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ANÁLISE
Nº 42/2018
Esther Solano
MAIO DE 2018
Crise da Democracia e
extremismos de direita
Esta pesquisa busca entender o crescimento das novas direitas brasileiras, es-
pecialmente da extrema direita mais antidemocrática, simbolizada no pensa-
mento do deputado Jair Bolsonaro. Apresenta os resultados de entrevistas em
profundidade com simpatizantes do pré-candidato, nas quais foram mapeados
os principais elementos de identificação dos eleitores com o discurso do Bolso-
naro e faz uma análise empírica e teórica das condições do surgimento desse
fenômeno no Brasil.
Para os entrevistados, Bolsonaro representa o tipo do político honesto em
contraposição à “classe política corrupta”.
Consideram que, em uma alteração da ordem social, o “cidadão de bem” esta-
ria desprotegido, seria a vítima abandonada e o criminoso estaria superprotegido
pelo Estado. Segundo eles, as políticas públicas como Bolsa Família ou cotas
raciais universitárias são negativas, porque fomentam a preguiça, o clientelismo
e fazem do cidadão alguém passivo, que parasita o Estado. O self-made man é
o modelo de sucesso.
Movimento negro, feminismo ou movimento LGBTQIA, são, para os bol-
sonaristas, grupos que sofrem preconceito, sim, mas estão abusando de seus di-
reitos. Utilizam-se da vitimização, do mimimi para obter regalias do Estado e
abalar os cidadãos que não pertencem a essas minorias.
Jovens identificam o Bolsonaro como rebelde, como uma opção política que
se comunica com eles e se contrapõe ao sistema, como uma proposta diferente.
Se nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens,
é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool, disfarçando seu
discurso de ódio em formas de memes e de vídeos divertidos.
Vários dos entrevistados que proclamam seu voto em Bolsonaro, em 2018,
admitiram ter votado no PT nos seus dois primeiros mandatos. Questionados
sobre o porquê da mudança, a maioria coincide: Lula estava perto do povo, era
carismático, alguém diferente dos políticos de sempre e era honesto. Hoje, essas
pessoas adotam um forte discurso antipetista, fundamentado na retórica da co-
rrupção do PT e na rejeição a muitas de suas políticas, das quais alguns já foram
beneficiados, e mobilizam alguns argumentos muito parecidos para justificar o
voto em Bolsonaro: proximidade, carisma e honestidade.
Sumário
Introdução 3
Fatores conjunturais 3
Fatores estruturais 6
Metodología 10
Resultados: quais são os argumentos para se identificar
com Bolsonaro 11
Segurança Pública 11
Direitos humanos para humanos direitos 12
Corrupção e antipolítica 14
Meritocracia e Vitimismo 16
Discurso de Ódio 20
A Direita Pop e Anti-Mainstream 22
Valores 24
De Lula a Bolsonaro 25
Conclusões 26
Bibliografia 27
3
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
Esta pesquisa busca entender o crescimento
das novas direitas brasileiras, especialmen-
te da extrema direita mais antidemocrática,
simbolizada no pensamento do deputado Jair
Bolsonaro. O presente documento apresenta
uma parte inicial teórica, que busca concei-
tuar a crise democrática atual e a reorganiza-
ção dos grupos conservadoras e novas direitas
e, na segunda parte, apresenta os resultados
de conversas em profundidade com simpati-
zantes do pré-candidato.
Introdução
Onda neoconservadora, alt-right, “nova direi-
ta”, crescimento da extrema direita, trumpi-
zação da política, populismos de direita, cri-
se das esquerdas. Rótulos para denominar a
reorganização de grupos conservadores e/ou
da direita radicalizada que tem abrangência
mundial e, como não poderia ser diferente,
com fortes reflexos no Brasil. As causas destes
processos complexos são múltiplas e nunca
poderiam ser reduzidas a uma variável uni-
dimensional. Tentamos, porém, apresentar
alguns aspectos teóricos que nos ajudem a
entender o ressurgimento destes grupos que,
não em poucas ocasiões, ameaçam a estabi-
lidade democrática e os direitos mais funda-
mentais:
Fatores conjunturais
Para entender como a crise política brasileira
deixa espaço à penetração das novas direitas,
elencamos alguns fatores que incidem na ins-
tabilidade democrática nacional e favorecem
a organização social e política das direitas bra-
sileiras.
O processo de um impeachment ilegítimo no
Brasil supõe uma ruptura dramática na esta-
bilidade institucional, fragiliza intensamente
a ordem democrática e acelera os processos
de decomposição política. A anomia políti-
ca instaura-se no cotidiano, levando a uma
degradação muito rápida e a uma perda de
confiança das bases representativas da socie-
dade brasileira. A deterioração da conciliação
lulista, uma imprensa hegemônica oligopoli-
zada que, com frequência, se comporta mais
como panfleto político do que como órgão
informativo, a complicada governabilidade
num Congresso com grande pulverização
partidária e de matriz política conservadora,
a absoluta falta de respeito com o processo
democrático que muitos representantes polí-
ticos demonstraram ter, são fatores que inten-
sificaram a crise política, em paralelo à crise
econômica que o país atravessa e que é outro
fator fundamental para entender o mal-estar
social brasileiro. Altas taxas de desemprego e
aumento da vulnerabilidade e precariedade
para amplas camadas populacionais são fa-
tores que potencializam o desgaste no teci-
do social. Por outro lado, os abusos de um
judiciário hiperinflacionado e militante, que
extrapola suas funções e invade o equilibro de
poderes judicializando a política, e as dinâmi-
cas lavajatistas da justiça penal do espetácu-
lo, numa luta moralista, populista e punitiva
contra a corrupção e que não respeita as ga-
rantias penais, transformam-se em importan-
tes fatores de risco antidemocrático.
Nestes fatores conjunturais, não devemos es-
quecer que a reconfiguração social brasileira,
como consequência da inclusão social pro-
movida pelo petismo com a diminuição drás-
tica da miséria, o aumento significativo das
taxas de emprego, o crescimento de uma nova
classe consumidora, modificando a morfolo-
gia das regiões periféricas do país, são elemen-
tos muito importantes para levar em consi-
deração na análise do comportamento social
brasileiro nos últimos anos. Esta mobilidade
provocou novos comportamentos nas regiões
que, previamente, estavam mais empobre-
cidas e que conseguiram ter níveis de renda
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
4
e formalidade maiores e, também, uma rea-
ção em boa parte das elites e, sobretudo, das
tradicionais classes médias, que pensam seus
privilégios ameaçados com a ascensão das
camadas populares. A raiva antipetista tem
um de seus fundamentos nesta reordenação
social. Igualmente, o fato do PT ter se trans-
formado no partido do governo durante um
ciclo extenso afastou-o progressivamente das
camadas populares, provocando novas pre-
ferências eleitorais em algumas destas novas
classes consumidoras que, frequentemente, se
autoenquadram como novas classes médias e
se distanciam da identidade com o petismo
E como não mencionar a penetração das igre-
jas evangélicas, novas articuladoras da socia-
bilidade, especialmente nas periferias, que
se configuram como um novo e importan-
tíssimo ator social e político. Algumas delas,
como a neopentecostal Igreja Universal do
Reino de Deus, são grandes aliadas na disse-
minação dos valores capitalistas, a meritocra-
cia e a individualização do esforço. Por outro
lado, o crescimento da Bancada Evangélica
fortalece o poder de representantes religiosos
fundamentalistas no Congresso, dificultando
a viabilidade das pautas progressistas.
No Brasil, esta conjunção de fatores, que
cria a possibilidade política e social para os
grupos neoconservadores e de direita radi-
cal, é acelerada e propiciada pelo contexto
nacional que surge pós 2013 e se agrava em
2015 com as primeiras manifestações pelo
impeachment da presidente Dilma Rousseff
e que, até o momento, vai fertilizando o ce-
nário para grupos populistas de direita que,
em nome da luta contra a corrupção, aprovei-
taram a conjuntura para se colocarem como
alternativa política. Em pesquisas anteriores1
,
ficou demonstrado que o “antipetismo” foi o
1. http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/13540.pdf
grande fator de coesão e mobilização social,
ao longo dos anos 2015-2017, nutrindo e
aumentando a base de apoio de grupos po-
pulistas de direita como o Movimento Brasil
Livre, Vem pra Rua ou o próprio Jair Bolso-
naro, que construíram boa parte de sua popu-
laridade na ideia de que o PT seria o partido
mais corrupto de Brasil e num ataque frontal,
moralista, destrutivo e demagógico contra o
Partido dos Trabalhadores. Durante as mani-
festações de 2015, organiza-se fortemente nas
ruas e nas redes uma mobilização conserva-
dora. É importante ressaltar que estes grupos
se estruturaram em torno à demanda do im-
peachment e em protesto contra a corrupção
petista, portanto, são grupos de fato hetero-
gêneos, mas cuja identidade coletiva se define
com base em um antipetismo muito presente.
Para dar números a esta afirmação, aplicamos
um questionário ao grupo manifestante do
dia 26 de março de 2017 em apoio à Ope-
ração Lava Jato, para entender que pautas e
posicionamentos sociais, culturais e morais
tinham os manifestantes como denominador
comum. Estes grupos, que se definem majori-
tariamente de direita (31.4%), centro-direita
(17.4%) e conservador (47.3% muito con-
servador, 34.4% pouco conservador), respon-
deram ao questionário de forma pouco coesa
(34.8% concordam que a união de pessoas
do mesmo sexo não constitui uma família,
48.6% pensam que a escola deve ensinar va-
lores religiosos, 57.2% que feminismo é ma-
chismo ao contrário). A unidade de respostas
dá-se em torno de três questões: 1) punitivis-
mo (82.6% apoiam o aumento de pena para
punir criminosos, 84.6% apoiam a redução
da maioridade penal), rejeição aos programas
sociais e de redistribuição de renda caraterís-
ticos das gestões petistas (82.2% pensam que
o programa Bolsa Família estimula as pessoas
a não trabalharem, 75.2% pensam que as co-
tas não são uma boa medida) e, fundamental-
5
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
mente, no antipetismo (84.8% definiram-se
como muito antipetistas).
Por outro lado, se nas primeiras manifestações
de 2015 o antipetismo era o elemento mais
evidente, o discurso de negação da política
tradicional no seu conjunto e a rejeição ao
partido político tradicional aumentam cada
vez mais. Além do antipetismo, que aparece
como grande fator de coerência, o discurso
antipolítico, resumido nos slogans “faxina ge-
ral”, ou “que prendam todos” do movimen-
to Vem pra Rua, está se transformando num
importante fator de coesão para estes grupos
conservadores. À pergunta “com qual partido
político você se identifica”, nesta mesma ma-
nifestação, 72.9% responderam que nenhum,
seguidos por 11.7% que escolheram o PSDB
e 6.8% o Partido Novo. Os avanços da ope-
ração Lava Jato para outros partidos, além do
PT, ajudaram a popularizar a imagem do po-
lítico corrupto, de tal forma a ter quase uma
relação de sinonímia entre os conceitos po-
lítico e corrupto. Os partidos brasileiros são
enxergados com desconfiança, negatividade e
uma enorme distância simbólica.
Sem dúvida nenhuma, uma contribuição
primordial para o crescimento de posturas
antipolíticas tem sido a justiça do espetáculo
promovida pela Operação Lava Jato. Um tipo
de justiça na qual os conflitos são definidos e
julgados jornalisticamente, com papéis con-
fusos e sobrepostos entre imprensa e justiça.
A imprensa tem atribuições que eram espe-
cíficas dos tribunais (Rodriguez, 2000) e os
julgamentos são televisados numa lógica de
Big Brother. O controle da justiça é exercido
pela imprensa, ou seja, uma entidade priva-
da, e por uma sociedade que assiste à teatra-
lização da justiça, teatralização que provoca,
em última instância, anseios de linchamento
em praça pública. Do Mensalão à Lava Jato,
show-business, audiência, ibope são agora ele-
mentos desta justiça do espetáculo, na qual a
atividade processual é cada vez mais midiática
e certos juízes assemelham-se mais a pop stars.
Episódios como o levantamento do sigilo e a
posterior disponibilização das escutas telefô-
nicas do ex-presidente Lula com a presiden-
te Dilma Rousseff pelo juiz Sergio Moro, no
dia 16 de março de 2016, causando um ter-
remoto nacional depois da divulgação pelo
Jornal Nacional, com o evidente propósito
de estimular a comoção pública e preparar o
terreno social propício para a votação do im-
peachment, são exemplos inconfundíveis do
ativismo judicial midiático lavajatista, atuan-
do na dinâmica da espetacularização judicial.
Da mesma forma, funcionaram as delações
televisionadas de Joesley Batista, as quais, por
horas, a população brasileira assistiu ao de-
gradante teatro do empresário que, com uma
postura de macho confiante, foi desvelando
o segredo pós-democrático: a democracia é
leiloada, comprada e vendida pelos grupos
econômicos. Consequência direta desta ses-
são interminável de exorcismo televisivo foi
o aumento do sentimento antipolítico na po-
pulação. A luta contra a corrupção como um
eficaz instrumento populista.
O político, que é percebido pela opinião pú-
blica como corrupto, passa por um processo
de demonização. O político corrupto repre-
senta o “mal” e o juiz o “bem”, numa visão
dualista e pseudo-religiosa da realidade. O
corrupto, portanto, não representa mais um
sujeito de direito ao qual deve ser aplicado o
devido processo penal respeitando direitos e
garantias. O “mal” tem de ser extirpado, ani-
quilado e, para isso, o devido processo penal
incomoda. Note-se aqui que, para chegar ao
rótulo de corrupto, não é necessária a chan-
cela da justiça. É no julgamento social e mi-
diático, na justiça penal do espetáculo que
se chega à conclusão da culpabilidade do su-
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
6
jeito. O julgamento é mero acessório depois
da condenação por parte da opinião pública,
mas espera-se dele uma atitude punitiva e
exemplar.
Ao lado destas tensões, o nunca resolvido pro-
blema de segurança pública permanece sem-
pre como uma porta de entrada aberta para os
grupos de direita. A ausência de uma resposta
competente para este assunto, durante os go-
vernos petistas, deixa em mãos de uma direita
punitiva e demagógica, que insiste na guerra
às drogas, no estado policialesco e na militari-
zação da segurança pública. Como maior ex-
poente desta política, a intervenção militar do
Rio de Janeiro demonstra como a violência e
a insegurança são fatores, que podem muito
bem ser instrumentalizados política e eleito-
ralmente. Do lado de uma justiça do espetá-
culo, temos a segurança do espetáculo. Togas
ou tanques nas televisões brasileiras. Populis-
mo do judiciário, populismo militarista, am-
bos são enormes riscos para os bons rumos
democráticos.
Fatores estruturais
A democracia em crise é uma afirmação que a
ninguém mais surpreende. Uma crise multi-
facetada que tem como consequência o declí-
nio das estruturas representativas tradicionais
e um mal-estar geral com o funcionamento
democrático atual. Vivemos em tempos nos
quais a política nos é apresentada como algo
prescindível, inclusive sujo, vergonhoso e é
desejável a não profissionalização do político.
Nossas possibilidades eleitorais, com frequên-
cia, são reféns ou de uma tecnocratizacão da
política ou de uma política demagógica que
manipula medos, emoções e afetos.
Por outro lado, as intensas e rapidíssimas
transformações sociais, vividas nas últimas
décadas, desafiam os esquemas clássicos de
representatividade. A atual temporalidade,
acelerada por um imediatismo tecnológico e
midiático, entra em confronto com o tempo
político, o tempo representativo, muito mais
demorado. Passamos da “democracia dos par-
tidos” à “democracia das audiências” (Manin,
1997), com a substituição do espaço público
de debate pelo protagonismo dos meios de
comunicação de massa e com um eleitorado
mais fluido, menos fidelizado, que se mobi-
liza muito mais por causas concretas do que
por referências partidárias. Volatilidade, hiper-
complexidade social, difusão de pautas e de-
mandas, desagregação de grupos, pluralismos
são as novas formas de sociabilidade e organi-
zação coletiva, incompatíveis com as clássicas
estruturas representativas, muito mais rígidas,
hierarquizadas e lentas. Uma cidadania mais
crítica, mais informada, que se desconecta
cognitiva e afetivamente do partido como es-
trutura intermediadora. Tudo isso junto com
a centralidade cada vez maior da Internet, que
produz novos padrões de sociabilidade e com-
portamento político. As formas de organização
online e seu impacto radical na democracia,
até com efeitos não esperados e muito descon-
certantes como o fenômeno das fake news ou
boatos virtuais ou a utilização de Big Data em
campanhas eleitorais, para influenciar as prefe-
rências políticas do eleitor.
Tempos de “dessacralização da política”, de
“ambiguidades de desintermediação” (Inne-
rarity, 2017), processos que provocam decep-
ção com a dinâmica democrática tradicional.
Autores, como Rossanvallon, caracterizam
a democracia atual como uma democracia
minimalista, uma democracia eleitoral, de
autorização, mas não de exercício nem de
apropriação, Democracias atrofiadas porque
os partidos já quase não exercem a função de
intermediação.
Evidentemente, um dos problemas não resol-
vidos da atualidade é a relação entre democra-
7
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
cia e neoliberalismo. Neoliberalismo como “a
nova razão do mundo”, que atravessa todas
as esferas da existência humana para além da
econômica. O neoliberalismo como uma for-
ma de existência, fabricação do ser humano
(Laval, Dardot, 2017). Quando falamos de
novas direitas, com frequência, estamos nos
referindo a duas matrizes diferenciadas: neo-
liberal e neoconservadora. Tradicionalmen-
te, estas duas matrizes apresentam-se como
separadas e com formas de organização que
caminham em separado. Ultimamente, po-
rém, a ética neoliberal aproxima-se da ética
neoconservadora, numa convergência, ao que
parece, incoerente, mas muito frutífera (Wey-
land, 2003). Duas racionalidades inicialmen-
te diferentes, mas aliadas numa dinâmica de
poder (Brown, 2006). Reformas neoliberais
drásticas, cortes dramáticos do orçamento
público, estado mínimo, restrição dos direitos
trabalhistas, propostas econômicas impopula-
res que precisam se legitimar ou se esconder
sob discursos conservadores, que deslocam o
centro do debate público. No Brasil, um cla-
ro exemplo é a dinâmica das guerras culturais
fomentada pelo grupo neoliberal MBL (Mo-
vimento Brasil Livre), que insiste em polêmi-
cas moralistas como as do Queermuseum ou
a suposta pedofilia da exposição do MAM, a
fim de aumentar sua base de apoio. Moralis-
mo fundamentalista e inquisidor que se une
a um discurso de negação e demonização da
política tradicional. A política é vista e pensa-
da de forma vergonhosa, desprezível, imoral.
É a politização da antipolítica e o triunfo do
“não sou político, sou gestor”.
Neste sentido, Crouch (2013) define pós-
-democracia como um sistema de fachada
democrática, com instituições representativas
que, na aparência, funcionam (na pós-demo-
cracia votamos, elegemos nossos representan-
tes), mas, na verdade, por baixo desse exterior
puramente formal, o sistema está totalmen-
te capturado pela lógica capitalista. Eis aí o
paradoxo: uma democracia que funciona na
aparência, mas cada vez mais esvaziada de
conteúdo e sentido. A democracia vai sen-
do substituída pela corporocracia. As grandes
decisões não são tomadas pelo “demos”, pelo
“poder popular” e sim pelas grandes concen-
trações privadas de capital, que pensam a de-
mocracia como um instrumento para atingir
maiores níveis de intervenção política e lucro.
A democracia, portanto, passa a ser um aces-
sório do capitalismo, que é o verdadeiro cora-
ção do sistema. O âmbito do poder decisório
está totalmente afastado da população e fica
na órbita das grandes empresas e oligarquias
políticas. As formas autoritárias clássicas do
século passado foram substituídas por formas
despóticas muito mais sutis, pois vestem rou-
pagens democráticas. A sofisticação do con-
trole é muito mais elaborada, mas também
mais perversa porque, por ser muito mais
imperceptível, permite uma margem muito
menor para a reação. Neste sistema, o capital
é o centralizador de tudo. A ele tudo perten-
ce e fora dele nada sobrevive. As condições
de existência só se dão dentro do capital. As
subjetividades se constroem dentro do capital
e só dentro dele.
Anteriormente, falamos da crise econômica
brasileira como um dos elementos para con-
textualizar a atual conjuntura de desencanta-
mento coletivo. O ecossistema internacional
de risco econômico permanente e a reestrutu-
ração do trabalho e dos novos padrões produ-
tivos são alguns dos elementos centrais para
entender as dificuldades das estruturas repre-
sentativas tradicionais. Flexibilidade, hiper-
produtivismo, home-office, estagiários de por
vida, batalhões de trabalhadores em situação
de exclusão social, precariedade, vulnerabili-
dade acelerada, milhões de pessoas descartá-
veis em situação de desemprego crônico. The
poor working class, a classe trabalhadora glo-
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
8
balmente pauperizada. O autor pós-colonial
Achille Mbembe explica este fenômeno, des-
crevendo como o neoliberalismo é a universa-
lização da condição negra, transformando o
Negro no paradigma de uma humanidade su-
balterna e expandindo sua condição (Mbeme,
2014). Esta condição provoca uma incerteza
existencial permanente no trabalhador, que se
sente cada vez mais inseguro, num processo de
desenraizamento social. O trabalho é um dos
eixos estruturantes das relações sociais. Com
a degradação do mesmo, desestruturam-se
também estas formas de sociabilidade, pro-
vocando uma dinâmica de desfiliação (Cas-
tel, 2005) desintegração e isolamento social.
Porém, em paralelo, as estruturas clássicas de
representatividade e luta coletiva trabalhista
estão imensamente fragilizadas, assim como
o conceito de classe como um fator de mo-
bilização. A democracia de mercado, o cida-
dão transformado em consumidor, em homo
economicus, a globalização da periferia. Estes
elementos têm como consequência imediata
o sofrimento psíquico da sociedade, porém,
o sofrimento não se percebe como coletivo,
produzido pelo capitalismo contemporâneo,
e sim como individualizado, dando lugar a
sentimentos de fracasso e culpa. A meritocra-
cia toma o lugar da politização do sofrimento
(Coelho, 2013).
