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Benedito Medrado e Jorge Lyra
PRODUZINDO MEMÓRIAS
PARA ALIMENTAR UTOPIAS:
Narrativas sobre uma organização
feminista brasileira que, desde 1997,
ousa trabalhar com homens
e sobre masculinidades.
Recife | Janeiro de 2015
Recomendamos a reprodução, total ou parcial,
desta obra, desde que não haja fins de lucro e que
seja citada a fonte. Licença:
http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.pt
Edição virtual, disponível a partir
de janeiro de 2015 em:
www.genero.org.br
P962 Produzindo memórias para alimentar
utopias: Narrativas sobre uma organização
feminista brasileira que, desde 1997, ousa
trabalhar com homens e sobre masculinidades /
Benedito Medrado; Jorge Lyra – 1.ed. – Recife:
Instituto PAPAI, 2014.
196 p.
Inclui referências
1. Feminismo. 2. Homens. 3. Masculinidades. 4.
Movimentos sociais. 5. Pesquisa. 6. Sexualidade.
7. Direitos reprodutivos I. MEDRADO, Benedito.
II. LYRA, Jorge.
305 CDU (http://www.udcc.org)
SUMÁRIO
Prefácio........................................... 7
Introdução: quando recordar é “voltar a
passar pelo coração”........................ 13
1. Uma história e uma leitura mais
ampla.............................................. 21
2. Os primeiros passos .................... 31
3. Sobre paternidade na adolescência
....................................................... 41
4. Juventude a partir de leituras críticas
sobre gênero e geração .................... 57
5. Uma organização feminista.......... 65
6. Direitos humanos: uma entrada no
“caminho das drogas”...................... 75
7. Programa H: produtos potentes,
articulação em rede e grandes encontros
....................................................... 83
8. Eventos e articulações importantes
para consolidação de um campo de
estudos e intervenções políticas....... 89
9. Violência de gênero: uma questão para
os homens. ..................................... 101
10. Pesquisa e militância no campo da
saúde pública e hiv/aids................. 113
11. Direitos sexuais como direitos
humanos......................................... 119
12. Entre a missão e a gestão.......... 127
12. À guisa de não concluir ............. 137
Posfácio .......................................... 151
Referências ..................................... 159
Memórias em imagens..................... 171
7
PREFÁCIO
Este espaço havia sido reservado para
uma pessoa muito especial, em nossa
formação como pessoas, como cidadãos e
como profissionais. Também importante
nos primeiros e fundamentais passos
para a construção de algumas das
narrativas apresentadas neste texto: a
educadora, pesquisadora e militante da
causa feminista Fúlvia Rosemberg.
Diante da imponderabilidade da vida,
resolvemos transcrever abaixo partes de
um texto que publicamos recentemente a
convite da Revista Estudos Feministas,
na sessão “In memoriam”.
Foi Fúlvia quem nos apresentou a
Fundação Carlos Chagas, onde
encontramos os textos que nos ajudaram
8
a definir, na época, nossos objetos de
pesquisa na Pós-graduação.1
Também foi Fúlvia quem nos apresentou
a organização Não Governamental ECOS
– Comunicação em Sexualidade, na
época coordenada por uma de suas ex-
orientandas (Silvia Cavasin). Na ECOS,
conhecemos pesquisadores/as que
tinham o prazer do encontro e o desejo de
produzir uma ciência comprometida com
a transformação social, entre eles/as
alguns/mas que têm por Fúlvia muito
carinho e gratidão, tais como: Margareth
Arilha, Leandro Andrade, Elizabete
Franco Cruz (que foram seus
orientandos) e Sandra Unbehaum.
Foi Fúlvia também quem nos incentivou
a fundar o Instituto PAPAI e o
Gema/UFPE e a seguir no
desenvolvimento de pesquisa e outras
intervenções políticas sobre homens e
masculinidades, a partir da perspectiva
feminista de gênero.
1 Jorge foi seu orientando; Benedito, seu
aluno.
9
Na verdade, foi ela quem idealizou o
PAPAI, incentivando-nos a apresentar
nosso primeiro projeto ao edital da
MacArthur, quando finalizávamos nossas
dissertações (em 1997). Apresentamos
um esboço muito capenga e ela, depois
de um café e um cigarro, voltou com
“gosto de gás” (como se diz por essas
bandas) e embarcou conosco na viagem.
