1. A Rede pela Humanização do Parto e Nascimento criticou um despacho do Ministério da Saúde que se posicionou contra o uso do termo "violência obstétrica".
2. A ReHuNa argumenta que o termo é amplamente utilizado e reconhecido internacionalmente, e que o foco deveria ser em melhorar os serviços de saúde, não abolir o termo.
3. A nota técnica defende que a violência obstétrica existe e que o Ministério da Saúde deveria trabalhar para modificar essa situação, em
Violência Obstétrica: Nota técnica da ReHuNa - Rede de Humanização do Parto e Nascimento
1. Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – ReHuNa
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NOTA TÉCNICA REHUNA Nº 1/ 2019
ASSUNTO: Ministério da Saúde e a expressão “Violência Obstétrica”
Breve Histórico
Em 03 de maio de 2019 foi elaborado pelo Ministério da Saúde um despacho no processo SEI nº
25000.063808/2019-47, em que esse Ministério da Saúde se posiciona oficialmente sobre o termo
“violência obstétrica”, qualificando-o como “conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca
do cuidado no continuum gestação-parto-puerpério” (palavras textuais do item 4 – grifo nosso).
Uma matéria no site do UOL, publicada em 06 de maio (disponível em
https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2019/05/06/governo-extingue-termo-violencia-obstetrica-
entidades-criticam.htm) conseguiu informação sobre a origem do despacho no próprio Ministério da Saúde
e informou que este atendeu ao apelo das entidades médicas.
Após deliberação pelo Colegiado, a Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – ReHuNa elaborou um
ofício encaminhado ao Dr. Luiz Henrique Mandetta, ministro da pasta da Saúde, apresentando em dez itens
considerações a respeito desse documento, que foi protocolado em 07 de maio. Resumidamente, o ofício
menciona que o termo “Violência Obstétrica” é amplamente utilizado, podendo ser encontrado: a) nas
buscas por artigos científicos nas bases Medline, PubMed, Lilacs, Scielo e outras (tanto como Obstetric
violence, como Disrespect and abuse in childbirth); b) emanados de organizações internacionais, como
USAID (2010), White Ribbon Alliance (vários, sendo o primeiro de 2011), Organização Mundial de Saúde
(2014); c) Ministério Público Federal, que inclusive já organizou eventos em vários estados com esse título;
d) Defensorias Públicas; e) eventos organizados pela Organização dos Advogados do Brasil; f) eventos da
Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal, escolas de
saúde; g) menciona evento no Conselho Federal de Medicina – Fórum de Assistência Obstétrica (veja mais
abaixo); i) leis dos estados de Santa Catarina, Distrito Federal, Pernambuco e Minas Gerais; j) finaliza
recordando que as principais interessadas, que podem qualificar a assistência que recebem como violenta
(ou não) são as mulheres, que têm se mobilizado para dar visibilidade a essa violência, oculta nos serviços
de saúde. Exemplifica com as fotos de Carla Raiter e com os filmes ‘Violência Obstétrica – a voz das
brasileiras’ e ‘O renascimento do parto 2’. O ofício finaliza com o reconhecimento de que essa violência
existe e esse fato é indiscutível; ademais, coloca a ReHuNa à disposição para trabalhar em conjunto com o
Ministério da Saúde para modificar essa situação, solicitando, para tanto, reunião com o senhor Ministro da
Saúde. A ReHuNa aguarda agora a resposta.
Saliente-se que tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça reconhecem a
existência da violência obstétrica como uma violência contra a mulher, sendo indexados em seus
repertórios artigos e referências sobre o tema destinados apenas aos ministros e operadores desses
Tribunais.
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O parecer ministerial teve ampla divulgação nas redes sociais e alcançou as mídias, tendo chegado à
ReHuNa, inclusive, questionamento do âmbito internacional.
Com vistas a divulgar seu posicionamento, foi elaborada esta Nota Técnica, acordada pelo Colegiado.