Nesta ordem de coisas, os partidos políticos
transformam-se em partidos decorativos, em
máquinas profissionalizantes e hiperburocra-
tizadas, cartelizadas, que perdem sua conexão
ideológica, emocional e psicológica com o
eleitor. O voto passa a ser mais um momen-
to cartorial da vida do indivíduo, que não se
sente representado por estas estruturas cada
vez mais autocentradas, reféns da lógica das
elites empresariais e absolutamente distantes
da população. Crise de representação parti-
dária que incide mais ainda nos partidos da
esquerda tradicional, incapazes, muitas vezes,
de cumprir suas promessas de mais inclusão
social e igualdade, amalgamando-se num
“centro” político junto com a direita mais
moderada, que descaracteriza as múltiplas
diferenças partidárias entre eles, provocan-
do reações nos extremos. O voto em Donald
Trump, em Jair Bolsonaro, em Marine Le Pen
é consequência desta vulnerabilidade existen-
cial, na qual a pós-democracia nos joga. Os
autoritarismos populistas e de extrema-direi-
ta oferecem respostas (simplórias e enganosas,
mas respostas) a este desespero ontológico, a
esta sensação de risco e medo global perma-
nente e ao saudosismo conservador. As nar-
rativas do muro, da islamofobia, do “ban-
dido bom é bandido morto”, ganham força
e expressividade numa realidade em que a
pós-democracia oferece respostas existenciais
insuficientes aos milhões de sujeitos descartá-
veis, pauperizados e fadados a um não-lugar,
a um não-pertencimento sociopolítico.
Nos países periféricos, porém, esta crise de-
mocrática convive com traços de brutalidade
autoritária, estado penal permanente e excep-
cionalidade legal contínua. No Brasil, as ca-
deias continuam tragando jovens negros pou-
co escolarizados num processo higienista de
hiperencarceramento. O genocídio negro nas
periferias, que tritura jovens descartáveis para
o processo produtivo, convive ao lado de pro-
cessos muito mais sutis de controle para aque-
les que são peças da engrenagem do mercado.
Para a população negra, o estado de exceção é
permanente. São aqueles por quem ninguém
chora, por quem não se tem luto coletivo
(Butler, 2015). A democracia pós-escravidão,
que foi negada ao negro por meio de proces-
sos de criminalização e precarização contínuos
(Du Bois, 1956). Mbembe (2017), explica
como, contrariamente à retórica democrática
hegemônica, existe uma relação íntima en-
tre democracia e violência, uma coexistência
macabra entre democracia e extermínio, por-
9
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
que democracia e colônia sempre caminha-
ram juntas. Instaura-se um estado de exceção
em escala global, a guerra torna-se necessária
para o funcionamento democrático, sobretu-
do a guerra colonial, que transforma as socie-
dades periféricas em sociedades de inimizade.
Brutalidade e democracia não são excludentes
na realidade pós-colonial. O inimigo torna-se
a retórica que justifica todas as violências e o
medo torna-se o argumento central da polí-
tica. A desigualdade e o racismo estruturais
são absolutamente incompatíveis com uma
democracia de mínimos.
Hoje, dentro e fora da imprensa, todo deba-
te político é dominado por um discurso que
coloca temas morais como o combate ao ho-
mossexualismo e o endurecimento penal em
primeiro plano e subordina as questões eco-
nômicas e sociais a essa visão de mundo pu-
nitiva. Estamos vendo, no Brasil e em outros
países, uma expansão mundial das guerras
culturais que tomaram os Estados Unidos a
partir do final dos anos 1980. A antiga polari-
zação, entre uma direita liberal que defendia a
meritocracia baseada na livre iniciativa e uma
esquerda que defendia intervenções políticas
para promover a justiça social, passa a ser não
substituída, mas crescentemente subordinada
a um novo antagonismo entre, de um lado
um conservadorismo punitivo, autoritário
e antipluralista e, de outro, um progressis-
mo inclusivo. Costuma-se atribuir a James
Hunter a identificação precisa do fenômeno
e a difusão do termo guerras culturais para
referir-se ao processo pelo qual temas como
o direito dos homossexuais, a legalização do
aborto, o controle de armas e a legalização das
drogas passaram a ganhar proeminência no
debate político americano, no final dos anos
1980, opondo “conservadores” a “progres-
sistas”. Um novo antagonismo que opunha
visões de mundo baseadas em concepções de
autoridade moral como reação conservadora
aos movimentos de contracultura, feministas,
movimentos negros nos anos 1960 e 1970,
para reestruturar a disputa discursiva em ter-
mos morais: o saudosismo dos velhos tempos
da lei e da ordem e da hegemonia branca e
masculina. O paralelo com as dinâmicas da
nova direita é evidente. A penetração das lu-
tas feministas e dos movimentos negros ou
LGBTQI, a visibilidade dos imigrantes ou
refugiados provocam uma reorganização vio-
lenta e moralista de quem pensa seu mundo
ameaçado.
Este contexto, no qual crises econômicas e
políticas se misturam e retroalimentam, pos-
sibilita a reorganização de um campo neo-
conservador, que utiliza a retórica do medo
e do inimigo como instrumento mobilizador,
retoma os valores da família tradicional: or-
dem, hierarquia, autoridade, moral, frente à
suposta libertinagem do campo progressista.
Nova direita ou a velha e clássica direita rees-
truturando-se com novas morfologias? Mes-
mo sem consenso sobre a terminologia nova
direita (Giordano, 2014), o certo é que esta
alternative-right, direita alternativa (catego-
ria utilizada para diferenciá-la da direita tra-
dicional), que se declarou politicamente para
o mundo depois da eleição de Trump, tem
algumas características que vale a pena desta-
car: o combate direto a questões identitárias
(antifeminismo, por exemplo) como defesa
de uma identidade masculina, heterossexual e
cis, claramente antipluralista, que parece estar
sob ataque; o combate ao conhecimento cien-
tífico, a utilização de fake-news e a exploração
do senso comum na dinâmica da pós-verdade
demagógica, que entende o adversário políti-
co como inimigo a aniquilar; narrativas anti-
políticas e estimulação do descrédito institu-
cional e político e o sentimento de repúdio
e vergonha (a política não serve, a política
é corrupta, suja) e apresentação como anti-
-mainstream, outsiders e anti-establishment;
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
10
utilização do discurso de ódio legitimado como
sendo liberdade de expressão; banalização do
ódio ou apresentando-o com roupagem ju-
venil, folclórico, “memeficado”; proximidade
com os “perdedores da globalização”, as clas-
ses médias e também as classes populares, es-
tas últimas que, tradicionalmente, votaram em
partidos de esquerda, mas que hoje se sentem
traídos por estes mesmo partidos; teatralização,
utilização das redes sociais como canais de co-
municação e proximidade com a população;
utilização de uma narrativa combativa contra
as elites políticas e construção do discurso me-
ritocrático do self-made man da centralidade
do trabalho e esforço individuais (Drolet 2014,
Hawley 2017, Urban 2014).
Esta nova direita sabe aproveitar e capitalizar o
descontentamento provocado pela pós-demo-
cracia, pauperização globalizada, desemprego
permanente, medo, não-lugar existencial, des-
cartabilidade das classes médias e também das
classes populares, que começam a rejeitar polí-
ticas assistencialistas e a negar adesão e voto aos
partidos da esquerda tradicional.
Metodología
O objetivo desta pesquisa é entender os argu-
mentos do discurso da nova direita populista
com os quais as pessoas se identificam. Para
atingir este objetivo, a metodologia consiste
em entrevistas em profundidade com sim-
patizantes de Bolsonaro. Representante da
alt-right brasileira, Jair Messias Bolsonaro,
uma figura política com biografia inexpres-
siva politicamente, mas que no cenário pós-
-impeachment de intensa polarização social e
crescente retórica antipolítica e a eleição de
2018, colocou-se como um dos protagonistas
da vida política. Na última pesquisa Datafo-
lha de intenção de voto, realizada nos dias 29
e 30 de janeiro de 2018, ou seja, dias depois
da série de denúncias contra o suposto enri-
quecimento ilícito do deputado e sua família
na Folha de São Paulo2
, o pré-candidato con-
tinua com 18% de intenção de voto, depois
de Lula com 37% e à frente de Alckmin com
7%. Sem a candidatura de Lula, porém, Bol-
sonaro assume a primeira posição com 20.
Na imagem seguinte, podemos ver a evolu-
ção da candidatura de Bolsonaro que ganha
força no cenário pós-impeachment e chega a
ultrapassar a candidata Marina Silva, ficando
num estável segundo lugar já na pesquisa de
novembro de 2017.
Em termos eleitorais, o candidato enfrenta
graves problemas, principalemente sua fi-
liação a um partido pequeno, PSL, que lhe
garante pouco tempo de TV e escasso aces-
so ao fundo partidário, mas, o fato é que o
fenômeno Bolsonaro é muito maior que a
viabilidade de sua candidatura. A penetração
e capilaridade de suas ideias, a retórica e men-
sagem nos diversos segmentos da população e
o crescimento exponencial de sua intenção de
voto devem nos fazer pensar que não estamos
tratando da ameaça individual de Jair Messias
Bolsonaro e, sim, da ameaça de um processo
de “bolsonarização”, ou seja, popularização
de uma política antidemocrática, autoritária
de extrema-direita, que continuará para além
do individuo em si. Durante muito tempo,
vários setores do campo progressita brasileiro
menosprezaram, caricaturaram ou ignoraram
esta dinâmica, assim como também dimi-
nuiram a importância de Donald Trump nos
EUA. Agora, ningúem mais pode desconside-
rar ambas figuras.
Os entrevistados foram selecionados para
cobrir um amplo espectro de posição econô-
mica, emprego, idade, gênero, todos dentro
2. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/01/1948526-
patrimonio-de-jair-bolsonaro-e-filhos-se-multiplica-na-
politica.shtml.
11
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
da cidade de São Paulo. A maioria dos entre-
vistados não permitiu que seus nomes apare-
cessem na pesquisa, por temerem algum tipo
de represália, neste ambiente político tão rai-
voso, eu tenho medo,então melhor não colocar
nome, nem foto. Nada, por favor (Entrevistada
A). Além de uma natural desconfiança inicial
com um pesquisador não conhecido, vários
dos entrevistados repetiram este mesmo argu-
mento de se sentir com receio e insegurança
de expor sua opinião política, pela possibili-
dade de ter alguma represália, porque muitos
não gostam do que a gente fala, dizem que so-
mos fascistas, que temos discurso de ódio, nada
disso! A gente só quer que acabe esta bagunça,
esta crise de valores. A gente ama o Brasil (En-
trevistado E).
-Entrevistado W: homem, 24 anos, estudan-
te universitário, nascido na Brasilândia. En-
trevistado D: homem, 37 anos, soldado da
Polícia Militar do Estado de São Paulo, nas-
cido no Grajaú. Entrevistado E: homem, 32
anos, dono de um escritório de advocacia,
pertencente a uma família de grande poder
financeiro, nascido em Jundiaí. Entrevistada
M, 35 anos, manicure, nascida no Jaraguá.
Entrevistada E, 50 anos, empresária, nascida
no Jardim Paulista. Entrevistado J, 19 anos,
estudante, autoidentificado como “gay de
direita”, nascido no Capão Redondo. Entre-
vistada L, 45 anos, psicóloga, nascida na Vila
Mariana. Entrevistado A, 27 anos, motorista
de Uber, nascido em Itaquera.
-Dinâmica de grupo com 40 alunos do tercei-
ro ano e 20 do primeiro ano do ensino médio
de uma escola pública estadual de São Miguel
Paulista, periferia de São Paulo.
Resultados: quais são os
argumentos para se identificar
com Bolsonaro?
Segurança Pública
Segundo dados da Secretaria de Segurança
Pública, durante 2017, a cidade de São Pau-
lo teve uma média de 530 furtos por dia. O
Primeiro turno - Cenário 2
Intenção de voto para presidente em em %
Com Alckmin
Lula Marina Bolsonaro Alckmin Ciro Temer
Fonte: Pesquisa Datafolha, de 26 e 27 de abril de 2017
32
25
20
15
10
5
0
5 a 17 dez/2015 24-25 fev/2016 17-18 mar/2016 26-27 abr/20177-8abr dez/2016 14-15jul/2016 7-8 dez/2016
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
12
número de roubos na capital chegou a mais
de 150 mil. Embora o Estado de São Paulo
tenha uma taxa menor de homicídios que
outros estados da Federação, durante o mês
de novembro de 2017, foram 295 vítimas.
Estupros, 1051 ocorrências. Estas cifras são
o resultado de um país enormemente desi-
gual, onde, com frequência, o patrimônio da
branquitude é mais importante que as vidas
negras, com uma atualíssima estrutura escra-
vocrata, com uma concepção da política e da
polícia militarizada e higienista, uma belige-
rante guerra às drogas que produz milhares de
vítimas nas periferias, um sistema de justiça
criminal ainda com evidentes traços classis-
tas e hiperpunitivo, que reproduz o círculo da
violência. A brutalidade que “convive” com
a democracia, como Mbeme falava, seu lado
escuro, a reprodução da condição do negro.
A realidade é que as pessoas têm medo, a
percepção de insegurança é permanente. O
medo é um afeto que tem uma enorme po-
tencialidade política. Medo ontológico, medo
existencial, medo de ser assassinado, medo de
ficar desempregado, medo de não ter um lu-
gar no mundo. A exploração, a potencializa-
ção do medo como fator é um instrumento
antigo e recorrente. Mas o fato é que o medo
é um sentimento profundamente humano
e deve ser entendido. Para explorar o medo,
porém, precisamos de um inimigo. A criação
do inimigo é uma ferramenta política muito
aceitável em momentos de crises. A História
nos ensinou isso. Vale lembrar, neste momen-
to, do conceito de significante vazio de La-
clau (2005), aquele conceito que é esvaziado
de conteúdo e sobre o qual se constrói uma
cadeia de equivalentes, que servem para iden-
tificar inúmeras dinâmicas sociais; o inimigo,
o vagabundo, que pode ser o estrangeiro, o
imigrante, o jihadista, o comunista ou pode
ser o inimigo interno, o jovem negro favela-
do, o corrupto.
Fato também é que durante muito tempo,
os partidos de esquerda têm se furtado a um
debate sério e propositivo sobre segurança
pública, deixando em mãos da direita mais
punitiva e totalitária este assunto emergencial
para grande parte da população.
Embora o Brasil seja um país onde o hipe-
rencarceramento é política pública, as pessoas
continuam tendo sensação de impunidade e
insegurança.
“Você pode ser morto a qualquer momento!
Este país é horrível. Você tem uma filha, sai à
noite e ela pode ser estuprada. Roubo, assalto,
por todo lado. Não dá para viver desse jeito,
não dá. Eu tenho medo por mim, pelos meus
filhos. Ninguém merece viver sempre com
medo. A gente quer soluções” (Entrevistada E).
Uma questão amplamente recorrente nas en-
trevistas é o vitimismo dos bandidos. O la-
drão virou vítima. Numa alteração da ordem
social, o “cidadão de bem” estaria desprotegi-
do, a vítima abandonada e o criminoso super-
protegido pelo Estado. Uma visão moralista e
binária do mundo entre bandido e cidadão de
bem, que simplifica intensamente a realidade
social e reduz a rótulos moralistas. Defensores
dos direitos humanos são enxergados como
defensores de bandidos.
Direitos humanos para humanos
direitos:
“A gente sabe da falta de pai na periferia.
Miséria, sim, que isso leva ao crime, tem um
fundo de verdade, mas não justifica. O la-
drão virou vítima. É como se ele fosse compe-
lido a entrar no mundo do crime pela omis-
são do Estado, pela situação familiar. Eu não
aceito isso. Eu também passei fome. A gente
comia de café da manhã farinha de milho
flocada com água e açúcar e minha mãe di-
zia que eram sucrilhos de pobre; o suco do
13
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
almoço era vinagre com açúcar, por isso, não
aceito essa coisa de ladrão ser vítima. Se até a
novela das 21h da Globo faz homenagem ao
crime! ” (...)“os defensores de direitos huma-
nos defendem com unhas e dentes o bandido.
Ele é o ser humano, mas e a vítima? Não vejo
ninguém dando apoio às vítimas. Olha o au-
xílio reclusão, que absurdo. O ladrão mata
um pai de família e a família do cara fica
desamparada. Poderia ter um auxilio homi-
cídio, não? Um auxílio vítima? Ninguém
olha para a vítima. Então, legaliza o crime,
fecha a polícia e pronto! ” (Entrevistado D).
“Eu só sei que, hoje em dia, é melhor ser
bandido do que cidadão de bem. A gente sai
pra rua com medo e eles não. Eles têm mais
direitos que a gente e, depois, vêm como esse
mimimi, tentando dar pena na televisão.
Pena de bandido? Pena da gente, que não
pode viver em paz! ” (Entrevistada M).
Segundo os entrevistados, a polícia passa por
um processo de criminalização e persegui-
ção constante pela mídia e pelos grupos de
esquerda, além do abandono pela cúpula da
corporação e pelo próprio Estado. O policial
virou bandido e não pode mais fazer seu tra-
balho, o que acaba tendo como resultado o
aumento do crime.
“Nós, policiais, estamos largados, algemados,
não podemos fazer nada porque cada vez
mais as leis restringem nosso trabalho. Nas
matérias, sempre aparece que matamos mui-
tos, como se saíssemos para matar! Como se
os policiais não morressem. E aí sempre com
essa coisa de que a maior parte das vítimas
são negros e pardos. Ou seja, só a polícia que
está assassinando de graça, o crime não faz
nada e, sempre também, aquele papo da
impunidade. Não é verdade! O policial que
mata não fica impune. Todos os que fizeram
caíram. Quem faz hoje acaba com a vida
dele e com a da família dele. A gente nem
advogado da corporação tem. Ninguém nos
ajuda numa hora dessas. Falam que a Cor-
regedoria é corporativista. Não é, gente, ela
pune!... Aí sai matéria sobre pancadão, que
a polícia agride jovens. Jovens? Criminosos!
... que nem em 2013, o pessoal vai e quebra
tudo e quem é xingado? A PM! Desmilitari-
zar a PM ... Os políticos que aumentaram a
tarifa, né? Não, a PM! Muito policial morre
porque tem medo de matar, de ir preso, de
ser punido. Aí, duvida se atiro ou não atiro e
morre. Mas e o ladrão? Mata o policial e não
responde por latrocínio ou por homicídio,
porque foi legítima defensa! Porque o policial
estava armado! Pelo amor de Deus...não dá,
não dá. Aí tem o Bolsonaro, o Camilo, o Te-
lhada. Eles se colocam do lado da gente, por-
que eles sabem, já estiveram do lado daqui.
Mas aí chega um especialista em segurança
pública, um carinha de 30 anos, que nunca
patrulhou, que nunca entrou em favela per-
seguindo ladrão e a palavra dele tem peso. E
a nossa??” (Entrevistado D).
Diante disso, as repostas de Bolsonaro con-
vencem: mão dura, disciplina, cadeia, redu-
ção da maioridade penal, aumento das penas
no Código Penal, prisão perpétua, porte de
arma, dar muito mais poder e proteção à po-
lícia, acabar com a vitimização do bandido.
“A lei tem de ser dura. No Brasil, somos mui-
to frouxos. Bandido na cadeia, pronto. Não
quer cadeia, vá trabalhar. Fácil” (Entrevis-
tada L).
“O porte de arma deveria estar liberado para
o cidadão de bem. Se o Estado não nos pro-
tege, a gente tem de se proteger sozinha, né?
Bandido tem arma e a gente não! Olha nos
EUA. É um direito nosso! Se a gente quer ter
arma para defender a família, a casa, como
podem proibir? ” (Entrevistado A).
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
14
Mas vejamos uma interessante reviravolta
desses argumentos. Durante o grupo focal
na escola de São Miguel Paulista, uma aluna,
com um discurso muito punitivo, defendia a
famosa frase de Bolsonaro de que “cadeia não
é colônia de férias”.
“O cara tem de apodrecer na cadeia, pagar
com a mesma moeda. Eu acho que a pessoa
deveria ficar sofrendo, sim. Hoje, na cadeia,
tem celular, até colchão. Deveria dormir no
chão. Ficar preso é para sofrer mesmo. Ca-
deia não tem de ter colchão, tem de ter chico-
te” (Aluna3, 15 anos).
Porém, momentos depois, uma colega de tur-
ma, que também apoiava esse rigor punitivo
com entusiasmo, disse que sua tia estava na
cadeia e começou a reelaborar seu discurso.
“Mas minha tia está na cadeia, não quero
que ela sofra e acho que ela sofre muito. Ela
cometeu muitos erros, sim, mas é uma pessoa
e não merece ser tratada dessa forma. Tem de
punir, mas também tratar como ser humano”
(Aluna6 de 15 anos).
A experiência concreta das pessoas provoca-
-as a repensar o punitivismo como processo
de desumanização do bandido. Alguns entre-
vistados defendem uma punição vingativa e
uma cadeia-masmorra, mas isso não é con-
senso, sobretudo entre os que têm experiência
familiar ou profissional com o sistema prisio-
nal brasileiro.
“Sou contra a pena de morte porque ela não é
castigo, mas sou a favor da prisão perpétua e
de aumentar algumas penas. O modelo prisio-
nal brasileiro não funciona, porque não resso-
cializa, não corrige ninguém. Minha tia está
presa por assalto a caixa eletrônico e tráfico de
drogas. Não sinto pena dela estar na cadeia,
porque ela deve pagar, mas sinto pena de meus
primos. Agora, não ter água, comer comida
estragada...Isso é um sofrimento desnecessário.
A pessoa sai de lá sentindo mais ódio. Tem de
ter disciplina, mas não sofrimento. São pessoas.
Isto que não é Hammurabi. Eu me sinto mal
com isso” (Entrevistado W),
Mas, para todos, a saída está na disciplina.
Botar ordem na casa. Autoridade. O milita-
rismo como modelo, inclusive as escolas mi-
litares são amplamente defendidas por todos.
“Disciplina, sim, também nas escolas públi-
cas. Cantar o hino nacional, tratar o pro-
fessor como autoridade, respeito e disciplina
inerentes ao sistema militar. Na minha vida
isso foi um divisor de águas. As leis têm de ser
respeitadas e a autoridade também” (Entre-
vistado W).
“Agora você passa de ano mesmo sem saber
ler e escrever com fluidez. Falta disciplina,
falta autoridade. Compara uma escola pú-
blica com uma militar! Lá tem dedicação,
disciplina, autoridade, os garotos melhoram
até dentro de casa, têm respeito. O milita-
rismo ensina a ser gente, a ser homem, a ser
decente. Mas esta geração tranqueira de hoje,
o pessoal quer libertinagem, sem regras, sem
limites, e aí não dá, né? ” (Entrevistado A).
Corrupção e antipolítica
Pesquisa do Ibope mostra que, em 2017, a
primeira preocupação dos brasileiros foi a
corrupção, com 62% de entrevistados que
consideraram a corrupção o grande problema
do país naquele momento, frente a 9% que a
consideravam em 2011, situando-se na frente
das preocupações históricas como segurança
e saúde3
.