Ela elaborou conosco o projeto e
desenhou as principais linhas de ação,
que envolviam, já em seu primeiro
esboço, a tríade ensino, pesquisa e
extensão. Essa tríade tinha como
inspiração os Núcleos Universitários de
Estudos sobre a Mulher da década de
1980. Fúlvia nos indicou pessoas de
contato. Nos ajudou a escolher o nome
da instituição (segundo ela o ideal seria
uma sigla que fosse também um
substantivo) e a pensar a ideia do boneco
gigante de Olinda como dispositivo
cultural que poderia promover a
visibilidade de cenas de cuidado
promovidas por homens. Até a viagem
feita de São Paulo a Recife para articular
parcerias foi paga com suas milhas.
10
Foi ela quem nos ajudou a definir o
“cuidado” como princípio ético norteador
das ações com/sobre homens a partir da
perspectiva feminista de gênero, dando
visibilidade à ideia de que, em nossa
cultura, o cuidado é tanto desvalorizado
como radicalmente atribuído às
mulheres, menos como direito e mais
como obrigação, ao passo que os homens
são alijados e muitas vezes se alienam da
possibilidade dessa experiência.
Quem teve o prazer de ler as produções
de Fúlvia e conviver com ela, há de
concordar conosco que Fúlvia era, na
mesma medida, exigente e cuidadosa.
Apaixonada e apaixonante. Gostava de
quem tinha paixão pela vida, como ela.
Para quem quiser acessar uma lista das
produções acadêmicas de Fúlvia
Rosemberg, recomendamos uma visita ao
seu currículo (disponível jna Plataforma
Lattes) Fúlvia Maria de Barros Mott
Rosemberg, atualizado pela última vez,
em 14/08/2014, menos de um mês antes
do seu falecimento (12/09/2014).
11
Neste currículo, ela se apresenta da
seguinte forma: “Possui graduação em
Psicologia pela Universidade de São
Paulo (1965) e doutorado em
Psychobiologie de l'Enfant - Ecole
Pratique des Hautes Etudes /Université
de Paris (1969). Atualmente é
pesquisadora consultora da Fundação
Carlos Chagas, professora titular da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, onde coordena o Negri (Núcleo de
Estudos de gênero, raça e idade). Tem
experiência na área de Psicologia, com
ênfase em Psicologia Social e Estudos
Sociais da Infância, atuando,
principalmente, nos seguintes temas:
relações raciais, relações de gênero,
relações de idade, ação afirmativa,
educação e educação infantil”.
Compilamos alguns textos e vídeos em
que Fúlvia defende argumentos e
apresenta reflexões éticas, políticas e
conceituais sobre feminismo, sobre
defesa dos direitos das crianças e sobre
igualdade racial. Esse material está
disponível no site www.genero.org.br
12
Como Fúlvia não era, de forma algum,
uma pessoa óbvia ou previsível, não
temos ideia do ela que escreveria neste
prefácio. Contudo, jamais poderíamos
pedir a alguém para fazê-lo em seu lugar,
ainda que sejamos profundamente gratos
aos amigos e amigas, citados no curso
deste texto,2
que, ao longo dessa
trajetória, tornaram possível a
construção dessas boas memórias.
Assim, registramos, aqui mais uma vez,
nossa gratidão à Fúlvia, eterna
educadora, pelos incentivos, trocas,
confiança, compartilhamento de saberes,
boas risadas... e taças de vinho.
2 Desculpem-nos aqueles e aquelas que, por
algum lapso, não tenham sido referidos.
INTRODUÇÃO: Quando recordar é
“voltar a passar pelo coração”
Escrever é tantas vezes
lembrar-se do que nunca
existiu. Como conseguirei
saber do que nem ao
menos sei? assim: como se
me lembrasse. Com um
esforço de "memória", como
se eu nunca tivesse
nascido. Nunca nasci,
nunca vivi: mas eu me
lembro, e a lembrança é em
carne viva. Clarice
Lispector
Dizem que a distância aproxima. E
talvez tenho sido mesmo a distância
que nos permitiu a produção dessas
lembranças em “carne viva”, nas
palavras de Clarice.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
14
E, de fato, as primeiras linhas deste
texto foram produzidas quando
estávamos distantes, fisicamente, um
do outro e quando talvez nos sentimos
distantes o suficiente de um passado
de intensas memórias que
transformaram utopias em práticas, as
quais alimentaram novas utopias.
