O Governo do Estado tem prazo de 60 dias para regularizar a situação do Centro de Atendimento Socioeducativo de Lages e do Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório de Lages. A decisão dos Desembargadores Rodrigo Cunha e Júlio César Knoll, que mantêma sentença de primeiro grau, atende ao pedido do Ministério Público de Santa Catarina.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Infância e Juventude - 2012.011520-5
1. Apelação Cível n. 2012.011520-5, de Lages
Relator: Desembargador Ricardo Roesler
APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE
REGIONALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO DE INTERNAÇÕES
IMPOSTAS AOS MENORES EM CONFLITO COM A LEI PENAL.
ALEGAÇÃO, PELO ESTADO, DE INGERÊNCIA DO
JUDICIÁRIO. IMPROPRIEDADE. DEDUÇÃO INCIDENTAL DE
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA ORIGEM, TENDO EM CONTA
A DISCIPLINA DOS ARTS. 308 A 310 DO CÓDIGO DE
NORMAS DA CGJ. INAPLICABILIDADE.
SENTENÇA QUE DETERMINA O ATENDIMENTO
REGIONALIZADO DOS MENORES SUJEITOS À INTERNAÇÃO
NA COMARCA DE LAGES, ALÉM DE IMPOR A SEPARAÇÃO
DO ATENDIMENTO DE INFRATORAS (SEXO FEMININO), E A
IMPLEMENTAÇÃO DE MAIS DEZ VAGAS. PRETENSÕES QUE
SE DESTINAM A GARANTIR O CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS PELO MENOR EM CONFLITO COM A LEI
PENAL PRÓXIMO DE FAMILIARES E DE SUA COMUNIDADE.
OBSERVAÇÃO DO PRIMADO DA PROTEÇÃO INTEGRAL
(ART. 124, VI, DO ECA E ART. 227 DA CR). DEDUÇÃO DE
IMPOSSIBILIDADE EM FACE DA NECESSIDADE DE
PLANEJAMENTO E DE ORÇAMENTO QUE CONFLITA COM O
ACORDO, FIRMADO EM JUÍZO (E NÃO CUMPRIDO), PARA
IMPLEMENTAÇÃO DAQUELAS MEDIDAS. SENTENÇA
MANTIDA, INCLUSIVE EM RELAÇÃO À MANUTENÇÃO DOS
EFEITOS DA TUTELA, AMPLIANDO-SE UNICAMENTE O
PRAZO (FIXANDO-SE 60 DIAS) ÀQUELAS MEDIDAS QUE POR
SENTENÇA SE IMPÔS O CUMPRIMENTO IMEDIATO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2012.011520-5, da comarca de Lages (Vara da Infância e Juventude), em que é
apelante Estado de Santa Catarina, e apelado Ministério Público do Estado de Santa
Catarina:
A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar
provimento ao recurso e, em sede de remessa, alterar parcialmente a sentença.
Custas legais.
2. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Desembargadores Rodrigo Cunha (Presidente com voto) e Júlio César Knoll.
Florianópolis, 27 de novembro de 2014.
Ricardo Roesler
RELATOR
Gabinete Des. Ricardo Roesler
3. RELATÓRIO
O Ministério Público propôs ação civil pública em face do Estado de
Santa Catarina, postulando a regularização dos atendimentos de internação de
menores em conflito com a lei penal na cidade de Lages. Da inicial consta o seguinte
relatório:
Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público, por sua
Promotora, contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, qualificado, em que postula,
via liminar, a ser confirmada na sentença, a obrigação de não fazer, consistente na
restrição de vagas, através de internação no CASE – Centro de Atendimento
Socioeducativo de Lages, anteriormente denominado CER – Centro de Educação
Regional de Lages, bem como o CASEP – Centro de Atendimento Socieducativo
Provisório de Lages, antes chamado CIP – Centro de Internação Provisória, isto é,
em relação aos adolescentes procedentes de outras regiões do Estado de Santa
Catarina, sob pena de multa diária no valor de um salário-mínimo por adolescente
encaminhado. Finalmente, postula a remoção dos adolescentes proveniente de
outras regiões do Estado, no prazo de 30 dias, igualmente sob pena de multa.