3. https://oglobo.globo.com/brasil/corrupcao-principal-preo cu-
pacao-para-62-dos-brasileiros-mas-denuncias-podem-ser-coad-
juvantes-22241432
15
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
Consequência direta da operação Lava Jato e
sua espetacularização, os brasileiros enxergam
um sistema político totalmente corrompido.
O monopólio da luta contra a corrupção em
mãos de grupos populistas, punitivos, mora-
listas e com interesses políticos, deixou como
legado um crescente sentimento antipolítico
e a ideia de que política é sinônimo de cor-
rupção e nenhum político presta.
Nas manifestações de 12 de abril e 16 de
agosto de 2015, as primeiras pelo impeach-
ment de Dilma Rousseff, foi medida a per-
cepção de escândalos de corrupção relativos
aos governos tucanos e, também, a falta de
confiança em partidos políticos nos manifes-
tantes verde-amarelos: 99.0% consideravam
a Lava Jato muito grave (ainda identificada
com o PT), mas, paralelamente, 87.4% con-
sideravam o esquema de corrupção do Metrô/
CPTM de São Paulo muito grave e 80.2% o
mensalão tucano muito grave. Nestas mesmas
manifestações, nas quais o antipetismo se co-
locou com toda sua expressividade, quando
os grupos verde-amarelos foram questiona-
dos pela sua confiança nos outros partidos, os
resultados eram muito baixos: só 11.0% dos
entrevistados responderam confiar muito no
PSDB. No PMDB 1.4% e na Rede 2.6%4
.
Neste sentido, todos os entrevistados da pes-
quisa atual coincidem que Bolsonaro é o úni-
co, ou um dos únicos políticos honestos de
Brasil. Na visão deles, a corrupção perpassa
todos os partidos. Não tem diferença entre
esquerda e direita, porque o que preocupa os
políticos é somente seu próprio benefício e
interesse. É uma absoluta negação da política,
não por questões ideológicas ou programáticas,
mas porque é vista como uma atividade suja,
vergonhosa e corrupta por natureza.
4. https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/opinion/1439933
844 z_328207.html
“Bolsonaro é um ícone de ética. O país vive
numa crise ética e moral desde Collor. É in-
dignante. Mensalão petista, tucano, Lava
Jato. Ele não está envolvido, é ético. E é tão
difícil encontrar alguém com a vida política
dele, que esteja limpo. Aparentemente, ele é
incorruptível. Tem se mantido limpo durante
todo este tempo, num meio tão sujo. O siste-
ma político não funciona. Está todo corrom-
pido. Partidos de esquerda, de direita, a ideo-
logia deles é a corrupção” (Entrevistado J).
“Bolsonaro não é corrupto e é diferente dos
partidos que estão aí. PT e PSDB são a
mesma coisa. No Brasil só existe o poder e
o dinheiro. Olha a Lava Jato, no Congres-
so eles são do contra, mas na corrupção estão
de mãos dadas. Bolsonaro é diferente porque
não é corrupto” (Entrevistado D).
Quando perguntado sobre as denúncias de
corrupção que apareceram na Folha de São
Paulo durante o mês de janeiro, a maioria das
respostas coincide: é uma perseguição da im-
prensa para acabar com a candidatura dele.
“A imprensa quer acabar com ele porque sa-
bem que é muito forte. Ninguém segura. Vão
fazer de tudo para acabar com ele, mas a gente
sabe que ele é honesto” (Entrevistada E).
A Lava Jato é defendida porque está passan-
do o país a limpo e tirando os corruptos do
poder, mas nas entrevistas o sentimento de
justiça não aparece habitualmente. Quando
questionados por procedimentos polêmicos
na operação, como as conduções coercitivas,
delações premiadas, proximidade com a im-
prensa, o atropelamento do devido processo
penal e das garantias dos envolvidos, os entre-
vistados sempre têm a mesma retórica: o polí-
tico corrupto é o mal, o câncer a ser extirpado
e a Força Tarefa da Lava Jato, o juiz Sérgio
Moro, os procuradores envolvidos represen-
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
16
tam o bem, figuras heroicas, que, num discur-
so salvacionista e pseudo-religioso, tem a mis-
são de salvar Brasil da corrupção. O político
corrupto e, fundamentalmente, o petista, é o
inimigo a ser abatido e, portanto, as devidas
garantias penais são meros formalismos. É a
justiça penal do inimigo.
“Ou seja, que o problema agora são os di-
reitos do Lula. Direitos?? Quer direitos, não
rouba! Coitadinho dele, né? Que delação não
é prova, que vazamento, que não sei o que. O
cara é chefe de quadrilha e ainda quer direi-
tos!!” (Entrevistada E).
Na manifestação pela saída de Dilma Rou-
sseff de 16 de agosto de 2015, foi realizada
uma série de entrevistas com os manifestan-
tes para entender o apoio dos mesmos aos
excessos da Operação Lava Jato. A retórica
deles era muito clara: político corrupto não
é sujeito de direito, político corrupto merece
punição, cadeia e o resto é “mimimi”. Sérgio
Moro apresentava-se envolvido em narrativas
messiânicas-salvacionistas.
-Pesquisadora: “E o que o senhor pensa sobre
a condução coercitiva de Lula? Acha que isso
vulnera os direitos dele? ”
-Manifestante1: “Que direitos? O cara é o
maior ladrão deste país e ainda quer direi-
tos? Agora político corrupto está de mimimi
também. É cadeia. Direitos, que direitos? ”.
-Pesquisadora: “O que a senhora acha do pa-
pel da imprensa na cobertura da Lava Jato? ”
-Manifestante2: “Eu acho que as coisas têm
de sair na imprensa ainda mais. A gente tem
direito de saber. Ah, se não fosse pela impren-
sa, tinha abafado tudo. Não, não, tem que
dar no Jornal Nacional, tudo”.
-Pesquisadora: “E os vazamentos, concorda? ”.
-Manifestante2: “Sim! Tem de vazar mesmo.
Veja bem, se não fosse por isso, eles escon-
diam. A gente não ficava sabendo e eles não
iam presos”.
-Pesquisadora: “O senhor acha que a opera-
ção Lava- Jato vulnera os direitos dos políti-
cos que investiga? ”.
- Manifestante3: “Que direitos, que nada! O
cara quer direitos, que não roube então”.
-Manifestante4: “O juiz Moro tem uma
missão, limpar o Brasil porque o câncer do
Brasil são os políticos corruptos”.
-Manifestante5: “Moro é nosso salvador. Se
não fosse por ele, nada teria acontecido. É
dever de todos os brasileiros apoiarem a Lava
Jato. Ele vai passar o Brasil a limpo. Ele é o
homem que estávamos aguardando”.
-Manifestante6: “Se não fosse por ele estaría-
mos perdidos. É um herói”.
Meritocracia e Vitimismo
Não existe consenso social, no Brasil, de
aceitação das políticas neoliberais, de ajuste
fiscal e de desidratação do Estado. Segundo
pesquisa realizada pelo Datafolha, 71% dos
brasileiros rejeitam a reforma da previdência
apresentada pelo governo Temer5
. Também,
segundo o Datafolha, 64% avaliam que a
reforma trabalhista trará mais benefícios aos
empresários do que aos trabalhadores. Da
mesma forma, pesquisa do Vox Populi indica
que a PEC 241, que prevê o congelamento
5. Conteúdo das quatro pesquisas citadas: http://datafolha.folha.
uol.com.br opiniaopublica/ 2017/05/ 1880384-reforma-da-pre-
videncia-e-rejeitada-por-71-dos-brasileiros.shtml, http://datafo-
lha.folha.uol.com.br/opiniaopublica / 2017/05/1880398-maio-
ria-rejeita-reforma-trabalhista.shtml, https://cut.org.br/system/
uploads/ck/files/PesquisaVoxout 2016PDF.pdf, http://epocanego-
cios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2014/04/81-dos-brasi-
leiros-preferem-ter-servicos-publicos-melhores-pagar-menos-im-
postos.html
17
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
de gastos públicos durante duas décadas, é re-
jeitada por 70% dos brasileiros. Finalmente,
pesquisa do Instituto Data Popular mostra
que 81% dos brasileiros preferem ter acesso a
serviços públicos melhores que a pagar menos
impostos.
Poderíamos pensar, intuitivamente, que os
manifestantes verde-amarelos apoiam as polí-
ticas neoliberais, fazendo uma analogia entre
conservadorismo social e apoio ao neolibera-
lismo econômico. Afinal, estas pessoas vão a
manifestações convocadas por grupos como
MBL e VPR, que se definem como liberais.
Esta afirmação, porém, não é consistente:
74% dos manifestantes do protesto de 26
de março de 2017 discordam da reforma da
previdência apresentada pelo governo Temer.
Em outra pesquisa, realizada na manifestação
de 16 de agosto de 2015, a favor do impeach-
ment da presidente Dilma Rousseff, os dados
mostraram que 88.6% concordavam total-
mente com que o Estado devia prover servi-
ços de saúde para todos os brasileiros, 92.3%
educação para todos e 72.1% transporte co-
letivo, rejeitando, portanto, a ideia do esta-
do mínimo6
. Sabendo disso, grupos como o
MBL, de origem neoliberal, apostam em mi-
nimizar o debate público sobre suas propos-
tas de Estado mínimo e preferem aumentar
sua visibilidade e base de apoio com a estra-
tégia das guerras culturais, de viés moralista
e polarizante. Da mesma forma, Bolsonaro,
historicamente apoiador de políticas nacio-
nalistas em economia, agora aproxima-se de
posturas neoliberais em busca de investidores
e financiadores de campanha, mas menos-
preza a economia como elemento importan-
te de debate público no programa eleitoral.
Uma nova direita que está muito próxima de
posturas neoliberais, seja por convicções ou
6.https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/politica/14399286
55_412897.html
por estratégias político-partidárias, mas que,
sabendo da rejeição que isto causa à popula-
ção brasileira, ainda mais num momento de
crise econômica, em que as medidas de ajuste
fiscal propostas impactam majoritariamente
os mais pobres, relega o debate econômico a
um plano totalmente marginalizado. Fale-se
de pedofilia, fale-se de corrupção, fale-se de
“bandido bom é bandido morto”, mas não se
fale de economia.
Porém, os conceitos neoliberais que, sim, têm
enorme penetração nestes grupos são a meri-
tocracia, o esforço pessoal, o trabalho indivi-
dual como saída para a crise. Quem trabalha
vence na vida. Todos os entrevistados mostra-
ram preocupação com a situação econômica
do país, mas igualmente concordaram que o
grave problema a ser resolvido para melhorar
a situação é a corrupção política, que se ins-
taurou na máquina pública. “Se o Bolsonaro
ganhar, a primeira coisa que ele vai fazer é
botar ordem nesta bagunça. Limpa a corrup-
ção, demite todo o mundo e aí, é trabalho e
trabalho. A gente quer trabalhar. Você ia ver
como melhorava tudo sem essa corja aí, que
suga o sangue da gente” (Entrevistado A).
“O problema da crise é essa roubalheira toda.
Eu não sei muito de economia, mas o que sei
é que tem de trabalhar, uai. Tem outra for-
ma? Aí, tem gente que quer vencer na vida
sem suar, sem se esforçar. Não dá, né? ” (En-
trevistada L).
As políticas públicas como Bolsa Família ou
cotas raciais universitárias são vistas negativa-
mente, porque fomentam a preguiça, o clien-
telismo e fazem do cidadão alguém passivo,
que parasita o Estado e, por outro lado, são
utilizadas eleitoreiramente pelo PT, para ga-
rantir o voto dos mais pobres e mantê-los sob
controle. O self-made man é o modelo de su-
cesso. A retorica do tax-payer: eu pago meus
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
18
impostos e com isso sustento os vagabundos que
não fazem nada. A gente trabalha, para susten-
tar esses preguiçosos e esses bandidos de Brasília. A
gente sustenta todo o mundo (Entrevistado A).
Os cidadãos, economicamente mais desfavore-
cidos e que são beneficiários de políticas sociais
existentes seriam parasitas do Estado, não se es-
forçam o suficiente no trabalho e, por sua vez,
o Estado faz uso destas políticas públicas para
controlar eleitoralmente estes grupos.
“O ideal é que não exista o Bolsa Família.
Pode ser importante para algumas pessoas,
mas a verdade é que é utilizado como moeda
eleitoral, para fazer as pessoas votarem sem-
pre no PT, comprarem o voto delas mesmo.
Por que acha que tanta gente no Nordeste
vota no PT? ”. (Entrevistado C).
“O que tem de gente preguiçosa, que só quer
mamar das tetas do governo. E a gente sus-
tenta eles, né? Isso com Bolsonaro ia acabar.
Quer comer? Trabalhe. Mas, não. É mais fá-
cil dar uma de coitadinho. Sou pobre, sou
pobre. E aí pedindo bolsa, pedindo ajuda
para tudo. E a gente se matando de traba-
lhar. É injusto”. (Entrevistado A).
Interessante observar que vários destes entre-
vistados foram, em algum momento, direta
ou indiretamente, beneficiados pelas políticas
públicas petistas, porém, hoje em dia, alguns
deles negam sua importância, porque eu não
preciso ser tratado que nem criança pelo Estado,
ainda mais por petralha. Eu não sou pobre, não
sou vítima de nada. Tenho meu trabalho (En-
trevistado A).
Ou, como conta a entrevistada L, não quere-
mos esmola do governo:
Meu filho tem Fies, mas ele merece. O go-
verno não está dando de graça. Ele é que está
ralando para estudar. Vou votar no PT por
isso? Não sou pobre nem nordestina para vo-
tar no PT. Eu votei no Dória. Gostei dele.
Essa coisa de ser trabalhador, de vencer na
vida. É isso o que a gente quer. Não esmola
do governo. Queremos que nos deixem traba-
lhar”. (Entrevistada M).
Todos estes entrevistados, que nasceram e
moram em regiões periféricas, colocam-se
como “nova classe trabalhadora” ou “nova
classe média”. O voto no PT, a aceitação de
políticas assistenciais é sinônimo, para eles, de
grupos empobrecidos que precisam deste tipo
de ajuda. Ao se autoidentificarem como classe
média ou trabalhadora, rejeitam estas políti-
cas e rejeitam, inclusive, a identidade com o
próprio PT, porque, como um outro entrevis-
tado disse no contexto de outra pesquisa, na
eleição municipal de 2016, durante uma roda
de conversa em Capão Redondo: a gente ago-
ra é classe média e classe média não vota no PT.
Ao mesmo tempo em que os entrevistados
reconhecem que o Brasil é um país racista,
insistem em defender as cotas socioeconômi-
cas, mas não as cotas raciais. Por que? Por-
que as cotas raciais são racistas e aumentam
o racismo pelos dois lados porque os estudantes,
brancos, com razão, se sentem injustiçados (En-
trevistado A). As cotas raciais estariam colo-
cando os estudantes brancos numa posição de
inferioridade e, segundo alguns entrevistados,
menosprezando a capacidade dos negros para
entrarem na universidade que querem, sem
ter ajudas do Estado. Elas são, por tanto, um
mecanismo que cria mais racismo, coloca o
negro na posição de vítima e o branco na po-
sição de injustiçado.
Aluna7, 16 anos: Por que negro tem de ter
privilégio? Só porque ele é negro? Ele tem as
mesmas oportunidades. É só ele se esforçar
e estudar, se ele realmente quiser passar na
universidade.
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Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
Pesquisadora: Você pensa que o Brasil é um
país racista?
Aluna: Sim
Pesquisadora: Então, os negros não têm as
mesmas oportunidades que os brancos, não?
Aluna: Humm, mas cor não define as pessoas,
a cota não vai te definir. A gente não pode
falar em sou negro, sou branco. Cota é racista!
Eu sou negra e não quero cota. Eu vou estudar
e vou conseguir entrar por mérito meu.
Movimento negro, feminismo ou o movi-
mento LGBTQIA, as respostas são padrão.
Eles são grupos que sofrem preconceito, sim,
mas estão abusando de seus direitos. Utilizam
a vitimização, o mimimi para obter regalias
do Estado e avançar sobre os cidadãos que
não pertencem a essas minorias.
“As minorias têm direito a reivindicar, porque
elas sofrem discriminação, sim, mas segundo
as regras. Por exemplo a passeata gay. Quan-
do tem fantasias de Jesus. Isso é um desrespeito
à religião alheia. As pessoas se excedem. Estão
ferindo direitos aí. Sempre com bom senso e
sentido do dever. Existem dificuldades para
eles, sim, mas não gosto disso, de serem vítimas.
A gente sabe que existe machismo, preconceito
contra a comunidade LGBT, racismo e o Es-
tado deve criar oportunidades para todos por
igual. Agora, também, sabemos que muitos
desses movimentos são braços auxiliares de par-
tidos, influenciam as pessoas a se sentirem víti-
mas e se aproveitam disso” (Entrevistado W).
A comunidade LGBTQI é fortemente criti-
cada por ser exibicionista. Que o homosse-
xual tenha seus direitos garantidos, sim, mas
não precisa se exibir na rua, nem provocar. Di-
reitos para os gays, sim, mas desde que a gente
não esteja passeando pela Paulista e veja eles se
beijando. Que necessidade têm minhas crianças
de verem isso? (Entrevistada L)
“Minha irmã é estudante da Unicamp, de
esquerda. Para ela, eu sou homofóbico, gor-
dofóbico, fascista. Não sou nada disso. Só
penso que o tema de ser gay, as pessoas fa-
zem um pouco para provocar. Quando vêm
à minha casa os amigos viados da minha
irmã, eu pergunto “por que você é viado?
Você é mesmo ou está com viadagem porque
quer provocar? Não queria aqui ser cool, ir
na marolinha. Se quiser você se sustenta”.
Falo na brincadeira, mas é isso. O que me
incomoda é a necessidade de chocar. Essa
coisa de bicha louca. E o homossexual tem
essa necessidade mais do que o hétero. Talvez
para marcar sua posição. Terrível. Mas eu
não me sinto homofóbico por isso, só acho
que não está certo chocar. E isso serve para
tudo. O que não gosto é do excesso. Isso me
fere. Não dá para admitir preconceito de se-
xualidade, mas estimular tampouco, não? ”
(Entrevistado E).
Neste sentido, o controverso kit gay, mate-
rial escolar sobre homossexualidade lança-
do em 2011 na época de Fernando Haddad
como Ministro da Educação, sempre aparece
nas conversas. A crítica a ele é um absolu-
to denominador comum: as crianças devem
ser protegidas de conversas sobre orientação
sexual, porque pode criar problemas na se-
xualidade deles.
“Orientação sexual deve ser ensinada nas es-
colas, sim, mas não para alunos tão jovens.
Não porque eles podem virar gays, não é
isso, mas sim, porque eles podem ficar des-
virtuados, pervertidos”. (Entrevistado J).
Discurso de Ódio
Uma questão muito importante a levar em
consideração é que o discurso de ódio des-
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
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ta nova direita, que nos apavora, é frequen-
temente negado pelos seus seguidores. Por
exemplo, as frases polêmicas de Bolsonaro
fazem parte de seu jeito bruto, tosco de falar,
mas sem má vontade. As atitudes censoras do
MBL são necessárias para proteger a família,
as crianças, os valores, a moral.
“Bolsonaro? Se ele tem discurso de ódio? Não
tem. Não vejo discurso de ódio. Ele não é
machista ou homofóbico. É que ele fala dessa
forma natural, acredito que por ter passado
militar. Como eu te falei, ele é burro na po-
lítica, é um tiozão, ele é mal-entendido por
ser burro. Mas discurso de ódio, não, não”.
(Entrevistado E).
“Ele não tem discurso de ódio. Tá só expondo
a opinião dele, falando a verdade. E quan-
do é um pouco radical, se retrata. Não tem
discurso de ódio porque quer o melhor para
todos. Só que a esquerda exagera. Olha o caso
da Maria do Rosário. Ela ofendeu primeiro”.
(Estudante7, 16 anos).
O discurso de ódio é apresentado, na maio-
ria das ocasiões, como a figura do meme, da
frase irreverente, da piada que as pessoas não
entendem como algo agressivo, violento a ser
rejeitado. Pelo contrário, é exagero e histeria
dos grupos que se dizem atacados. A banali-
zação do ódio. Onde muitos de nós enxer-
gamos discurso de ódio, enxerga-se, simples-
mente, uma forma politicamente incorreta,
bruta, folclórica de dizer as coisas.
As declarações de Bolsonaro sobre mulheres,
negros ou homossexuais, que tanto chocam
parte da opinião pública, são relativizadas
por seus apoiadores. Exagero de seus adver-
sários políticos e da imprensa. Manipulação.
Com frequência, o campo progressista pensa
que sujeitos com identidades subalternizadas
deveriam, naturalmente, apoiar candidatos
de esquerda, porém, isso é divergente com a
realidade. O entrevistado J que se autoiden-
tifica com a definição gay de direita, explica
o porquê de não ver incoerência nenhuma
em sua identificação. Para ele, as posturas dos
partidos de esquerda com os grupos LGBTQI
são ou de exibicionismo exagerado ou a de
vitimismo e de privilégio. Os grupos LGB-
TQI sofrem discriminação? Sim, mas isso se
soluciona trabalhando e com menos mimimi.
Bolsonaro não tem discurso de ódio contra os
gays, pelo contrário, ele gosta deles, só que ele nos
trata como qualquer cidadão, sem privilégios
(Entrevistado J).
“Ué, por que eu não posso ser gay de direita?
Apoio um governo liberal, apoio os valores
tradicionais, a disciplina, a autoridade...
acho que a gente tem de ter mão dura contra
bandido. Gosta de bandido, leva para casa!
Por ser gay, tenho de gostar desses ladrões do
PT ou desses radicais do PSOL? Sou gay, mas
não gosto da passeata LGBT, por exemplo,
acho muito exibida, muito provocativa, qual
é a necessidade disso? Ah, e eu tampouco sou
vítima de nada. Essa coisa de os gays somos
coitadinhos, vítimas, não sei o que. Não dá
gente, vamos trabalhar e menos mimimi ”.
(Entrevistado J).
“Não gente, as pessoas tiram do contexto e a
imprensa exagera tudo para acabar com ele.
Como esse caso da Maria do Rosário, nada a
ver. Ela que utilizou isso politicamente, mas
a gente, que é mulher, sabe que ele não é ma-
chista”. (Entrevistada M).
“Ele é mal interpretado propositalmente.
Não é nem machista nem homofóbico. Nun-
ca falou nada contra os gays nem contra as
mulheres. Manipulam o que ele diz. Quando
ele foi homofóbico? Nunca. Eles dizem que a
gente é fascista. Aí, eles colocam uma camisa
do Che Guevara e tudo bem, mas entra com
21
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
uma camiseta de Bolsonaro na PUC, para
você ver quem apanha de quem. E depois a
gente que é intolerante! ” (Entrevistado D).