Apresenta-se, assim, como “fragmentos
de memória”, sem compromisso com a
linearidade ou a formalidade
acadêmica, a partir dos quais
pretendemos dar visibilidade à
relevante trajetória do Instituto PAPAI,
na construção do campo de estudos,
pesquisas e incidência política que se
configurou nos últimos anos, no Brasil,
com/sobre homens e masculinidades, a
partir da perspectiva feminista e/ou de
gênero.3
3 Embora as narrativas aqui apresentadas
tomarem o Instituto PAPAI como objeto
central, vale salientar que esta organização,
obviamente, não foi a única responsável pelo
desenvolvimento deste campo. Organizações e
grupos como a ECOS, o Promundo, o Núcleo
Margens/UFSC, o Coletivo Feminista
Sexualidade e Saúde, a Fundação Carlos
Chagas, o grupo PIPA/MG, o Núcleo
Pagu/Unicamp, a Faculdade de Medicina da
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
15
Como nos alerta Eduardo Galeano, em
uma série de programas de televisão
exibidos pelo Canal Encuentro do
Ministerio de Educación de la Nación
(Uruguay, 2008), a palavra recordar
tem origem do latin Recordis, verbo que
significa tão somente “voltar a passar
pelo coração”.
Assim, nos adverte Galeano, a memória
não ocupa só o lugarzinho que a
ciência lhe atribui, em algum lugar do
cérebro. Ela está no cérebro, no
coração (ou naquilo que assim se
convencionou chamar a inscrição física
dos afetos) e em todas as partes.
Ela é nossa melhor amiga e
nossa pior inimiga. É nossa
melhor amiga quando nos ensina
a não voltar a tropeçar na
mesma pedra. E é nossa pior
inimiga quando nos convida a
preferir a nostalgia ao invés da
esperança.4
USP, o Instituto Fernandes Figueira, entre
outros, são relevantes atores na construção
deste campo.
4 Tradução nossa a partir do vídeo-aula
disponível em:
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
16
Tendo essa ideia de memória como
referência, alertamos, de antemão, que
não consideramos esta como a única,
nem a melhor forma de narrar essa
trajetória. Como bem argumenta nosso
amigo, o historiador Durval
Albuquerque Júnior, a história não nos
revela, não apazigua, mas sim produz
dúvidas, coloca e recoloca problemas
sem a intenção de resolvê-los ou
eliminá-los:
A história não é um ritual de
apaziguamento, mas de
devoração, de despedaçamento.
Ela não é bálsamo, é fogueira
que reduz a cinzas nossas
verdades estabelecidas, que solta
fagulhas de dúvidas, que não
torna as coisas claras, que não
dissipa a fumaça do passado,
mas busca entender como esta
fumaça se produziu (2007, p.
354).
Nesta perspectiva, situamos a fundação
do Instituto Papai em 10 de janeiro de
1997, quando assinamos um
documento junto à Universidade
https://www.youtube.com/watch?v=YuImGZL
O-hI, acessado em 27 de julho de 2014.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
17
Federal de Pernambuco. Nesta época,
tínhamos 28 anos (Jorge) e 24 anos
(Benedito). Por meio daquele
documento formal, uma espécie de
“registro de nascimento”, assumimos o
compromisso de desenvolver o
Programa de Apoio ao Pai, tendo como
foco de interesse a paternidade na
adolescência e como missão trazer para
primeiro plano de discussão a
importância da participação jovem e
masculina no campo da saúde,
sexualidade e reprodução, a partir do
desenvolvimento de atividades de
pesquisa e ação política interventiva.
Iniciativa pioneira na América Latina,
este projeto contou com o apoio de um
programa de bolsas da Fundação
MacArthur e teve por base os princípios
das organizações de defesa de direitos
humanos, no campo feminista, e como
modelo os núcleos acadêmicos de
estudos sobre a mulher e relações de
gênero no Brasil, que se estruturam a
partir do tripé ensino, pesquisa e
intervenção política comunitária.5
5 Essa relação indissociável entre ensino-
pesquisa-intervenção política compreende os
pilares da produção acadêmica.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
18
Os conceitos e argumentos que deram
base à elaboração deste primeiro
projeto estão apresentados em nossas
dissertações de mestrado,
desenvolvidas na PUC/SP. 6
Este projeto que deu origem ao
Instituto PAPAI veio, assim, antes
mesmo de sua existência formal, como
pessoa jurídica. Tal proposta já
continha em seu cerne o desejo de se
constituir como algo mais amplo,
porém, inicialmente, compreendia uma
bolsa individual que a Fundação
MacArtur havia concedido a Jorge Lyra,
após intenso processo de seleção
nacional.
