratos individuais de plano de saúde, firmados antes da vigência da Lei n. 9.656/1998, é que reside a controvérsia. Isso porque o texto original desta lei obrigava a adaptação dos contratos anteriores, com observância das novas regras, no prazo de 90 (noventa) dias, período este dilatado para 15 (quinze) meses, por meio da Medida Provisória n. 1.685-1/1998, em razão da impossibilidade técnica e do inevitável aumento de preço decorrente da ampliação de cobertura assistencial, como determinado no texto legal. Contudo, antes do encerramento do prazo, a adaptação obrigatória dos contratos foi transformada em opção do consumidor pela Medida Provisória n. 1.908-17/1999, passando os contratos antigos individuais a ter validade por tempo indeterminado, devendo, contudo, observar o disposto no artigo 35-E, incluído pela Medida Provisória n. 2.177-44/2001, assim redacionado: Art. 35-E. A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados anteriormente à data de vigência desta Lei que: I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de sessenta anos de idade estará sujeita à autorização prévia da ANS; II - a alegação de doença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia regulamentação da matéria pela ANS; III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei; IV - é vedada a interrupção de internação hospitalar em leito clínico, cirúrgico ou em centro de terapia intensiva ou similar, salvo a critério do médico assistente. § 1º Os contratos anteriores à vigência desta Lei, que estabeleçam reajuste por mudança de faixa etária com idade inicial em sessenta anos ou mais, deverão ser adaptados, até 31 de outubro de 1999, para repactuação da cláusula de reajuste, observadas as seguintes disposições: I - a repactuação será garantida aos consumidores de que trata o parágrafo único do art. 15, para as mudanças de faixa etária ocorridas após a vigência desta Lei, e limitar-se-á à diluição da aplicação do reajuste anteriormente previsto, em reajustes parciais anuais, com adoção de percentual fixo que, aplicado a cada ano, permita atingir o reajuste integral no início do último ano da faixa etária considerada; II - para aplicação da fórmula de diluição, consideram-se de dez anos as faixas etárias que tenham sido estipuladas sem limite superior; III - a nova cláusula, contendo a fórmula de aplicação do reajuste, deverá ser encaminhada aos consumidores, juntamente com o boleto ou título de cobrança, com a demonstração do valor originalmente contratado, do valor repactuado e do percentual de reajuste anual fixo, esclarecendo, ainda, que o seu pagamento formalizará esta repactuação; IV - a cláusula original de reajuste deverá ter sido previamente submetida à ANS; V - na falta de aprovação prévia, a operadora, para que possa aplicar reajuste por faixa etária a consumidores com sessenta anos ou mais de idade e dez anos ou mais de contrato, deverá submeter à ANS as condições contratuais acompanhadas de nota técnica, para, uma vez aprovada a cláusula e o percentual de reajuste, Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 16. adotar a diluição prevista neste parágrafo. § 2º Nos contratos individuais de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, independentemente da data de sua celebração, a aplicação de cláusula de reajuste das contraprestações pecuniárias dependerá de prévia aprovação da ANS. § 3º O disposto no art. 35 desta Lei aplica-se sem prejuízo do estabelecido neste artigo (Grifos acrescidos). Nos termos da lei dos planos e seguros privados de assistência à saúde, os contratos individuais, firmados antes de sua vigência, no que se refere ao reajuste de suas mensalidades, estavam sujeitos ao controle prévio da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Ocorre que a Conferência Nacional de Hospitais e Estabelecimentos de Saúde – CNS propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.931-8, questionando a constitucionalidade da retroatividade da lei em questão, e o Supremo Tribunal Federal deferiu o pleito liminar para suspender a eficácia do supracitado artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998. A decisão recebeu a seguinte ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORDINÁRIA 9656/98. PLANOS DE SEGUROS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. MEDIDA PROVISÓRIA 1730/98. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE ATIVA. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CONHECIDA. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS E OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO E AO ATO JURÍDICO PERFEITO. 1. Propositura da ação. Legitimidade. Não depende de autorização específica dos filiados a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. Preenchimento dos requisitos necessários. 2. Alegação genérica de existência de vício formal das normas impugnadas. Conhecimento. Impossibilidade. 3. Inconstitucionalidade formal quanto à autorização, ao funcionamento e ao órgão fiscalizador das empresas operadoras de planos de saúde. Alterações introduzidas pela última edição da Medida Provisória 1908-18/99. Modificação da natureza jurídica das empresas. Lei regulamentadora. Possibilidade. Observância do disposto no artigo 197 da Constituição Federal. 4. Prestação de serviço médico pela rede do SUS e instituições conveniadas, em virtude da impossibilidade de atendimento pela operadora de Plano de Saúde. Ressarcimento à Administração Pública mediante condições preestabelecidas em resoluções internas da Câmara de Saúde Complementar. Ofensa ao devido processo legal. Alegação improcedente. Norma programática pertinente à realização de políticas públicas. Conveniência da manutenção da vigência da norma impugnada. 5. Violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Pedido de inconstitucionalidade do artigo 35, caput e parágrafos 1º e 2º, da Medida Provisória 1730-7/98. Ação não conhecida tendo em vista as substanciais alterações neles promovida pela medida provisória superveniente. 