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Referência
Zorzi, J.L. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In Maluf, M.I.
(org.). Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio
de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006, 144-162.
Autor
Prof. Dr. Jaime Luiz Zorzi
Diretor e professor do CEFAC – Pós-Graduação em Saúde e Educação
Fonoaudiólogo
Mestre em Distúrbios da Comunicação – PUCSP
Doutor em Educação - UNICAMP
Contato: Rua Cayowaá, 664
CEP 05018-000 – São Paulo – SP
Tel. 11 3675-1677 e-mail: jaime@cefac.br
Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem
RESUMO – Dentre uma série grande de conhecimentos que a criança que aprende a
ler e a escrever deve dominar, encontra-se, de forma destacada e visível, a ortografia.
Considerada um dos indicadores da aprendizagem da linguagem escrita, a apreensão
do sistema ortográfico impõe um conjunto considerável de desafios, o que acaba
gerando uma série de erros. Dentre os conhecimentos necessários para o aprendizado
convencional da escrita encontram-se a construção da hipótese alfabética, o domínio
espacial da escrita, a diferenciação do traçado das letras, o papel da tonicidade,
procedimentos de segmentação da estrutura sonora, a diferenciação entre falar e
2
2
escrever e a compreensão das relações variadas entre grafemas e fonemas. Os erros
observados na escrita das crianças, e que podem ser classificados em diversas
categorias, revelam o domínio ou não de tais conhecimentos. Ao mesmo tempo em que
eles fazem parte da aprendizagem, podem também ser indicadores de possíveis
problemas neste processo de aprendizagem. Estudos sistematicamente apontam a
presença de erros ortográficos nos casos de transtornos da linguagem escrita. O
objetivo deste texto é o de procurar caracterizar a ocorrência de alterações ortográficas
em crianças apresentando problemas de escrita, quando comparadas com a
aprendizagem considerada normal. Por meio de uma análise preliminar dos escritos de
um grupo de 44 sujeitos, de 7 a 16 anos de idade, apresentando algum tipo de
comprometimento na escrita, verificou-se que os erros de maior ocorrência dizem
respeito, em ordem de freqüência, às confusões devidas à possibilidade de
representações múltiplas, ao apoio na oralidade, à omissão de letras, às trocas
envolvendo a presença ou ausência de sonoridade, e também a uma apresentação
maior de erros atípicos, raramente observados em outras crianças. Desta forma,
constatou-se primeiramente um maior número de erros na escrita das crianças com
transtornos de aprendizagem se comparadas com a ocorrência de erros na escrita
daquelas crianças sem tal problema. Além do mais, as trocas envolvendo o traço de
sonoridade, assim como os erros atípicos, por terem uma presença mais acentuada nos
casos de distúrbios, podem ser considerados como indicadores de problemas na
aprendizagem.
UNITERMOS: Ortografia, linguagem escrita, dislexia, distúrbios de aprendizagem,
disortografia.
3
3
Introdução
Dentro de uma perspectiva de desenvolvimento global, a linguagem desempenha
papel fundamental, configurando-se como um dos objetivos essenciais da educação.
Por esta razão ela se torna uma das metas iniciais prioritárias da escola que é a de
alfabetizar, ou seja, levar o aluno a dominar a linguagem escrita para que, por meio
dela, ele possa alcançar conhecimentos, assim como expressar-se.
Deste modo, o ensino da leitura e da escrita tem uma ênfase especial na atuação
escolar em termos das etapas iniciais da educação fundamental. Entretanto, aprender a
ler e escrever pode ser um grande desafio para muitos e dificuldades variáveis podem
surgir durante este processo. Neste sentido, um dos aspectos que chama a atenção de
todos, diz respeito à ortografia, isto é, ao domínio da escrita convencional das palavras.
Por sua vez, pode ser difícil, para muitas crianças, compreender como as palavras
devem ser grafadas, fato este que pode ser observado nas alterações ortográficas
presentes em suas produções escritas.
Uma atenção maior tem sido dada para os chamados “erros” ou “alterações”
ortográficas do português escrito no Brasil, atenção esta que tem por finalidade melhor
compreende-los 1-9
. Estes estudos indicam, sistematicamente, que os “erros” fazem
parte da aprendizagem, podendo revelar hipóteses que as crianças vão,
gradativamente, construindo para chegar a conhecimentos mais aprofundados sobre a
escrita.
Dito de outra maneira, podemos observar que todas as crianças cometem “erros”
durante a aprendizagem da escrita, os quais tendem a se tornar cada vez mais
específicos e ocasionais, até que elas dominem de forma mais segura o sistema
ortográfico. Porém, por outro lado, também observamos algumas delas que parecem ter
uma trajetória diferente, exibindo uma diversidade e freqüência de alterações de escrita
mais intensa e duradoura. Tais dificuldades podem, por sua vez, ser sintomas dos
4
4
chamados transtornos de aprendizagem10-16
, como os distúrbios de aprendizagem e as
dislexias. Mais especificamente, enquanto uma aprendizagem consistente e
progressiva da ortografia pode indicar uma condição favorável de aquisição da escrita,
a permanência de erros e a sua dificuldade de superação podem ser consideradas
como indicativas de déficits no processo de aprendizagem. Conseqüentemente, muitas
destas crianças acabam sendo encaminhadas para profissionais especializados para
diagnóstico e atendimento extra-escolar.
A compreensão desta realidade implica o levantamento de questões a respeito
da freqüência e significado de tais erros, assim como a razão pela qual eles ocorrem
para que se possa planejar procedimentos de avaliação e de intervenção, tanto no
âmbito escolar quanto clínico.
Houaiss 17
define ortografia como um “Conjunto de regras estabelecidas pela
gramática normativa que ensina a grafia correta das palavras, o uso de sinais gráficos
que destacam vogais tônicas, abertas ou fechadas, processos fonológicos como a
crase, os sinais de pontuação esclarecedores de funções sintáticas da língua e
motivados por tais funções.” No âmbito deste texto, estaremos enfocando,
essencialmente, aspectos relativos à grafia correta das palavras, assim como
caracterizando os desvios de tais normas.
Configuração geral dos erros de escrita
Os erros encontrados na escrita de crianças, durante as séries iniciais, podem
ser categorizados em vários tipos, de acordo com as características que apresentem.
Chama também a atenção o fato que eles ocorrem com freqüências variadas, ou seja,
alguns tipos aparecem constantemente enquanto que outros são mais discretos. Esta
variação pode significar que os mesmos envolvem distintos aspectos da língua escrita
com diferentes graus de complexidade de modo que, quanto mais complexo um
determinado aspecto, mais erros ou confusões ele pode vir a gerar para quem aprende.
5
5
Tal realidade nos permite compreender a razão de índices tão altos de erros por
representações múltiplas, em oposição à baixa presença de inversões de letras. Esta
incidência variável reforça a hipótese de que a ocorrência de confusões ou erros pode
estar sendo determinada por características intrínsecas da própria linguagem escrita 4,
18-21
as quais demandam diferentes habilidades ou conhecimentos por parte do
aprendiz.
Observamos uma aprendizagem progressiva, sendo alguns aspectos mais
facilmente assimilados enquanto que outros exigem muito mais tempo e conhecimentos
para que venham a se tornar plenamente dominados. Podemos traçar uma equação
que pode nos levar à identificação de quais as maiores e menores dificuldades que a
escrita impõe: considere-se a freqüência de ocorrência de cada tipo de erro em cada
uma das séries; a média de erros para cada tipo de alteração e, fato importante, o
número de crianças em cada série produzindo os distintos tipos de erros. Quanto
maiores ou menores forem tais números, maiores ou menores serão os desafios a
serem superados pela criança no seu processo de apropriação da escrita.
Aprender a escrever implica compreender uma série de características da língua
escrita que fazem parte do sistema ortográfico o que, por sua vez, demanda um
conjunto considerável de habilidades. Entre estes aspectos podemos citar a
diferenciação visual entre o traçado das letras, conhecer a que sons elas
correspondem, estabelecer correspondências quantitativas, identificar a posição da
letra dentro da palavra, compreender que a palavra pode ser falada de uma forma e
escrita de outra, compreender que uma mesma letra pode representar vários sons,
assim como um mesmo som pode ser representado por diversas letras.
Qualquer problema ou limitação que gere a não compreensão dos aspectos em
questão, a compreensão somente parcial ou a não sistematização dos conhecimentos
envolvidos irá manifestar-se na forma de alterações ou erros. Estes, por sua vez, irão
caracterizar os chamados desvios ortográficos, comumente apontados como fazendo
6
6
parte dos quadros de distúrbios de aprendizagem e dislexias. Considerando-se o modo
como os erros se apresentam no decorrer das séries iniciais, pode-se esboçar uma
espécie de ordem nas aprendizagens, desde as mais complicadas, e que serão
dominadas mais tarde, até as mais simples, cujo domínio se manifesta mais
prontamente. Em trabalho anterior, descrevemos a seguinte progressão de
conhecimentos 5
.
1. Construção da hipótese alfabética
Significa compreender o que é letra e seu correspondente valor sonoro: isto envolve
certo grau de habilidade em termos de consciência fonológica a fim de realizar a
segmentação da palavra em unidades fonêmicas de modo a permitir a identificação, um
a um, dos fonemas que compõem as palavras e sua correspondência com as letras que
podem escrevê-los.
2. Domínio da posição da letra no espaço gráfico
Os aspectos relativos à posição da letra no espaço gráfico encontram-se entre
os primeiros a serem apreendidos na aquisição da escrita e envolvem a compreensão
da posição que a letra deve assumir ao ser traçada no papel, isto é, se deve estar
voltada para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo; a direção e
linearidade da escrita e a posição exata da letra dentro da palavra.
3. Diferenciação do traçado das letras: domínio viso-espacial
Identificar a forma das letras de modo a distinguir as características do traçado
de cada uma delas. Os poucos erros relativos à confusão entre letras parecidas
revelam que, para a grande maioria das crianças, discriminar visualmente as letras,
inclusive aquelas que se assemelham quanto à grafia, é uma capacidade que se
desenvolve cedo no aprendizado da escrita, o que resulta na estabilização do traçado.
7
7
4. Compreendendo o papel da tonicidade: a sílaba tônica
A detecção da sílaba tônica em palavras é uma habilidade exigida por nosso
sistema de escrita na medida em que devemos tomar decisões sobre a acentuação, ou
mesmo na hora de optar por escrever com “am” ou “ão” o final de uma palavra.