O mesmo acontece com as entrevistadas mu-
lheres que não veem incoerência em serem
mulheres e se identificarem com um discurso
de extrema-direita, porque elas são mulheres,
que lutam pelos seus direitos, mas não femi-
nistas, aliás, eu sou antifeminista (Entrevistada
L). O termo feminismo é totalmente despre-
zado e é comparado com o termo feminazi.
O feminismo é visto como algo hostil e des-
necessário na vida das mulheres e, inclusi-
ve, mais atrapalha do que ajuda, porque, de
novo, trabalhando e se esforçando, a mulher
consegue o que ela quiser.
“Sou mulher, sim, mas não sou feminista. O
tempo todo de mimimi, com essa coisa de vi-
timismo, todas radicais, querendo passar por
cima dos homes. Feminazis, não gosto nada
disso. Olha eu sou empresária, vivo bem, estou
bem na vida e nunca precisei de feminismo.
Se a gente luta, a gente consegue o mesmo que
os homens, mas essas mulheres parecem que
só sabem chorar e colocar a culpa no homem.
Exageradas. ” (Entrevistada E).
Na manifestação em apoio à Operação Lava
Jato do dia 25 de março de 2017, pergun-
tamos aos manifestantes sua opinião sobre o
feminismo. 57.2% deles concordam com a
afirmação “feminismo é machismo ao contrá-
rio” Igualmente, perguntamos se as pessoas
presentes se consideravam feministas: 60%
responderam que nada feminista, 23% pouco
e apenas 13% muito feminista. Porém, quan-
do questionados por pautas concretas relati-
vas à luta feminista, os manifestantes respon-
deram da seguinte forma: 51.6% pensam que
fazer aborto deve ser um direito da mulher,
só 4.1% afirmam que lugar da mulher é em
casa cuidando da família, 78.5% consideram
que não se deve condenar uma mulher que
transe com muitas pessoas e 90.6% que a
mulher deve ter o direito de usar roupa cur-
ta sem ser incomodada. A questão, portanto,
não é a concordância com temas específicos
da luta das mulheres e, sim, a hostilidade cau-
sada pelo termo feminismo, que é entendido
como uma postura agressiva.
O politicamente correto é desprezado. Uma
das virtudes que os simpatizantes de Bol-
sonaro se empenham em ressaltar é que ele
não segue a norma do politicamente correto,
ele fala o que pensa, com sinceridade. Não
é discurso de ódio, é liberdade de expressão.
O politicamente incorreto é valorizado como
exercício de liberdade. O politicamente cor-
reto seria uma forma de impor o pensamento
das minorias.
“É que ele tem esse jeito tosco, bruto de falar,
militar mesmo. Mas ele não quis dizer essas
coisas. Às vezes exagera, não pensa porque vai
no impulso, porque é muito honesto, muito
sincero e não mede as palavras como outros
políticos, sempre pensando no politicamente
correto, no que a imprensa vai falar. Ele não
está nem aí com o politicamente correto, diz
o que pensa e ponto, mas não é homofóbico.
Ele gosta dos gays. É o jeitão dele”. (Entre-
vistada L).
As “mulheres não feministas”, os brancos
heterossexuais, cis são as verdadeiras vítimas
das lutas dos grupos identitários. Feminis-
tas, LGBTQI, movimento negro, pretendem
atropelar os direitos alheios, colocar-se como
se fossem grupos privilegiados que merecem
mais atenção do Estado e, finalmente, impor-
-se a outros segmentos sociais. O que para o
campo progressista é percebido como luta por
direitos historicamente negados, os entrevista-
dos entendem como grupos querendo impor
seus interesses e modelos de vida e, portanto,
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
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ultrapassando a linha do direito e chegando
ao privilégio. A masculinidade branca, o he-
terossexual e o cis estão acuados e ameaçados
pelos identitários. O processo de reação des-
tes grupos aos avanços das lutas feministas, do
movimento negro e LGBTQIA é evidente. Sua
forma de vida, sua forma de entender o mundo
e viver nele está sob ameaça com estes avanços.
O conservador, no fundo, é aquele que sente
saudades do mundo como ele era, do mundo
que ele entendia melhor e onde ele conseguia
sentir seu lugar.
“Eu sempre digo que, ultimamente, quem
menos direitos tem neste país é o homem
branco que não é gay. Se for mulher tem di-
reitos. Se for negro, mais ainda, cotas, não sei
o que. Se for gay, a mesma coisa, ninguém
pode falar nada, que já é preconceito. E a
gente. Quem nos protege? Que direitos temos
nós? Eu também posso me manifestar dizen-
do que sou homem branco? Eles têm direito e
eu não? ” (Entrevistado A).
A Direita Pop e Anti-Mainstream
No começo da roda de conversa com os alu-
nos de São Miguel Paulista, assistimos a um
vídeo com as frases mais polêmicas de Bol-
sonaro. No final do vídeo, muitos alunos es-
tavam rindo e aplaudindo. Por que? Porque
ele é legal, porque ele é um mito, porque ele é
engraçado, porque ele fala o que pensa e não está
nem aí (Aluno5, 15 anos). Com mais de cin-
co milhões de seguidores no Facebook, o fato
é que Bolsonaro representa uma direita que se
comunica com os jovens, uma direita que al-
guns jovens identificam como rebelde, como
contraponto ao sistema, como uma proposta
diferente e que tem coragem de peitar os caras
de Brasília e dizer o que tem de ser dito. Ele é
foda (Aluno2, 15 anos).
O uso das redes sociais, a utilização de vídeos
curtos e apelativos, o meme como ferramen-
ta de comunicação, a figura heroica e juve-
nil do “mito Bolsonaro”, falas irreverentes
até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra
todos, são aspectos que atraem os jovens. Se
nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda,
agora, para muitos destes jovens, é votar nesta
nova direita que se apresenta de uma forma
cool, disfarçando seu discurso de ódio em
formas de memes e de vídeos divertidos: O
Bolsomito é divertido, o resto dos políticos não.
(Aluno7, 14 anos).
É muito relevante ressaltar que a socialização
política destes jovens e adolescentes se deu no
período dos governos de Dilma Rousseff e, por-
tanto, o que eles identificam como governo de
esquerda é justamente o mainstream, o aparato
do poder e nada tem a ver com uma postura
progressista, de ruptura ou crítica ao sistema.
Em contrapartida, alguns dos entrevistados
criticam Bolsonaro pelo que para eles é um
excesso de teatralidade, o que o faz diminuir
a seriedade digna de um político.
“Jair está se transformando num Tiririca,
num personagem. Para ganhar volume está
se ridiculizando. Eu já avisei eles, mas que-
rem ganhar número”. Ele tem tosquice mili-
tar, rusticidade, mas virou showman demais.
Ele não é o que parece, mas ele de fato quer
fazer o bem, ele é simples, não tem ganância
de dinheiro. Sei de viagens que ele faz e fica
em hotéis baratos, mas não por aparência, é
por simplicidade mesmo”. É um baita estra-
tegista, sabe que se botar a farda e adotar
uma linha dura não vai ter popularidade, e
ele é um puta showman, se comunica muito
bem, tem a inteligência de perceber que desta
forma agrega muito, mas corre o risco de se
perder no personagem” (Entrevistado E).
Uma das questões que ficou em evidência com
a campanha do Trump é que esta nova direita
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Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
chega caraterizada de anti-hegemônica, anti-
-establishment. É uma direita que se apresen-
ta como a ruptura como o sistema. Mesmo
sabendo que isto fica só no nível da retórica,
num momento de intenso sentimento anti-
político, o candidato que se coloca como en-
frentando a política tradicional, profissional,
tem uma penetração forte porque não quere-
mos mais do mesmo. Eles são todos iguais. Que-
remos alguém diferente (Entrevistada M).
Entrevistada E - Ele é diferente.
Pesquisadora: - Mas há anos que é deputado
federal, portanto não será muito diferente.
Inclusive durante seus mandados tem feito
pouquíssimas coisas, quase não aprovou pro-
jetos de lei.
Entrevistada E- Claro, porque não deixam
ele fazer nada, porque ele não se vende, não
se alia com esses bandidos, então ele acaba
sozinho, isolado. É integro. Não é como eles.
Um tema que aparece nas entrevistas é que
essa nova direita é próxima das pessoas, Bol-
sonaro fala a língua da gente, não é como os
outros políticos que a gente nem entende, às
vezes (Entrevistado J). Insistem os entrevis-
tados que Bolsonaro gosta das pessoas, de se
sentir perto do povo, não é como outros po-
líticos que eles percebem longe deles e que,
inclusive, têm uma linguagem inacessível. Os
políticos tradicionais são vistos como aque-
les que se afastam propositalmente do povo.
Uma nova direita que, longe de ser percebida
como perto das elites, é percebida como pró-
xima ao povo e defendendo seus interesses. As
siglas políticas tradicionais defenderiam inte-
resses personalistas e partidários, inclusive o
PT, que se afastou da população e hoje não
representa os mesmos interesses partidários,
ao mesmo tempo que a nova direita seria a
defensora do povo.
“Hoje na rede social há várias páginas com o
nome de Bolsonaro. A maioria não tem vín-
culo conosco. Tinha um menino do “Bolsona-
ro opressor”. Ele pegava o conteúdo e postava
na página dele como se fosse dele. Eu achava
legal. Ele não conhecia ninguém da família
Bolsonaro. Aí liguei para o Jair e falei, “co-
mandante, tem um menino que tem uma pá-
gina, apoia o senhor, mas não tem contato”.
O Jair ligou para ele para agradecer. Ele po-
deria ter dito, “tenho mais o que fazer”. Isso
acontece com muita gente, ele se preocupa.
Tem gente que pede para mim que ele mande
um vídeo porque eles vão casar. E ele manda.
Uns dias atrás, teve um menino que fazia 9,
10 anos e queria que o tema fosse Bolsonaro.
A família dele entrou em contato com ele e
o Bolsonaro foi. Isso acontece naturalmente.
Nos aeroportos, a gente nunca deu um cen-
tavo. Eles gastam. A gente não tem militân-
cia paga. O Jair é muito acessível. Ele não se
blinda atrás de segurança. Não é marketing,
ele quer contato do povo. A gente não tem um
estrategista para isso. Ele quer tocar as pessoas,
chegar nelas, fazer foto. Ele quer essa proxi-
midade (...). Sem dúvida, tem toda essa parte
do discurso, mas tem toda essa parte humana,
você enxerga uma pessoa comum. Isso é muito
marcante, a galera sente isso. Chegamos lá em
Recife, com Jair e Eduardo, tinha esse mon-
te de gente. Olhei para o lado e tinha uma
mulher com uma filha doente em cadeiras
de rodas. O que leva uma senhora trazer essa
filha para ver um político? Quando o Eduar-
do viu, pediu para o motorista parar. O Jair
também. Conversaram, deram um abraço.
Ele não precisava ter parado. Aquela situação
toca eles. Foi comovente, emocionante mes-
mo. Não foi estratégia, “pega um bebezinho,
põe no colo”. Essa proximidade é uma marca
deles” (Entrevistado C).
“Ele continua sendo aquele Bolsonaro que eu
conheci em 2014. O que está acontecendo é
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
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que ele está sendo tratado como popstar. Não
foi ele que criou isso, foram esses grupos de
militância virtual que se organizam. A gen-
te nem sabe de onde saiu o apelido de mito.
Não foi uma coisa de marqueteiro. Outra
frase #émelhorJairseaconstumando. Não foi
a gente que bolou. Aparece. Às vezes, essa mi-
litância acaba criando esse personagem. Ele
continua no mesmo gabinete, recebendo as
pessoas” (Entrevistado C).
Valores
Uma das questões que os entrevistados mais
defendem desta nova direita é que estaria pro-
tegendo os valores que têm sido perdidos no
Brasil, depois de tantos anos de governo de
esquerda. Família, religião, disciplina, auto-
ridade, ética são questões que agora podem
ser discutidas de novo, mas que durante mui-
to tempo estavam fora do debate público. As
questões morais trazidas à tona pelo MBL, na
sua dinâmica de guerras culturais, aparecem
em várias entrevistas como exemplo de deba-
tes que deveriam ser feitos. Além de corrupto,
o governo do PT é visto como um governo
que provocou a desmoralização progressiva
do país ao se colocar contra os princípios da
tradição e dos costumes.
“Eu não gosto muito desses meninos do MBL,
mas eles têm razão. A gente tem de falar do
que está acontecendo nas escolas, eu não que-
ro que meu filho seja doutrinado e no dia
de amanhã vire um maconheiro, esquerdis-
ta. Eu quero que ele aprenda valores. E essa
coisa da pedofilia, vai me dizer que não é
importante? A gente está numa crise moral”.
(Entrevistado A).
“Ele (Bolsonaro) é um cara de valores, de
família, de princípios, religioso. Isso é mui-
to importante. No fundo, a crise de Brasil é
uma crise de valores. Ninguém respeita mais
nada”. (Entrevistado E).
Uma questão muito comentada é o menospre-
zo do campo progressista com posturas religio-
sas, fundamentalmente, com evangélicos.
“Eu sou evangélica, vou à igreja porque sin-
to paz, gosto de lá, e parece que a gente tem
de pedir perdão às vezes. Evangélico é burro,
evangélico só vota no que diz o pastor. Eu me
meto na vida deles? ” (Entrevistada M).
Um dos assuntos que a direita mais radicali-
zada sempre utiliza como retórica no debate
sobre seus valores e fundamentos éticos é a
reinterpretação da ditadura, fazendo a relei-
tura de que na ditadura a vida era mais segura
e disciplinada e na democracia a vida é mui-
to mais insegura, uma bagunça, libertinagem.
Democracia seria um sistema caótico no qual
os corruptos governam, aberto para qualquer
excesso e o cidadão de bem sente-se despro-
tegido. A ressignificação da ditadura num pe-
ríodo saudoso em que o cidadão de bem era
protegido pelo Estado e imperava a ordem e
não a confusão. Nem todos os entrevistados
defendem uma possível intervenção militar,
mas o fato é que a maioria deles não condena
esta ideia, dado que os militares são um dos
poucos atores sociais que ainda têm legitimi-
dade para trazer de volta os valores tradicio-
nais esquecidos.
“Na ditadura tinha mais segurança. A gente
tem liberdade de expressão agora, sim, mas
não temos direito de ir e vir. Aqui na perife-
ria pelo mesmo, não temos. Talvez seria bom
colocar os militares temporariamente, porque
agora a gente está sendo liderada por bandi-
dos”. (Aluna2, 15 anos).
“Eu sempre aprendi na minha casa que não
houve golpe militar, teve uma intervenção
necessária. Tinha tortura? Sim. Mas era um
estado de guerra. Será que não precisava?
Mas agora um golpe, agora não, porque não
25
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
resolveria. Se tivesse um momento seria ago-
ra, porque o general Villas Boas é excelente,
um dos melhores que o exército já teve, ele es-
taria no comando, mas ele não é burro, sabe
que agora não tem espaço para isso. Se resol-
vesse, eu mesmo pegaria as armas e vamos
embora”. (Entrevistado E).
São conhecidos por todos os ataques censores
da nova direita brasileira à suposta doutrina-
ção que professores de esquerda fariam nas
escolas. O projeto de lei Escola Sem Partido
é a mais viva representação desta perseguição
macarthista. A ideia de que escolas e universi-
dades estão tomadas por professores que pre-
gam o marxismo, o comunismo, as teorias de
esquerda e que, em vez de ensinar, doutrinam
alunos, em um processo sectário, é algo que
tem se espalhado muito na opinião pública e
ganhado apoios. O anticientificismo é uma
característica importante desta nova direita
brasileira, que considera a intelectualidade
inimiga. Os entrevistados, porém, não consi-
deram isto um ataque ou um problema, pelo
contrário, enxergam esta postura como uma
forma de defender os valores tradicionais,
que são continuamente colocados em risco
pela esquerda. Portanto, onde muitos de nós
enxergamos posturas de patrulhamento ideo-
lógico ou censura acadêmica, os entrevistados
enxergam preocupação com o cuidado e a
proteção da moral e os bons costumes.
“A gente sabe que vocês são todos de esquerda
e influenciam muito os alunos. Nesses cursos
de vocês de sociologia, história, só tem pro-
fessor comunista. Sala de aula é para ensi-
nar todas as ideologias não só as que vocês
querem. Por isso, Escola sem Partido é bom,
porque garante a liberdade em sala de aula
e protege o aluno contra os professores que só
querem captar alunos para o PT, ou, não, sei,
para o PSOL”. (Entrevistada E).
“Vocês professores dizem sobre a censura do
MBL, da Escola sem Partido. Censura, gen-
te? Censura sofremos nós, que queremos que
nossos filhos sejam educados em valores éticos
e não podemos nem falar porque a esquerda
diz que somos fascistas”. (Entrevistada L).
De Lula a Bolsonaro
Vários dos entrevistados que proclamam seu
voto em Bolsonaro, em 2018, admitiram ter
votado no PT durante seus primeiros man-
datos. Quando questiono o porquê, a maio-
ria coincide: porque pensavam que Lula seria
um líder que mudaria o país, estava perto do
povo, era carismático, alguém diferente dos
políticos de sempre e porque pensavam que
ele não era corrupto, ou seja, argumentos
muito parecidos com os colocados, hoje em
dia, quando tratam da figura de Bolsonaro:
proximidade, carisma e honestidade. Quan-
do questiono a distância ideológica, progra-
mática, biográfica dos dois, isso parece não
ser levado em consideração. O personagem
parece ser mais relevante que o sujeito polí-
tico. Especialmente interessantes são as falas
dos entrevistados, que nasceram ou moram
em regiões periféricas de São Paulo. Todos
eles coincidem também em se sentirem traí-
dos, enganados pelo PT, principalmente pela
questão da corrupção e pelo seu afastamento
da população: pensava que o Lula era honesto e
próximo das pessoas. Hoje sei que ele é o maior
ladrão de Brasil e agora penso que Bolsonaro é
quem de verdade é honesto e próximo das pessoas
(Entrevistado D).
Entrevistada M: Eu votei no Lula as duas
vezes. Ele é um líder. Reconheço isso. Fez coi-
sas importantes, não dá para negar. Eu votei
nele mais porque parecia um cara diferente,
era um cara do povo, não sei, parecia boa
gente, mas no final ele mostrou que é como
todos, um ladrão. Por isso agora voto no Bol-
sonaro porque ele sim, ele é diferente.
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
26
Pesquisadora: Mas Lula é de esquerda e o
Bolsonaro de direita. Suas políticas são mui-
to diferentes.
Entrevistada M: Eu não entendo disso, de ser
de direita ou de esquerda. Para mim não existe
isso. São todos iguais. PT, PSDB, não tem es-
querda nem direita. No fundo, são todos ami-
gos. Votei no Lula porque gostava dele, mas
agora não dá. Agora o único que vale e que é
diferente desses ladrões é o Bolsonaro.
Entrevistado A: Uai, PT, PT. Cadê o PT na
periferia?
Pesquisadora: E Bolsonaro está na periferia?
Entrevistado A: Nossa, ele é um cara muito
mais próximo, gosta da gente e se preocupa
pela insegurança que nós vivemos. Acha que
esses caras do PT se preocupam com a gente.
Que nada. Eu pensava que antes sim, mas
desde que chegaram ao poder. Escuta o que
eu te falo, o poder acaba com todos. Quem
sabe se Bolsonaro ganhar, talvez acabe com
ele também.
Em paralelo, um assunto que aparece recor-
rentemente nas entrevistas com pessoas de
regiões periféricas, mas que foram beneficia-
das pelas políticas de inclusão dos governos
petistas, o aumento de emprego e renda é seu
autoenquadramento como classes médias, ou
classes consumidoras e a naturalização de va-
lores típicos das classes médias como a ade-
são ao combate a corrupção ou a rejeição a
programas de inclusão social, dos quais eles
mesmos foram beneficiados direta ou indire-
tamente. A rejeição ao PT por estes grupos
tem muito a ver com a construção de uma
nova identidade, diferente à de periférico, po-
bre ou excluído. Como um taxista me disse
um dia eu não voto no PT porque quem vota no
PT é pobre, a nova classe média vota no PSDB.
Muito significativo a este respeito é a entrevis-
ta com M, que reconhece morar numa região
periférica, mas ao mesmo tempo diz que:
Entrevistada M: Eu não sou mais pobre. Eu
subi na vida.
Pesquisadora: E como foi isso? Acha que os pro-
gramas do governo Lula ou a geração de em-
prego durante seu governo tiveram algo a ver?
Entrevistada M: (visivelmente incomodada
com a pergunta): Não! Teve nada. Teve a ver
meu trabalho e o de meu marido, o esforço da
gente.
Pesquisadora: A senhora pensa, então, que me-
lhorou de vida por mérito seu e de seu marido?
Entrevistada M: Mas é claro! Por isso não
voto mais Lula que só fala em pobre, em po-
bre, e parece que a gente tem de agradecer al-
guma coisa. Não. Votei no Dória. Agora não
gosto tanto, mas antes gostava. Ele entendia
essa coisa da gente vir de baixo e trabalhar e
ser alguma coisa na vida.
Conclusões
Os resultados desta pesquisa mostram as ra-
zões que levam os cidadãos brasileiros a apoia-
rem a nova direita. Com frequência, setores
progressistas menosprezam estas posturas por
considerarem que “pobre que vota na direita é
burro”, “seguidor de Bolsonaro é burro” e por
aí vai. É um grande erro caricaturar ou de-
sestimar a importância de um fenômeno que
tem densas raízes sociais e que pouco tem de
trivial ou transitório. Em nível internacional,
esta nova direita ou direita alternativa está se
transformando num protagonista político. O
que a análise teórica, assim como os empíri-
cos demonstram, é que esta direita tem bases
sociais e política sólidas nas quais se fortale-
27
Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
ce: crise democrática, crise representativa,
crise econômica, incapacidade dos partidos
da esquerda tradicional de dar repostas aos
cidadãos, aumentos da retórica antipolítica,
populismo do combate contra a corrupção,
crise da segurança pública. O primeiro pas-
so para combater posturas antidemocráticas,
que colocam em risco o avanço nos direitos e
garantias fundamentais, é entender este pro-
cesso em toda sua complexidade e multidi-
mensionalidade.
Bibliografia
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Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA
28
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As opiniões expressas nesta publicação
não necessariamente refletem as da
Friedrich-Ebert-Stiftung.
O uso comercial de material publicado
pela Friedrich-Ebert-Stiftung não é per-
mitido sem a autorização por escrito.
Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o
nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com-
prometida com o ideário da Democracia Social. No Brasil a FES atua desde 1976. Os objetivos de
sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia
ambientalmente e socialmente sustentável, o fortalecimento de políticas orientadas na inclusão e
justiça social e o apoio de políticas de paz e segurança democrática.
Responsável
Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil
Av. Paulista, 2001 - 13° andar, conj. 1313
01311-931 I São Paulo I SP I Brasil
www.fes.org.br
Autora
Esther Solano Gallego é Professora Doutora da
Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do
Mestrado Interuniversitário Internacional de Estudos
Contemporâneos de América Latina da Universidad
Complutense de Madrid. Doutora em Ciências Sociais
pela Universidade Complutense de Madri. Associada
ao grupo de pesquisa Laboratório de Análises
Interdisciplinares e Análise da Sociedade (LEIA-
Unifesp).

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O crescimento da extrema direita no Brasil - Esther Solano

  • 1. ANÁLISE Nº 42/2018 Esther Solano MAIO DE 2018 Crise da Democracia e extremismos de direita Esta pesquisa busca entender o crescimento das novas direitas brasileiras, es- pecialmente da extrema direita mais antidemocrática, simbolizada no pensa- mento do deputado Jair Bolsonaro. Apresenta os resultados de entrevistas em profundidade com simpatizantes do pré-candidato, nas quais foram mapeados os principais elementos de identificação dos eleitores com o discurso do Bolso- naro e faz uma análise empírica e teórica das condições do surgimento desse fenômeno no Brasil. Para os entrevistados, Bolsonaro representa o tipo do político honesto em contraposição à “classe política corrupta”. Consideram que, em uma alteração da ordem social, o “cidadão de bem” esta- ria desprotegido, seria a vítima abandonada e o criminoso estaria superprotegido pelo Estado. Segundo eles, as políticas públicas como Bolsa Família ou cotas raciais universitárias são negativas, porque fomentam a preguiça, o clientelismo e fazem do cidadão alguém passivo, que parasita o Estado. O self-made man é o modelo de sucesso. Movimento negro, feminismo ou movimento LGBTQIA, são, para os bol- sonaristas, grupos que sofrem preconceito, sim, mas estão abusando de seus di- reitos. Utilizam-se da vitimização, do mimimi para obter regalias do Estado e abalar os cidadãos que não pertencem a essas minorias. Jovens identificam o Bolsonaro como rebelde, como uma opção política que se comunica com eles e se contrapõe ao sistema, como uma proposta diferente. Se nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool, disfarçando seu discurso de ódio em formas de memes e de vídeos divertidos. Vários dos entrevistados que proclamam seu voto em Bolsonaro, em 2018, admitiram ter votado no PT nos seus dois primeiros mandatos. Questionados sobre o porquê da mudança, a maioria coincide: Lula estava perto do povo, era carismático, alguém diferente dos políticos de sempre e era honesto. Hoje, essas pessoas adotam um forte discurso antipetista, fundamentado na retórica da co- rrupção do PT e na rejeição a muitas de suas políticas, das quais alguns já foram beneficiados, e mobilizam alguns argumentos muito parecidos para justificar o voto em Bolsonaro: proximidade, carisma e honestidade.
  • 2. Sumário Introdução 3 Fatores conjunturais 3 Fatores estruturais 6 Metodología 10 Resultados: quais são os argumentos para se identificar com Bolsonaro 11 Segurança Pública 11 Direitos humanos para humanos direitos 12 Corrupção e antipolítica 14 Meritocracia e Vitimismo 16 Discurso de Ódio 20 A Direita Pop e Anti-Mainstream 22 Valores 24 De Lula a Bolsonaro 25 Conclusões 26 Bibliografia 27
  • 3. 3 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA Esta pesquisa busca entender o crescimento das novas direitas brasileiras, especialmen- te da extrema direita mais antidemocrática, simbolizada no pensamento do deputado Jair Bolsonaro. O presente documento apresenta uma parte inicial teórica, que busca concei- tuar a crise democrática atual e a reorganiza- ção dos grupos conservadoras e novas direitas e, na segunda parte, apresenta os resultados de conversas em profundidade com simpati- zantes do pré-candidato. Introdução Onda neoconservadora, alt-right, “nova direi- ta”, crescimento da extrema direita, trumpi- zação da política, populismos de direita, cri- se das esquerdas. Rótulos para denominar a reorganização de grupos conservadores e/ou da direita radicalizada que tem abrangência mundial e, como não poderia ser diferente, com fortes reflexos no Brasil. As causas destes processos complexos são múltiplas e nunca poderiam ser reduzidas a uma variável uni- dimensional. Tentamos, porém, apresentar alguns aspectos teóricos que nos ajudem a entender o ressurgimento destes grupos que, não em poucas ocasiões, ameaçam a estabi- lidade democrática e os direitos mais funda- mentais: Fatores conjunturais Para entender como a crise política brasileira deixa espaço à penetração das novas direitas, elencamos alguns fatores que incidem na ins- tabilidade democrática nacional e favorecem a organização social e política das direitas bra- sileiras. O processo de um impeachment ilegítimo no Brasil supõe uma ruptura dramática na esta- bilidade institucional, fragiliza intensamente a ordem democrática e acelera os processos de decomposição política. A anomia políti- ca instaura-se no cotidiano, levando a uma degradação muito rápida e a uma perda de confiança das bases representativas da socie- dade brasileira. A deterioração da conciliação lulista, uma imprensa hegemônica oligopoli- zada que, com frequência, se comporta mais como panfleto político do que como órgão informativo, a complicada governabilidade num Congresso com grande pulverização partidária e de matriz política conservadora, a absoluta falta de respeito com o processo democrático que muitos representantes polí- ticos demonstraram ter, são fatores que inten- sificaram a crise política, em paralelo à crise econômica que o país atravessa e que é outro fator fundamental para entender o mal-estar social brasileiro. Altas taxas de desemprego e aumento da vulnerabilidade e precariedade para amplas camadas populacionais são fa- tores que potencializam o desgaste no teci- do social. Por outro lado, os abusos de um judiciário hiperinflacionado e militante, que extrapola suas funções e invade o equilibro de poderes judicializando a política, e as dinâmi- cas lavajatistas da justiça penal do espetácu- lo, numa luta moralista, populista e punitiva contra a corrupção e que não respeita as ga- rantias penais, transformam-se em importan- tes fatores de risco antidemocrático. Nestes fatores conjunturais, não devemos es- quecer que a reconfiguração social brasileira, como consequência da inclusão social pro- movida pelo petismo com a diminuição drás- tica da miséria, o aumento significativo das taxas de emprego, o crescimento de uma nova classe consumidora, modificando a morfolo- gia das regiões periféricas do país, são elemen- tos muito importantes para levar em consi- deração na análise do comportamento social brasileiro nos últimos anos. Esta mobilidade provocou novos comportamentos nas regiões que, previamente, estavam mais empobre- cidas e que conseguiram ter níveis de renda
  • 4. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 4 e formalidade maiores e, também, uma rea- ção em boa parte das elites e, sobretudo, das tradicionais classes médias, que pensam seus privilégios ameaçados com a ascensão das camadas populares. A raiva antipetista tem um de seus fundamentos nesta reordenação social. Igualmente, o fato do PT ter se trans- formado no partido do governo durante um ciclo extenso afastou-o progressivamente das camadas populares, provocando novas pre- ferências eleitorais em algumas destas novas classes consumidoras que, frequentemente, se autoenquadram como novas classes médias e se distanciam da identidade com o petismo E como não mencionar a penetração das igre- jas evangélicas, novas articuladoras da socia- bilidade, especialmente nas periferias, que se configuram como um novo e importan- tíssimo ator social e político. Algumas delas, como a neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus, são grandes aliadas na disse- minação dos valores capitalistas, a meritocra- cia e a individualização do esforço. Por outro lado, o crescimento da Bancada Evangélica fortalece o poder de representantes religiosos fundamentalistas no Congresso, dificultando a viabilidade das pautas progressistas. No Brasil, esta conjunção de fatores, que cria a possibilidade política e social para os grupos neoconservadores e de direita radi- cal, é acelerada e propiciada pelo contexto nacional que surge pós 2013 e se agrava em 2015 com as primeiras manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff e que, até o momento, vai fertilizando o ce- nário para grupos populistas de direita que, em nome da luta contra a corrupção, aprovei- taram a conjuntura para se colocarem como alternativa política. Em pesquisas anteriores1 , ficou demonstrado que o “antipetismo” foi o 1. http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/13540.pdf grande fator de coesão e mobilização social, ao longo dos anos 2015-2017, nutrindo e aumentando a base de apoio de grupos po- pulistas de direita como o Movimento Brasil Livre, Vem pra Rua ou o próprio Jair Bolso- naro, que construíram boa parte de sua popu- laridade na ideia de que o PT seria o partido mais corrupto de Brasil e num ataque frontal, moralista, destrutivo e demagógico contra o Partido dos Trabalhadores. Durante as mani- festações de 2015, organiza-se fortemente nas ruas e nas redes uma mobilização conserva- dora. É importante ressaltar que estes grupos se estruturaram em torno à demanda do im- peachment e em protesto contra a corrupção petista, portanto, são grupos de fato hetero- gêneos, mas cuja identidade coletiva se define com base em um antipetismo muito presente. Para dar números a esta afirmação, aplicamos um questionário ao grupo manifestante do dia 26 de março de 2017 em apoio à Ope- ração Lava Jato, para entender que pautas e posicionamentos sociais, culturais e morais tinham os manifestantes como denominador comum. Estes grupos, que se definem majori- tariamente de direita (31.4%), centro-direita (17.4%) e conservador (47.3% muito con- servador, 34.4% pouco conservador), respon- deram ao questionário de forma pouco coesa (34.8% concordam que a união de pessoas do mesmo sexo não constitui uma família, 48.6% pensam que a escola deve ensinar va- lores religiosos, 57.2% que feminismo é ma- chismo ao contrário). A unidade de respostas dá-se em torno de três questões: 1) punitivis- mo (82.6% apoiam o aumento de pena para punir criminosos, 84.6% apoiam a redução da maioridade penal), rejeição aos programas sociais e de redistribuição de renda caraterís- ticos das gestões petistas (82.2% pensam que o programa Bolsa Família estimula as pessoas a não trabalharem, 75.2% pensam que as co- tas não são uma boa medida) e, fundamental-
  • 5. 5 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA mente, no antipetismo (84.8% definiram-se como muito antipetistas). Por outro lado, se nas primeiras manifestações de 2015 o antipetismo era o elemento mais evidente, o discurso de negação da política tradicional no seu conjunto e a rejeição ao partido político tradicional aumentam cada vez mais. Além do antipetismo, que aparece como grande fator de coerência, o discurso antipolítico, resumido nos slogans “faxina ge- ral”, ou “que prendam todos” do movimen- to Vem pra Rua, está se transformando num importante fator de coesão para estes grupos conservadores. À pergunta “com qual partido político você se identifica”, nesta mesma ma- nifestação, 72.9% responderam que nenhum, seguidos por 11.7% que escolheram o PSDB e 6.8% o Partido Novo. Os avanços da ope- ração Lava Jato para outros partidos, além do PT, ajudaram a popularizar a imagem do po- lítico corrupto, de tal forma a ter quase uma relação de sinonímia entre os conceitos po- lítico e corrupto. Os partidos brasileiros são enxergados com desconfiança, negatividade e uma enorme distância simbólica. Sem dúvida nenhuma, uma contribuição primordial para o crescimento de posturas antipolíticas tem sido a justiça do espetáculo promovida pela Operação Lava Jato. Um tipo de justiça na qual os conflitos são definidos e julgados jornalisticamente, com papéis con- fusos e sobrepostos entre imprensa e justiça. A imprensa tem atribuições que eram espe- cíficas dos tribunais (Rodriguez, 2000) e os julgamentos são televisados numa lógica de Big Brother. O controle da justiça é exercido pela imprensa, ou seja, uma entidade priva- da, e por uma sociedade que assiste à teatra- lização da justiça, teatralização que provoca, em última instância, anseios de linchamento em praça pública. Do Mensalão à Lava Jato, show-business, audiência, ibope são agora ele- mentos desta justiça do espetáculo, na qual a atividade processual é cada vez mais midiática e certos juízes assemelham-se mais a pop stars. Episódios como o levantamento do sigilo e a posterior disponibilização das escutas telefô- nicas do ex-presidente Lula com a presiden- te Dilma Rousseff pelo juiz Sergio Moro, no dia 16 de março de 2016, causando um ter- remoto nacional depois da divulgação pelo Jornal Nacional, com o evidente propósito de estimular a comoção pública e preparar o terreno social propício para a votação do im- peachment, são exemplos inconfundíveis do ativismo judicial midiático lavajatista, atuan- do na dinâmica da espetacularização judicial. Da mesma forma, funcionaram as delações televisionadas de Joesley Batista, as quais, por horas, a população brasileira assistiu ao de- gradante teatro do empresário que, com uma postura de macho confiante, foi desvelando o segredo pós-democrático: a democracia é leiloada, comprada e vendida pelos grupos econômicos. Consequência direta desta ses- são interminável de exorcismo televisivo foi o aumento do sentimento antipolítico na po- pulação. A luta contra a corrupção como um eficaz instrumento populista. O político, que é percebido pela opinião pú- blica como corrupto, passa por um processo de demonização. O político corrupto repre- senta o “mal” e o juiz o “bem”, numa visão dualista e pseudo-religiosa da realidade. O corrupto, portanto, não representa mais um sujeito de direito ao qual deve ser aplicado o devido processo penal respeitando direitos e garantias. O “mal” tem de ser extirpado, ani- quilado e, para isso, o devido processo penal incomoda. Note-se aqui que, para chegar ao rótulo de corrupto, não é necessária a chan- cela da justiça. É no julgamento social e mi- diático, na justiça penal do espetáculo que se chega à conclusão da culpabilidade do su-
  • 6. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 6 jeito. O julgamento é mero acessório depois da condenação por parte da opinião pública, mas espera-se dele uma atitude punitiva e exemplar. Ao lado destas tensões, o nunca resolvido pro- blema de segurança pública permanece sem- pre como uma porta de entrada aberta para os grupos de direita. A ausência de uma resposta competente para este assunto, durante os go- vernos petistas, deixa em mãos de uma direita punitiva e demagógica, que insiste na guerra às drogas, no estado policialesco e na militari- zação da segurança pública. Como maior ex- poente desta política, a intervenção militar do Rio de Janeiro demonstra como a violência e a insegurança são fatores, que podem muito bem ser instrumentalizados política e eleito- ralmente. Do lado de uma justiça do espetá- culo, temos a segurança do espetáculo. Togas ou tanques nas televisões brasileiras. Populis- mo do judiciário, populismo militarista, am- bos são enormes riscos para os bons rumos democráticos. Fatores estruturais A democracia em crise é uma afirmação que a ninguém mais surpreende. Uma crise multi- facetada que tem como consequência o declí- nio das estruturas representativas tradicionais e um mal-estar geral com o funcionamento democrático atual. Vivemos em tempos nos quais a política nos é apresentada como algo prescindível, inclusive sujo, vergonhoso e é desejável a não profissionalização do político. Nossas possibilidades eleitorais, com frequên- cia, são reféns ou de uma tecnocratizacão da política ou de uma política demagógica que manipula medos, emoções e afetos. Por outro lado, as intensas e rapidíssimas transformações sociais, vividas nas últimas décadas, desafiam os esquemas clássicos de representatividade. A atual temporalidade, acelerada por um imediatismo tecnológico e midiático, entra em confronto com o tempo político, o tempo representativo, muito mais demorado. Passamos da “democracia dos par- tidos” à “democracia das audiências” (Manin, 1997), com a substituição do espaço público de debate pelo protagonismo dos meios de comunicação de massa e com um eleitorado mais fluido, menos fidelizado, que se mobi- liza muito mais por causas concretas do que por referências partidárias. Volatilidade, hiper- complexidade social, difusão de pautas e de- mandas, desagregação de grupos, pluralismos são as novas formas de sociabilidade e organi- zação coletiva, incompatíveis com as clássicas estruturas representativas, muito mais rígidas, hierarquizadas e lentas. Uma cidadania mais crítica, mais informada, que se desconecta cognitiva e afetivamente do partido como es- trutura intermediadora. Tudo isso junto com a centralidade cada vez maior da Internet, que produz novos padrões de sociabilidade e com- portamento político. As formas de organização online e seu impacto radical na democracia, até com efeitos não esperados e muito descon- certantes como o fenômeno das fake news ou boatos virtuais ou a utilização de Big Data em campanhas eleitorais, para influenciar as prefe- rências políticas do eleitor. Tempos de “dessacralização da política”, de “ambiguidades de desintermediação” (Inne- rarity, 2017), processos que provocam decep- ção com a dinâmica democrática tradicional. Autores, como Rossanvallon, caracterizam a democracia atual como uma democracia minimalista, uma democracia eleitoral, de autorização, mas não de exercício nem de apropriação, Democracias atrofiadas porque os partidos já quase não exercem a função de intermediação. Evidentemente, um dos problemas não resol- vidos da atualidade é a relação entre democra-
  • 7. 7 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA cia e neoliberalismo. Neoliberalismo como “a nova razão do mundo”, que atravessa todas as esferas da existência humana para além da econômica. O neoliberalismo como uma for- ma de existência, fabricação do ser humano (Laval, Dardot, 2017). Quando falamos de novas direitas, com frequência, estamos nos referindo a duas matrizes diferenciadas: neo- liberal e neoconservadora. Tradicionalmen- te, estas duas matrizes apresentam-se como separadas e com formas de organização que caminham em separado. Ultimamente, po- rém, a ética neoliberal aproxima-se da ética neoconservadora, numa convergência, ao que parece, incoerente, mas muito frutífera (Wey- land, 2003). Duas racionalidades inicialmen- te diferentes, mas aliadas numa dinâmica de poder (Brown, 2006). Reformas neoliberais drásticas, cortes dramáticos do orçamento público, estado mínimo, restrição dos direitos trabalhistas, propostas econômicas impopula- res que precisam se legitimar ou se esconder sob discursos conservadores, que deslocam o centro do debate público. No Brasil, um cla- ro exemplo é a dinâmica das guerras culturais fomentada pelo grupo neoliberal MBL (Mo- vimento Brasil Livre), que insiste em polêmi- cas moralistas como as do Queermuseum ou a suposta pedofilia da exposição do MAM, a fim de aumentar sua base de apoio. Moralis- mo fundamentalista e inquisidor que se une a um discurso de negação e demonização da política tradicional. A política é vista e pensa- da de forma vergonhosa, desprezível, imoral. É a politização da antipolítica e o triunfo do “não sou político, sou gestor”. Neste sentido, Crouch (2013) define pós- -democracia como um sistema de fachada democrática, com instituições representativas que, na aparência, funcionam (na pós-demo- cracia votamos, elegemos nossos representan- tes), mas, na verdade, por baixo desse exterior puramente formal, o sistema está totalmen- te capturado pela lógica capitalista. Eis aí o paradoxo: uma democracia que funciona na aparência, mas cada vez mais esvaziada de conteúdo e sentido. A democracia vai sen- do substituída pela corporocracia. As grandes decisões não são tomadas pelo “demos”, pelo “poder popular” e sim pelas grandes concen- trações privadas de capital, que pensam a de- mocracia como um instrumento para atingir maiores níveis de intervenção política e lucro. A democracia, portanto, passa a ser um aces- sório do capitalismo, que é o verdadeiro cora- ção do sistema. O âmbito do poder decisório está totalmente afastado da população e fica na órbita das grandes empresas e oligarquias políticas. As formas autoritárias clássicas do século passado foram substituídas por formas despóticas muito mais sutis, pois vestem rou- pagens democráticas. A sofisticação do con- trole é muito mais elaborada, mas também mais perversa porque, por ser muito mais imperceptível, permite uma margem muito menor para a reação. Neste sistema, o capital é o centralizador de tudo. A ele tudo perten- ce e fora dele nada sobrevive. As condições de existência só se dão dentro do capital. As subjetividades se constroem dentro do capital e só dentro dele. Anteriormente, falamos da crise econômica brasileira como um dos elementos para con- textualizar a atual conjuntura de desencanta- mento coletivo. O ecossistema internacional de risco econômico permanente e a reestrutu- ração do trabalho e dos novos padrões produ- tivos são alguns dos elementos centrais para entender as dificuldades das estruturas repre- sentativas tradicionais. Flexibilidade, hiper- produtivismo, home-office, estagiários de por vida, batalhões de trabalhadores em situação de exclusão social, precariedade, vulnerabili- dade acelerada, milhões de pessoas descartá- veis em situação de desemprego crônico. The poor working class, a classe trabalhadora glo-