6. Artigo 35-G, caput, incisos I a IV, parágrafos 1º, incisos I a V, e 2º, com a nova versão dada pela Medida Provisória 1908-18/99. Incidência da norma sobre cláusulas contratuais preexistentes, firmadas sob a égide do regime legal anterior. Ofensa aos princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ação conhecida, para suspender-lhes a eficácia até decisão Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 17. final da ação. 7. Medida cautelar deferida, em parte, no que tange à suscitada violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição, quanto ao artigo 35-G, hoje, renumerado como artigo 35-E pela Medida Provisória 1908-18, de 24 de setembro de 1999; ação conhecida, em parte, quanto ao pedido de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 10 da Lei 9656/1998, com a redação dada pela Medida Provisória 1908-18/1999, para suspender a eficácia apenas da expressão "atuais e". Suspensão da eficácia do artigo 35-E (redação dada pela MP 2177-44/2001) e da expressão "artigo 35-E", contida no artigo 3º da Medida Provisória 1908-18/99 (ADI 1931 MC, Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2003, DJ 28-05-2004) (Grifos acrescidos). Destarte, considerando que o quadro jurídico-normativo atual não condiciona o reajuste dos preços dos contratos de assistência à saúde à aprovação de Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, e tampouco vincula, em tese, a atualização de valores ao percentual definido pela agência reguladora, Bradesco Saúde S.A., em junho de 2004, reajustou o valor das mensalidades dos contratos individuais de seguro de saúde, celebrados antes da vigência da Lei n. 9.656/1998, em percentuais que variam de 44,66% (quarenta e quatro vírgula sessenta e seis por cento) a 81,61% (oitenta e um vírgula sessenta e um por cento), muito além dos 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para os contratos novos, ao tempo em que informou aos consumidores que o reajuste estava amparado em disposição contratual e na decisão do Supremo Tribunal Federal, práticas estas combatidas pelo Ministério Público por meio desta Ação Civil Pública, em defesa dos consumidores. Em que pese a aparente liberdade para o reajuste das mensalidades sem o controle prévio da agência reguladora e fiscalizadora da atividade privada de assistência à saúde, não podem as operadoras camuflar seu intento lesivo em cláusulas determinantes do aumento de preço sem critérios claros, precisos e objetivamente aferíveis pelos consumidores. Em outras palavras, a suspensão liminar da eficácia do artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998, pelo Supremo Tribunal Federal, não importa ausência de regulação ou inobservância ao ordenamento jurídico pelas operadoras de planos de saúde, que insistem na prevalência do seu direito à atualização das mensalidades sobre qualquer outro. Não significa, portanto, que as operadoras de plano de saúde ou cooperativas de serviços médicos possam aumentar o preço de seus serviços indiscriminadamente, fundamentadas na desnecessidade de controle prévio e em cláusulas contratuais evidentemente abusivas, desprovidas de clareza e objetividade. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, IV, reputa nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade". Sobre o assunto, Humberto Theodoro Jr. assevera: Em todas essas hipóteses, o objetivo do legislador não foi o de fragilizar ou inutilizar o instituto do contrato, tornando-o simplesmente rompível unilateralmente Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 18. pelo consumidor. Em nome da boa-fé o que se visou foi, antes de tudo, aperfeiçoar o negócio jurídico, revendo suas bases para torná-lo equitativo, seja por reequacionamento das prestações seja por eliminação das cláusulas abusivas (THEODORO JR., Humberto. Direitos do consumidor: busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do direito civil e do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 26). A par disto, torna-se possível a revisão das cláusulas contratuais abusivas, sendo certo dizer que tal análise "[...] não viola os princípios do pacta sunt servanda e da boa fé contratual, nem o ato jurídico perfeito - art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88 - que, conforme a norma do art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor e a teoria moderna, devem ser relativizados para possibilitar a alteração ou anulação das cláusulas contratuais abusivas ou ilegais que submetam alguma das partes ou que tenham sido impostas ao arbítrio do hipersuficiente sem a manifestação de vontade do adverso" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.060369-4, de Lages, rel. Des. Stanley da Silva Braga, j. 27-01-2011). Sob esta ótica, a existência de cláusula contratual conferindo às operadoras o direito de reajustar as mensalidades dos planos de assistência à saúde, sem critérios objetivos e previamente determinados, padece do vício de legalidade e não tem validade, pois esbarra nas disposições dos artigos 47 e 51 Código de Defesa do Consumidor, por revestir flagrante abusividade e ferir os princípios da boa-fé e da veracidade, a tornar relativas as condições gerais preestabelecidas. Ademais, não se olvida que a avença de que se trata configura contrato "cativo de longa duração", a exigir das operadoras e cooperativas de contratos de assistência à saúde conduta pautada na boa-fé objetiva, como esclarece a doutrina de Cláudia Lima Marques: Trata-se de uma série de novos contratos ou relações contratuais que utilizam os métodos de contratação de massa (através de contratos de adesão ou de condições gerais dos contratos), para fornecer serviços especiais no mercado, criando relações jurídicas complexas de longa duração, envolvendo uma cadeia de fornecedores organizados entre si e com uma característica determinante: a posição de 'catividade' ou 'dependência' dos clientes, consumidores. Esta posição de dependência ou, como aqui estamos denominando, de 'catividade', só pode ser entendida no exame do contexto das relações atuais, onde determinados serviços prestados no mercado asseguram (ou prometem) ao consumidor e sua família 'segurança', 'crédito renovado' [...]