Confusões desse tipo acontecem porque, apesar de as palavras estarem escritas de
formas diferentes, quando analisadas do ponto de vista fonético, constata-se que elas
são produzidas de modo semelhante, soando como /ão/ (“comeram” e “comerão” são
pronunciados com /ão/ no final). Isto quer dizer que estamos frente a um tipo de
confusão que tem como razão o fato de a criança estar buscando apoio na oralidade
para determinar o modo de grafar a palavra. Este aspecto somente será dominado
quando a criança compreender que, nestes tipos de palavras, caso a última sílaba seja
tônica, a grafia será “ão” e, se esta última sílaba for átona, será escrita com “am”.
5. Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de blocos sonoros em
unidades vocabulares (palavras)
A possibilidade de segmentar o fluxo contínuo da fala em unidades vocabulares
de extensões variadas apresenta-se como um das habilidades significativas na
aprendizagem da escrita. É esta capacidade que permite identificar onde uma palavra
começa e onde ela termina, de modo a evitar junções ou separações vocabulares
incorretas e compreender o papel dos espaços entre as palavras na escrita. Este
conhecimento implica a noção de palavra, mais especificamente, a capacidade de
detectar, no fluxo contínuo da fala encadeada, os pontos nos quais as palavras devem
ser segmentadas, marcando o início e fim das mesmas.
6. Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de palavras em
unidades fonêmicas e o conhecimento das possibilidades de construção de sílabas
8
8
Escrever sem omitir letras implica uma capacidade para identificar todos os
fonemas que compõem as palavras. Isto significa um conhecimento fonológico
avançado em termos da consciência da estrutura sonora das palavras, assim como
uma habilidade para relacionar cada fonema à sua letra (correspondência um a um), ou
às letras que lhe são correspondentes quando a relação não for biunívoca (como no
caso dos dígrafos). Encontramos, portanto, questões de ordem qualitativa (quais os
fonemas) e quantitativa (quantos são os fonemas e quantas letras requerem) que se
apresentam para a criança como um dos aspectos de grande complexidade para a
apreensão do sistema de escrita. Esta pode ser a razão para que as freqüentes
omissões de letras ocupem o terceiro lugar em termos de ocorrência de alterações
ortográficas.
7. A descoberta de que fala e escrita são diferentes, a identificação das variações entre
falar e escrever e a estabilização da escrita
A oralidade exerce forte influência quando as crianças formulam hipóteses a
respeito de como as palavras devem ser escritas, gerando uma tendência muito grande
no sentido de que os padrões de fala determinem o modo de escrita. Tudo ocorre como
se o sistema de representação gráfica do português fosse fonético, e não alfabético.
Isto quer dizer que a criança toma como referência, para determinar que letra deve
usar, aqueles sons que ela é capaz de identificar em seu padrão de pronúncia da
palavra procedendo então a uma correspondência um a um: som falado / letra que
escreve. A transformação deste padrão de escrita, com forte influência fonética, para
uma escrita determinada ortograficamente depende de a criança compreender a
diferença entre falar e escrever e da criação de um repertório lexical visual, controlado
por regras ortográficas e não fonéticas.
Dominar a forma convencional de grafar as palavras, em oposição ao modo
como são pronunciadas, corresponde a uma das aquisições mais complexas e,
9
9
portanto, das mais difíceis. Deve-se considerar que o decréscimo de erros deste tipo
depende da compreensão de que fala e escrita são sistemas diferentes e também do
desenvolvimento de referenciais visuais-ortográficos que passem a influenciar o padrão
de escrita, formando um léxico escrito, de modo que a imagem visual da palavra
impressa possa se sobrepor à imagem sonora da palavra falada.
8. A compreensão da possibilidade de representações múltiplas, a identificação das
alternativas de escrita e a estabilização da forma convencional
O aspecto da linguagem escrita que se revela como o de maior complexidade para
a aprendizagem da ortografia, corresponde ao que foi denominado como
representações múltiplas:
• Um mesmo fonema é escrito sempre pela mesma letra, como é o caso dos
fonemas /p/, /t/ e /m/ que são sistematicamente grafados com as letras “p” “t” e
“m”, respectivamente, havendo uma correspondência estável entre letras e sons;
• Um mesmo fonema pode ser escrito por diferentes letras, como acontece com o
fonema /z/ que pode vir a ser grafado com as letras “s”, “x” e “z” e
• Uma mesma letra pode vir a representar diferentes fonemas, como ocorre com a
letra “x” que pode escrever os fonemas /s/, /S/ e /z/.
Vemos que, ao lado de relações estáveis entre grafemas e fonemas, nos dois
últimos casos o que se observa é a existência de uma correspondência não estável
entre eles. O grau de complicação que tal fato impõe àqueles que estão aprendendo a
escrever não é difícil de ser compreendido. É por esta razão que praticamente a
metade de todos os erros observados na escrita de crianças diz respeito a saber
identificar, com precisão, as situações nas quais pode haver a ocorrência de
representações múltiplas, conhecer que letras podem ser usadas e estabilizar, ou
memorizar, a opção correta. Não é de se estranhar, portanto, que praticamente todos
os que escrevem produzam tal tipo de erro, inclusive adultos experientes. Fato
10
10
semelhante tem sido apontado no caso de outras línguas, como o inglês, por exemplo
19-20
.
A diminuição gradativa de tais alterações dependerá do desenvolvimento de
habilidades fundamentais relativas à essência da escrita de natureza alfabética, as
quais permitam compreender a complexidade que está em jogo na questão das
correspondências múltiplas. Dentre elas:
• Identificar, em estruturas sonoras com significados distintos (palavras),
segmentos sonoros que se assemelham a ponto de serem considerados o
mesmo som ou fonema, embora estejam sendo realizados em diferentes
palavras e em diferentes contextos fonéticos;
• Compreender o que é letra e a diferenciação entre o nome que a letra possui e
os sons que ela pode vir a representar;
• A compreensão, fundamental, de que uma mesma letra pode escrever diferentes
sons e, inversamente, que um mesmo som pode ser escrito por distintas letras;
• Um conhecimento de regras contextuais, ou seja, que dizem respeito ao contexto
de ocorrência de relações entre sons e letras de modo que determinadas letras
podem influenciar no valor sonoro de outras, como acontece com a letra “s” que,
quando está entre vogais, assume o som do fonema /z/ (“camisa”, “pousar”).
De posse de conhecimentos deste tipo, a criança pode começar a detectar
situações ou palavras passíveis de conflitos até chegar à estabilização da forma
correta. Tal estabilização depende da formação de memórias e também do uso de
estratégias gramaticais, como a habilidade de recorrer a uma palavra conhecida (por
exemplo, cabeça) para decidir a escrita e uma palavra desconhecida ou pouco
familiar (descabeçado, por exemplo) 21
.
Classificação dos erros mais frequentemente encontrados
11
11
A fim de subsidiar a compreensão do processo normal de aquisição da escrita,
assim como os chamados desvios que podem caracterizar os problemas de
aprendizagem, serão brevemente descritas as alterações mais comumente
encontradas, tomando-se como referência a classificação de Zorzi 4
.
1. Substituições de letras em razão da possibilidade de representações múltiplas:
Algumas das correspondências entre letras e sons, no português, são estáveis,
ou seja, a um determinado som corresponde somente uma letra. Entretanto, existem
situações diversas nas quais um mesmo som pode ser escrito por várias letras e até
mesmo o caso de uma só letra poder representar mais do que um som. Este jogo
variável de relações acaba gerando uma grande gama de erros, como por exemplo:
“Carrossa”; “traviceiro”; “queicho”; “girasou” e “macarão”.
2. Apoio na oralidade
Tais alterações correspondem a uma tendência de se escrever as palavras do
modo como elas são pronunciadas, como se fosse uma transcrição fonética. Por esta
razão observam-se grafias como: “girassol” > “girasou” ; “soltou” > “soutou”, “enxugar” >
inchugar” e “parque” > “parqui”.
3. Omissões
As omissões referem-se à ausência de letras que deveriam estar compondo as
palavras. Embora seja muito comum a ocorrência de omissões de letras isoladas (como
“taqui” para “tanque”, na qual o “n” em final de sílaba foi omitido), pode-se também
encontrar a omissão de sílabas ou até mesmo de partes mais significativas das
palavras. A maior parte das omissões corresponde à ausência de “m” e “n” no final de
12
12
sílabas. Exemplos: Taqui; quete; saque; cobinar; ninque; mã; perdi (perdido); fizes
(felizes); mamã (mamãe)
4. Junção – separação indevida de palavras
Uma vez que a produção de fala tem como uma de suas características um fluxo
sonoro continuado, sem quebra em cada uma das palavras, existe uma tendência inicial
de a criança começar a escrever as palavras ligadas umas às outras. Desta forma
surgem problemas quanto ao critério de segmentá-las em unidades distintas. Exemplos:
“derepente” (de repente); “em bora” (embora); “maismagra” (mais magra); “quees tava”
(que estava).
5. Confusão am x ão
Corresponde à tendência de as crianças substituírem a terminação “am” por “ão”,
uma vez que, do ponto de vista fonético, ambas as terminações são pronunciadas da
mesma forma, sendo a diferença unicamente marcada pela tonicidade. Daí a razão
desta troca, também influenciada pela oralidade. Exemplos: gostarão (gostaram);
ficarão (ficaram); falarão (falaram).
6. Generalização
Estas alterações refletem um processo no qual um conhecimento gerado em
uma determinada situação é estendido a outras com as quais a criança vê alguma
semelhança. Desta forma, haverá um erro por generalização quando a situação nova a
que o conhecimento foi aplicado, apesar das semelhanças possíveis com aquela
original, não é passível de tal aplicação. Por exemplo, ao descobrir que “papel” se
escreve com “l” no final, apesar de se pronunciar “u”, a criança acredita que o mesmo
se passe com “chapéu”, grafando-o como “chapel”.
13
13
7. Trocas envolvendo substituições entre letras que representam os fonemas surdos e
sonoros
Neste caso, algumas letras que representam certas consoantes sonoras
(produzidas com vibração das pregas vocais) são substituídas por letras que
correspondem a consoantes surdas (produzidas sem vibração das pregas vocais) e
vice-versa. Exemplos: “machugado” (machucado); “ticholu” (tijolo); “chornal” (jornal);
“viacharão” (viajarão); “jurasgo” (churrasco); “agordou” (acordou); “dende” (dente);
“ninquem” (ninguém); “quera” (guerra); “vasia” (fazia).