  • 8. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 8 balmente pauperizada. O autor pós-colonial Achille Mbembe explica este fenômeno, des- crevendo como o neoliberalismo é a universa- lização da condição negra, transformando o Negro no paradigma de uma humanidade su- balterna e expandindo sua condição (Mbeme, 2014). Esta condição provoca uma incerteza existencial permanente no trabalhador, que se sente cada vez mais inseguro, num processo de desenraizamento social. O trabalho é um dos eixos estruturantes das relações sociais. Com a degradação do mesmo, desestruturam-se também estas formas de sociabilidade, pro- vocando uma dinâmica de desfiliação (Cas- tel, 2005) desintegração e isolamento social. Porém, em paralelo, as estruturas clássicas de representatividade e luta coletiva trabalhista estão imensamente fragilizadas, assim como o conceito de classe como um fator de mo- bilização. A democracia de mercado, o cida- dão transformado em consumidor, em homo economicus, a globalização da periferia. Estes elementos têm como consequência imediata o sofrimento psíquico da sociedade, porém, o sofrimento não se percebe como coletivo, produzido pelo capitalismo contemporâneo, e sim como individualizado, dando lugar a sentimentos de fracasso e culpa. A meritocra- cia toma o lugar da politização do sofrimento (Coelho, 2013). Nesta ordem de coisas, os partidos políticos transformam-se em partidos decorativos, em máquinas profissionalizantes e hiperburocra- tizadas, cartelizadas, que perdem sua conexão ideológica, emocional e psicológica com o eleitor. O voto passa a ser mais um momen- to cartorial da vida do indivíduo, que não se sente representado por estas estruturas cada vez mais autocentradas, reféns da lógica das elites empresariais e absolutamente distantes da população. Crise de representação parti- dária que incide mais ainda nos partidos da esquerda tradicional, incapazes, muitas vezes, de cumprir suas promessas de mais inclusão social e igualdade, amalgamando-se num “centro” político junto com a direita mais moderada, que descaracteriza as múltiplas diferenças partidárias entre eles, provocan- do reações nos extremos. O voto em Donald Trump, em Jair Bolsonaro, em Marine Le Pen é consequência desta vulnerabilidade existen- cial, na qual a pós-democracia nos joga. Os autoritarismos populistas e de extrema-direi- ta oferecem respostas (simplórias e enganosas, mas respostas) a este desespero ontológico, a esta sensação de risco e medo global perma- nente e ao saudosismo conservador. As nar- rativas do muro, da islamofobia, do “ban- dido bom é bandido morto”, ganham força e expressividade numa realidade em que a pós-democracia oferece respostas existenciais insuficientes aos milhões de sujeitos descartá- veis, pauperizados e fadados a um não-lugar, a um não-pertencimento sociopolítico. Nos países periféricos, porém, esta crise de- mocrática convive com traços de brutalidade autoritária, estado penal permanente e excep- cionalidade legal contínua. No Brasil, as ca- deias continuam tragando jovens negros pou- co escolarizados num processo higienista de hiperencarceramento. O genocídio negro nas periferias, que tritura jovens descartáveis para o processo produtivo, convive ao lado de pro- cessos muito mais sutis de controle para aque- les que são peças da engrenagem do mercado. Para a população negra, o estado de exceção é permanente. São aqueles por quem ninguém chora, por quem não se tem luto coletivo (Butler, 2015). A democracia pós-escravidão, que foi negada ao negro por meio de proces- sos de criminalização e precarização contínuos (Du Bois, 1956). Mbembe (2017), explica como, contrariamente à retórica democrática hegemônica, existe uma relação íntima en- tre democracia e violência, uma coexistência macabra entre democracia e extermínio, por-
  • 9. 9 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA que democracia e colônia sempre caminha- ram juntas. Instaura-se um estado de exceção em escala global, a guerra torna-se necessária para o funcionamento democrático, sobretu- do a guerra colonial, que transforma as socie- dades periféricas em sociedades de inimizade. Brutalidade e democracia não são excludentes na realidade pós-colonial. O inimigo torna-se a retórica que justifica todas as violências e o medo torna-se o argumento central da polí- tica. A desigualdade e o racismo estruturais são absolutamente incompatíveis com uma democracia de mínimos. Hoje, dentro e fora da imprensa, todo deba- te político é dominado por um discurso que coloca temas morais como o combate ao ho- mossexualismo e o endurecimento penal em primeiro plano e subordina as questões eco- nômicas e sociais a essa visão de mundo pu- nitiva. Estamos vendo, no Brasil e em outros países, uma expansão mundial das guerras culturais que tomaram os Estados Unidos a partir do final dos anos 1980. A antiga polari- zação, entre uma direita liberal que defendia a meritocracia baseada na livre iniciativa e uma esquerda que defendia intervenções políticas para promover a justiça social, passa a ser não substituída, mas crescentemente subordinada a um novo antagonismo entre, de um lado um conservadorismo punitivo, autoritário e antipluralista e, de outro, um progressis- mo inclusivo. Costuma-se atribuir a James Hunter a identificação precisa do fenômeno e a difusão do termo guerras culturais para referir-se ao processo pelo qual temas como o direito dos homossexuais, a legalização do aborto, o controle de armas e a legalização das drogas passaram a ganhar proeminência no debate político americano, no final dos anos 1980, opondo “conservadores” a “progres- sistas”. Um novo antagonismo que opunha visões de mundo baseadas em concepções de autoridade moral como reação conservadora aos movimentos de contracultura, feministas, movimentos negros nos anos 1960 e 1970, para reestruturar a disputa discursiva em ter- mos morais: o saudosismo dos velhos tempos da lei e da ordem e da hegemonia branca e masculina. O paralelo com as dinâmicas da nova direita é evidente. A penetração das lu- tas feministas e dos movimentos negros ou LGBTQI, a visibilidade dos imigrantes ou refugiados provocam uma reorganização vio- lenta e moralista de quem pensa seu mundo ameaçado. Este contexto, no qual crises econômicas e políticas se misturam e retroalimentam, pos- sibilita a reorganização de um campo neo- conservador, que utiliza a retórica do medo e do inimigo como instrumento mobilizador, retoma os valores da família tradicional: or- dem, hierarquia, autoridade, moral, frente à suposta libertinagem do campo progressista. Nova direita ou a velha e clássica direita rees- truturando-se com novas morfologias? Mes- mo sem consenso sobre a terminologia nova direita (Giordano, 2014), o certo é que esta alternative-right, direita alternativa (catego- ria utilizada para diferenciá-la da direita tra- dicional), que se declarou politicamente para o mundo depois da eleição de Trump, tem algumas características que vale a pena desta- car: o combate direto a questões identitárias (antifeminismo, por exemplo) como defesa de uma identidade masculina, heterossexual e cis, claramente antipluralista, que parece estar sob ataque; o combate ao conhecimento cien- tífico, a utilização de fake-news e a exploração do senso comum na dinâmica da pós-verdade demagógica, que entende o adversário políti- co como inimigo a aniquilar; narrativas anti- políticas e estimulação do descrédito institu- cional e político e o sentimento de repúdio e vergonha (a política não serve, a política é corrupta, suja) e apresentação como anti- -mainstream, outsiders e anti-establishment;
  • 10. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 10 utilização do discurso de ódio legitimado como sendo liberdade de expressão; banalização do ódio ou apresentando-o com roupagem ju- venil, folclórico, “memeficado”; proximidade com os “perdedores da globalização”, as clas- ses médias e também as classes populares, es- tas últimas que, tradicionalmente, votaram em partidos de esquerda, mas que hoje se sentem traídos por estes mesmo partidos; teatralização, utilização das redes sociais como canais de co- municação e proximidade com a população; utilização de uma narrativa combativa contra as elites políticas e construção do discurso me- ritocrático do self-made man da centralidade do trabalho e esforço individuais (Drolet 2014, Hawley 2017, Urban 2014). Esta nova direita sabe aproveitar e capitalizar o descontentamento provocado pela pós-demo- cracia, pauperização globalizada, desemprego permanente, medo, não-lugar existencial, des- cartabilidade das classes médias e também das classes populares, que começam a rejeitar polí- ticas assistencialistas e a negar adesão e voto aos partidos da esquerda tradicional. Metodología O objetivo desta pesquisa é entender os argu- mentos do discurso da nova direita populista com os quais as pessoas se identificam. Para atingir este objetivo, a metodologia consiste em entrevistas em profundidade com sim- patizantes de Bolsonaro. Representante da alt-right brasileira, Jair Messias Bolsonaro, uma figura política com biografia inexpres- siva politicamente, mas que no cenário pós- -impeachment de intensa polarização social e crescente retórica antipolítica e a eleição de 2018, colocou-se como um dos protagonistas da vida política. Na última pesquisa Datafo- lha de intenção de voto, realizada nos dias 29 e 30 de janeiro de 2018, ou seja, dias depois da série de denúncias contra o suposto enri- quecimento ilícito do deputado e sua família na Folha de São Paulo2 , o pré-candidato con- tinua com 18% de intenção de voto, depois de Lula com 37% e à frente de Alckmin com 7%. Sem a candidatura de Lula, porém, Bol- sonaro assume a primeira posição com 20. Na imagem seguinte, podemos ver a evolu- ção da candidatura de Bolsonaro que ganha força no cenário pós-impeachment e chega a ultrapassar a candidata Marina Silva, ficando num estável segundo lugar já na pesquisa de novembro de 2017. Em termos eleitorais, o candidato enfrenta graves problemas, principalemente sua fi- liação a um partido pequeno, PSL, que lhe garante pouco tempo de TV e escasso aces- so ao fundo partidário, mas, o fato é que o fenômeno Bolsonaro é muito maior que a viabilidade de sua candidatura. A penetração e capilaridade de suas ideias, a retórica e men- sagem nos diversos segmentos da população e o crescimento exponencial de sua intenção de voto devem nos fazer pensar que não estamos tratando da ameaça individual de Jair Messias Bolsonaro e, sim, da ameaça de um processo de “bolsonarização”, ou seja, popularização de uma política antidemocrática, autoritária de extrema-direita, que continuará para além do individuo em si. Durante muito tempo, vários setores do campo progressita brasileiro menosprezaram, caricaturaram ou ignoraram esta dinâmica, assim como também dimi- nuiram a importância de Donald Trump nos EUA. Agora, ningúem mais pode desconside- rar ambas figuras. Os entrevistados foram selecionados para cobrir um amplo espectro de posição econô- mica, emprego, idade, gênero, todos dentro 2. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/01/1948526- patrimonio-de-jair-bolsonaro-e-filhos-se-multiplica-na- politica.shtml.
  • 11. 11 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA da cidade de São Paulo. A maioria dos entre- vistados não permitiu que seus nomes apare- cessem na pesquisa, por temerem algum tipo de represália, neste ambiente político tão rai- voso, eu tenho medo,então melhor não colocar nome, nem foto. Nada, por favor (Entrevistada A). Além de uma natural desconfiança inicial com um pesquisador não conhecido, vários dos entrevistados repetiram este mesmo argu- mento de se sentir com receio e insegurança de expor sua opinião política, pela possibili- dade de ter alguma represália, porque muitos não gostam do que a gente fala, dizem que so- mos fascistas, que temos discurso de ódio, nada disso! A gente só quer que acabe esta bagunça, esta crise de valores. A gente ama o Brasil (En- trevistado E). -Entrevistado W: homem, 24 anos, estudan- te universitário, nascido na Brasilândia. En- trevistado D: homem, 37 anos, soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nas- cido no Grajaú. Entrevistado E: homem, 32 anos, dono de um escritório de advocacia, pertencente a uma família de grande poder financeiro, nascido em Jundiaí. Entrevistada M, 35 anos, manicure, nascida no Jaraguá. Entrevistada E, 50 anos, empresária, nascida no Jardim Paulista. Entrevistado J, 19 anos, estudante, autoidentificado como “gay de direita”, nascido no Capão Redondo. Entre- vistada L, 45 anos, psicóloga, nascida na Vila Mariana. Entrevistado A, 27 anos, motorista de Uber, nascido em Itaquera. -Dinâmica de grupo com 40 alunos do tercei- ro ano e 20 do primeiro ano do ensino médio de uma escola pública estadual de São Miguel Paulista, periferia de São Paulo. Resultados: quais são os argumentos para se identificar com Bolsonaro? Segurança Pública Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, durante 2017, a cidade de São Pau- lo teve uma média de 530 furtos por dia. O Primeiro turno - Cenário 2 Intenção de voto para presidente em em % Com Alckmin Lula Marina Bolsonaro Alckmin Ciro Temer Fonte: Pesquisa Datafolha, de 26 e 27 de abril de 2017 32 25 20 15 10 5 0 5 a 17 dez/2015 24-25 fev/2016 17-18 mar/2016 26-27 abr/20177-8abr dez/2016 14-15jul/2016 7-8 dez/2016
  • 12. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 12 número de roubos na capital chegou a mais de 150 mil. Embora o Estado de São Paulo tenha uma taxa menor de homicídios que outros estados da Federação, durante o mês de novembro de 2017, foram 295 vítimas. Estupros, 1051 ocorrências. Estas cifras são o resultado de um país enormemente desi- gual, onde, com frequência, o patrimônio da branquitude é mais importante que as vidas negras, com uma atualíssima estrutura escra- vocrata, com uma concepção da política e da polícia militarizada e higienista, uma belige- rante guerra às drogas que produz milhares de vítimas nas periferias, um sistema de justiça criminal ainda com evidentes traços classis- tas e hiperpunitivo, que reproduz o círculo da violência. A brutalidade que “convive” com a democracia, como Mbeme falava, seu lado escuro, a reprodução da condição do negro. A realidade é que as pessoas têm medo, a percepção de insegurança é permanente. O medo é um afeto que tem uma enorme po- tencialidade política. Medo ontológico, medo existencial, medo de ser assassinado, medo de ficar desempregado, medo de não ter um lu- gar no mundo. A exploração, a potencializa- ção do medo como fator é um instrumento antigo e recorrente. Mas o fato é que o medo é um sentimento profundamente humano e deve ser entendido. Para explorar o medo, porém, precisamos de um inimigo. A criação do inimigo é uma ferramenta política muito aceitável em momentos de crises. A História nos ensinou isso. Vale lembrar, neste momen- to, do conceito de significante vazio de La- clau (2005), aquele conceito que é esvaziado de conteúdo e sobre o qual se constrói uma cadeia de equivalentes, que servem para iden- tificar inúmeras dinâmicas sociais; o inimigo, o vagabundo, que pode ser o estrangeiro, o imigrante, o jihadista, o comunista ou pode ser o inimigo interno, o jovem negro favela- do, o corrupto. Fato também é que durante muito tempo, os partidos de esquerda têm se furtado a um debate sério e propositivo sobre segurança pública, deixando em mãos da direita mais punitiva e totalitária este assunto emergencial para grande parte da população. Embora o Brasil seja um país onde o hipe- rencarceramento é política pública, as pessoas continuam tendo sensação de impunidade e insegurança. “Você pode ser morto a qualquer momento! Este país é horrível. Você tem uma filha, sai à noite e ela pode ser estuprada. Roubo, assalto, por todo lado. Não dá para viver desse jeito, não dá. Eu tenho medo por mim, pelos meus filhos. Ninguém merece viver sempre com medo. A gente quer soluções” (Entrevistada E). Uma questão amplamente recorrente nas en- trevistas é o vitimismo dos bandidos. O la- drão virou vítima. Numa alteração da ordem social, o “cidadão de bem” estaria desprotegi- do, a vítima abandonada e o criminoso super- protegido pelo Estado. Uma visão moralista e binária do mundo entre bandido e cidadão de bem, que simplifica intensamente a realidade social e reduz a rótulos moralistas. Defensores dos direitos humanos são enxergados como defensores de bandidos. Direitos humanos para humanos direitos: “A gente sabe da falta de pai na periferia. Miséria, sim, que isso leva ao crime, tem um fundo de verdade, mas não justifica. O la- drão virou vítima. É como se ele fosse compe- lido a entrar no mundo do crime pela omis- são do Estado, pela situação familiar. Eu não aceito isso. Eu também passei fome. A gente comia de café da manhã farinha de milho flocada com água e açúcar e minha mãe di- zia que eram sucrilhos de pobre; o suco do
  • 13. 13 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA almoço era vinagre com açúcar, por isso, não aceito essa coisa de ladrão ser vítima. Se até a novela das 21h da Globo faz homenagem ao crime! ” (...)“os defensores de direitos huma- nos defendem com unhas e dentes o bandido. Ele é o ser humano, mas e a vítima? Não vejo ninguém dando apoio às vítimas. Olha o au- xílio reclusão, que absurdo. O ladrão mata um pai de família e a família do cara fica desamparada. Poderia ter um auxilio homi- cídio, não? Um auxílio vítima? Ninguém olha para a vítima. Então, legaliza o crime, fecha a polícia e pronto! ” (Entrevistado D). “Eu só sei que, hoje em dia, é melhor ser bandido do que cidadão de bem. A gente sai pra rua com medo e eles não. Eles têm mais direitos que a gente e, depois, vêm como esse mimimi, tentando dar pena na televisão. Pena de bandido? Pena da gente, que não pode viver em paz! ” (Entrevistada M). Segundo os entrevistados, a polícia passa por um processo de criminalização e persegui- ção constante pela mídia e pelos grupos de esquerda, além do abandono pela cúpula da corporação e pelo próprio Estado. O policial virou bandido e não pode mais fazer seu tra- balho, o que acaba tendo como resultado o aumento do crime. “Nós, policiais, estamos largados, algemados, não podemos fazer nada porque cada vez mais as leis restringem nosso trabalho. Nas matérias, sempre aparece que matamos mui- tos, como se saíssemos para matar! Como se os policiais não morressem. E aí sempre com essa coisa de que a maior parte das vítimas são negros e pardos. Ou seja, só a polícia que está assassinando de graça, o crime não faz nada e, sempre também, aquele papo da impunidade. Não é verdade! O policial que mata não fica impune. Todos os que fizeram caíram. Quem faz hoje acaba com a vida dele e com a da família dele. A gente nem advogado da corporação tem. Ninguém nos ajuda numa hora dessas. Falam que a Cor- regedoria é corporativista. Não é, gente, ela pune!... Aí sai matéria sobre pancadão, que a polícia agride jovens. Jovens? Criminosos! ... que nem em 2013, o pessoal vai e quebra tudo e quem é xingado? A PM! Desmilitari- zar a PM ... Os políticos que aumentaram a tarifa, né? Não, a PM! Muito policial morre porque tem medo de matar, de ir preso, de ser punido. Aí, duvida se atiro ou não atiro e morre. Mas e o ladrão? Mata o policial e não responde por latrocínio ou por homicídio, porque foi legítima defensa! Porque o policial estava armado! Pelo amor de Deus...não dá, não dá. Aí tem o Bolsonaro, o Camilo, o Te- lhada. Eles se colocam do lado da gente, por- que eles sabem, já estiveram do lado daqui. Mas aí chega um especialista em segurança pública, um carinha de 30 anos, que nunca patrulhou, que nunca entrou em favela per- seguindo ladrão e a palavra dele tem peso. E a nossa??” (Entrevistado D). Diante disso, as repostas de Bolsonaro con- vencem: mão dura, disciplina, cadeia, redu- ção da maioridade penal, aumento das penas no Código Penal, prisão perpétua, porte de arma, dar muito mais poder e proteção à po- lícia, acabar com a vitimização do bandido. “A lei tem de ser dura. No Brasil, somos mui- to frouxos. Bandido na cadeia, pronto. Não quer cadeia, vá trabalhar. Fácil” (Entrevis- tada L). “O porte de arma deveria estar liberado para o cidadão de bem. Se o Estado não nos pro- tege, a gente tem de se proteger sozinha, né? Bandido tem arma e a gente não! Olha nos EUA. É um direito nosso! Se a gente quer ter arma para defender a família, a casa, como podem proibir? ” (Entrevistado A).