Registramos aqui nosso
reconhecimento e agradecimento às
coordenadoras da MacArthur, à época,
Carmem Barroso e Sheywa Spindel,
bem como ao comitê avaliador
constituído por Jurandir Freire Costa,
Caio Rosenthal, Leila Linhares Barsted,
Laura Greenhalgh, Edson Cardoso e
Albertina Costa e também das
6 Fúlvia Rosemberg e Mary Jane Spink foram
importantes interlocutoras no desenho deste
projeto.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
19
mentoras/avaliadoras Jaqueline
Pitanguy e Estela Aquino.
No processo de institucionalização
formal, foram também de grande
importância as sugestões e
recomendações de Carmem Barroso,
Stuart Burden e Jaqueline Camargo.
Vale ressaltar que na elaboração deste
texto buscamos registrar os
acontecimentos e pessoas que
tornaram essa história uma produção
coletiva e um empreendimento
compartilhado com vários/as em
diferentes ocasiões e desafios.
Não estamos aqui preocupados com o
conteúdo, mas com os processos. Não
estamos preocupados em sermos “fiéis
aos fatos” porque não partimos de uma
leitura realista sobre memória.
O que nos comprometemos aqui foi,
sobretudo, em fazer um exercício de
(re)cordar e refletir criticamente sobre
nossas escolhas, decisões e possíveis
erros, colocando em suspensão e
suspeição as ideias que acreditamos e
defendemos.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
20
Portanto, por favor, leiam esse texto
duvidando do que escrevemos, da
mesma maneira que nós, seja por
lapsos de memória ou por efeitos
inevitáveis de uma leitura pro tempore.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
21
1. UMA HISTÓRIA E UMA LEITURA
MAIS AMPLA
O projeto que deu origem ao PAPAI foi
desenvolvido em consonância com as
plataformas de duas conferencias
internacionais de grande relevância
para o movimento feminista brasileiro:
a IV Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento, realizada
em 1994, no Cairo, e a IV Conferência
Mundial sobre a Mulher, realizada em
1995, em Beijim.
Nesses dois fóruns de discussão,
afirmou-se como diretriz a busca de
uma maior participação masculina na
promoção dos direitos sexuais e
reprodutivos. Como destaca o texto
final do relatório da Conferência do
Cairo:
O envolvimento masculino deve
ser estimulado principalmente
em situações associadas à saúde
materno-infantil e à prevenção
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
22
de doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo o
HIV/Aids. (…). No contexto
destes esforços, a prevenção de
violência contra mulheres e
crianças requer atenção especial
(UNITED NATIONS, 1994).
Em linhas gerais, tanto o movimento
feminista como o movimento em defesa
dos direitos sexuais questionaram
valores tradicionais, impondo uma
reavaliação da noção de masculinidade
hegemônica: branca, heterossexual,
dominante.
Nessas reflexões se evidenciaram
alguns homens e algumas
masculinidades, particularmente a
machista, a homofóbica e a
homoerótica. Porém, dessa reflexão,
foram excluídos muitos homens e
diversas expressões de masculinidade e
modos de subjetivação masculina, pois
como bem descreve Robert (hoje,
Raewyn) Connell (1995),7
a
masculinidade hegemônica é um
7 Há cerca de 10 anos, Connell alterou seu
nome, de Robert para Raewyn, e passou a
publicar suas novas obras com essa
assinatura, além de reeditar os livros antigos.
Submeteu-se também ao tratamento hormonal
e à cirurgia de transgenitalização.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
23
modelo cultural ideal – não é, portanto,
atingível por praticamente nenhum
homem.
Como discutimos em publicação
recente organizada pela Profa. Eva Bly
(BLY, 2014), este conceito de
masculinidade hegemônica foi
submetido a duras críticas, muito bem
condensadas num artigo de Fabricio
Fialho (2006), publicadas pelo Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa. Neste artigo, o autor questiona
o uso do conceito de hegemonia, por
Connel, tendo por base a leitura de
Antonio Gramsci:
O adjetivo “hegemônico”,
derivado de Gramsci, surge como
um sério problema teórico, uma
vez que o termo implica
constante luta pela posição de
preponderância. Se é fato que
ainda existe uma forma
hegemônica de masculinidade,
trata-se de refletirmos a respeito
da questão: formas distintas de
masculinidade, ao se
contraporem à predominante,
buscam ocupar tal posição
hegemônica ou, será que o que
pretendem é, sobretudo,
reconhecimento como uma forma
também legítima e possível de
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
24
experienciar a masculinidade?