8. Acréscimo de letras
Os acréscimos correspondem ao aumento do número de letras que deveriam
escrever uma palavra e podem ser decorrentes de fatores de regularização de sílabas e
até mesmos de falta de atenção ou de correção por parte da criança que escreve.
Exemplos: “Vece” (vez); “carata” (carta); “prerto” (preto).
9. Confusões entre letras parecidas
Tal tipo de erro corresponde a confusões relativas ao traçado das letras,
considerando-se suas características gráficas. São exemplos deste tipo de ocorrência
as trocas entre “ch / cl”; “m / n” ; “l / h”; “nh / lh”; “q /g” observadas na escrita
principalmente com letra cursiva, como por exemplo em: “telha > tenha”; “música >
núsica” e “bicicleta > bicicheta”.
10. Inversões
Exemplos: confusões entre b e d: cedola (cebola), tradalhar (trabalhar); inversões
quanto à posição das letras: braco (barco); secova (escova)
As inversões referem-se a confusões ou alterações que dizem respeito à posição
das letras, quer em relação ao próprio eixo (espelhamento ou rotação: p/q; d/b), quer
14
14
em relação ao local que deveria ser ocupado dentro da palavra (mudanças de posição
dentro da sílaba ou da palavra: “estava – setava”; “preto – perto”). Para a grande
maioria das crianças, este tipo de erro tem baixa ocorrência desde as etapas iniciais da
alfabetização 22
.
Os desvios ortográficos
A apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo no qual o aprendiz
vai elaborando hipóteses ou idéias a respeito do que é a escrita, as quais revelam
diferentes graus de conhecimentos que estão sendo por constituídos. Isto significa que
não se aprende a escrever de imediato e que “erros” estão implícitos em tal processo 23
.
Nas etapas mais iniciais do aprendizado a criança não chega a compreender
com clareza as relações entre a oralidade e a escrita, o que caracteriza a chamada
hipótese pré-silábica. Uma descoberta fundamental tem lugar quando ela passa a
relacionar certas características sonoras da palavra falada com as possibilidades de
representação gráfica. Este conhecimento, por seu lado, parece se tornar possível na
medida em que, em termos de conhecimento fonológico, a criança atinja o nível da
consciência da sílaba.
A partir do momento em que a segmentação silábica é alcançada, parece ocorrer
um direcionamento da atenção da criança para componentes menores das palavras,
mais especificamente para os fonemas, marcando as chamadas fases silábico-
alfabética e alfabética. Por outro lado, chegar ao nível alfabético não significa ter
encerrado um ciclo de aprendizagem, mas sim ter alcançado uma nova etapa que se
caracterizará pelo aparecimento de novos “erros”. Porém, os problemas agora parecem
de outra ordem, implicando a compreensão e o domínio de um vasto conjunto de regras
e convenções da escrita o que demandará o uso de novas habilidades e
conhecimentos.
15
15
Pensando nas características lingüísticas que a criança deve dominar a partir da
fase alfabética, pode-se verificar que a noção de maior complexidade diz respeito às
correspondências múltiplas, ou seja, compreender as relações variáveis entre letras e
sons. Em seguida vêm as dificuldades em termos de diferenciar critérios fonéticos e
critérios ortográficos. Além do mais, outro aspecto, com alto grau de complexidade,
encontra-se nas relações quantitativas entre letras e sons, principalmente na
representação de sílabas cuja composição foge do padrão consoante – vogal.
Inversamente, no outro extremo de uma escala de complexidade encontramos a
discriminação do traçado das letras e a posição que elas devem ocupar no espaço
gráfico como aspectos de mais fácil e rápida compreensão 4
.
Como tem sido enfatizado, dificuldades e erros são ocorrências típicas e
esperadas na aquisição da escrita. Sendo os erros parte integrante da aprendizagem, o
que estaria então caracterizando o que pode ser chamado de distúrbio ou desvio
ortográfico, comumente presentes nos transtornos de aprendizagem? Os dados
indicam que a diferença fundamental não se encontra necessariamente nos tipos de
erros uma vez que, em geral, observam-se nas crianças com dificuldades mais
significativas, praticamente os mesmos erros encontrados nas demais consideradas
como tendo um bom desenvolvimento. Eventualmente observam-se algumas alterações
atípicas, que fogem daquele conjunto de erros comumente encontrado.
Desta forma, temos elementos indicativos de que os desvios ou distúrbios da
ortografia estão caracterizados não, necessariamente, pela ocorrência de tipos
diferentes de erros, mas sim, predominantemente, pelo modo como se desenrola o
próprio processo de aquisição da escrita. Tal processo manifesta-se, principalmente,
por uma freqüência e duração maior de certos tipos de erros nas crianças apresentando
problemas de aprendizagem. Isto significa, basicamente, déficits ou conhecimentos
limitados que se refletem em dificuldades ou lentidão acentuada no sentido de gerar e
generalizar hipóteses que, sucessivamente, permitam a apreensão cada vez mais
16
16
aprofundada da escrita. Assim sendo, a criança pode estabilizar hipóteses elementares
e insuficientes a respeito da ortografia; ter dificuldades para generalizar novos
conhecimentos; construir hipóteses atípicas ou demonstrar um ritmo de aprendizagem
muito lento, mesmo quando exposta a um ambiente favorável para a aprendizagem.
Em síntese, podemos listar algumas das habilidades ou conhecimentos
fundamentais para o aprendizado da escrita, cujo déficit, ou desconhecimento, podem
gerar os padrões atípicos considerados como desvios ortográficos ou disortografias:
• Construção da hipótese alfabética, a qual implica um certo grau de consciência
fonológica e de habilidades para corresponder fonemas e grafemas;
• Domínio da posição da letra no espaço gráfico;
• Diferenciação do traçado das letras: domínio viso-espacial;
• Compreender o papel da entonação: a noção de tonicidade e sílaba tônica;
• Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de blocos sonoros
em unidades vocabulares (palavras);
• Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de palavras em
unidades fonêmicas e o conhecimento das possibilidades de construção de
sílabas;
• A descoberta de que fala e escrita são diferentes, a identificação das variações
entre falar e escrever e a estabilização da escrita convencional;
• A compreensão da possibilidade de representações múltiplas, a identificação das
alternativas de escrita e a estabilização da forma convencional;
A fim de realizarmos uma análise um pouco mais aprofundada dos desvios
ortográficos, serão utilizados alguns dados brutos de um levantamento, ainda informal,
da produção escrita de uma população de 44 sujeitos. Tal grupo tem uma idade
variando entre 7 e 16 anos e foi encaminhado para avaliação fonoaudiológica com
queixa escolar de transtorno de aprendizagem. A maior parte do grupo está
17
17
concentrada na faixa dos 7 aos 11 anos (77,2%) e cursando da primeira à quinta séries
do ensino fundamental de escolas da rede pública e privada. A partir de escrita sob
ditado e da produção de textos, foi possível realizar um levantamento dos erros
ortográficos apresentados pelo grupo. Os dados abaixo ilustram os tipos e a freqüência
das alterações encontradas, as quais foram um dos principais motivos do
encaminhamento por parte das escolas.
Tabela I: Tipos de erros apresentados pelo grupo com queixa de transtorno de
aprendizagem, freqüência de ocorrência e porcentagem relativa de cada tipo de
alteração comparada com a porcentagem de erros comumente encontrados em
crianças de 1ª a 4ª séries 4
.
Tipos de alterações Nº de erros
observados no
grupo com
queixa
% de ocorrência
de erros no
grupo com
queixa
% de ocorrência
de erros de 1ª a
4ª séries
1. representações múltiplas 840 35,7 47,5
2. oralidade 368 15,6 16,8
3. omissões 337 14,3 9,6
4. junção/ separação 113 4,8 7,8
18
18
5. confusão am x ão 95 4,0 5,2
6. generalização 73 3,1 4,6
7. surdas/sonoras 226 9,6 3,8
8. acréscimo 54 2,2 1,4
9. letras parecidas 41 1,7 1,3
10. inversões 20 0,8 0,6
11. outras alterações 168 7,1 1,2
Total de erros encontrados 2352
Apesar das limitações, uma vez que não foi realizada uma análise estatística
apropriada, assim como por estarem sendo comparados dois grupos com distintos
níveis de idade e escolaridade, os dados acima expostos são indicativos de possíveis
diferenças entre eles. Tais diferenças compõem um perfil ortográfico que pode revelar
distinções entre a aquisição considerada normal e a presença de problemas de
aprendizagem. A Tabela I, por exemplo, indica que os erros categorizados como
representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras, trocas surdas/sonoras
e outras alterações são, nesta ordem, os que mais ocorrem na escrita dos sujeitos
encaminhados. Neste caso, o que diferencia ambos os grupos é, a princípio, a mais
alta incidência dos erros denominados “trocas surdas/sonoras” e “outras alterações”.
Este último tipo engloba erros considerados atípicos ou de caráter idiossincrático,
observados mais em níveis individuais do que como uma dificuldade coletiva. É o caso,
por exemplo, de escritas do tipo “soltou > sondou”; “falou > salou”; “podia > todia”;
“compraram > comprarar”; “sangue > sengue”; “então > estão”; “fugiu > fuziu” e
“chateado > sateado”.
19
19
Tabela II – Número médio de erros ortográficos por sujeitos do grupo encaminhado em
comparação com o número médio de erros por aluno nas 4 séries iniciais 4
Tipos de alterações Nº médio de erros
Grupo com queixa
Nº médio de erros por
aluno nas 4 primeiras
séries
1. representações múltiplas 35,7 19.7
2. apoio na oralidade 15,6 6.9
3. omissões 14,3 3.9
4. junção / separação 4,8 3.2
5. confusão am x ão 4,0 2.1
6. generalização 3,1 1.9
7. surdas / sonoras 9,6 1.6
8. acréscimo de letras 2,2 0.6
9. letras parecidas 1,7 0.5
10. inversões 0,8 0.3
11. outras 3,8 0.5
Nº médio de erros no total,
por sujeito
53,45 41,23
A Tabela II, por outro lado, revela, de uma forma geral, uma tendência a uma
média mais elevada no número de erros por sujeito do grupo encaminhado com queixa
de problemas de aprendizagem. Vale observar que tal média apresenta-se
particularmente acentuada nos erros envolvendo representações múltiplas, apoio na
oralidade, omissões de letras, trocas surdas/sonoras e outras alterações.