  • 14. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 14 Mas vejamos uma interessante reviravolta desses argumentos. Durante o grupo focal na escola de São Miguel Paulista, uma aluna, com um discurso muito punitivo, defendia a famosa frase de Bolsonaro de que “cadeia não é colônia de férias”. “O cara tem de apodrecer na cadeia, pagar com a mesma moeda. Eu acho que a pessoa deveria ficar sofrendo, sim. Hoje, na cadeia, tem celular, até colchão. Deveria dormir no chão. Ficar preso é para sofrer mesmo. Ca- deia não tem de ter colchão, tem de ter chico- te” (Aluna3, 15 anos). Porém, momentos depois, uma colega de tur- ma, que também apoiava esse rigor punitivo com entusiasmo, disse que sua tia estava na cadeia e começou a reelaborar seu discurso. “Mas minha tia está na cadeia, não quero que ela sofra e acho que ela sofre muito. Ela cometeu muitos erros, sim, mas é uma pessoa e não merece ser tratada dessa forma. Tem de punir, mas também tratar como ser humano” (Aluna6 de 15 anos). A experiência concreta das pessoas provoca- -as a repensar o punitivismo como processo de desumanização do bandido. Alguns entre- vistados defendem uma punição vingativa e uma cadeia-masmorra, mas isso não é con- senso, sobretudo entre os que têm experiência familiar ou profissional com o sistema prisio- nal brasileiro. “Sou contra a pena de morte porque ela não é castigo, mas sou a favor da prisão perpétua e de aumentar algumas penas. O modelo prisio- nal brasileiro não funciona, porque não resso- cializa, não corrige ninguém. Minha tia está presa por assalto a caixa eletrônico e tráfico de drogas. Não sinto pena dela estar na cadeia, porque ela deve pagar, mas sinto pena de meus primos. Agora, não ter água, comer comida estragada...Isso é um sofrimento desnecessário. A pessoa sai de lá sentindo mais ódio. Tem de ter disciplina, mas não sofrimento. São pessoas. Isto que não é Hammurabi. Eu me sinto mal com isso” (Entrevistado W), Mas, para todos, a saída está na disciplina. Botar ordem na casa. Autoridade. O milita- rismo como modelo, inclusive as escolas mi- litares são amplamente defendidas por todos. “Disciplina, sim, também nas escolas públi- cas. Cantar o hino nacional, tratar o pro- fessor como autoridade, respeito e disciplina inerentes ao sistema militar. Na minha vida isso foi um divisor de águas. As leis têm de ser respeitadas e a autoridade também” (Entre- vistado W). “Agora você passa de ano mesmo sem saber ler e escrever com fluidez. Falta disciplina, falta autoridade. Compara uma escola pú- blica com uma militar! Lá tem dedicação, disciplina, autoridade, os garotos melhoram até dentro de casa, têm respeito. O milita- rismo ensina a ser gente, a ser homem, a ser decente. Mas esta geração tranqueira de hoje, o pessoal quer libertinagem, sem regras, sem limites, e aí não dá, né? ” (Entrevistado A). Corrupção e antipolítica Pesquisa do Ibope mostra que, em 2017, a primeira preocupação dos brasileiros foi a corrupção, com 62% de entrevistados que consideraram a corrupção o grande problema do país naquele momento, frente a 9% que a consideravam em 2011, situando-se na frente das preocupações históricas como segurança e saúde3 . 3. https://oglobo.globo.com/brasil/corrupcao-principal-preo cu- pacao-para-62-dos-brasileiros-mas-denuncias-podem-ser-coad- juvantes-22241432
  • 15. 15 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA Consequência direta da operação Lava Jato e sua espetacularização, os brasileiros enxergam um sistema político totalmente corrompido. O monopólio da luta contra a corrupção em mãos de grupos populistas, punitivos, mora- listas e com interesses políticos, deixou como legado um crescente sentimento antipolítico e a ideia de que política é sinônimo de cor- rupção e nenhum político presta. Nas manifestações de 12 de abril e 16 de agosto de 2015, as primeiras pelo impeach- ment de Dilma Rousseff, foi medida a per- cepção de escândalos de corrupção relativos aos governos tucanos e, também, a falta de confiança em partidos políticos nos manifes- tantes verde-amarelos: 99.0% consideravam a Lava Jato muito grave (ainda identificada com o PT), mas, paralelamente, 87.4% con- sideravam o esquema de corrupção do Metrô/ CPTM de São Paulo muito grave e 80.2% o mensalão tucano muito grave. Nestas mesmas manifestações, nas quais o antipetismo se co- locou com toda sua expressividade, quando os grupos verde-amarelos foram questiona- dos pela sua confiança nos outros partidos, os resultados eram muito baixos: só 11.0% dos entrevistados responderam confiar muito no PSDB. No PMDB 1.4% e na Rede 2.6%4 . Neste sentido, todos os entrevistados da pes- quisa atual coincidem que Bolsonaro é o úni- co, ou um dos únicos políticos honestos de Brasil. Na visão deles, a corrupção perpassa todos os partidos. Não tem diferença entre esquerda e direita, porque o que preocupa os políticos é somente seu próprio benefício e interesse. É uma absoluta negação da política, não por questões ideológicas ou programáticas, mas porque é vista como uma atividade suja, vergonhosa e corrupta por natureza. 4. https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/opinion/1439933 844 z_328207.html “Bolsonaro é um ícone de ética. O país vive numa crise ética e moral desde Collor. É in- dignante. Mensalão petista, tucano, Lava Jato. Ele não está envolvido, é ético. E é tão difícil encontrar alguém com a vida política dele, que esteja limpo. Aparentemente, ele é incorruptível. Tem se mantido limpo durante todo este tempo, num meio tão sujo. O siste- ma político não funciona. Está todo corrom- pido. Partidos de esquerda, de direita, a ideo- logia deles é a corrupção” (Entrevistado J). “Bolsonaro não é corrupto e é diferente dos partidos que estão aí. PT e PSDB são a mesma coisa. No Brasil só existe o poder e o dinheiro. Olha a Lava Jato, no Congres- so eles são do contra, mas na corrupção estão de mãos dadas. Bolsonaro é diferente porque não é corrupto” (Entrevistado D). Quando perguntado sobre as denúncias de corrupção que apareceram na Folha de São Paulo durante o mês de janeiro, a maioria das respostas coincide: é uma perseguição da im- prensa para acabar com a candidatura dele. “A imprensa quer acabar com ele porque sa- bem que é muito forte. Ninguém segura. Vão fazer de tudo para acabar com ele, mas a gente sabe que ele é honesto” (Entrevistada E). A Lava Jato é defendida porque está passan- do o país a limpo e tirando os corruptos do poder, mas nas entrevistas o sentimento de justiça não aparece habitualmente. Quando questionados por procedimentos polêmicos na operação, como as conduções coercitivas, delações premiadas, proximidade com a im- prensa, o atropelamento do devido processo penal e das garantias dos envolvidos, os entre- vistados sempre têm a mesma retórica: o polí- tico corrupto é o mal, o câncer a ser extirpado e a Força Tarefa da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro, os procuradores envolvidos represen-
  • 16. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 16 tam o bem, figuras heroicas, que, num discur- so salvacionista e pseudo-religioso, tem a mis- são de salvar Brasil da corrupção. O político corrupto e, fundamentalmente, o petista, é o inimigo a ser abatido e, portanto, as devidas garantias penais são meros formalismos. É a justiça penal do inimigo. “Ou seja, que o problema agora são os di- reitos do Lula. Direitos?? Quer direitos, não rouba! Coitadinho dele, né? Que delação não é prova, que vazamento, que não sei o que. O cara é chefe de quadrilha e ainda quer direi- tos!!” (Entrevistada E). Na manifestação pela saída de Dilma Rou- sseff de 16 de agosto de 2015, foi realizada uma série de entrevistas com os manifestan- tes para entender o apoio dos mesmos aos excessos da Operação Lava Jato. A retórica deles era muito clara: político corrupto não é sujeito de direito, político corrupto merece punição, cadeia e o resto é “mimimi”. Sérgio Moro apresentava-se envolvido em narrativas messiânicas-salvacionistas. -Pesquisadora: “E o que o senhor pensa sobre a condução coercitiva de Lula? Acha que isso vulnera os direitos dele? ” -Manifestante1: “Que direitos? O cara é o maior ladrão deste país e ainda quer direi- tos? Agora político corrupto está de mimimi também. É cadeia. Direitos, que direitos? ”. -Pesquisadora: “O que a senhora acha do pa- pel da imprensa na cobertura da Lava Jato? ” -Manifestante2: “Eu acho que as coisas têm de sair na imprensa ainda mais. A gente tem direito de saber. Ah, se não fosse pela impren- sa, tinha abafado tudo. Não, não, tem que dar no Jornal Nacional, tudo”. -Pesquisadora: “E os vazamentos, concorda? ”. -Manifestante2: “Sim! Tem de vazar mesmo. Veja bem, se não fosse por isso, eles escon- diam. A gente não ficava sabendo e eles não iam presos”. -Pesquisadora: “O senhor acha que a opera- ção Lava- Jato vulnera os direitos dos políti- cos que investiga? ”. - Manifestante3: “Que direitos, que nada! O cara quer direitos, que não roube então”. -Manifestante4: “O juiz Moro tem uma missão, limpar o Brasil porque o câncer do Brasil são os políticos corruptos”. -Manifestante5: “Moro é nosso salvador. Se não fosse por ele, nada teria acontecido. É dever de todos os brasileiros apoiarem a Lava Jato. Ele vai passar o Brasil a limpo. Ele é o homem que estávamos aguardando”. -Manifestante6: “Se não fosse por ele estaría- mos perdidos. É um herói”. Meritocracia e Vitimismo Não existe consenso social, no Brasil, de aceitação das políticas neoliberais, de ajuste fiscal e de desidratação do Estado. Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, 71% dos brasileiros rejeitam a reforma da previdência apresentada pelo governo Temer5 . Também, segundo o Datafolha, 64% avaliam que a reforma trabalhista trará mais benefícios aos empresários do que aos trabalhadores. Da mesma forma, pesquisa do Vox Populi indica que a PEC 241, que prevê o congelamento 5. Conteúdo das quatro pesquisas citadas: http://datafolha.folha. uol.com.br opiniaopublica/ 2017/05/ 1880384-reforma-da-pre- videncia-e-rejeitada-por-71-dos-brasileiros.shtml, http://datafo- lha.folha.uol.com.br/opiniaopublica / 2017/05/1880398-maio- ria-rejeita-reforma-trabalhista.shtml, https://cut.org.br/system/ uploads/ck/files/PesquisaVoxout 2016PDF.pdf, http://epocanego- cios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2014/04/81-dos-brasi- leiros-preferem-ter-servicos-publicos-melhores-pagar-menos-im- postos.html
  • 17. 17 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA de gastos públicos durante duas décadas, é re- jeitada por 70% dos brasileiros. Finalmente, pesquisa do Instituto Data Popular mostra que 81% dos brasileiros preferem ter acesso a serviços públicos melhores que a pagar menos impostos. Poderíamos pensar, intuitivamente, que os manifestantes verde-amarelos apoiam as polí- ticas neoliberais, fazendo uma analogia entre conservadorismo social e apoio ao neolibera- lismo econômico. Afinal, estas pessoas vão a manifestações convocadas por grupos como MBL e VPR, que se definem como liberais. Esta afirmação, porém, não é consistente: 74% dos manifestantes do protesto de 26 de março de 2017 discordam da reforma da previdência apresentada pelo governo Temer. Em outra pesquisa, realizada na manifestação de 16 de agosto de 2015, a favor do impeach- ment da presidente Dilma Rousseff, os dados mostraram que 88.6% concordavam total- mente com que o Estado devia prover servi- ços de saúde para todos os brasileiros, 92.3% educação para todos e 72.1% transporte co- letivo, rejeitando, portanto, a ideia do esta- do mínimo6 . Sabendo disso, grupos como o MBL, de origem neoliberal, apostam em mi- nimizar o debate público sobre suas propos- tas de Estado mínimo e preferem aumentar sua visibilidade e base de apoio com a estra- tégia das guerras culturais, de viés moralista e polarizante. Da mesma forma, Bolsonaro, historicamente apoiador de políticas nacio- nalistas em economia, agora aproxima-se de posturas neoliberais em busca de investidores e financiadores de campanha, mas menos- preza a economia como elemento importan- te de debate público no programa eleitoral. Uma nova direita que está muito próxima de posturas neoliberais, seja por convicções ou 6.https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/politica/14399286 55_412897.html por estratégias político-partidárias, mas que, sabendo da rejeição que isto causa à popula- ção brasileira, ainda mais num momento de crise econômica, em que as medidas de ajuste fiscal propostas impactam majoritariamente os mais pobres, relega o debate econômico a um plano totalmente marginalizado. Fale-se de pedofilia, fale-se de corrupção, fale-se de “bandido bom é bandido morto”, mas não se fale de economia. Porém, os conceitos neoliberais que, sim, têm enorme penetração nestes grupos são a meri- tocracia, o esforço pessoal, o trabalho indivi- dual como saída para a crise. Quem trabalha vence na vida. Todos os entrevistados mostra- ram preocupação com a situação econômica do país, mas igualmente concordaram que o grave problema a ser resolvido para melhorar a situação é a corrupção política, que se ins- taurou na máquina pública. “Se o Bolsonaro ganhar, a primeira coisa que ele vai fazer é botar ordem nesta bagunça. Limpa a corrup- ção, demite todo o mundo e aí, é trabalho e trabalho. A gente quer trabalhar. Você ia ver como melhorava tudo sem essa corja aí, que suga o sangue da gente” (Entrevistado A). “O problema da crise é essa roubalheira toda. Eu não sei muito de economia, mas o que sei é que tem de trabalhar, uai. Tem outra for- ma? Aí, tem gente que quer vencer na vida sem suar, sem se esforçar. Não dá, né? ” (En- trevistada L). As políticas públicas como Bolsa Família ou cotas raciais universitárias são vistas negativa- mente, porque fomentam a preguiça, o clien- telismo e fazem do cidadão alguém passivo, que parasita o Estado e, por outro lado, são utilizadas eleitoreiramente pelo PT, para ga- rantir o voto dos mais pobres e mantê-los sob controle. O self-made man é o modelo de su- cesso. A retorica do tax-payer: eu pago meus
  • 18. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 18 impostos e com isso sustento os vagabundos que não fazem nada. A gente trabalha, para susten- tar esses preguiçosos e esses bandidos de Brasília. A gente sustenta todo o mundo (Entrevistado A). Os cidadãos, economicamente mais desfavore- cidos e que são beneficiários de políticas sociais existentes seriam parasitas do Estado, não se es- forçam o suficiente no trabalho e, por sua vez, o Estado faz uso destas políticas públicas para controlar eleitoralmente estes grupos. “O ideal é que não exista o Bolsa Família. Pode ser importante para algumas pessoas, mas a verdade é que é utilizado como moeda eleitoral, para fazer as pessoas votarem sem- pre no PT, comprarem o voto delas mesmo. Por que acha que tanta gente no Nordeste vota no PT? ”. (Entrevistado C). “O que tem de gente preguiçosa, que só quer mamar das tetas do governo. E a gente sus- tenta eles, né? Isso com Bolsonaro ia acabar. Quer comer? Trabalhe. Mas, não. É mais fá- cil dar uma de coitadinho. Sou pobre, sou pobre. E aí pedindo bolsa, pedindo ajuda para tudo. E a gente se matando de traba- lhar. É injusto”. (Entrevistado A). Interessante observar que vários destes entre- vistados foram, em algum momento, direta ou indiretamente, beneficiados pelas políticas públicas petistas, porém, hoje em dia, alguns deles negam sua importância, porque eu não preciso ser tratado que nem criança pelo Estado, ainda mais por petralha. Eu não sou pobre, não sou vítima de nada. Tenho meu trabalho (En- trevistado A). Ou, como conta a entrevistada L, não quere- mos esmola do governo: Meu filho tem Fies, mas ele merece. O go- verno não está dando de graça. Ele é que está ralando para estudar. Vou votar no PT por isso? Não sou pobre nem nordestina para vo- tar no PT. Eu votei no Dória. Gostei dele. Essa coisa de ser trabalhador, de vencer na vida. É isso o que a gente quer. Não esmola do governo. Queremos que nos deixem traba- lhar”. (Entrevistada M). Todos estes entrevistados, que nasceram e moram em regiões periféricas, colocam-se como “nova classe trabalhadora” ou “nova classe média”. O voto no PT, a aceitação de políticas assistenciais é sinônimo, para eles, de grupos empobrecidos que precisam deste tipo de ajuda. Ao se autoidentificarem como classe média ou trabalhadora, rejeitam estas políti- cas e rejeitam, inclusive, a identidade com o próprio PT, porque, como um outro entrevis- tado disse no contexto de outra pesquisa, na eleição municipal de 2016, durante uma roda de conversa em Capão Redondo: a gente ago- ra é classe média e classe média não vota no PT. Ao mesmo tempo em que os entrevistados reconhecem que o Brasil é um país racista, insistem em defender as cotas socioeconômi- cas, mas não as cotas raciais. Por que? Por- que as cotas raciais são racistas e aumentam o racismo pelos dois lados porque os estudantes, brancos, com razão, se sentem injustiçados (En- trevistado A). As cotas raciais estariam colo- cando os estudantes brancos numa posição de inferioridade e, segundo alguns entrevistados, menosprezando a capacidade dos negros para entrarem na universidade que querem, sem ter ajudas do Estado. Elas são, por tanto, um mecanismo que cria mais racismo, coloca o negro na posição de vítima e o branco na po- sição de injustiçado. Aluna7, 16 anos: Por que negro tem de ter privilégio? Só porque ele é negro? Ele tem as mesmas oportunidades. É só ele se esforçar e estudar, se ele realmente quiser passar na universidade.
  • 19. 19 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA Pesquisadora: Você pensa que o Brasil é um país racista? Aluna: Sim Pesquisadora: Então, os negros não têm as mesmas oportunidades que os brancos, não? Aluna: Humm, mas cor não define as pessoas, a cota não vai te definir. A gente não pode falar em sou negro, sou branco. Cota é racista! Eu sou negra e não quero cota. Eu vou estudar e vou conseguir entrar por mérito meu. Movimento negro, feminismo ou o movi- mento LGBTQIA, as respostas são padrão. Eles são grupos que sofrem preconceito, sim, mas estão abusando de seus direitos. Utilizam a vitimização, o mimimi para obter regalias do Estado e avançar sobre os cidadãos que não pertencem a essas minorias. “As minorias têm direito a reivindicar, porque elas sofrem discriminação, sim, mas segundo as regras. Por exemplo a passeata gay. Quan- do tem fantasias de Jesus. Isso é um desrespeito à religião alheia. As pessoas se excedem. Estão ferindo direitos aí. Sempre com bom senso e sentido do dever. Existem dificuldades para eles, sim, mas não gosto disso, de serem vítimas. A gente sabe que existe machismo, preconceito contra a comunidade LGBT, racismo e o Es- tado deve criar oportunidades para todos por igual. Agora, também, sabemos que muitos desses movimentos são braços auxiliares de par- tidos, influenciam as pessoas a se sentirem víti- mas e se aproveitam disso” (Entrevistado W). A comunidade LGBTQI é fortemente criti- cada por ser exibicionista. Que o homosse- xual tenha seus direitos garantidos, sim, mas não precisa se exibir na rua, nem provocar. Di- reitos para os gays, sim, mas desde que a gente não esteja passeando pela Paulista e veja eles se beijando. Que necessidade têm minhas crianças de verem isso? (Entrevistada L) “Minha irmã é estudante da Unicamp, de esquerda. Para ela, eu sou homofóbico, gor- dofóbico, fascista. Não sou nada disso. Só penso que o tema de ser gay, as pessoas fa- zem um pouco para provocar. Quando vêm à minha casa os amigos viados da minha irmã, eu pergunto “por que você é viado? Você é mesmo ou está com viadagem porque quer provocar? Não queria aqui ser cool, ir na marolinha. Se quiser você se sustenta”. Falo na brincadeira, mas é isso. O que me incomoda é a necessidade de chocar. Essa coisa de bicha louca. E o homossexual tem essa necessidade mais do que o hétero. Talvez para marcar sua posição. Terrível. Mas eu não me sinto homofóbico por isso, só acho que não está certo chocar. E isso serve para tudo. O que não gosto é do excesso. Isso me fere. Não dá para admitir preconceito de se- xualidade, mas estimular tampouco, não? ” (Entrevistado E). Neste sentido, o controverso kit gay, mate- rial escolar sobre homossexualidade lança- do em 2011 na época de Fernando Haddad como Ministro da Educação, sempre aparece nas conversas. A crítica a ele é um absolu- to denominador comum: as crianças devem ser protegidas de conversas sobre orientação sexual, porque pode criar problemas na se- xualidade deles. “Orientação sexual deve ser ensinada nas es- colas, sim, mas não para alunos tão jovens. Não porque eles podem virar gays, não é isso, mas sim, porque eles podem ficar des- virtuados, pervertidos”. (Entrevistado J). Discurso de Ódio Uma questão muito importante a levar em consideração é que o discurso de ódio des-
  • 20. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 20 ta nova direita, que nos apavora, é frequen- temente negado pelos seus seguidores. Por exemplo, as frases polêmicas de Bolsonaro fazem parte de seu jeito bruto, tosco de falar, mas sem má vontade. As atitudes censoras do MBL são necessárias para proteger a família, as crianças, os valores, a moral. “Bolsonaro? Se ele tem discurso de ódio? Não tem. Não vejo discurso de ódio. Ele não é machista ou homofóbico. É que ele fala dessa forma natural, acredito que por ter passado militar. Como eu te falei, ele é burro na po- lítica, é um tiozão, ele é mal-entendido por ser burro. Mas discurso de ódio, não, não”. (Entrevistado E). “Ele não tem discurso de ódio. Tá só expondo a opinião dele, falando a verdade. E quan- do é um pouco radical, se retrata. Não tem discurso de ódio porque quer o melhor para todos. Só que a esquerda exagera. Olha o caso da Maria do Rosário. Ela ofendeu primeiro”. (Estudante7, 16 anos). O discurso de ódio é apresentado, na maio- ria das ocasiões, como a figura do meme, da frase irreverente, da piada que as pessoas não entendem como algo agressivo, violento a ser rejeitado. Pelo contrário, é exagero e histeria dos grupos que se dizem atacados. A banali- zação do ódio. Onde muitos de nós enxer- gamos discurso de ódio, enxerga-se, simples- mente, uma forma politicamente incorreta, bruta, folclórica de dizer as coisas. As declarações de Bolsonaro sobre mulheres, negros ou homossexuais, que tanto chocam parte da opinião pública, são relativizadas por seus apoiadores. Exagero de seus adver- sários políticos e da imprensa. Manipulação. Com frequência, o campo progressista pensa que sujeitos com identidades subalternizadas deveriam, naturalmente, apoiar candidatos de esquerda, porém, isso é divergente com a realidade. O entrevistado J que se autoiden- tifica com a definição gay de direita, explica o porquê de não ver incoerência nenhuma em sua identificação. Para ele, as posturas dos partidos de esquerda com os grupos LGBTQI são ou de exibicionismo exagerado ou a de vitimismo e de privilégio. Os grupos LGB- TQI sofrem discriminação? Sim, mas isso se soluciona trabalhando e com menos mimimi. Bolsonaro não tem discurso de ódio contra os gays, pelo contrário, ele gosta deles, só que ele nos trata como qualquer cidadão, sem privilégios (Entrevistado J). “Ué, por que eu não posso ser gay de direita? Apoio um governo liberal, apoio os valores tradicionais, a disciplina, a autoridade... acho que a gente tem de ter mão dura contra bandido. Gosta de bandido, leva para casa! Por ser gay, tenho de gostar desses ladrões do PT ou desses radicais do PSOL? Sou gay, mas não gosto da passeata LGBT, por exemplo, acho muito exibida, muito provocativa, qual é a necessidade disso? Ah, e eu tampouco sou vítima de nada. Essa coisa de os gays somos coitadinhos, vítimas, não sei o que. Não dá gente, vamos trabalhar e menos mimimi ”. (Entrevistado J). “Não gente, as pessoas tiram do contexto e a imprensa exagera tudo para acabar com ele. Como esse caso da Maria do Rosário, nada a ver. Ela que utilizou isso politicamente, mas a gente, que é mulher, sabe que ele não é ma- chista”. (Entrevistada M). “Ele é mal interpretado propositalmente. Não é nem machista nem homofóbico. Nun- ca falou nada contra os gays nem contra as mulheres. Manipulam o que ele diz. Quando ele foi homofóbico? Nunca. Eles dizem que a gente é fascista. Aí, eles colocam uma camisa do Che Guevara e tudo bem, mas entra com