Requer, também, a imposição da obrigação de fazer, consistente na disponibilização
de vagas no sistema socioeducativo estadual, especificamente nos estabelecimentos
situados em Lages, junto ao CASE e CASEP, para adolescentes infratoras, assim
como o programa para execução da medida socioeducativa de semiliberdade. Junta
o procedimento administrativo preliminar.
Disserta sobre a capacidade do CASE e CASEP de Lages, para 38 e 10
pessoas, respectivamente, bem como sobre o histórico e quadro funcional. Aduz que
são recebidos adolescentes de todas as regiões do Estado e não existe adequada
separação, sendo a formação cultural distinta. Sustenta que os adolescentes são
afastados do município de origem e, consequentemente, da sua família, o que
compromete o direito previsto na legislação. Aduz que também a segurança da
comunidade e de outros monitores, atualmente denominados agentes
socieducativos, está comprometida. Informa que o Estado não demonstrou interesse
na resolução extrajudicial do problema. Finalmente, argumenta que não existia, à
época do ajuizamento, instituição adequada para o cumprimento da medida
socioeducativa de semiliberdade, motivo pelo qual não havia como implementá-la
nesta região do Estado, inobstante a previsão legal.
Realizada audiência preliminar de conciliação, restou acordada a suspensão
da ação pelo prazo de 06 meses, a contar de 25/06/2009, elaborando-se projeto para
readequação do espaço físico do CER (atual CASE), inclusive espaço para
adolescentes infratoras; concluída a obra do "CIP e CER" de Itajaí, os adolescentes
daquela região deviam ser transferidos; quanto aos adolescentes da região
metropolitana da Capital, deviam ser "permutados" com outros que já estavam aqui;
qualquer internação de adolescentes fora da região devia ser comunicada ao Juízo,
com certidão de antecedentes; finalmente, fixou-se o prazo de 90 dias para o início
do programa de semiliberdade (fl. 479).
À fl. 486 consta ofício subscrito pelo então diretor do departamento de justiça e
cidadania, datado de 08/12/2009, em que informa o início das atividades da casa de
semilliberdade de Lages, bem como o início das obras de "reforma, ampliação e
adequação do espaço físico, bem como a construção da ala feminina", prevista para
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4. o início de 2010.
O Ministério Público manifestou-se nos autos, insistindo no deferimento da
liminar.
O Estado foi citado (fl. 500v), mas não há notícia de resposta em tempo hábil.
(fls. 524-525)
Acolheu-se em parte os pedidos formulados, nestes termos:
Pelo exposto, JULGO procedente, em parte, o pedido formulado pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, para condenar o
requerido ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na reserva de vagas no
CASE/Lages do mínimo de metade para condenados ao cumprimento de medida
socieducativa de internação por este Juízo. O restante deve ser destinado,
prioritariamente, às demais Comarcas integrantes da região Serrana (municípios
integrantes da AMURES) e, sucessivamente, às demais Comarcas do Estado,
respeitada a proximidade da residência do infrator. As vagas do CASEP devem ser
destinadas somente aos adolescentes cuja intervenção provisória foi determinada
pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lages e das outras
Comarcas da região Serrana (municípios integrantes da AMURES). Surgindo novas
vagas no CASE, mediante análise de substituição da medida socioeducativa por este
Juízo, devem ser imediatamente transferidos do CASEP os que lá se encontram em
cumprimento de medida socieducativa de internação (não provisória),
independentemente da reserva mínima de vagas da CASEMI – casa de
semiliberdade também devem ser destinadas com exclusividade aos adolescentes
da região serrana (municípios integrantes da AMURES), priorizando-se a concessão
de vaga aos procedentes do CASE (P). Qualquer transferência de internos deve ser
precedida de comunicação ao Juízo, em cumprimento desta decisão. E, ainda,
condenar o requerido ao cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na
vedação da internação CASEP de Lages de infratores procedentes de outras
Comarcas que não as da região Serrana (municípios integrantes da AMURES), bem
como, vedar a internação no CASE, em relação à metade das vagas reservadas, de
infratores procedentes de outras regiões do Estado de Santa Catarina.