20
20
Que dificuldades os erros de escrita podem revelar
De modo geral, confirma-se a idéia de que os erros apresentados por crianças
com problemas de aprendizagem são praticamente os mesmos encontrados em seus
pares sem dificuldades, embora com diferenças na freqüência, incluindo os erros
atípicos configurados como “outras alterações”. Estes dados também indicam que
determinados pontos ou aspectos da linguagem escrita, por seu grau de complexidade
e pelas habilidades que demandam, apresentam-se como mais desafiantes e menos
acessíveis para aqueles cuja aprendizagem pode ter alguma limitação.
Considerando-se os tipos de erros que tendem a se destacar como os mais
presentes na escrita destas crianças com possíveis transtornos de aprendizagem
(representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras e trocas
surdas/sonoras), torna-se viável supor prováveis aspectos da aprendizagem cujos
déficits ou falhas podem estar na origem dos problemas ortográficos apresentados por
elas. Tomando como referência para análise a natureza do sistema alfabético de escrita
e suas características envolvendo as relações entre sons e letras, alguns dos
conhecimentos que se apresentam como menos evoluídos neste grupo dizem respeito
aos seguintes domínios:
1. O que é som.
2. O que é letra.
3. Que as letras escrevem sons.
4. Que os sons podem ser transformados em letras.
5. Diferenciar o som que a letra representa do nome da letra (Exemplo: “efe” é o
nome da letra “f”, enquanto que o som que ela representa é /f/. Ou seja, “efe” é o
nome desta letra e não o som que ela escreve).
21
21
6. Que existem possibilidades variadas de relações entre letras e sons (as quais
definem as alterações consideradas como representações múltiplas):
a. Um mesmo som pode ser sempre escrito pela mesma letra;
b. Um mesmo som pode ser escrito por diferentes letras;
c. Uma mesma letra pode escrever mais do que um som.
7. Diferenciar vogais e consoantes.
8. Compreender o papel das “regras contextuais”, como a influência das vogais
sobre determinadas consoantes: “s”, entre vogais, fica com o som /z/; “g”
quando acompanhada de “e” ou de “i”, escreve o som / /, enquanto que, com
as demais vogais, representa o som /g/; a letra “z”, no final de palavras, fica com
o som /s/, e assim por diante.
9. Detectar as situações de risco ou conflito produzidas pela própria língua, e
desenvolver estratégias de superação de tais conflitos (por exemplo, buscando
informações sobre como escrever corretamente as palavras que geram
dúvidas).
10.Compreender que falar e escrever correspondem a processos distintos,
havendo variações, apesar das relações entre tais modalidades de linguagem, o
que levará à distinção entre escrita fonética e escrita ortográfica.
11.Segmentar as palavras de modo a detectar todos os sons que as compõem.
12.Saber corresponder letras e sons, ou seja, conhecer o valor sonoro das letras e
as possíveis relações entre ambos.
13.Compreender as várias possibilidades de construção de sílabas não se
limitando à escrita de palavras selecionadas somente com o padrão CV
(consoante/vogal). A criança deve ser capaz de segmentar palavras em sílabas
e saber quantificar a composição sonora das mesmas, a fim de ser levada a
dominar o modo de se escrever sílabas de estruturas mais complexas, como é o
caso daquelas contendo CCV (consoante/consoante/vogal, como em “pra”; CVC
22
22
(consoante /vogal/ consoante, como em “par”; CCVC (consoante /consoante/
vogal / consoante, como em “tres”); CCVCC (consoante /consoante / vogal /
consoante / consoante, como em “trans”) e assim por diante.
14.Detectar e diferenciar, principalmente na própria fala, as diferenças sutis entre
os fonemas surdos e sonoros através de um processo de segmentação
fonêmica e relacionar cada um desses fonemas com os grafemas
correspondentes 24-29
.
15.Identificar semelhanças sonoras entre as palavras considerando-se o nível de
morfemas. Isto permite desenvolver uma sensibilidade para detectar palavras
que partilham das mesmas propriedades sonoras, o que pode garantir
processos eficientes de generalização e aplicação de regras ortográficas. Por
exemplo, palavras pronunciadas com /era/ e que são escritas com “eira”, como
“cadera > cadeira”, “bandera > bandeira” e “geladera > geladeira”.
16.Desenvolver atitude de controle consciente do ato da escrita, de modo a
detectar as situações passíveis de erro enquanto escreve.
17.Estabilizar a forma de escrever as palavras que fazem parte de seu léxico
funcional.
Os conhecimentos acima listados dizem respeito a um conjunto de habilidades
necessárias para a escrita adequada de palavras e que se configuram como básicos
para o domínio da ortografia, principalmente em relação aos erros que mais
frequentemente têm sido encontrados em crianças com problemas de aprendizagem.
Por esta razão, procedimentos de avaliação, assim como programas de intervenção
devem estar atentos para poder medi-los e também para criar situações que possam
incrementar seu desenvolvimento.
23
23
Considerações finais
Quando analisamos a aprendizagem da escrita, quer seja ela normal ou desviante,
devemos considerar aspectos ligados ao sujeito que aprende, às condições
sociais/pedagógicas de ensino e também às características do objeto a ser conhecido,
no caso a própria escrita uma vez que erros e dificuldades fazem parte de todo e
qualquer processo de aprendizagem.
Com os avanços no processo de alfabetização observa-se uma construção
progressiva de conhecimentos que geram um domínio cada vez mais aprofundado da
linguagem escrita em todos os seus aspectos, incluindo a questão da ortografia. Este
processo implica variações em termos de aprendizagem, as quais dependem não
somente das características do aprendiz, mas também da qualidade do ensino que lhe
é proposto, assim como do meio social em que vive. Desta forma, fica muito difícil
estabelecer parâmetros rígidos de como se deve dar tal aprendizagem, uma vez que
ela depende de múltiplos fatores. Neste contexto, os distúrbios ou desvios podem ser
caracterizados como processos nos quais dificuldades se acentuam de modo a
lentificar significativamente a aprendizagem, criar rigidez no modo de operar ou levar a
hipóteses ou formas de escrever que fogem daquelas comumente encontradas.
Abordar questões relativas à complexidade de conhecimentos necessários para o
domínio da escrita, assim como analisar as principais alterações ortográficas na
produção gráfica de pessoas com transtornos de aprendizagem, como apontado neste
capítulo, podem fornecer elementos que permitam uma melhor compreensão do
processo de aquisição da linguagem escrita e de seus desvios.
ABSTRACT:
24
24
Orthography is within a large series of knowledge that the child learning to read and to
write should dominate in an outstanding and visible form. Considered one of the learning
indicators for the written language, understanding the orthographic system imposes a
considerable group of challenges, ending up by generating a series of errors. Within the
knowledge required for conventional learning of writing there are the construction of the
alphabetical hypothesis, spatial domination of writing, differentiation of letters outline,
role of tonicity, sound structure segmentation procedures, differentiation between
speaking and writing and understanding the different relations among graphemes and
phonemes. The errors observed in children’s writing, that may be classified in different
categories, reveal the dominion or not of such knowledge. At the same time when such
knowledge is part of learning, it may also be an indicator for possible problems in this
learning process. Studies systematically point out to the presence of orthographic errors
in the cases related to written language disturbances. This text aims at trying to
characterize the occurrence of orthographic alterations in children with writing problems,
when compared with learning considered normal. Through a preliminary analysis of the
writings in a group of 44 subjects, from 7 to 16-year old, with some type of writing
disturbance, the most-occurring errors were verified to relate to, in order of frequency,
the confusions due to the possibility of multiple representations, support in orality,
omission of letters, swaps involving the presence or absence of sonority, and also a
larger presentation of atypical mistakes, rarely observed in other children. In this way, a
larger number of errors was noted firstly in writing of children with learning disturbances,
if compared with the occurrence of errors in the writing of those children without such a
problem. Additionally, the swaps involving the trace of sonority, as well as the atypical
errors, because of having a more accented presence in the cases of disturbances, can
be considered as problem indicators in learning.
25
25
KEY-WORDS: Orthography, written language, dyslexia, learning disturbances,
disorthography.
Referências Bibliográficas
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Fala escrita livro_luiz marcuschi
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Erros de ortografia

  • 1. Referência Zorzi, J.L. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In Maluf, M.I. (org.). Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006, 144-162. Autor Prof. Dr. Jaime Luiz Zorzi Diretor e professor do CEFAC – Pós-Graduação em Saúde e Educação Fonoaudiólogo Mestre em Distúrbios da Comunicação – PUCSP Doutor em Educação - UNICAMP Contato: Rua Cayowaá, 664 CEP 05018-000 – São Paulo – SP Tel. 11 3675-1677 e-mail: jaime@cefac.br Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem RESUMO – Dentre uma série grande de conhecimentos que a criança que aprende a ler e a escrever deve dominar, encontra-se, de forma destacada e visível, a ortografia. Considerada um dos indicadores da aprendizagem da linguagem escrita, a apreensão do sistema ortográfico impõe um conjunto considerável de desafios, o que acaba gerando uma série de erros. Dentre os conhecimentos necessários para o aprendizado convencional da escrita encontram-se a construção da hipótese alfabética, o domínio espacial da escrita, a diferenciação do traçado das letras, o papel da tonicidade, procedimentos de segmentação da estrutura sonora, a diferenciação entre falar e
  • 2. 2 2 escrever e a compreensão das relações variadas entre grafemas e fonemas. Os erros observados na escrita das crianças, e que podem ser classificados em diversas categorias, revelam o domínio ou não de tais conhecimentos. Ao mesmo tempo em que eles fazem parte da aprendizagem, podem também ser indicadores de possíveis problemas neste processo de aprendizagem. Estudos sistematicamente apontam a presença de erros ortográficos nos casos de transtornos da linguagem escrita. O objetivo deste texto é o de procurar caracterizar a ocorrência de alterações ortográficas em crianças apresentando problemas de escrita, quando comparadas com a aprendizagem considerada normal. Por meio de uma análise preliminar dos escritos de um grupo de 44 sujeitos, de 7 a 16 anos de idade, apresentando algum tipo de comprometimento na escrita, verificou-se que os erros de maior ocorrência dizem respeito, em ordem de freqüência, às confusões devidas à possibilidade de representações múltiplas, ao apoio na oralidade, à omissão de letras, às trocas envolvendo a presença ou ausência de sonoridade, e também a uma apresentação maior de erros atípicos, raramente observados em outras crianças. Desta forma, constatou-se primeiramente um maior número de erros na escrita das crianças com transtornos de aprendizagem se comparadas com a ocorrência de erros na escrita daquelas crianças sem tal problema. Além do mais, as trocas envolvendo o traço de sonoridade, assim como os erros atípicos, por terem uma presença mais acentuada nos casos de distúrbios, podem ser considerados como indicadores de problemas na aprendizagem. UNITERMOS: Ortografia, linguagem escrita, dislexia, distúrbios de aprendizagem, disortografia.