  • 21. 21 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA uma camiseta de Bolsonaro na PUC, para você ver quem apanha de quem. E depois a gente que é intolerante! ” (Entrevistado D). O mesmo acontece com as entrevistadas mu- lheres que não veem incoerência em serem mulheres e se identificarem com um discurso de extrema-direita, porque elas são mulheres, que lutam pelos seus direitos, mas não femi- nistas, aliás, eu sou antifeminista (Entrevistada L). O termo feminismo é totalmente despre- zado e é comparado com o termo feminazi. O feminismo é visto como algo hostil e des- necessário na vida das mulheres e, inclusi- ve, mais atrapalha do que ajuda, porque, de novo, trabalhando e se esforçando, a mulher consegue o que ela quiser. “Sou mulher, sim, mas não sou feminista. O tempo todo de mimimi, com essa coisa de vi- timismo, todas radicais, querendo passar por cima dos homes. Feminazis, não gosto nada disso. Olha eu sou empresária, vivo bem, estou bem na vida e nunca precisei de feminismo. Se a gente luta, a gente consegue o mesmo que os homens, mas essas mulheres parecem que só sabem chorar e colocar a culpa no homem. Exageradas. ” (Entrevistada E). Na manifestação em apoio à Operação Lava Jato do dia 25 de março de 2017, pergun- tamos aos manifestantes sua opinião sobre o feminismo. 57.2% deles concordam com a afirmação “feminismo é machismo ao contrá- rio” Igualmente, perguntamos se as pessoas presentes se consideravam feministas: 60% responderam que nada feminista, 23% pouco e apenas 13% muito feminista. Porém, quan- do questionados por pautas concretas relati- vas à luta feminista, os manifestantes respon- deram da seguinte forma: 51.6% pensam que fazer aborto deve ser um direito da mulher, só 4.1% afirmam que lugar da mulher é em casa cuidando da família, 78.5% consideram que não se deve condenar uma mulher que transe com muitas pessoas e 90.6% que a mulher deve ter o direito de usar roupa cur- ta sem ser incomodada. A questão, portanto, não é a concordância com temas específicos da luta das mulheres e, sim, a hostilidade cau- sada pelo termo feminismo, que é entendido como uma postura agressiva. O politicamente correto é desprezado. Uma das virtudes que os simpatizantes de Bol- sonaro se empenham em ressaltar é que ele não segue a norma do politicamente correto, ele fala o que pensa, com sinceridade. Não é discurso de ódio, é liberdade de expressão. O politicamente incorreto é valorizado como exercício de liberdade. O politicamente cor- reto seria uma forma de impor o pensamento das minorias. “É que ele tem esse jeito tosco, bruto de falar, militar mesmo. Mas ele não quis dizer essas coisas. Às vezes exagera, não pensa porque vai no impulso, porque é muito honesto, muito sincero e não mede as palavras como outros políticos, sempre pensando no politicamente correto, no que a imprensa vai falar. Ele não está nem aí com o politicamente correto, diz o que pensa e ponto, mas não é homofóbico. Ele gosta dos gays. É o jeitão dele”. (Entre- vistada L). As “mulheres não feministas”, os brancos heterossexuais, cis são as verdadeiras vítimas das lutas dos grupos identitários. Feminis- tas, LGBTQI, movimento negro, pretendem atropelar os direitos alheios, colocar-se como se fossem grupos privilegiados que merecem mais atenção do Estado e, finalmente, impor- -se a outros segmentos sociais. O que para o campo progressista é percebido como luta por direitos historicamente negados, os entrevista- dos entendem como grupos querendo impor seus interesses e modelos de vida e, portanto,
  • 22. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 22 ultrapassando a linha do direito e chegando ao privilégio. A masculinidade branca, o he- terossexual e o cis estão acuados e ameaçados pelos identitários. O processo de reação des- tes grupos aos avanços das lutas feministas, do movimento negro e LGBTQIA é evidente. Sua forma de vida, sua forma de entender o mundo e viver nele está sob ameaça com estes avanços. O conservador, no fundo, é aquele que sente saudades do mundo como ele era, do mundo que ele entendia melhor e onde ele conseguia sentir seu lugar. “Eu sempre digo que, ultimamente, quem menos direitos tem neste país é o homem branco que não é gay. Se for mulher tem di- reitos. Se for negro, mais ainda, cotas, não sei o que. Se for gay, a mesma coisa, ninguém pode falar nada, que já é preconceito. E a gente. Quem nos protege? Que direitos temos nós? Eu também posso me manifestar dizen- do que sou homem branco? Eles têm direito e eu não? ” (Entrevistado A). A Direita Pop e Anti-Mainstream No começo da roda de conversa com os alu- nos de São Miguel Paulista, assistimos a um vídeo com as frases mais polêmicas de Bol- sonaro. No final do vídeo, muitos alunos es- tavam rindo e aplaudindo. Por que? Porque ele é legal, porque ele é um mito, porque ele é engraçado, porque ele fala o que pensa e não está nem aí (Aluno5, 15 anos). Com mais de cin- co milhões de seguidores no Facebook, o fato é que Bolsonaro representa uma direita que se comunica com os jovens, uma direita que al- guns jovens identificam como rebelde, como contraponto ao sistema, como uma proposta diferente e que tem coragem de peitar os caras de Brasília e dizer o que tem de ser dito. Ele é foda (Aluno2, 15 anos). O uso das redes sociais, a utilização de vídeos curtos e apelativos, o meme como ferramen- ta de comunicação, a figura heroica e juve- nil do “mito Bolsonaro”, falas irreverentes até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra todos, são aspectos que atraem os jovens. Se nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool, disfarçando seu discurso de ódio em formas de memes e de vídeos divertidos: O Bolsomito é divertido, o resto dos políticos não. (Aluno7, 14 anos). É muito relevante ressaltar que a socialização política destes jovens e adolescentes se deu no período dos governos de Dilma Rousseff e, por- tanto, o que eles identificam como governo de esquerda é justamente o mainstream, o aparato do poder e nada tem a ver com uma postura progressista, de ruptura ou crítica ao sistema. Em contrapartida, alguns dos entrevistados criticam Bolsonaro pelo que para eles é um excesso de teatralidade, o que o faz diminuir a seriedade digna de um político. “Jair está se transformando num Tiririca, num personagem. Para ganhar volume está se ridiculizando. Eu já avisei eles, mas que- rem ganhar número”. Ele tem tosquice mili- tar, rusticidade, mas virou showman demais. Ele não é o que parece, mas ele de fato quer fazer o bem, ele é simples, não tem ganância de dinheiro. Sei de viagens que ele faz e fica em hotéis baratos, mas não por aparência, é por simplicidade mesmo”. É um baita estra- tegista, sabe que se botar a farda e adotar uma linha dura não vai ter popularidade, e ele é um puta showman, se comunica muito bem, tem a inteligência de perceber que desta forma agrega muito, mas corre o risco de se perder no personagem” (Entrevistado E). Uma das questões que ficou em evidência com a campanha do Trump é que esta nova direita
  • 23. 23 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA chega caraterizada de anti-hegemônica, anti- -establishment. É uma direita que se apresen- ta como a ruptura como o sistema. Mesmo sabendo que isto fica só no nível da retórica, num momento de intenso sentimento anti- político, o candidato que se coloca como en- frentando a política tradicional, profissional, tem uma penetração forte porque não quere- mos mais do mesmo. Eles são todos iguais. Que- remos alguém diferente (Entrevistada M). Entrevistada E - Ele é diferente. Pesquisadora: - Mas há anos que é deputado federal, portanto não será muito diferente. Inclusive durante seus mandados tem feito pouquíssimas coisas, quase não aprovou pro- jetos de lei. Entrevistada E- Claro, porque não deixam ele fazer nada, porque ele não se vende, não se alia com esses bandidos, então ele acaba sozinho, isolado. É integro. Não é como eles. Um tema que aparece nas entrevistas é que essa nova direita é próxima das pessoas, Bol- sonaro fala a língua da gente, não é como os outros políticos que a gente nem entende, às vezes (Entrevistado J). Insistem os entrevis- tados que Bolsonaro gosta das pessoas, de se sentir perto do povo, não é como outros po- líticos que eles percebem longe deles e que, inclusive, têm uma linguagem inacessível. Os políticos tradicionais são vistos como aque- les que se afastam propositalmente do povo. Uma nova direita que, longe de ser percebida como perto das elites, é percebida como pró- xima ao povo e defendendo seus interesses. As siglas políticas tradicionais defenderiam inte- resses personalistas e partidários, inclusive o PT, que se afastou da população e hoje não representa os mesmos interesses partidários, ao mesmo tempo que a nova direita seria a defensora do povo. “Hoje na rede social há várias páginas com o nome de Bolsonaro. A maioria não tem vín- culo conosco. Tinha um menino do “Bolsona- ro opressor”. Ele pegava o conteúdo e postava na página dele como se fosse dele. Eu achava legal. Ele não conhecia ninguém da família Bolsonaro. Aí liguei para o Jair e falei, “co- mandante, tem um menino que tem uma pá- gina, apoia o senhor, mas não tem contato”. O Jair ligou para ele para agradecer. Ele po- deria ter dito, “tenho mais o que fazer”. Isso acontece com muita gente, ele se preocupa. Tem gente que pede para mim que ele mande um vídeo porque eles vão casar. E ele manda. Uns dias atrás, teve um menino que fazia 9, 10 anos e queria que o tema fosse Bolsonaro. A família dele entrou em contato com ele e o Bolsonaro foi. Isso acontece naturalmente. Nos aeroportos, a gente nunca deu um cen- tavo. Eles gastam. A gente não tem militân- cia paga. O Jair é muito acessível. Ele não se blinda atrás de segurança. Não é marketing, ele quer contato do povo. A gente não tem um estrategista para isso. Ele quer tocar as pessoas, chegar nelas, fazer foto. Ele quer essa proxi- midade (...). Sem dúvida, tem toda essa parte do discurso, mas tem toda essa parte humana, você enxerga uma pessoa comum. Isso é muito marcante, a galera sente isso. Chegamos lá em Recife, com Jair e Eduardo, tinha esse mon- te de gente. Olhei para o lado e tinha uma mulher com uma filha doente em cadeiras de rodas. O que leva uma senhora trazer essa filha para ver um político? Quando o Eduar- do viu, pediu para o motorista parar. O Jair também. Conversaram, deram um abraço. Ele não precisava ter parado. Aquela situação toca eles. Foi comovente, emocionante mes- mo. Não foi estratégia, “pega um bebezinho, põe no colo”. Essa proximidade é uma marca deles” (Entrevistado C). “Ele continua sendo aquele Bolsonaro que eu conheci em 2014. O que está acontecendo é
  • 24. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 24 que ele está sendo tratado como popstar. Não foi ele que criou isso, foram esses grupos de militância virtual que se organizam. A gen- te nem sabe de onde saiu o apelido de mito. Não foi uma coisa de marqueteiro. Outra frase #émelhorJairseaconstumando. Não foi a gente que bolou. Aparece. Às vezes, essa mi- litância acaba criando esse personagem. Ele continua no mesmo gabinete, recebendo as pessoas” (Entrevistado C). Valores Uma das questões que os entrevistados mais defendem desta nova direita é que estaria pro- tegendo os valores que têm sido perdidos no Brasil, depois de tantos anos de governo de esquerda. Família, religião, disciplina, auto- ridade, ética são questões que agora podem ser discutidas de novo, mas que durante mui- to tempo estavam fora do debate público. As questões morais trazidas à tona pelo MBL, na sua dinâmica de guerras culturais, aparecem em várias entrevistas como exemplo de deba- tes que deveriam ser feitos. Além de corrupto, o governo do PT é visto como um governo que provocou a desmoralização progressiva do país ao se colocar contra os princípios da tradição e dos costumes. “Eu não gosto muito desses meninos do MBL, mas eles têm razão. A gente tem de falar do que está acontecendo nas escolas, eu não que- ro que meu filho seja doutrinado e no dia de amanhã vire um maconheiro, esquerdis- ta. Eu quero que ele aprenda valores. E essa coisa da pedofilia, vai me dizer que não é importante? A gente está numa crise moral”. (Entrevistado A). “Ele (Bolsonaro) é um cara de valores, de família, de princípios, religioso. Isso é mui- to importante. No fundo, a crise de Brasil é uma crise de valores. Ninguém respeita mais nada”. (Entrevistado E). Uma questão muito comentada é o menospre- zo do campo progressista com posturas religio- sas, fundamentalmente, com evangélicos. “Eu sou evangélica, vou à igreja porque sin- to paz, gosto de lá, e parece que a gente tem de pedir perdão às vezes. Evangélico é burro, evangélico só vota no que diz o pastor. Eu me meto na vida deles? ” (Entrevistada M). Um dos assuntos que a direita mais radicali- zada sempre utiliza como retórica no debate sobre seus valores e fundamentos éticos é a reinterpretação da ditadura, fazendo a relei- tura de que na ditadura a vida era mais segura e disciplinada e na democracia a vida é mui- to mais insegura, uma bagunça, libertinagem. Democracia seria um sistema caótico no qual os corruptos governam, aberto para qualquer excesso e o cidadão de bem sente-se despro- tegido. A ressignificação da ditadura num pe- ríodo saudoso em que o cidadão de bem era protegido pelo Estado e imperava a ordem e não a confusão. Nem todos os entrevistados defendem uma possível intervenção militar, mas o fato é que a maioria deles não condena esta ideia, dado que os militares são um dos poucos atores sociais que ainda têm legitimi- dade para trazer de volta os valores tradicio- nais esquecidos. “Na ditadura tinha mais segurança. A gente tem liberdade de expressão agora, sim, mas não temos direito de ir e vir. Aqui na perife- ria pelo mesmo, não temos. Talvez seria bom colocar os militares temporariamente, porque agora a gente está sendo liderada por bandi- dos”. (Aluna2, 15 anos). “Eu sempre aprendi na minha casa que não houve golpe militar, teve uma intervenção necessária. Tinha tortura? Sim. Mas era um estado de guerra. Será que não precisava? Mas agora um golpe, agora não, porque não
  • 25. 25 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA resolveria. Se tivesse um momento seria ago- ra, porque o general Villas Boas é excelente, um dos melhores que o exército já teve, ele es- taria no comando, mas ele não é burro, sabe que agora não tem espaço para isso. Se resol- vesse, eu mesmo pegaria as armas e vamos embora”. (Entrevistado E). São conhecidos por todos os ataques censores da nova direita brasileira à suposta doutrina- ção que professores de esquerda fariam nas escolas. O projeto de lei Escola Sem Partido é a mais viva representação desta perseguição macarthista. A ideia de que escolas e universi- dades estão tomadas por professores que pre- gam o marxismo, o comunismo, as teorias de esquerda e que, em vez de ensinar, doutrinam alunos, em um processo sectário, é algo que tem se espalhado muito na opinião pública e ganhado apoios. O anticientificismo é uma característica importante desta nova direita brasileira, que considera a intelectualidade inimiga. Os entrevistados, porém, não consi- deram isto um ataque ou um problema, pelo contrário, enxergam esta postura como uma forma de defender os valores tradicionais, que são continuamente colocados em risco pela esquerda. Portanto, onde muitos de nós enxergamos posturas de patrulhamento ideo- lógico ou censura acadêmica, os entrevistados enxergam preocupação com o cuidado e a proteção da moral e os bons costumes. “A gente sabe que vocês são todos de esquerda e influenciam muito os alunos. Nesses cursos de vocês de sociologia, história, só tem pro- fessor comunista. Sala de aula é para ensi- nar todas as ideologias não só as que vocês querem. Por isso, Escola sem Partido é bom, porque garante a liberdade em sala de aula e protege o aluno contra os professores que só querem captar alunos para o PT, ou, não, sei, para o PSOL”. (Entrevistada E). “Vocês professores dizem sobre a censura do MBL, da Escola sem Partido. Censura, gen- te? Censura sofremos nós, que queremos que nossos filhos sejam educados em valores éticos e não podemos nem falar porque a esquerda diz que somos fascistas”. (Entrevistada L). De Lula a Bolsonaro Vários dos entrevistados que proclamam seu voto em Bolsonaro, em 2018, admitiram ter votado no PT durante seus primeiros man- datos. Quando questiono o porquê, a maio- ria coincide: porque pensavam que Lula seria um líder que mudaria o país, estava perto do povo, era carismático, alguém diferente dos políticos de sempre e porque pensavam que ele não era corrupto, ou seja, argumentos muito parecidos com os colocados, hoje em dia, quando tratam da figura de Bolsonaro: proximidade, carisma e honestidade. Quan- do questiono a distância ideológica, progra- mática, biográfica dos dois, isso parece não ser levado em consideração. O personagem parece ser mais relevante que o sujeito polí- tico. Especialmente interessantes são as falas dos entrevistados, que nasceram ou moram em regiões periféricas de São Paulo. Todos eles coincidem também em se sentirem traí- dos, enganados pelo PT, principalmente pela questão da corrupção e pelo seu afastamento da população: pensava que o Lula era honesto e próximo das pessoas. Hoje sei que ele é o maior ladrão de Brasil e agora penso que Bolsonaro é quem de verdade é honesto e próximo das pessoas (Entrevistado D). Entrevistada M: Eu votei no Lula as duas vezes. Ele é um líder. Reconheço isso. Fez coi- sas importantes, não dá para negar. Eu votei nele mais porque parecia um cara diferente, era um cara do povo, não sei, parecia boa gente, mas no final ele mostrou que é como todos, um ladrão. Por isso agora voto no Bol- sonaro porque ele sim, ele é diferente.
  • 26. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 26 Pesquisadora: Mas Lula é de esquerda e o Bolsonaro de direita. Suas políticas são mui- to diferentes. Entrevistada M: Eu não entendo disso, de ser de direita ou de esquerda. Para mim não existe isso. São todos iguais. PT, PSDB, não tem es- querda nem direita. No fundo, são todos ami- gos. Votei no Lula porque gostava dele, mas agora não dá. Agora o único que vale e que é diferente desses ladrões é o Bolsonaro. Entrevistado A: Uai, PT, PT. Cadê o PT na periferia? Pesquisadora: E Bolsonaro está na periferia? Entrevistado A: Nossa, ele é um cara muito mais próximo, gosta da gente e se preocupa pela insegurança que nós vivemos. Acha que esses caras do PT se preocupam com a gente. Que nada. Eu pensava que antes sim, mas desde que chegaram ao poder. Escuta o que eu te falo, o poder acaba com todos. Quem sabe se Bolsonaro ganhar, talvez acabe com ele também. Em paralelo, um assunto que aparece recor- rentemente nas entrevistas com pessoas de regiões periféricas, mas que foram beneficia- das pelas políticas de inclusão dos governos petistas, o aumento de emprego e renda é seu autoenquadramento como classes médias, ou classes consumidoras e a naturalização de va- lores típicos das classes médias como a ade- são ao combate a corrupção ou a rejeição a programas de inclusão social, dos quais eles mesmos foram beneficiados direta ou indire- tamente. A rejeição ao PT por estes grupos tem muito a ver com a construção de uma nova identidade, diferente à de periférico, po- bre ou excluído. Como um taxista me disse um dia eu não voto no PT porque quem vota no PT é pobre, a nova classe média vota no PSDB. Muito significativo a este respeito é a entrevis- ta com M, que reconhece morar numa região periférica, mas ao mesmo tempo diz que: Entrevistada M: Eu não sou mais pobre. Eu subi na vida. Pesquisadora: E como foi isso? Acha que os pro- gramas do governo Lula ou a geração de em- prego durante seu governo tiveram algo a ver? Entrevistada M: (visivelmente incomodada com a pergunta): Não! Teve nada. Teve a ver meu trabalho e o de meu marido, o esforço da gente. Pesquisadora: A senhora pensa, então, que me- lhorou de vida por mérito seu e de seu marido? Entrevistada M: Mas é claro! Por isso não voto mais Lula que só fala em pobre, em po- bre, e parece que a gente tem de agradecer al- guma coisa. Não. Votei no Dória. Agora não gosto tanto, mas antes gostava. Ele entendia essa coisa da gente vir de baixo e trabalhar e ser alguma coisa na vida. Conclusões Os resultados desta pesquisa mostram as ra- zões que levam os cidadãos brasileiros a apoia- rem a nova direita. Com frequência, setores progressistas menosprezam estas posturas por considerarem que “pobre que vota na direita é burro”, “seguidor de Bolsonaro é burro” e por aí vai. É um grande erro caricaturar ou de- sestimar a importância de um fenômeno que tem densas raízes sociais e que pouco tem de trivial ou transitório. Em nível internacional, esta nova direita ou direita alternativa está se transformando num protagonista político. O que a análise teórica, assim como os empíri- cos demonstram, é que esta direita tem bases sociais e política sólidas nas quais se fortale-
  • 27. 27 Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA ce: crise democrática, crise representativa, crise econômica, incapacidade dos partidos da esquerda tradicional de dar repostas aos cidadãos, aumentos da retórica antipolítica, populismo do combate contra a corrupção, crise da segurança pública. O primeiro pas- so para combater posturas antidemocráticas, que colocam em risco o avanço nos direitos e garantias fundamentais, é entender este pro- cesso em toda sua complexidade e multidi- mensionalidade. Bibliografia Drolet, J-F. American neoconservatism: the politics and culture of a reactionary idealism. Oxford: Oxford University Press, 2014. Hawley, G. Making sense of the alt-right. New York: Columbia University Press, 2017. Giordano, V. Qué hay de nuevo en las “nue- vas derechas”? Nueva Sociedad, n.º 254, p.46- 56, 2014. Weyland, K. “Neopopulism and neolibera- lism in Latin America: how much affinity?” Third World Quaterly, p. 1095-1115, 2003. Urban, M. El viejo fascismo y la nueva dere- cha radical. Barcelona: Sylone, 2014. Brown, Wendy. “American Nightmare: Neo- liberalism, Neoconservatism, and Democra- tization.” Political Theory, Vol. 34, n.º 6 (Dec. 2006), pp. 690-714. Butler, J. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. Casara, Rubens. Estado pós-democrático- -neo-obscurantismo e gestão dos indesejá- veis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. Castel, R. A insegurança social: o que é ser protegido? Vozes, Petrópolis: Vozes, 2005. Crouch, C. Post-démocratie. Zurique: Dia- phane, 2013. Coelho, R. Por um fio: o sofrimento do tra- balhador na era do capitalismo flexível. Jun- diaí: Paco Editorial, 2013. Debord, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. Du Bois, W. E. B. Black reconstruction; an essay toward a history of the part which black
  • 28. Esther Solano | CRISE DA DEMOCRACIA E EXTREMISMOS DE DIREITA 28 folk played in the attempt to reconstruct de- mocracy in America, 1860-1880. New York: Russel & Russel, 1956. Innerarity, D. A política em tempos de indig- nação: a frustração popular e os riscos para a democracia. Rio de Janeiro: LeYa, 2017. Manin, B. The principles of representative government. Cambridge: Cambridge Uni- versity Press, 1997. Mbembe, A. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014. Mbembe, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017. Rodriguez, E. Justicia Mediática. Buenos Ai- res: Ad Hoc, 2000. Rosanvallon, P. El buen gobierno. Buenos Aires: Manantial, 2016. Laval,C, Dardot, P. A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Pau- lo: Boitempo, 2016. Laclau, E. La razón populista. Madrid: Fon- do de cultura económica de España, 2005. Mais textos sobre nova direita e neoconser- vadorismo Dominguez, F, et all. Rigth –wing politics in the new Latin America: Reaction and Re- volt. London-New York: Zed Books, 2011. Kirk, R. The conservative mind: from Burke to Elliot. Seventh Edition. New York: Gate- way, 2014 (1986). Luna, C.P, Rovira, C. The resilience of the Latin American Right. Baltimore: Johns Ho- pkins University Press, 2014. Rodriguez, E., Arbide, H. ¿Nueva derecha? O la reivindicación del populismo frente al vacío de la izquierda. Barcelona: Cuadernos Archipiélago, 2006. Segrera, F (org.) America Latina: crisis del posneoliberalismo y ascenso de la nueva de- recha. Buenos Aires: CLACSO, 2016. Velasco e Cruz, S. et all (org), Direita, volver! São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015. Dossiê As direitas no Brasil. Revista Perseu. História, memória e política, n.º 11, ano 7, fe- vereiro 2016.
  • 29. As opiniões expressas nesta publicação não necessariamente refletem as da Friedrich-Ebert-Stiftung. O uso comercial de material publicado pela Friedrich-Ebert-Stiftung não é per- mitido sem a autorização por escrito. Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com- prometida com o ideário da Democracia Social. No Brasil a FES atua desde 1976. Os objetivos de sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia ambientalmente e socialmente sustentável, o fortalecimento de políticas orientadas na inclusão e justiça social e o apoio de políticas de paz e segurança democrática. Responsável Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil Av. Paulista, 2001 - 13° andar, conj. 1313 01311-931 I São Paulo I SP I Brasil www.fes.org.br Autora Esther Solano Gallego é Professora Doutora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do Mestrado Interuniversitário Internacional de Estudos Contemporâneos de América Latina da Universidad Complutense de Madrid. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri. Associada ao grupo de pesquisa Laboratório de Análises Interdisciplinares e Análise da Sociedade (LEIA- Unifesp).