Posição da ReHuNa
1. Um despacho num processo no sistema eletrônico de informações não é uma norma, uma portaria,
uma resolução e nem mesmo uma recomendação. Em verdade, é um documento inócuo, pois não
tem poder de coibir o uso da expressão “Violência Obstétrica” nem mesmo no âmbito interno do
Ministério da Saúde. No entanto, a divulgação desse despacho foi importante, pois permitiu
algumas constatações que elencamos a seguir. Por outro lado, por ser emanada do Ministério da
Saúde, tem um valor simbólico que pode ter efeito inibidor sobre os profissionais que utilizam o
termo; ademais demonstra um posicionamento com relação à produção de material de orientação
e divulgação sobre essa temática.
2. A ReHuNa participou como convidada a palestrar em três audiências públicas no Senado Federal
(07/05/2015; 02/12/2015; e 20/06/2018), em que também esteve presente e se pronunciou a
representação oficial do Ministério da Saúde. Em todas as oportunidades, a representação do
Ministério se posicionou de forma apropriada, citando documentos internacionais e apresentando
as ações ministeriais no sentido da qualificação da assistência no país. Em nenhum momento foi
colocada em questão a utilização da expressão “Violência Obstétrica”. O despacho de 03 de maio
evidenciou uma guinada radical do posicionamento ministerial com referência ao uso esse termo.
3. Importantes iniciativas ministeriais, como a elaboração das ‘Diretrizes de Atenção à Gestante: a
Operação Cesariana’ e as ‘Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal’, contaram com um
grupo de técnicos especialistas que as elaboraram. Além destes, foram periodicamente discutidas
com um amplo leque de representações de organismos internacionais (Organização Panamericana
de Saúde), sociedades cientificas (Associação Brasileira de Enfermagem - ABEn; Associação Médica
Brasileira – AMB; Centro Cochrane do Brasil; Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia – FEBRASGO; Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP), de corporações profissionais
(Conselho Federal de Enfermagem – Cofen; Conselho Federal de Medicina – CFM); de provedores
(Federação Brasileira de Hospitais – FBH; Federação Nacional de Saúde Suplementar – FENASAÚDE;
GEAP - Fundação de Seguridade Social; Hospital Israelita Albert Einstein; Sociedade Cooperativa de
Trabalho Médico - UNIMED), representações sociais e de mulheres (Artemis; Conselho Nacional de
Saúde – CNS; Parto do Princípio; Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento – ReHuNa),
vários setores envolvidos do próprio Ministério da Saúde (Saúde da Mulher, Saúde da Criança e
Aleitamento Materno, Saúde do Homem, Saúde do Adolescente, Departamento de Ciência e
Tecnologia, Departamento de Gestão da Incorporação de Tecnologias em Saúde Comissão Nacional
de Incorporação de Tecnologias no SUS) e autarquias (Agência Nacional de Saúde Suplementar-
ANS e Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa) e outros considerados de relevância para a
elaboração da proposta, como a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – Ensp/Fiocruz e o
Instituto Fernandes Figueiras – IFF/Fiocruz. A forma como foi elaborado esse despacho sobre
3. Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – ReHuNa
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violência obstétrica em 03/05/2019 evidencia que se elegeu como interlocutora privilegiada do
Ministério da Saúde a corporação médica, desconsiderando todo um histórico de construção
democrática e participativa das políticas públicas e atentando contra o princípio da impessoalidade
ou imparcialidade, que deve orientar a gestão pública.
4. São as mulheres que têm sido vítimas preferenciais da violência que grassa em nossa sociedade e o
crescente número de feminicídios é uma triste constatação dessa afirmação. À medida em que
cresceu a organização e se estruturaram reivindicações e pautas, a sociedade se beneficiou das
conquistas, como a lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a lei que tipifica os feminicídios (Lei
nº 13.104/2015). Estudos mostram que essa violência está generalizada na sociedade e atinge
todos os extratos sociais, assim como pode ser encontrada em muitas instâncias de relacionamento
humano, a exemplo de serviços que atendem preferencialmente mulheres, como os de atenção à
maternidade. Esses mesmos estudos tendem a demonstrar que as mulheres negras, pardas e
indígenas padecem dessa forma de violência em maior proporção. Salientamos também a situação
de específica vulnerabilidade das mulheres LGBTQI+. Ao tomar conhecimento dessa possibilidade
de violência na atenção obstétrica, que é generalizada de norte a sul nos serviços, uma vez que faz
parte da cultura institucional, as mulheres se apropriaram também dessa reivindicação e muitas
iniciativas surgiram, a exemplo de leis estaduais (lei nº 17.097/2017 do estado de Santa Catarina,
da lei nº 6.144/2018 do Distrito Federal, lei nº 16.499/2018 de Pernambuco e a lei nº 23.175/2018
de Minas Gerais), denúncias no Ministério Público Federal e nas Defensorias Públicas, realização de
eventos por todo o país e outras. A ampla reação a esse despacho ministerial é mais uma prova da
força do movimento de mulheres quando percebem que suas conquistas estão ameaçadas. A
utilização do termo ‘Violência Obstétrica’ é uma dessas conquistas, por seu poder de tirar da zona
de conforto e provocar inquietação tanto em profissionais, como em instituições.