  • 3. 3 3 Introdução Dentro de uma perspectiva de desenvolvimento global, a linguagem desempenha papel fundamental, configurando-se como um dos objetivos essenciais da educação. Por esta razão ela se torna uma das metas iniciais prioritárias da escola que é a de alfabetizar, ou seja, levar o aluno a dominar a linguagem escrita para que, por meio dela, ele possa alcançar conhecimentos, assim como expressar-se. Deste modo, o ensino da leitura e da escrita tem uma ênfase especial na atuação escolar em termos das etapas iniciais da educação fundamental. Entretanto, aprender a ler e escrever pode ser um grande desafio para muitos e dificuldades variáveis podem surgir durante este processo. Neste sentido, um dos aspectos que chama a atenção de todos, diz respeito à ortografia, isto é, ao domínio da escrita convencional das palavras. Por sua vez, pode ser difícil, para muitas crianças, compreender como as palavras devem ser grafadas, fato este que pode ser observado nas alterações ortográficas presentes em suas produções escritas. Uma atenção maior tem sido dada para os chamados “erros” ou “alterações” ortográficas do português escrito no Brasil, atenção esta que tem por finalidade melhor compreende-los 1-9 . Estes estudos indicam, sistematicamente, que os “erros” fazem parte da aprendizagem, podendo revelar hipóteses que as crianças vão, gradativamente, construindo para chegar a conhecimentos mais aprofundados sobre a escrita. Dito de outra maneira, podemos observar que todas as crianças cometem “erros” durante a aprendizagem da escrita, os quais tendem a se tornar cada vez mais específicos e ocasionais, até que elas dominem de forma mais segura o sistema ortográfico. Porém, por outro lado, também observamos algumas delas que parecem ter uma trajetória diferente, exibindo uma diversidade e freqüência de alterações de escrita mais intensa e duradoura. Tais dificuldades podem, por sua vez, ser sintomas dos
  • 4. 4 4 chamados transtornos de aprendizagem10-16 , como os distúrbios de aprendizagem e as dislexias. Mais especificamente, enquanto uma aprendizagem consistente e progressiva da ortografia pode indicar uma condição favorável de aquisição da escrita, a permanência de erros e a sua dificuldade de superação podem ser consideradas como indicativas de déficits no processo de aprendizagem. Conseqüentemente, muitas destas crianças acabam sendo encaminhadas para profissionais especializados para diagnóstico e atendimento extra-escolar. A compreensão desta realidade implica o levantamento de questões a respeito da freqüência e significado de tais erros, assim como a razão pela qual eles ocorrem para que se possa planejar procedimentos de avaliação e de intervenção, tanto no âmbito escolar quanto clínico. Houaiss 17 define ortografia como um “Conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa que ensina a grafia correta das palavras, o uso de sinais gráficos que destacam vogais tônicas, abertas ou fechadas, processos fonológicos como a crase, os sinais de pontuação esclarecedores de funções sintáticas da língua e motivados por tais funções.” No âmbito deste texto, estaremos enfocando, essencialmente, aspectos relativos à grafia correta das palavras, assim como caracterizando os desvios de tais normas. Configuração geral dos erros de escrita Os erros encontrados na escrita de crianças, durante as séries iniciais, podem ser categorizados em vários tipos, de acordo com as características que apresentem. Chama também a atenção o fato que eles ocorrem com freqüências variadas, ou seja, alguns tipos aparecem constantemente enquanto que outros são mais discretos. Esta variação pode significar que os mesmos envolvem distintos aspectos da língua escrita com diferentes graus de complexidade de modo que, quanto mais complexo um determinado aspecto, mais erros ou confusões ele pode vir a gerar para quem aprende.
  • 5. 5 5 Tal realidade nos permite compreender a razão de índices tão altos de erros por representações múltiplas, em oposição à baixa presença de inversões de letras. Esta incidência variável reforça a hipótese de que a ocorrência de confusões ou erros pode estar sendo determinada por características intrínsecas da própria linguagem escrita 4, 18-21 as quais demandam diferentes habilidades ou conhecimentos por parte do aprendiz. Observamos uma aprendizagem progressiva, sendo alguns aspectos mais facilmente assimilados enquanto que outros exigem muito mais tempo e conhecimentos para que venham a se tornar plenamente dominados. Podemos traçar uma equação que pode nos levar à identificação de quais as maiores e menores dificuldades que a escrita impõe: considere-se a freqüência de ocorrência de cada tipo de erro em cada uma das séries; a média de erros para cada tipo de alteração e, fato importante, o número de crianças em cada série produzindo os distintos tipos de erros. Quanto maiores ou menores forem tais números, maiores ou menores serão os desafios a serem superados pela criança no seu processo de apropriação da escrita. Aprender a escrever implica compreender uma série de características da língua escrita que fazem parte do sistema ortográfico o que, por sua vez, demanda um conjunto considerável de habilidades. Entre estes aspectos podemos citar a diferenciação visual entre o traçado das letras, conhecer a que sons elas correspondem, estabelecer correspondências quantitativas, identificar a posição da letra dentro da palavra, compreender que a palavra pode ser falada de uma forma e escrita de outra, compreender que uma mesma letra pode representar vários sons, assim como um mesmo som pode ser representado por diversas letras. Qualquer problema ou limitação que gere a não compreensão dos aspectos em questão, a compreensão somente parcial ou a não sistematização dos conhecimentos envolvidos irá manifestar-se na forma de alterações ou erros. Estes, por sua vez, irão caracterizar os chamados desvios ortográficos, comumente apontados como fazendo
  • 6. 6 6 parte dos quadros de distúrbios de aprendizagem e dislexias. Considerando-se o modo como os erros se apresentam no decorrer das séries iniciais, pode-se esboçar uma espécie de ordem nas aprendizagens, desde as mais complicadas, e que serão dominadas mais tarde, até as mais simples, cujo domínio se manifesta mais prontamente. Em trabalho anterior, descrevemos a seguinte progressão de conhecimentos 5 . 1. Construção da hipótese alfabética Significa compreender o que é letra e seu correspondente valor sonoro: isto envolve certo grau de habilidade em termos de consciência fonológica a fim de realizar a segmentação da palavra em unidades fonêmicas de modo a permitir a identificação, um a um, dos fonemas que compõem as palavras e sua correspondência com as letras que podem escrevê-los. 2. Domínio da posição da letra no espaço gráfico Os aspectos relativos à posição da letra no espaço gráfico encontram-se entre os primeiros a serem apreendidos na aquisição da escrita e envolvem a compreensão da posição que a letra deve assumir ao ser traçada no papel, isto é, se deve estar voltada para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo; a direção e linearidade da escrita e a posição exata da letra dentro da palavra. 3. Diferenciação do traçado das letras: domínio viso-espacial Identificar a forma das letras de modo a distinguir as características do traçado de cada uma delas. Os poucos erros relativos à confusão entre letras parecidas revelam que, para a grande maioria das crianças, discriminar visualmente as letras, inclusive aquelas que se assemelham quanto à grafia, é uma capacidade que se desenvolve cedo no aprendizado da escrita, o que resulta na estabilização do traçado.