. Os exemplos principais destes contratos cativos de longa duração são as novas relações banco-cliente, os contratos de seguro-saúde e de assistência médico-hospitalar, os contratos de previdência privada, os contratos de uso de cartão de crédito, os seguros em geral [...]. O novo aqui não é a espécie de contrato (seguro, por exemplo), mas a sua relevância no contexto atual, a sociedade de consumo atual beneficia e fomenta estes serviços, considerados, então socialmente essenciais, a necessitar uma nova disciplina (MARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 79/80). Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 19. Mais adiante, acrescenta renomada doutrinadora: Esses contratos baseiam-se mais na confiança, no convívio reiterado, na manutenção do potencial econômico e da qualidade dos serviços, pois trazem implícita a expectativa de mudança das condições sociais, econômicas e legais na sociedade nestes vários anos de relação contratual. A satisfação da finalidade perseguida pelo consumidor depende da continuação da relação jurídica fonte de obrigações. A capacidade de adaptação, de cooperação entre contratantes, de continuação da relação contratual é aqui essencial, básica. [...] O objetivo principal destes contratos muitas vezes é um evento certo ou incerto, é a transferência (onerosa e contratual) de riscos referentes a futura necessidade, por exemplo, de assistência médica ou hospitalar, pensão para a viúva, formação escolar para os filhos do falecido, crédito imediato para consumo. Para atingir o objetivo contratual os consumidores manterão relações de convivência e dependência com fornecedores desses serviços por anos, pagando mensalmente suas contribuições, seguindo as instruções (por vezes, exigentes, burocráticas e mais impeditivas do que regulamentadoras) dos fornecedores, usufruindo ou não dos serviços, a depender da ocorrência ou não do evento contratualmente previsto. Nestes contratos de trato sucessivo a relação é movida pela busca de uma segurança, pela busca de uma futura prestação, status ou determinada qualidade nos serviços, o que reduz o consumidor a uma posição 'cativo'-cliente' do fornecedor e de seu grupo de colaboradores ou agentes econômicos. Após anos de convivência, da atuação da publicidade massiva identificando o status de segurado, de cliente ou de conveniado a determinada segurança para o futuro, de determinada qualidade de serviços, após anos de contribuição, após atingir determinada idade e cumprir todos os requisitos exigidos, não interessa mais ao consumidor desvencilhar-se do contrato (MARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 87/88). A abusividade encontra-se estampada na medida em que os poderes atribuídos à operadora são ilimitados, cabendo a ela a escolha do índice de reajuste com base no aumento de custos médico-hospitalares, sobre os quais o consumidor não tem ingerência e tampouco conhecimento técnico para averiguar a veracidade. Tal fato configura ofensa às questões de ordem pública e aos interesses sociais do contrato, a autorizar a relativização do princípio pacta sunt servanda, com vistas ao equilíbrio da relação contratual. Sobre o assunto, destaca a doutrina de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: O que é importante destacar, porém, como arremate deste capítulo, é que, como todos os demais princípios tradicionais aqui descritos, também se verifica, na modernidade, sem trocadilho, a 'relativização do princípio da relatividade subjetiva', quando se constata, por exemplo, a violação de regras de ordem pública e interesse social, como no caso da declaração de nulidade de cláusula contratual abusiva, em atuação judicial do Ministério Público, na defesa dos consumidores (CDC, art. 51, § 4.º) (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil contratos: teoria geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 79). Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 20. A fim de impedir a prática abusiva de que se trata, o Código de Defesa do Consumidor vale-se do princípio da boa-fé objetiva para estabelecer limitações ao poder de contratar, impondo a adoção de interpretação favorável ao consumidor hipossuficiente (art. 47) e desobrigando-os do cumprimento de contrato cujos termos não lhe são previamente conhecidos ou que tenham sido redigidos de forma a dificultar a compreensão (art. 46). Referenciados dispositivos receberam a seguinte redação: Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Claudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem discorrem sobre o dever de informar: Dever de clareza na redação e dever de destaque: se lidos em conjunto, os arts. 46 e 54, especialmente os §§ 3º e 4º deste último, impõem aos fornecedores de serviço e produtos no mercado brasileiro um dever de clareza na redação dos contratos de consumo, em especial nos contratos por adesão, e um dever de destacar aquelas cláusulas limitativas dos direitos dos consumidores, sem prejuízo que sejam estas mais tarde consideradas abusivas ou não (art. 51, I, do CDC). O art. 46 trata do descumprimento deste dever, isto é, traz uma sanção para o fornecedor que não alcançar a referida "clareza", pois os seus instrumentos contratuais foram "redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance" (art. 46, in fine), qual seja: que o contrato não obriga o consumidor. Já o art. 54 traz estes dois deveres de forma positiva, impondo-os àquele fornecedor que utilizar o método de contratação por adesão ou contratos de adesão. (MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa ao Consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1024) Isso porque, nos termos do artigo 422 do Código Civil, "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé", significando dizer que, além de cumprirem o pactuado e sujeitarem-se aos seus efeitos, como consequência direta do princípio do pacta sunt servanda, as partes envolvidas em uma relação contratual devem pautar suas condutas no princípio da boa-fé objetiva, que, conforme a lição de Luiz Guilherme Loureiro, aponta a maneira de como deve o contratante agir, sempre orientado para a consecução de sua prestação contratual. Trata-se de não fazer aquilo que, direta ou indiretamente, possa dificultar ou impedir o alcance do resultado pretendido. Vale dizer, os contratantes devem realizar todos os atos necessários para que seja Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 21. alcançado o resultado desejado, ainda que tal comportamento não tenha sido expressamente previsto e na medida, é óbvio, que não seja completamente estranho ao objeto do contrato ou que agrave a obrigação do devedor de forma exagerada (...) (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. Método, 2002. p. 75). Não é por outra razão que, nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, "na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 2. p. 374). Assim, a relação jurídica obrigacional não se limita a um dever de prestar, decorrente do vínculo objetivo entre sujeitos de um contrato, mas contém obrigações secundárias provenientes da observância à boa-fé objetiva, que definem um dever de conduta. A violação deste dever, seja na fase pré-contratual, contratual ou pós-contratual, autoriza a responsabilização do contratante faltoso, ainda que haja cumprido o objeto central da avença. Nesta linha de pensamento, a boa-fé objetiva comporta três dimensões, de sorte a influenciar na interpretação dos contratos, (Código Civil, art. 113), no controle da conduta dos partícipes (Código Civil, art. 187) e na observância aos deveres anexos (Código Civil, art. 422), impondo limites ao exercício de direitos subjetivos, a fim de que o contrato cumpra sua função social. Neste sentido é a lição doutrinária: (...) a boa-fé também impõe certos deveres aos contratantes, chamados secundários, laterais ou acessórios, porque, estando em segundo plano com relação à obrigação principal (o cumprimento do objeto do contrato), surgem durante todo o processo de contratação (negociação, conclusão e execução), podendo até mesmo subsistir além desta, em momento pós-contratual (BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. p. 83). Entre os deveres de conduta, corolários da boa-fé objetiva, estão o de cooperação e de não causar dano, porquanto (...) o conteúdo do contrato amplia-se, por força da boa-fé, para além das obrigações estritamente contratuais. Ao lado das obrigações que não existiriam fora do contrato, a boa-fé passou a incluir no contexto contratual o dever geral de não causar dano, em todas as suas múltiplas especificações. Este campo de atuação dos deveres instrumentais. (NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P 155-156). Sob este prisma, a existência de cláusulas que prevêem reajuste de valores sem adoção de índices específicos, com expressões genéricas tais quais "variação dos custos médico-hospitalares" (Cláusula 33ª) e "diferença entre a Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 22. variação dos custos médico-hospitalares e a variação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN)" (Cláusula 34ª), que serviram de fundamento para o reajuste de mensalidades em percentuais exorbitantes, propicia a prática vedada pelo artigo 39, V, do Código de Defesa do Consumidor, qual seja a exigência de "vantagem manifestamente excessiva" pelo fornecedor. E a excessividade é tão evidente que a Agência Nacional de Saúde aprovou previamente o aumento na ordem de 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) para a mesma época, conforme consta da Resolução Normativa n. 74/2004 e na Súmula Normativa n. 5/2003, que assim dispõem: Os contratos individuais de planos privados de assistência à saúde celebrados anteriormente à vigência da Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice de preços a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e sejam omissos quanto ao critérios de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o percentual de variação divulgado pela ANS e apurado de acordo com a metodologia e as diretrizes submetidas ao Ministério da Fazenda (Súmula Normativa n. 5, de 4 de dezembro de 2003 da Agência Nacional de Saúde). Art. 3º. Os contratos individuais de plano privados de assistência à saúde celebrados anteriormente à vigência da Lei n. 9.656, cujas cláusulas não indiquem expressamente o índice a ser utilizado para reajustes das contraprestações pecuniárias e sejam omissos quanto ao critério de apuração e demonstração das variações consideradas no cálculo do reajuste, deverão adotar o percentual limitado ao reajuste estipulado neste resolução. Art. 4º. O reajuste máximo a ser autorizado pela ANS para o período de que trata este resolução será de 11,75% (onze inteiros e setenta e cinco centésimos por cento). Destarte, impõe-se a manutenção da sentença declaratória da nulidade de cláusula que prevê reajuste anual com critérios que permitam, na prática, a variação unilateral de preço, fundamentada em critérios de reajuste genéricos e de difícil compreensão ao consumidor (cláusula 33), impondo-se a sua substituição por outra em que conste critério objetivo de reajuste estabelecido pela ANS ou índice oficial que reflita a inflação. Neste sentido, extrai-se do acórdão proferido em agravo de instrumento interposto contra decisão deferitória da tutela antecipada, in verbis: Colhe-se dos autos que Bradesco Saúde S/A aplicou percentual de reajuste entre 44,66% e 81,61% nas mensalidades dos planos de saúde, cujos contratos foram celebrados antes da entrada em vigor da Lei n. 9.656/98, a qual "Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde". O art. 35-G, renumerado pela Medida Provisória 1908-18 como art. 35-E, da Lei acima citada determinava que os eventuais reajustes estariam sujeitos à autorização prévia da Agência Nacional de Saúde – ANS. (...) Como se verifica, o dispositivo (...) determinava a aplicação da Lei também aos Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 23. contratos celebrados antes de sua vigência. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Tribunal Pleno, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1931/DF, concedeu, em parte, a medida cautelar para suspender a eficácia do referido dispositivo em razão da "incidência da norma sobre cláusulas contratuais preexistentes, firmadas sob a égide do regime legal anterior. Ofensa aos princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ação conhecida, para suspender-lhe a eficácia até decisão final da ação". Ou seja, segundo entendimento da Corte Suprema, a exigência de autorização da ANS para aplicação de reajuste, prevista na Lei n. 9656/98, não é aplicável aos contratos celebrados antes da sua vigência. É importante ressaltar que a medida cautelar acima mencionada suspendeu a aplicação da citada lei aos contratos celebrados antes de sua vigência, rechaçando a necessidade de autorização da Agência Nacional de Saúde para aplicação de reajuste nas mensalidades. Isso não significa que as seguradoras ou cooperativas de serviços médicos possam aumentar suas mensalidades indiscriminadamente e de forma abusiva. É incontroverso que a relação existente entre o usuário e a seguradora ou cooperativa de saúde é de consumo. (...) O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, ao arrolar as práticas abusivas, enumera, no inciso V, "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva". É evidente que o reajuste no percentual de 81,61% nas mensalidades dos planos de saúde é considerado manifestamente excessivo, sendo que nessa mesma época a Agência Nacional de Saúde aprovou previamente o aumento na ordem de 11,75%, conforme consta na Resolução Normativa n. 74/2004 e na Súmula Normativa n. 5, de 4/12/2003. (...) Dessa forma, mesmo que o Supremo Tribunal Federal tenha suspendido a eficácia do dispositivo que exigia a prévia autorização da ANS para o reajuste dos planos de saúde, cujos contratos tenham sido celebrados antes da vigência da Lei n. 9.656/98, deve ser levado em consideração o percentual sugerido pela Agência para o período (11,75%), haja vista ter sido calculado de acordo com os critérios legais. Aumento superior a esse, em princípio e em tese, configura abusividade, que deve ser sustada, pelo menos enquanto tramita o processo no qual se procura deslindar a questão. É indiscutível que caracterizada está a verossimilhança das alegações. O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, por sua vez, se mostra candente, pois se o reajuste aplicado fosse mantido, é bem provável que usuários acabariam rescindindo seus contratos em decorrência do alto custo, colocando em risco o direito à saúde, conforme se pode verificar da tabela ilustrativa elaborada pelo autor na petição inicial, cuja cópia está acostada à fl. 42. É indiscutível que a manutenção da decisão que antecipou os efeitos da tutela trará prejuízos à agravante; todavia, cotejando os direitos em conflito, é evidente que o direito à saúde dos segurados, a qual será colocada em risco caso os planos venham a ser reajustados abusivamente, é infinitamente mais importante e, por isso, deve prevalecer sobre os valores que a agravante terá que suportar até o final julgamento da demanda. (...) Presente, portanto, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Assim, Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 24. existindo os requisitos imprescindíveis para a antecipação dos efeitos da tutela, correta a decisão que a deferiu (Grifos acrescidos). Nestes termos, à vista da nulidade de cláusula impositiva do reajuste anual com critérios genéricos e de difícil compreensão de variação do preço (cláusulas 33 e 34), mantém-se a sentença de procedência a fim de que estas disposições contratuais sejam substituídas por outras que contenham critério objetivo de reajuste ou adotem índice oficial que reflita a inflação. 4. Irretroatividade da Lei n. 9.656/1998 Com relação à vedação ao prejuízo do ato jurídico perfeito, a obstar a incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos anteriormente firmados, cumpre observar que a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que, em contratos de trato sucessivo, inexiste violação ao princípio da irretroatividade da lei na aplicação de norma cogente, editada durante a contratualidade que se renova anualmente e que deve se adequar à regulamentação vigente em cada novo período. O seguinte julgado exemplifica a questão: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. REAJUSTE DE 100% NO VALOR DA MENSALIDADE, EM RAZÃO DA ELEVAÇÃO DA FAIXA ETÁRIA DO BENEFICIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE ACRÉSCIMO DE BENEFÍCIO. CONDUTA ABUSIVA DA OPERADORA CARACTERIZADA. LEI Nº 9.656/98 QUE, NOS CONTRATOS PACTUADOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA, VEDA A VARIAÇÃO DO PRÊMIO/MENSALIDADE EM RAZÃO DA IDADE DO CONSUMIDOR QUANDO ESTE CONTAR MAIS DE 60 ANOS, SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA ANS. ART. 35-E, INC. I, DO MESMO PRECEITO LEGAL. SITUAÇÃO EVIDENCIADA NA ESPÉCIE. ALEGAÇÃO DE QUE TAL LEGISLAÇÃO NÃO SERIA APLICÁVEL AOS CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA SUA VIGÊNCIA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO NO SENTIDO DE QUE A NORMA SUPERVENIENTE É APLICÁVEL QUANDO NÃO TENHA SIDO AO CONSUMIDOR OPORTUNIZADA A ADAPTAÇÃO DO PLANO PARA A MODALIDADE REFERENCIAL. "Embora não seja permitida a aplicação retroativa da lei, há entendimento predominante na jurisprudência de que