5. A solicitação respondida por esse despacho evidencia que setores da corporação médica estão
investindo em disputa de narrativas, a exemplo do parecer do Conselho Federal de Medicina nº
32/2018 (disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2018/32), em
cuja ementa consta: “A expressão “violência obstétrica” é uma agressão contra a medicina e
especialidade de ginecologia e obstetrícia, contrariando conhecimentos científicos consagrados,
reduzindo a segurança e a eficiência de uma boa prática assistencial e ética.” Esse parecer, embora
discuta aspectos históricos e da prática da assistência, em suas recomendações se restringe à
abordagem semântica, não abordando aspectos que seriam esperados de um conselho que deveria
primar pela preocupação com a boa prática profissional, quais sejam: recomendar que seja feito
um diagnóstico da situação dessa violência em serviços de assistência à maternidade e elaborar
recomendações aos profissionais sobre como atuar de forma que sua prática não se enquadre no
que é considerado prática violenta. Ademais, já houve eventos da especialidade que tiveram
atividade denominada “Violência contra o obstetra”. O despacho ministerial no processo SEI nº
25000.063808/2019-47 também se limita à abordagem semântica, não fazendo qualquer
consideração sobre as práticas profissionais e as ações ministeriais para a melhoria da qualidade na
assistência, evidenciando que está apenas atendendo à demanda formulada. Nesse episódio o
Ministério da Saúde se prestou ao papel de aliado dessa parte da corporação médica que busca
uma outra narrativa. Felizmente, essa abordagem de disputa de narrativa não é hegemônica na
corporação. Em 24 de abril de 2018, o CFM em parceria com a Febrasgo realizaram o Fórum
Assistência Obstétrica no Brasil. Palavras textuais do conselheiro que palestrou sobre “Violência na
Assistência ao Parto”: ”Temos que tomar consciência que esse mantra “VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA”
4. Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – ReHuNa
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está consagrado pelo uso e não irão mudá-lo ou parar de usá-lo somente porque somos contra.”
Uma de suas propostas a esse respeito foi: “Ampliar o entendimento do que, realmente, significa
violência praticada no ciclo gravídico puerperal e quem são os responsáveis, inclusive os médicos
quando assim acontecer.” Tanto a programação do evento como os filmes das várias palestras
podem ser encontrados neste link do sítio do CFM:
http://www.eventos.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21122&Itemid=
628
Corolário
É inegável a existência de violência na atenção obstétrica e que o uso da expressão já foi incorporado pela
sociedade civil e pelas instituições, conforme demonstrado no histórico acima. Se a expressão reflete a
realidade dos serviços de assistência, que se mudem os serviços de assistência, e não que se busque abolir
a expressão. A ReHuNa conclama todas as pessoas que se sensibilizam com o tema, sejam ou não
profissionais de saúde, para que se unam a nós na busca de um cuidado que respeite as mulheres, seu
protagonismo no parto, sua cultura e as evidências científicas, independentemente de raça/cor/etnia,
religião, ou orientação sexual, e que propiciem experiências positivas de gestação e parto, como é
preconizado pela Organização Mundial de Saúde
(https://www.who.int/reproductivehealth/publications/intrapartum-care-guidelines/en/) ou, como disse
importante ativista da ReHuNa: que a vivência de maternidade seja voluntária, segura, prazerosa e
socialmente amparada.
Em 08 de maio de 2019.