Excepcionalmente, admitir-se-á a internação provisória de adolescentes provenientes
de outros Estados, mas o DEASE deve proceder o imediato encaminhamento ao
município de origem, mediante requisição de vaga, sob determinação judicial. E,
finalmente, para condenar o réu ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente
na implementação do número mínimo de 10 (dez) vagas, em local distinto do prédio
do CASE/CASEP, destinadas ao cumprimento da medida socieducativa de
internação pro infratoras (sexo feminino).
Presentes os requisitos legais, ANTECIPO A TUTELA, determinando o
imediato cumprimento dos dispositivos da sentença, sob pena de multa diária no
valor de R$ 1.000,00 nos termos do art. 461, § 4.º, do CPC, exceto quanto à
implementação de vagas para infratoras, em relação ao qual fixo o prazo de 06 (seis)
meses, a partir desta data.
Em consequência, JULGO extinta a ação 039.09.005255-0, com fulcro no art.
269, I, do CPC. (...). (fls. 531-533)
Houve pedido de suspensão da tutela concedida, em parte acolhido –
em termos práticos suspendeu-se a antecipação, em toda sua extensão (fls.
581-587).
Sobreveio recurso do Estado, em que deduziu, inicialmente, a
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5. impossibilidade do Judiciário intervir no âmbito de gerência do Executivo, concluindo
pela carência da ação. Ademais, mencionou que a intervenção nos centros de
internação somente poderiam ser opostas pelo juízo de correição, nos termos dos
arts. 308 a 310 do Código de Normas; logo, o juízo sentenciante seria incompetente.
Em relação ao mérito, afirmou observar a legislação de proteção da criança e do
adolescente, e que a sentença, tal qual firmada, impõe o tratamento desigual entre os
internados. Disse que não se poderia, ademais, dispor de medidas regionalizadas,
considerando que o serviço é uno em todo o Estado. Asseverou, ainda, atender
minimamente as exigências legais, informando também que estão em andamento
estudo de políticas de melhoria do sistema, mas que demandam certa logística e,
principalmente, o aporte de receitas. Prequestionou, por fim, os dispositivos
invocados.
Houve contrarrazões (fls. 590-602).
Nessa instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e
desprovimento do apelo (fls. 610-616). Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral
de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Sandro José Neis.
É o relatório.
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6. VOTO
Trato de recurso interposto contra sentença que, acolhendo em parte a
pretensão ministerial, determinou o implemento de medidas a fim de regularizar o
trânsito de menores em conflito com a lei penal na cidade de Lages, sobretudo para
regionalizar o atendimento dos menores naquela comarca.
A temática inicial de defesa é recorrente; num primeiro momento o
Estado deduziu a impossibilidade jurídica do pedido em face do primado da
separação dos poderes. Não é o caso.
É fácil notar que cada vez mais há a necessidade de intervenção judicial
para a solução de políticas públicas mínimas. Daí tanto se questionar, de um lado, o
que se rotula desavisadamente como certo ativismo judiciário indevido, e de outro a
eventual limitação do Poder Público de fazer frente àquelas exigências por vezes
mais elementares.
Tenho que o Poder Judiciário está legitimado para controlar, determinar
e formular as atividades desenvolvidas pelo Estado quando sua omissão, além de
evidente, revela-se perniciosa. O princípio da separação dos poderes, corretamente
interpretado no Estado Democrático de direito (que incide sobre a realidade social,
para modificá-la), significa que o Estado, único, atribui constitucionalmente o exercício
de suas funções a determinados órgãos, que as exercem primariamente, sem
interferência dos outros em suas atividades, mas sobre essas atividades paira o
controle dos atos dos demais "poderes" pelo Judiciário. Por outro lado, admite-se hoje
o controle do Judiciário sobre o mérito de determinados atos administrativos. Não há
mais atos discricionários que escapem do controle do Judiciário (ao menos
formalmente).