  • 7. 7 7 4. Compreendendo o papel da tonicidade: a sílaba tônica A detecção da sílaba tônica em palavras é uma habilidade exigida por nosso sistema de escrita na medida em que devemos tomar decisões sobre a acentuação, ou mesmo na hora de optar por escrever com “am” ou “ão” o final de uma palavra. Confusões desse tipo acontecem porque, apesar de as palavras estarem escritas de formas diferentes, quando analisadas do ponto de vista fonético, constata-se que elas são produzidas de modo semelhante, soando como /ão/ (“comeram” e “comerão” são pronunciados com /ão/ no final). Isto quer dizer que estamos frente a um tipo de confusão que tem como razão o fato de a criança estar buscando apoio na oralidade para determinar o modo de grafar a palavra. Este aspecto somente será dominado quando a criança compreender que, nestes tipos de palavras, caso a última sílaba seja tônica, a grafia será “ão” e, se esta última sílaba for átona, será escrita com “am”. 5. Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de blocos sonoros em unidades vocabulares (palavras) A possibilidade de segmentar o fluxo contínuo da fala em unidades vocabulares de extensões variadas apresenta-se como um das habilidades significativas na aprendizagem da escrita. É esta capacidade que permite identificar onde uma palavra começa e onde ela termina, de modo a evitar junções ou separações vocabulares incorretas e compreender o papel dos espaços entre as palavras na escrita. Este conhecimento implica a noção de palavra, mais especificamente, a capacidade de detectar, no fluxo contínuo da fala encadeada, os pontos nos quais as palavras devem ser segmentadas, marcando o início e fim das mesmas. 6. Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de palavras em unidades fonêmicas e o conhecimento das possibilidades de construção de sílabas
  • 8. 8 8 Escrever sem omitir letras implica uma capacidade para identificar todos os fonemas que compõem as palavras. Isto significa um conhecimento fonológico avançado em termos da consciência da estrutura sonora das palavras, assim como uma habilidade para relacionar cada fonema à sua letra (correspondência um a um), ou às letras que lhe são correspondentes quando a relação não for biunívoca (como no caso dos dígrafos). Encontramos, portanto, questões de ordem qualitativa (quais os fonemas) e quantitativa (quantos são os fonemas e quantas letras requerem) que se apresentam para a criança como um dos aspectos de grande complexidade para a apreensão do sistema de escrita. Esta pode ser a razão para que as freqüentes omissões de letras ocupem o terceiro lugar em termos de ocorrência de alterações ortográficas. 7. A descoberta de que fala e escrita são diferentes, a identificação das variações entre falar e escrever e a estabilização da escrita A oralidade exerce forte influência quando as crianças formulam hipóteses a respeito de como as palavras devem ser escritas, gerando uma tendência muito grande no sentido de que os padrões de fala determinem o modo de escrita. Tudo ocorre como se o sistema de representação gráfica do português fosse fonético, e não alfabético. Isto quer dizer que a criança toma como referência, para determinar que letra deve usar, aqueles sons que ela é capaz de identificar em seu padrão de pronúncia da palavra procedendo então a uma correspondência um a um: som falado / letra que escreve. A transformação deste padrão de escrita, com forte influência fonética, para uma escrita determinada ortograficamente depende de a criança compreender a diferença entre falar e escrever e da criação de um repertório lexical visual, controlado por regras ortográficas e não fonéticas. Dominar a forma convencional de grafar as palavras, em oposição ao modo como são pronunciadas, corresponde a uma das aquisições mais complexas e,
  • 9. 9 9 portanto, das mais difíceis. Deve-se considerar que o decréscimo de erros deste tipo depende da compreensão de que fala e escrita são sistemas diferentes e também do desenvolvimento de referenciais visuais-ortográficos que passem a influenciar o padrão de escrita, formando um léxico escrito, de modo que a imagem visual da palavra impressa possa se sobrepor à imagem sonora da palavra falada. 8. A compreensão da possibilidade de representações múltiplas, a identificação das alternativas de escrita e a estabilização da forma convencional O aspecto da linguagem escrita que se revela como o de maior complexidade para a aprendizagem da ortografia, corresponde ao que foi denominado como representações múltiplas: • Um mesmo fonema é escrito sempre pela mesma letra, como é o caso dos fonemas /p/, /t/ e /m/ que são sistematicamente grafados com as letras “p” “t” e “m”, respectivamente, havendo uma correspondência estável entre letras e sons; • Um mesmo fonema pode ser escrito por diferentes letras, como acontece com o fonema /z/ que pode vir a ser grafado com as letras “s”, “x” e “z” e • Uma mesma letra pode vir a representar diferentes fonemas, como ocorre com a letra “x” que pode escrever os fonemas /s/, /S/ e /z/. Vemos que, ao lado de relações estáveis entre grafemas e fonemas, nos dois últimos casos o que se observa é a existência de uma correspondência não estável entre eles. O grau de complicação que tal fato impõe àqueles que estão aprendendo a escrever não é difícil de ser compreendido. É por esta razão que praticamente a metade de todos os erros observados na escrita de crianças diz respeito a saber identificar, com precisão, as situações nas quais pode haver a ocorrência de representações múltiplas, conhecer que letras podem ser usadas e estabilizar, ou memorizar, a opção correta. Não é de se estranhar, portanto, que praticamente todos os que escrevem produzam tal tipo de erro, inclusive adultos experientes. Fato
  • 10. 10 10 semelhante tem sido apontado no caso de outras línguas, como o inglês, por exemplo 19-20 . A diminuição gradativa de tais alterações dependerá do desenvolvimento de habilidades fundamentais relativas à essência da escrita de natureza alfabética, as quais permitam compreender a complexidade que está em jogo na questão das correspondências múltiplas. Dentre elas: • Identificar, em estruturas sonoras com significados distintos (palavras), segmentos sonoros que se assemelham a ponto de serem considerados o mesmo som ou fonema, embora estejam sendo realizados em diferentes palavras e em diferentes contextos fonéticos; • Compreender o que é letra e a diferenciação entre o nome que a letra possui e os sons que ela pode vir a representar; • A compreensão, fundamental, de que uma mesma letra pode escrever diferentes sons e, inversamente, que um mesmo som pode ser escrito por distintas letras; • Um conhecimento de regras contextuais, ou seja, que dizem respeito ao contexto de ocorrência de relações entre sons e letras de modo que determinadas letras podem influenciar no valor sonoro de outras, como acontece com a letra “s” que, quando está entre vogais, assume o som do fonema /z/ (“camisa”, “pousar”). De posse de conhecimentos deste tipo, a criança pode começar a detectar situações ou palavras passíveis de conflitos até chegar à estabilização da forma correta. Tal estabilização depende da formação de memórias e também do uso de estratégias gramaticais, como a habilidade de recorrer a uma palavra conhecida (por exemplo, cabeça) para decidir a escrita e uma palavra desconhecida ou pouco familiar (descabeçado, por exemplo) 21 . Classificação dos erros mais frequentemente encontrados
  • 11. 11 11 A fim de subsidiar a compreensão do processo normal de aquisição da escrita, assim como os chamados desvios que podem caracterizar os problemas de aprendizagem, serão brevemente descritas as alterações mais comumente encontradas, tomando-se como referência a classificação de Zorzi 4 . 1. Substituições de letras em razão da possibilidade de representações múltiplas: Algumas das correspondências entre letras e sons, no português, são estáveis, ou seja, a um determinado som corresponde somente uma letra. Entretanto, existem situações diversas nas quais um mesmo som pode ser escrito por várias letras e até mesmo o caso de uma só letra poder representar mais do que um som. Este jogo variável de relações acaba gerando uma grande gama de erros, como por exemplo: “Carrossa”; “traviceiro”; “queicho”; “girasou” e “macarão”. 2. Apoio na oralidade Tais alterações correspondem a uma tendência de se escrever as palavras do modo como elas são pronunciadas, como se fosse uma transcrição fonética. Por esta razão observam-se grafias como: “girassol” > “girasou” ; “soltou” > “soutou”, “enxugar” > inchugar” e “parque” > “parqui”. 3. Omissões As omissões referem-se à ausência de letras que deveriam estar compondo as palavras. Embora seja muito comum a ocorrência de omissões de letras isoladas (como “taqui” para “tanque”, na qual o “n” em final de sílaba foi omitido), pode-se também encontrar a omissão de sílabas ou até mesmo de partes mais significativas das palavras. A maior parte das omissões corresponde à ausência de “m” e “n” no final de
  • 12. 12 12 sílabas. Exemplos: Taqui; quete; saque; cobinar; ninque; mã; perdi (perdido); fizes (felizes); mamã (mamãe) 4. Junção – separação indevida de palavras Uma vez que a produção de fala tem como uma de suas características um fluxo sonoro continuado, sem quebra em cada uma das palavras, existe uma tendência inicial de a criança começar a escrever as palavras ligadas umas às outras. Desta forma surgem problemas quanto ao critério de segmentá-las em unidades distintas. Exemplos: “derepente” (de repente); “em bora” (embora); “maismagra” (mais magra); “quees tava” (que estava). 5. Confusão am x ão Corresponde à tendência de as crianças substituírem a terminação “am” por “ão”, uma vez que, do ponto de vista fonético, ambas as terminações são pronunciadas da mesma forma, sendo a diferença unicamente marcada pela tonicidade. Daí a razão desta troca, também influenciada pela oralidade. Exemplos: gostarão (gostaram); ficarão (ficaram); falarão (falaram). 6. Generalização Estas alterações refletem um processo no qual um conhecimento gerado em uma determinada situação é estendido a outras com as quais a criança vê alguma semelhança. Desta forma, haverá um erro por generalização quando a situação nova a que o conhecimento foi aplicado, apesar das semelhanças possíveis com aquela original, não é passível de tal aplicação. Por exemplo, ao descobrir que “papel” se escreve com “l” no final, apesar de se pronunciar “u”, a criança acredita que o mesmo se passe com “chapéu”, grafando-o como “chapel”.
  • 13. 13 13 7. Trocas envolvendo substituições entre letras que representam os fonemas surdos e sonoros Neste caso, algumas letras que representam certas consoantes sonoras (produzidas com vibração das pregas vocais) são substituídas por letras que correspondem a consoantes surdas (produzidas sem vibração das pregas vocais) e vice-versa. Exemplos: “machugado” (machucado); “ticholu” (tijolo); “chornal” (jornal); “viacharão” (viajarão); “jurasgo” (churrasco); “agordou” (acordou); “dende” (dente); “ninquem” (ninguém); “quera” (guerra); “vasia” (fazia). 8. Acréscimo de letras Os acréscimos correspondem ao aumento do número de letras que deveriam escrever uma palavra e podem ser decorrentes de fatores de regularização de sílabas e até mesmos de falta de atenção ou de correção por parte da criança que escreve. Exemplos: “Vece” (vez); “carata” (carta); “prerto” (preto). 9. Confusões entre letras parecidas Tal tipo de erro corresponde a confusões relativas ao traçado das letras, considerando-se suas características gráficas. São exemplos deste tipo de ocorrência as trocas entre “ch / cl”; “m / n” ; “l / h”; “nh / lh”; “q /g” observadas na escrita principalmente com letra cursiva, como por exemplo em: “telha > tenha”; “música > núsica” e “bicicleta > bicicheta”. 10. Inversões Exemplos: confusões entre b e d: cedola (cebola), tradalhar (trabalhar); inversões quanto à posição das letras: braco (barco); secova (escova) As inversões referem-se a confusões ou alterações que dizem respeito à posição das letras, quer em relação ao próprio eixo (espelhamento ou rotação: p/q; d/b), quer
  • 14. 14 14 em relação ao local que deveria ser ocupado dentro da palavra (mudanças de posição dentro da sílaba ou da palavra: “estava – setava”; “preto – perto”). Para a grande maioria das crianças, este tipo de erro tem baixa ocorrência desde as etapas iniciais da alfabetização 22 . Os desvios ortográficos A apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo no qual o aprendiz vai elaborando hipóteses ou idéias a respeito do que é a escrita, as quais revelam diferentes graus de conhecimentos que estão sendo por constituídos. Isto significa que não se aprende a escrever de imediato e que “erros” estão implícitos em tal processo 23 . Nas etapas mais iniciais do aprendizado a criança não chega a compreender com clareza as relações entre a oralidade e a escrita, o que caracteriza a chamada hipótese pré-silábica. Uma descoberta fundamental tem lugar quando ela passa a relacionar certas características sonoras da palavra falada com as possibilidades de representação gráfica. Este conhecimento, por seu lado, parece se tornar possível na medida em que, em termos de conhecimento fonológico, a criança atinja o nível da consciência da sílaba. A partir do momento em que a segmentação silábica é alcançada, parece ocorrer um direcionamento da atenção da criança para componentes menores das palavras, mais especificamente para os fonemas, marcando as chamadas fases silábico- alfabética e alfabética. Por outro lado, chegar ao nível alfabético não significa ter encerrado um ciclo de aprendizagem, mas sim ter alcançado uma nova etapa que se caracterizará pelo aparecimento de novos “erros”. Porém, os problemas agora parecem de outra ordem, implicando a compreensão e o domínio de um vasto conjunto de regras e convenções da escrita o que demandará o uso de novas habilidades e conhecimentos.