nos contratos de plano de saúde, se não foi oportunizada a possibilidade de migração de plano atingido pela nova lei, o contrato passa a ser regulamentado por esta, face a sua renovação anual e automática. Assim no presente caso, ao contrato de plano de saúde, do qual a autora apelada é beneficiária, são aplicáveis as normas da Lei n° 9.656/1998. É bom que se diga que a incidência da norma supracitada não ofende o ato jurídico, pois não se trata de aplicação retroativa do referido diploma legal, mas de mera adequação do contrato a esse novo regramento jurídico, que, além de possuir caráter de ordem pública, tem aplicação imediata. Logo, não há falar em violação ao princípio da irretroatividade das leis, uma vez que, tratando-se de contrato de longa duração, o qual se renova, de regra, anualmente e de forma automática, obrigação essa de trato sucessivo, também denominado de contrato cativo, devem as estipulações fixadas no curso deste atender à Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 25. regulação atinente a cada novo período (Apelação Cível n° 2008.082158-7, Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben, DJ de 26/05/2009) [...]" (Apelação Cível n° 2011.008812-5, de Itajaí. Relator: Des. Carlos Prudêncio, j. 13/04/2011). APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI Nº 10.741/03. REGRA DE ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL QUE, EM SEU ART. 15, § 3º, VEDA A DISCRIMINAÇÃO DO IDOSO NOS PLANOS DE SAÚDE EM RAZÃO DA IDADE. AFRONTA AO ATO JURÍDICO PERFEITO E AO DIREITO ADQUIRIDO NÃO DEMONSTRADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "[...] O § 3º do art. 15 da lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) dispõe que "é vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade". Assim, não há qualquer fundamentação legal para que sejam acolhidos os argumentos da ré em relação à inaplicabilidade do Estatuto do Idoso por terem os autores firmado contrato antes do advento desta lei, conforme já decidiu este Tribunal com a fundamentação que se enquadra perfeitamente no caso em tela: "Não há falar em violação à regra da irretroatividade das leis e do ato jurídico perfeito, porquanto estamos diante de preceitos legais cogentes, de ordem pública, prevalentes, e de aplicação imediata, podendo os efeitos, sem sombra de dúvida, incidir sobre os pactos em vigor, até porque são eles, no presente caso, de trato sucessivo" (Apelação Cível nº 2009.011501-6, Des. Mazoni Ferreira)" (Apelação Cível nº 2012.063387-5, de Lages. Relator Desembargador Marcus Túlio Sartorato, julgado em 25/09/2012). (TJSC, Apelação Cível n. 2012.082007-6, da Capital, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 27-06-2013) (Grifo acrescido). De toda sorte, a controvérsia foi dirimida à luz do Código de Defesa do Consumidor, não havendo falar em afronta ao ato jurídico perfeito ou à irretroatividade de lei. 5. Observância ao dever de prestar informações No tocante à obrigação de prestar informações claras e precisas aos segurados acerca do reajuste do valor do prêmio, os artigos 4º, caput, e 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, estabelecem: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (...) Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem (Grifos acrescidos). Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva discorre acerca do princípio da transparência nas relações de consumo, ao ponderar que: Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 26. O princípio da transparência, essencialmente democrático que é, ao reconhecer que, em uma sociedade, o poder não é só exercido no plano da política, mas também da economia, surge no Código de Defesa do Consumidor, com o fim de regulamentar o poder econômico, exigindo-lhe visibilidade, ao atuar na esfera jurídica do consumidor (SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de Defesa do Consumidor Anotado e legislação complementar, 3. ed. São Paulo: Saraiva 2003). Cláudia Lima Marques acrescenta: Na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores o novo princípio básico norteador é aquele instituído pelo art. 4. º, caput, do CDC, o da Transparência. A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002. P. 594-595) (Grifo acrescido). Sob este prisma, diante da reconhecida nulidade de cláusula potestativa, determinante do reajuste das mensalidades do plano de assistência à saúde, agiu com acerto o Magistrado sentenciante ao julgar procedente o pedido a fim de compelir a operadora a "informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores os novos critérios e índices estabelecidos na sentença e que serão utilizados para reajustes das mensalidades", bem como acerca das propostas de adequação, migração ou manutenção dos contratos antigos, em observância à transparência na relação de consumo. Mantém-se, pois, a decisão de primeiro grau neste aspecto. 6. Sanção do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor A operadora de plano de assistência à saúde insurge-se contra a procedência do pleito condenatório à devolução em dobro do valor cobrado a mais dos segurados, alegando ausência de má-fé. Melhor sorte não socorre a recorrente, porquanto o parágrafo único do artigo 42 da legislação consumerista determina que, "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescidos de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin esclarece: A pena do art. 42, parágrafo único, rege-se por três pressupostos objetivos e um subjetivo ('engano justificável'). No plano objetivo, a multa civil só é possível nos casos de cobrança de dívida; além disso, a cobrança deve ser extrajudicial; finalmente, deve ela ter por origem uma dívida de consumo [...] Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 27. Se o engano é justificável, não cabe a repetição. No Código Civil, só a má-fé permite a aplicação da sanção. Na legislação especial, tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição [...]