Essa intervenção, evidentemente, não é deliberada. E quais são essas
circunstâncias- Em tema de políticas públicas, o Poder Judiciário pode interferir para
implementá-las, na omissão do poder público, ou para corrigi-las, se não se
adequarem aos objetivos constitucionais. Trata-se em última análise, de controle de
constitucionalidade. O sistema brasileiro herdou a tendência – hoje realidade – de
judicialização da política diretamente da judicial review norte-americana, introduzida
em 1891 pela decisão do juiz Marshall no caso de Malbury x Madison (1803, quando
a Suprema Corte dos EUA instituiu o controle judicial de constitucionalidade das leis –
controle de constitucionalidade difuso – marca do constitucionalismo ocidental). E é
oportuno lembrar que o modelo constitucional brasileiro, desde a Constituição
Republicana inspira-se no sistema norte-americano.
No que se refere a eventual intervenção judicial, o Supremo Tribunal
Federal tem fixado as seguintes balizas: 1 - a o mínimo existencial (núcleo duro dos
direitos sociais, essencial à dignidade humana), também pressuposto de sua imediata
judicialização.; 2 – a razoabilidade do pedido (individual ou coletivo) em contraposição
à irrazoabilidade da atuação do poder público; 3 – a reserva do possível (existência
de verba orçamentária). O Supremo Tribunal também tem afirmado que, tratando-se
do mínimo existencial, ele deve ser imediatamente satisfeito, independentemente da
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7. existência da reserva do possível. E assim deverá ser com a educação.
Maurice Merleau-Ponty, em preciosa monografia sobre o exercício
dialético, lembra que o discurso político não raras vezes orienta-se por meio de
alguma filosofia naturalista, bastante adequada, em face de sua generalidade, para
conter elementos morais (As aventuras da dialética, Martins Fontes, 2006, p. 91 e
segs.). Na prática, anota o autor, há alguma tentativa de propor uma retórica subjetiva
para permitir a isenção de determinados deveres e a indulgência gratuita do cidadão,
sem efetiva demonstração de que há direcionamento da atividade pública aos fins
próprios ao alcance do bem comum.
Bem porque esse tipo de retórica confere na maiora das vezes o tom do
discurso político é que se tem admitido a intervenção do Judiciário. Nesse passo,
embora não se possa de modo generalizado impor encargos à Administração Pública,
é possível a intervenção de modo a assegurar a implementação sobretudo de direitos
fundamentais. Sobre o tema, cito:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE -
ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL -
DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART.
208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER
PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO
IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional
indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu
desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o
atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa
prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta
significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional
de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das
'crianças de zero a seis anos de idade' (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e
atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se
inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o
integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o
próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como
direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de
concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública,
nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios -
que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art.
211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da
República, e que representa fator de limitação da discricionariedade
político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do
atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de
modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera
oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e
executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário,
determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de
políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas
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8. pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento
dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório -
mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e
culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à 'reserva do
possível'. Doutrina" (RE 410.715-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello,
publicado em 03.02.06).
Não conheço, por isso, da dedução de suposta ofensa ao art. 2.º da CR
e do art. 32 da CE.
O pedido, portanto, é viável, ao menos hipoteticamente. No mais é
disciplina afeita ao mérito, e a apropriação há de ser feita em tempo e modo.
Com relação à dedução incidental de incompetência do juízo, fundada
nos arts. 308 a 310 do Código de Normas da CGJ, observo que, não bastasse ser ele
tardio, é evidentemente sem propósito. O fato de se atribuir, no âmbito administrativo,
a competência de intervenção imediata em presídios ao juiz-corregedor (é disso que
tratam aqueles dispositivos) não justifica que se fixe a competência no âmbito judicial,
sobretudo porque aqui nem mesmo se trata de matéria afim. Soa, bem a propósito, de
certo modo leviano comparar instituições de recuperação de menores com presídios
– ainda que o descaso público seja notável, reflexamente, em relação às duas
instituições.