  • 15. 15 15 Pensando nas características lingüísticas que a criança deve dominar a partir da fase alfabética, pode-se verificar que a noção de maior complexidade diz respeito às correspondências múltiplas, ou seja, compreender as relações variáveis entre letras e sons. Em seguida vêm as dificuldades em termos de diferenciar critérios fonéticos e critérios ortográficos. Além do mais, outro aspecto, com alto grau de complexidade, encontra-se nas relações quantitativas entre letras e sons, principalmente na representação de sílabas cuja composição foge do padrão consoante – vogal. Inversamente, no outro extremo de uma escala de complexidade encontramos a discriminação do traçado das letras e a posição que elas devem ocupar no espaço gráfico como aspectos de mais fácil e rápida compreensão 4 . Como tem sido enfatizado, dificuldades e erros são ocorrências típicas e esperadas na aquisição da escrita. Sendo os erros parte integrante da aprendizagem, o que estaria então caracterizando o que pode ser chamado de distúrbio ou desvio ortográfico, comumente presentes nos transtornos de aprendizagem? Os dados indicam que a diferença fundamental não se encontra necessariamente nos tipos de erros uma vez que, em geral, observam-se nas crianças com dificuldades mais significativas, praticamente os mesmos erros encontrados nas demais consideradas como tendo um bom desenvolvimento. Eventualmente observam-se algumas alterações atípicas, que fogem daquele conjunto de erros comumente encontrado. Desta forma, temos elementos indicativos de que os desvios ou distúrbios da ortografia estão caracterizados não, necessariamente, pela ocorrência de tipos diferentes de erros, mas sim, predominantemente, pelo modo como se desenrola o próprio processo de aquisição da escrita. Tal processo manifesta-se, principalmente, por uma freqüência e duração maior de certos tipos de erros nas crianças apresentando problemas de aprendizagem. Isto significa, basicamente, déficits ou conhecimentos limitados que se refletem em dificuldades ou lentidão acentuada no sentido de gerar e generalizar hipóteses que, sucessivamente, permitam a apreensão cada vez mais
  • 16. 16 16 aprofundada da escrita. Assim sendo, a criança pode estabilizar hipóteses elementares e insuficientes a respeito da ortografia; ter dificuldades para generalizar novos conhecimentos; construir hipóteses atípicas ou demonstrar um ritmo de aprendizagem muito lento, mesmo quando exposta a um ambiente favorável para a aprendizagem. Em síntese, podemos listar algumas das habilidades ou conhecimentos fundamentais para o aprendizado da escrita, cujo déficit, ou desconhecimento, podem gerar os padrões atípicos considerados como desvios ortográficos ou disortografias: • Construção da hipótese alfabética, a qual implica um certo grau de consciência fonológica e de habilidades para corresponder fonemas e grafemas; • Domínio da posição da letra no espaço gráfico; • Diferenciação do traçado das letras: domínio viso-espacial; • Compreender o papel da entonação: a noção de tonicidade e sílaba tônica; • Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de blocos sonoros em unidades vocabulares (palavras); • Desenvolvimento de procedimentos precisos de segmentação de palavras em unidades fonêmicas e o conhecimento das possibilidades de construção de sílabas; • A descoberta de que fala e escrita são diferentes, a identificação das variações entre falar e escrever e a estabilização da escrita convencional; • A compreensão da possibilidade de representações múltiplas, a identificação das alternativas de escrita e a estabilização da forma convencional; A fim de realizarmos uma análise um pouco mais aprofundada dos desvios ortográficos, serão utilizados alguns dados brutos de um levantamento, ainda informal, da produção escrita de uma população de 44 sujeitos. Tal grupo tem uma idade variando entre 7 e 16 anos e foi encaminhado para avaliação fonoaudiológica com queixa escolar de transtorno de aprendizagem. A maior parte do grupo está
  • 17. 17 17 concentrada na faixa dos 7 aos 11 anos (77,2%) e cursando da primeira à quinta séries do ensino fundamental de escolas da rede pública e privada. A partir de escrita sob ditado e da produção de textos, foi possível realizar um levantamento dos erros ortográficos apresentados pelo grupo. Os dados abaixo ilustram os tipos e a freqüência das alterações encontradas, as quais foram um dos principais motivos do encaminhamento por parte das escolas. Tabela I: Tipos de erros apresentados pelo grupo com queixa de transtorno de aprendizagem, freqüência de ocorrência e porcentagem relativa de cada tipo de alteração comparada com a porcentagem de erros comumente encontrados em crianças de 1ª a 4ª séries 4 . Tipos de alterações Nº de erros observados no grupo com queixa % de ocorrência de erros no grupo com queixa % de ocorrência de erros de 1ª a 4ª séries 1. representações múltiplas 840 35,7 47,5 2. oralidade 368 15,6 16,8 3. omissões 337 14,3 9,6 4. junção/ separação 113 4,8 7,8
  • 18. 18 18 5. confusão am x ão 95 4,0 5,2 6. generalização 73 3,1 4,6 7. surdas/sonoras 226 9,6 3,8 8. acréscimo 54 2,2 1,4 9. letras parecidas 41 1,7 1,3 10. inversões 20 0,8 0,6 11. outras alterações 168 7,1 1,2 Total de erros encontrados 2352 Apesar das limitações, uma vez que não foi realizada uma análise estatística apropriada, assim como por estarem sendo comparados dois grupos com distintos níveis de idade e escolaridade, os dados acima expostos são indicativos de possíveis diferenças entre eles. Tais diferenças compõem um perfil ortográfico que pode revelar distinções entre a aquisição considerada normal e a presença de problemas de aprendizagem. A Tabela I, por exemplo, indica que os erros categorizados como representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras, trocas surdas/sonoras e outras alterações são, nesta ordem, os que mais ocorrem na escrita dos sujeitos encaminhados. Neste caso, o que diferencia ambos os grupos é, a princípio, a mais alta incidência dos erros denominados “trocas surdas/sonoras” e “outras alterações”. Este último tipo engloba erros considerados atípicos ou de caráter idiossincrático, observados mais em níveis individuais do que como uma dificuldade coletiva. É o caso, por exemplo, de escritas do tipo “soltou > sondou”; “falou > salou”; “podia > todia”; “compraram > comprarar”; “sangue > sengue”; “então > estão”; “fugiu > fuziu” e “chateado > sateado”.
  • 19. 19 19 Tabela II – Número médio de erros ortográficos por sujeitos do grupo encaminhado em comparação com o número médio de erros por aluno nas 4 séries iniciais 4 Tipos de alterações Nº médio de erros Grupo com queixa Nº médio de erros por aluno nas 4 primeiras séries 1. representações múltiplas 35,7 19.7 2. apoio na oralidade 15,6 6.9 3. omissões 14,3 3.9 4. junção / separação 4,8 3.2 5. confusão am x ão 4,0 2.1 6. generalização 3,1 1.9 7. surdas / sonoras 9,6 1.6 8. acréscimo de letras 2,2 0.6 9. letras parecidas 1,7 0.5 10. inversões 0,8 0.3 11. outras 3,8 0.5 Nº médio de erros no total, por sujeito 53,45 41,23 A Tabela II, por outro lado, revela, de uma forma geral, uma tendência a uma média mais elevada no número de erros por sujeito do grupo encaminhado com queixa de problemas de aprendizagem. Vale observar que tal média apresenta-se particularmente acentuada nos erros envolvendo representações múltiplas, apoio na oralidade, omissões de letras, trocas surdas/sonoras e outras alterações.
  • 20. 20 20 Que dificuldades os erros de escrita podem revelar De modo geral, confirma-se a idéia de que os erros apresentados por crianças com problemas de aprendizagem são praticamente os mesmos encontrados em seus pares sem dificuldades, embora com diferenças na freqüência, incluindo os erros atípicos configurados como “outras alterações”. Estes dados também indicam que determinados pontos ou aspectos da linguagem escrita, por seu grau de complexidade e pelas habilidades que demandam, apresentam-se como mais desafiantes e menos acessíveis para aqueles cuja aprendizagem pode ter alguma limitação. Considerando-se os tipos de erros que tendem a se destacar como os mais presentes na escrita destas crianças com possíveis transtornos de aprendizagem (representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras e trocas surdas/sonoras), torna-se viável supor prováveis aspectos da aprendizagem cujos déficits ou falhas podem estar na origem dos problemas ortográficos apresentados por elas. Tomando como referência para análise a natureza do sistema alfabético de escrita e suas características envolvendo as relações entre sons e letras, alguns dos conhecimentos que se apresentam como menos evoluídos neste grupo dizem respeito aos seguintes domínios: 1. O que é som. 2. O que é letra. 3. Que as letras escrevem sons. 4. Que os sons podem ser transformados em letras. 5. Diferenciar o som que a letra representa do nome da letra (Exemplo: “efe” é o nome da letra “f”, enquanto que o som que ela representa é /f/. Ou seja, “efe” é o nome desta letra e não o som que ela escreve).