. A prova da justificabilidade do engano, na medida em que é matéria de defesa, compete ao fornecedor. O consumidor, ao reclamar o que pagou a mais e o valor da sanção, prova apenas que o seu pagamento foi indevido e teve por base uma cobrança desacertada do credor (Benjamin, Antônio Herman de Vasconcellos. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 394, 396-397) (Grifos acrescidos). A jurisprudência da Corte Superior perfilha o mesmo entendimento, no sentido de que a culpa do fornecedor, aferível pela ausência de prova da justificação do engano, é suficiente para a responsabilização à devolução em dobro da quantia cobrada indevidamente do consumidor. Vejam-se as seguintes ementas: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO GENÉRICA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ART. 42 DO CDC. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA TARIFA COBRADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO INATACADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. (...) 2. O STJ tem decidido que basta a configuração de culpa para o cabimento da devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo consumidor, porque "o engano é justificável exatamente quando não decorre de dolo ou de culpa (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 9ª ed., Rio de janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 408)" (AgRg no AgRg no Ag 1.255.232/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16/3/2011) (...) (AgRg no AREsp 402.148/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 20/03/2014, DJe 28/03/2014) (Grifos acrescidos). ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇOS TELEFÔNICOS NÃO SOLICITADOS PELO USUÁRIO. COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. REVISÃO DO ACÓRDÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. Dispõe o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o engano é considerado justificável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do prestador do serviço público (...) (AgRg no AREsp 431.065/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014) (Grifos acrescidos). Na espécie, a recorrente valeu-se da suspensão liminar da eficácia do artigo 35-E da Lei n. 9.656/1998, pelo Supremo Tribunal Federal – norma Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 28. condicionante do reajuste dos preços dos contratos de assistência à saúde à aprovação de Agência Nacional de Saúde Suplementar – para informar equivocadamente a seus consumidores sobre a liberdade de adoção de índices de correção monetária, ao tempo em que promoveu o reajuste exorbitante do valor das mensalidades dos contratos individuais de seguro de saúde, celebrados antes da vigência da Lei n. 9.656/1998, em percentuais que variam de 44,66% (quarenta e quatro vírgula sessenta e seis por cento) a 81,61% (oitenta e um vírgula sessenta e um por cento), muito além dos 11,75% (onze vírgula setenta e cinco por cento) sugeridos e autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para os contratos novos. É evidente a conduta dolosa da operadora do plano de assistência à saúde que, na tentativa de ludibriar os consumidores para reajustar significativamente contratos antigos, comunicou-lhes que a prática infausta estava amparada em disposição contratual e na decisão do Supremo Tribunal Federal. Acrescenta-se a isto o fato de que a operadora do plano de assistência à saúde firmou acordo com a ANS reconhecendo, parcialmente, o equívoco no reajuste exorbitante de preços, a denotar que sabia da ilicitude de sua conduta. Não fosse o bastante, não logrou a recorrente comprovar o engano justificável, hipótese excludente da repetição do indébito, por valor igual ao dobro do pagamento em excesso, dever inteiramente seu, nos termos do artigo 333, II, do Código de Processo Civil. Sob este prisma, diante do reajuste exorbitante das mensalidades do plano de assistência à saúde e da ofensa ao dever de informar clara, ampla e adequadamente aos consumidores sobre critérios e índices incidentes sobre a avença, pela recorrente, impõe-se-lhe a obrigação de restituir, em dobro, os valores excessivamente cobrados dos consumidores, conforme determinado na decisão de primeiro grau. 7. Prequestionamento de dispositivos legais e constitucionais Bradesco Saúde S.A. pretende a manifestação expressa, para fins de prequestionamento, a respeito dos dispositivos de lei mencionados em suas razões. Todavia, é cediço que não há necessidade de o Magistrado pronunciar-se acerca de todos os dispositivos legais invocados pelas partes. É que a aplicação do direito ao caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, realizada de forma motivada, a fim de atender ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal, mostra-se suficiente. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO. 1. Satisfaz o requisito do prequestionamento o efetivo debate no Tribunal de origem das questões devolvidas no recurso especial, ainda que não constem no texto do aresto os artigos supostamente violados, admitindo-se, portanto, o prequestionamento implícito. Precedentes. Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 29. 2. Não há que se falar na violação da Súmula 7/STJ, pois a questão analisada no recurso especial não exige revolvimento fático. A nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal de origem foi decretada em virtude de omissão na análise da alegação da Fazenda Nacional quanto à prescrição - o fato de que a declaração do contribuinte seria posterior ao vencimento da obrigação, alterando-se o termo inicial. 3. Embargos de declaração rejeitados (STJ, Edcl no Resp n. 1166833/MG. Relator: Min. Castro Meira. Data: 02/12/2010) (Grifo acrescido). 