Quanto ao mérito, suponho, não há retoques a serem feitos.
O Ministério Público oficiante na comarca de Lages postulou, em suma,
a melhoria do atendimento prestado aos menores conduzidos aos centros de
internação daquela comarca, apontando a necessidade atendimento regionalizado, a
fim de evitar o indiscriminado encaminhamento de menores de outras localidades;
postulou-se, ainda, a criação de 10 novas vagas em face da demanda e o
atendimento especializado às menores (adolescentes do sexo feminino).
Há, na proposição, não só a expectativa de algum atendimento com
qualidade, mas sobretudo observar com maior efetividade a vocação desses centros
– em tese propiciar a recuperação e reinserção dos menores internados –
permitindo que permaneçam próximo do convívio comunitário e do familiar.
É fato bem conhecido da comunidade catarinense a carência da vagas
também para internamento de menores em conflito com a lei penal, bem porque
recorrentemente é noticiada na imprensa. Trata-se de um quadro bastante
sintomático, tanto da falta de investimentos na estrutura quanto, e principalmente, na
preocupação com políticas de prevenção. O pedido do Ministério Público, afinal, é a
evidência desse notório desarranjo, pois na prática se propõe alguma expansão do
atendimento – algo que a rigor deveria compor a pauta de políticas mínimas de
investimento.
A descortinada urgência de adequação, contudo, deve ser (sempre)
medida com certa cautela; a necessidade de melhor adequação sobretudo do
atendimento prestado nestes centros, creio, certamente fosse mais efetiva se
implementada sistematicamente; o ajuste regionalizado e isolado de atendimento
pode redundar eventualmente, inclusive, algum desajuste ainda maior, tendo em
conta que o sistema é visivelmente disfuncional. Medidas dessa natureza são por
isso, em regra, pouco eficazes, e sempre dependentes de algum arrojo, de certo jogo
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9. de malabares que, quando mais, são apenas o exercício do possível.
Por outro lado, penso que não se possa – não se deva – lançar mão
de especulações como justificativa para que se evite, ou mesmo iniba, medidas mais
incisivas de correção. Do contrário se notará, logo adiante, a inversão de valores, tal
como a que propõe o próprio Estado, chegando ao ponto de afirmar que "a decisão
recorrida, é certo, confere tratamento privilegiado aos menores infratores de Lages e
Região Serrana em detrimento daqueles que terão que ser removidos para outras
localidades, em condições desfavoráveis ou serão impedidos de serem aqui
internados" (fl. 549). Francamente, suponho que a dedução do Estado por si
esclareça a falta de compreensão (preocupante!) das autoridades com os menores
que conflitam com a lei penal, pois se referir a "privilégio" em meio às deficiências já
instaladas, e ao caos que se avizinha, releva muito mais que o simples desapego e a
falta de sentimento de humanidade; é o retrato do completo descaso, a fina flor do
descompromisso público. Justificar-se a manutenção das condições atuais de modo a
não prejudicar ainda mais os menores internados é no mínimo ultrajante do ponto de
vista humano.
Assim, embora não se possa deliberadamente apostar em adequações
setorizadas como forma de resolver desarranjos tão delicados, não é a partir da
apatia e da lenidade, ou mesmo do discurso naturalista e protocolar da Administração
Público que se justificará a inviabilidade de algum ajuste; bem porque, no caso, a
adequação proposta não tem a amplitude que se brada e a temeridade que se
pretende incutir.
No mais, o próprio Estado justifica a necessidade de melhorias: em seu
recurso é afirmado que atualmente estão disponíveis 58 vagas em todo o Estado, das
quais 38 em Lages e 20 na regional de Chapecó (fl. 551) – isso porque à época do
recurso um terceiro centro de internação, situado em São José, estava, veja-se,
interditado.