  • 21. 21 21 6. Que existem possibilidades variadas de relações entre letras e sons (as quais definem as alterações consideradas como representações múltiplas): a. Um mesmo som pode ser sempre escrito pela mesma letra; b. Um mesmo som pode ser escrito por diferentes letras; c. Uma mesma letra pode escrever mais do que um som. 7. Diferenciar vogais e consoantes. 8. Compreender o papel das “regras contextuais”, como a influência das vogais sobre determinadas consoantes: “s”, entre vogais, fica com o som /z/; “g” quando acompanhada de “e” ou de “i”, escreve o som / /, enquanto que, com as demais vogais, representa o som /g/; a letra “z”, no final de palavras, fica com o som /s/, e assim por diante. 9. Detectar as situações de risco ou conflito produzidas pela própria língua, e desenvolver estratégias de superação de tais conflitos (por exemplo, buscando informações sobre como escrever corretamente as palavras que geram dúvidas). 10.Compreender que falar e escrever correspondem a processos distintos, havendo variações, apesar das relações entre tais modalidades de linguagem, o que levará à distinção entre escrita fonética e escrita ortográfica. 11.Segmentar as palavras de modo a detectar todos os sons que as compõem. 12.Saber corresponder letras e sons, ou seja, conhecer o valor sonoro das letras e as possíveis relações entre ambos. 13.Compreender as várias possibilidades de construção de sílabas não se limitando à escrita de palavras selecionadas somente com o padrão CV (consoante/vogal). A criança deve ser capaz de segmentar palavras em sílabas e saber quantificar a composição sonora das mesmas, a fim de ser levada a dominar o modo de se escrever sílabas de estruturas mais complexas, como é o caso daquelas contendo CCV (consoante/consoante/vogal, como em “pra”; CVC
  • 22. 22 22 (consoante /vogal/ consoante, como em “par”; CCVC (consoante /consoante/ vogal / consoante, como em “tres”); CCVCC (consoante /consoante / vogal / consoante / consoante, como em “trans”) e assim por diante. 14.Detectar e diferenciar, principalmente na própria fala, as diferenças sutis entre os fonemas surdos e sonoros através de um processo de segmentação fonêmica e relacionar cada um desses fonemas com os grafemas correspondentes 24-29 . 15.Identificar semelhanças sonoras entre as palavras considerando-se o nível de morfemas. Isto permite desenvolver uma sensibilidade para detectar palavras que partilham das mesmas propriedades sonoras, o que pode garantir processos eficientes de generalização e aplicação de regras ortográficas. Por exemplo, palavras pronunciadas com /era/ e que são escritas com “eira”, como “cadera > cadeira”, “bandera > bandeira” e “geladera > geladeira”. 16.Desenvolver atitude de controle consciente do ato da escrita, de modo a detectar as situações passíveis de erro enquanto escreve. 17.Estabilizar a forma de escrever as palavras que fazem parte de seu léxico funcional. Os conhecimentos acima listados dizem respeito a um conjunto de habilidades necessárias para a escrita adequada de palavras e que se configuram como básicos para o domínio da ortografia, principalmente em relação aos erros que mais frequentemente têm sido encontrados em crianças com problemas de aprendizagem. Por esta razão, procedimentos de avaliação, assim como programas de intervenção devem estar atentos para poder medi-los e também para criar situações que possam incrementar seu desenvolvimento.
  • 23. 23 23 Considerações finais Quando analisamos a aprendizagem da escrita, quer seja ela normal ou desviante, devemos considerar aspectos ligados ao sujeito que aprende, às condições sociais/pedagógicas de ensino e também às características do objeto a ser conhecido, no caso a própria escrita uma vez que erros e dificuldades fazem parte de todo e qualquer processo de aprendizagem. Com os avanços no processo de alfabetização observa-se uma construção progressiva de conhecimentos que geram um domínio cada vez mais aprofundado da linguagem escrita em todos os seus aspectos, incluindo a questão da ortografia. Este processo implica variações em termos de aprendizagem, as quais dependem não somente das características do aprendiz, mas também da qualidade do ensino que lhe é proposto, assim como do meio social em que vive. Desta forma, fica muito difícil estabelecer parâmetros rígidos de como se deve dar tal aprendizagem, uma vez que ela depende de múltiplos fatores. Neste contexto, os distúrbios ou desvios podem ser caracterizados como processos nos quais dificuldades se acentuam de modo a lentificar significativamente a aprendizagem, criar rigidez no modo de operar ou levar a hipóteses ou formas de escrever que fogem daquelas comumente encontradas. Abordar questões relativas à complexidade de conhecimentos necessários para o domínio da escrita, assim como analisar as principais alterações ortográficas na produção gráfica de pessoas com transtornos de aprendizagem, como apontado neste capítulo, podem fornecer elementos que permitam uma melhor compreensão do processo de aquisição da linguagem escrita e de seus desvios. ABSTRACT:
  • 24. 24 24 Orthography is within a large series of knowledge that the child learning to read and to write should dominate in an outstanding and visible form. Considered one of the learning indicators for the written language, understanding the orthographic system imposes a considerable group of challenges, ending up by generating a series of errors. Within the knowledge required for conventional learning of writing there are the construction of the alphabetical hypothesis, spatial domination of writing, differentiation of letters outline, role of tonicity, sound structure segmentation procedures, differentiation between speaking and writing and understanding the different relations among graphemes and phonemes. The errors observed in children’s writing, that may be classified in different categories, reveal the dominion or not of such knowledge. At the same time when such knowledge is part of learning, it may also be an indicator for possible problems in this learning process. Studies systematically point out to the presence of orthographic errors in the cases related to written language disturbances. This text aims at trying to characterize the occurrence of orthographic alterations in children with writing problems, when compared with learning considered normal. Through a preliminary analysis of the writings in a group of 44 subjects, from 7 to 16-year old, with some type of writing disturbance, the most-occurring errors were verified to relate to, in order of frequency, the confusions due to the possibility of multiple representations, support in orality, omission of letters, swaps involving the presence or absence of sonority, and also a larger presentation of atypical mistakes, rarely observed in other children. In this way, a larger number of errors was noted firstly in writing of children with learning disturbances, if compared with the occurrence of errors in the writing of those children without such a problem. Additionally, the swaps involving the trace of sonority, as well as the atypical errors, because of having a more accented presence in the cases of disturbances, can be considered as problem indicators in learning.
  • 25. 25 25 KEY-WORDS: Orthography, written language, dyslexia, learning disturbances, disorthography. Referências Bibliográficas 1. Abaurre MBM. Lingüística e Psicopedagogia. In Scoz, FJL., Rubinstein E, Rossa EMM, Barone LC (org.). Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1987,186-216. 2. Cagliari LC. A ortografia na escola e na vida. São Paulo – Secretaria da Educação: Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Isto se aprende com o ciclo básico. São Paulo; SE/CENP; 1990,102-113. 3. Carraher T. Explorações sobre o desenvolvimento da ortografia em português. Secretaria da Educação: Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Isto se aprende com o ciclo básico. São Paulo: SE/CENP; 1990,114-122. 4. Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto Alegre: ArtMed; 1998. 5. Zorzi JL. Aprendizagem e Distúrbios da linguagem escrita. Porto Alegre: ArtMed; 2003. 6. Guimarães GE, RoazziI A. A importância do significado na aquisição da escrita ortográfica. In Morais AG. (Org.). O aprendizado da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica; 2000, 61-76. 7. Morais AG. Ortografia: este espetacular objeto de conhecimento. In: Morais AG. (Org.). O aprendizado da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica; 2000, 7-19. 8. Rego LLB, Buarque LL. Algumas fontes de dificuldade na aprendizagem de regras ortográficas. In: Morais AG. (Org.). O aprendizado da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2000; 21-41. 9. Bacha SMC, Maia MBA. Ocorrência de erros ortográficos: análise e compreensão. Pró-Fono – Revista de Atualização Científica, 2001; 13 (2):21-226.
  • 26. 26 26 10. Caravolas M, Volín J. Phonological spelling errors among dyslexic children learning a transparent orthography: the case of Czech. Dyslexia, 2001; 7(4): 229-45, 11. Osmon DC, Braun MM, Plambeck EA. Processing abilities associated with phonologic and orthographic skills in adult learning disability. J Clin Exp Neuropsychol, 2005; 27(5): 44-54. 12. Papagno C, Girelli L. Writing through the phonological buffer: a case of progressive writing disorder. Neuropsychologia, 2005; 43(9):1277-87. 13. Juul H, Sigurdsson B. Orthography as a handicap? A direct comparison of spelling acquisition in Danish and Icelandic. Scand J Psychol, 2005; 46(3): 263-72. 14. Connelly V, Campbell S, MacLean M, Barnes J. Contribution of lower order skills to the written composition of college students with and without dyslexia. . Dev Neuropsychol, 2006; 29 (1):175-96. 15. Silliman ER, Bahr RH, Peters ML. Spelling patterns in preadolescents with atypical language skills: phonological, morphological, and orthographic factors. Dev Neuropsychol, 2006; 29 (1): 93-123. 16. Ciasca SM, Moura-Ribeiro MVL. Avaliação e manejo neuropsicológico da dislexia. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Transtornos da Aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006; 181-194. 17. Houaiss A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. Editora Objetiva. 2001. 18. Goswami U. Phonological representations, reading development and dyslexia: towards a cross-linguistic theoretical framework. Dyslexia, 2000; 6 (2): 133-15. 19. Spencer K. Is English a dyslexic language? Dyslexia, 2000; 6 (I2): 152-162. 20. Spencer K. Differential effects of orthographic transparency on dyslexia: word reading difficulty for common English words. Dyslexia, 2001; 7 (4): 217-228. 21. Meireles ES, Correa J. Regras contextuais e morfossintáticas na aquisição da ortografia da língua portuguesa. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2005: 21 (1): 77-84.
  • 27. 27 27 22. Zorzi JL. A inversão de letras na escrita: o fantasma do espelhamento. Pró-Fono: Revista de Atualização Científica, 2001; 13 (2): 212-218. 23. Ferreiro E, Teberosky A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas; 1986. 24. Catts HW. Phonological Awareness: Putting Research Into Practice. Language, Learning and Education, 1999; 6 (1): 17-19. 25. Olofsson A. Naming speed, phonological awareness and the initial stage of learning to read. Logopedics – Phoniatrics – Vocology, 2000: 25 (1): 35-40. 26. Cielo CA. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idade [Dissertação/Tese] Porto Alegre: PUC-RS, 2001. 27. Ruschel SHP. O processo de resolução de tarefas de consciência fonológica por crianças de 1ª série [Dissertação/Tese] S. Paulo: PUCSP, 2001. 28. Griffiths S, Frith U. Evidence for an articulatory awareness deficit in adult dyslexics. Dyslexia, 8, 1, 2002, 14-2. 29. Valente HMR. Análise da onda da fala com crianças com alterações na escrita quanto ao traço de sonoridade [Dissertação/Tese] São Paulo: PUC-SP,1997.