8. Litigância de má-fé O artigo 17 do Código de Processo Civil determina, entre outras situações, que será considerado litigante de má-fé quem deduzir pretensão ou defesa de fato incontroverso, alterar a verdade dos fatos, opuser resistência injustificada ao andamento da lide, usar do processo para conseguir objetivo ilegal ou, ainda, interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. No caso em apreço, constata-se, de ofício, que a operadora do plano de assistência à saúde litigou de má-fé, pois utilizou de teses infundadas em suas razões recursais, as quais foram todas afastadas, bem como deduziu defesa de fato incontroverso na tentativa de alterar a verdade dos fatos e opor resistência injustificada ao andamento do processo ao alegar: a) perda superveniente do objeto da ação, em razão do acordo formulado com a ANS; b) não ter reconhecido a procedência do pedido, na forma do inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil; c) inexistência de abusividade nas cláusulas de reajuste dos prêmios de seguro saúde; d) irretroatividade da lei em prejuízo ao ato jurídico perfeito, a obstar a incidência da Lei n. 9.656/1998 e da Resolução n. 74/2004 da ANS aos contratos anteriores; e) haver prestado informações claras e precisas aos segurados acerca do reajuste do valor do prêmio, e f) ser descabida a penalidade contida no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. A conduta que se descrevem, sem dúvida, configura a lide temerária de que ora se trata, sendo a multa respectiva impositiva. Sobre o tema, colhe-se desta Corte: A seguradora deve ser condenada às penas da litigância de má-fé quando obsta processualmente o cumprimento da obrigação advinda do contrato de seguro com fundamentos esparsos e sem força a derruir o direito do segurado, porquanto marchar de forma inversa descredita as relações jurídicas em geral. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.072844-2, de Joinville, rel. Des. Fernando Carioni, j. 06-11-2012). Resta flagrante, portanto, que o recurso interposto contrapõe-se ao dever das partes – e daqueles que participam do processo – de contribuir para com o Judiciário, conforme o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil, in verbis: Art. 14 São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 30. II – proceder com lealdade e boa-fé; III – não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. O art. 339 do Código de Processo Civil acrescenta: "Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade." Luiz Guilherme Marinoni explica que o Juiz tem o dever de prestar tutela adequada, efetiva e célere, enquanto o cidadão é o credor destes serviços qualificados (conforme art. 5º, inciso XXXV, CF) (in Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, p. 345). Não é outra a dicção do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, aplicável aos usuários do Poder Judiciário: Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (omissis) X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Não se pode condescender com atitudes tais, razão pela qual se justifica a imposição da sanção citada, com fincas a desestimular a litigância judicial infundada e a "eternização" do processo, frente a um Judiciário sobrecarregado em todo o país. Só no Tribunal de Justiça de Santa Catarina há mais de 80.000 (oitenta mil) processos em estoque, esperando julgamento – número, inclusive, que cresce continuamente. Outrossim, para reflexão, lembremos que cada processo julgado nesta Corte de Justiça consome em média, aproximadamente, 32 (trinta e duas) horas de trabalho, entre atividades meio e atividades fim. As atitudes inidôneas dos litigantes habituais, que abusam do direito de recorrer e formulam alegações protelatórias, fazem com que as horas trabalhadas e o custo dos processos duplique, triplique ou mais. A prática desleal dos operadores do direito contribui sobremaneira para o crescimento desse dado, retarda a prestação jurisdicional e lesa o erário. Segundo a Associação dos Magistrados Catarinenses, os litigantes habituais vêm-se utilizando de forma predatória do Judiciário, "consumindo" os nossos já escassos recursos humanos e financeiros. É certo que os recursos protelatórios atrasam ou inviabilizam a prestação jurisdicional de outros processos mais importantes, além de tal facere enfraquecer, inclusive, a própria magistratura, quiçá a cidadania dos jurisdicionados. Referida interpretação deve ser adotada não só para os maiores "clientes" do Judiciário, mas para todos os casos em que se verifique o abuso do direito de defesa ou do uso desmedido dos recursos previstos na legislação pátria. A cada recurso protelatório ou com teses infundadas, outros ficam na pilha aguardando a apreciação dos Julgadores e equipes. Oportuno lembrar que um Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning
  • 31. dos objetivos fundamentais da República é a formação de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, CF), em que uns colaboram com os outros para alcance de fins comuns. Não é constitucional atrasar os processos das outras pessoas. Por último, é de se perguntar se estes litigantes contumazes, que tumultuam a contenda, estão respeitando o preceito constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF, cumulado com art. 14, do CPC). A desordem processual tem por consequência a demora de dois ou mais processos que deixaram de ser julgados porque “faltou tempo”. Dessa feita, devidamente evidenciada a prática desleal da recorrente, impõe-se sua condenação ao pagamento de multa de 1% (um por cento), a título de litigância de má-fé (CPC, art. 17, IV), bem como de indenização de 20% (vinte por cento) (CPC, art. 18, § 2º), ambas incidentes sobre o valor atualizado da causa. CONCLUSÃO Diante do exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso, negar-lhe provimento e, de ofício, condenar a apelante ao pagamento de multa de 1% (um por cento), a título de litigância de má-fé (CPC, art. 17, IV), bem como de indenização de 20% (vinte por cento) (CPC, art. 18, § 2º), ambas incidentes sobre o valor atualizado da causa. Gabinete Des. Raulino Jacó Brüning