Atualmente, segundo noticia a imprensa local, o Estado conta com um
novo centro, também em São José, que veio a suceder o antigo centro educacional
São Lucas (interditado e adiante implodido), com capacidade, ao menos inicial, para
abrigar 90 jovens (até o fim desse ano), ainda que a demanda inicial fosse, em junho
passado, de mais de 160 vagas
(http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/171613-amparo-social.html). Daí se
percebe que aparentemente qualquer iniciativa administrativa tem invariavelmente
demandado a prévia intervenção judicial, tal como se percebe na implementação do
novo centro em São José.
Remanesce, assim, considerável déficit de vagas. O Estado afirmou que
há a pretensão de estabelecer atendimento regionalizado, com divisão do
atendimento em 5 (cinco) macro-regiões (fl. 551). Mas ainda se transita muito plano
das intenções; a justificativa da mora vem apoiada num surrado e bem conhecido
discurso: falta tempo, falta planejamento e, sobretudo, orçamento. Ainda que seja
muito difícil dialogar diante dessas proposições, no caso particular não se pode
ignorar que o Estado chegou a formular acordo em juízo com o Ministério Público,
ainda em junho de 2009, nos seguintes termos:
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10. CLÁUSULA PRIMEIRA – os litigantes resolvem: suspender o andamento da
presente lide pelo prazo de 06 (seis) meses, dentro do qual será elaborado um
projeto visando à readequação do espaço físico do Centro Educacional Regional
(CER), buscando uma solução definitiva para alojamentos coletivos, assim como a
eventual ocupação de espaço para a ala feminina; o Estado se compromete que
dentro do referido prazo, uma vez concluídas as obras do CIP e CER de Itajaí,
efetuará o remanejamento dos adolescentes internos pertencentes àquela região; no
que diz respeito aos adolescentes oriundos da região Metropolitana da Capital,
sempre que houver a necessidade internamento, a mesma será efetuada mediante
permuta com outro adolescente interno da mesma região; fica estabelecido ainda
que qualquer internação de adolescentes fora da região de abrangência do CIP e
CER – Lages será comunicada ao Juízo com a respectiva certidão de
antecedentes; fica estabelecido o prazo de até noventa dias para início do programa
de semiliberdade (fl. 479)
O que formalmente passou a compor um acordo quando mais foi
interpretado pelo Estado como uma carta de intenções, pois não chegou a ser
cumprido, conforme viria adiante o Ministério Público a relatar (fls. 488-490). Eis em
síntese a solução dada pelo primeiro grau no julgamento da ação, onde cada um
cumpriu seu papel, numa liturgia que se segue tanto odiosa quanto cotidiana: a
Administração, com as promessas (aqui formais), e o Judiciário, com o encargo de
fazê-las cumprir.
Daí porque não há mais escusas, e tampouco de alguma retórica de
maior persuasão; afinal, ainda em 2009 o Estado propôs-se a implementar o que
pedia o Ministério Público. A supor que não se tratava de um engodo, de uma
promessa vã, já dispunha, àquela época, de condições para implementá-las, já que
assim declarou, voluntariamente – inclusive abstendo-se, adiante, de contestar o
pedido inicial.
Penso, ainda, que a tutela deva ser resguardada. Lembro que a ação
originalmente data de 2009, ano em que se firmou o acordo adiante descumprido; a
sentença, a seu turno, data de dezembro de 2011 (fl. 534). Houve tempo bastante
razoável até aqui para que se cumprisse obrigações visivelmente singelas. A
antecipação, portanto, é exigível, considerando, todavia, a suspensão incial
determinada neste Tribunal (fl. 587), o prazo de cumprimento inicia-se com a
publicação desta decisão, aguardando-se até 6 (seis) meses para o implemento das
vagas, e até 60 (sessenta) dias para as demais medidas, contados da publicação.
Isso posto, nego provimento ao recurso e, em sede de remessa oficial,
altero a sentença tão somente para dilatar em 60 (sessenta) dias o prazo de
cumprimento das medidas, as quais foi imposto o cumprimento imediato.
É como voto.
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