(FIALHO, 2006, p. 01)
Apesar da crítica ao uso que Connel faz
do conceito de hegemonia, Fialho
(2006) concorda com a proposição
daquele autor sobre as
“masculinidades plurais” e sobre a
multiplicação de formas de se vivenciar
a masculinidade.
Naquela época, o que se apresentava
como novidade nesse campo de
discussões era exatamente a percepção
dos contextos e condições particulares
que põem por terra a noção de homem
genérico (universal), passando-se a ver
os homens como também orientados
por um modelo cultural ideal e
inseridos numa cultura caracterizada
por relações sociais hierárquicas, por
relações desiguais de poder, por
relações de gênero. Destaca-se, assim,
o interesse por entender como os
homens se posicionam no contexto das
relações de gênero e que alternativas
discursivas sua cultura lhes oferece.
Em outras palavras, a idéia de que os
homens em geral não se interessam por
questões relativas à sexualidade e
reprodução e de que o planejamento
reprodutivo e o cuidado dos/as
filhos/as são atribuições e
responsabilidades das mulheres está
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
25
embasada numa visão machista e
sexista, que impede o pleno exercício de
direitos sexuais e dos direitos
reprodutivos dos homens e das
mulheres. São limitações impostas por
padrões culturais, que se inscrevem em
práticas preconceituosas e em uma
estruturação familiar patriarcal, na
qual os homens ocupam quase sempre
o lugar da honra, da moral, do respeito
e do controle patrimonial e provisão
material. Poucas vezes o lugar do
cuidado. Parafraseando Simone de
Beauvoir, sempre dissemos que os
homens não nascem homens. Tornam-
se homens, a partir de uma série de
dispositivos que regulam e orientam os
modos de subjetivação masculina.
Porém (e felizmente!) como diz Michel
Foucault, onde há poder, há
resistência; há agência criativa. Por
isso, nem todo homem é ausente ou
irresponsável e, muitas vezes, os
próprios serviços de saúde, educação e
equipamentos sociais de direito não
compreendem, não estão dispostos e
nem preparados para identificar e
responder a demandas de homens que
buscam exercer seus direitos no campo
da sexualidade ou da reprodução.
Essa leitura resultou numa progressiva
mudança de ótica, passando de uma
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
26
visão de que a não-participação
masculina na vida doméstica decorreria
exclusivamente do machismo de cada
homem, para uma outra em que
procura-se compreender quais as
condições materiais, simbólicas,
históricas e institucionais criadas pela
sociedade e por seus dispositivos de
controle e regulação para oprimir as
mulheres reservando-lhes o doméstico
com único destino, mas também
criando barreiras para o envolvimento
de homens na vida doméstica e no
cuidado de si e dos outros: barreiras
culturais e ideológicas, institucionais e
relacionais.
Assim, no campo da sexualidade e da
saúde reprodutiva, teve início,
especialmente na América Latina e
Caribe, um conjunto de estratégias
para envolvimento dos homens em
questões relativas à sexualidade e à
vida reprodutiva, por um lado, e de
uma revisão dos sistemas e
equipamentos sociais destinados à
garantia de direitos sexuais e
reprodutivos, por outro.
Essas iniciativas têm enfrentado vários
obstáculos, entre os quais: 1) uma
legislação deficitária e ainda
profundamente arraigada a um modelo
patriarcal de família e a uma leitura
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
27
heteronormativa da saúde e da
sexualidade; 2) a falta de preparo dos
profissionais de saúde, educação e
direitos para escutar e atender a
população masculina; 3) a ausência de
materiais educativos específicos que
abordem os princípios e potenciais
estratégias de ação para o trabalho com
homens e sobre masculinidades; 4) a
falta de interesse de alguns homens em
cuidar de sua saúde e de se envolver no
movimento pelos direitos sexuais e
reprodutivos; 5) a leitura equivocada de
alguns homens e de algumas mulheres
de que seria necessária uma reedição
do movimento feminista, agora feito à
luz dos direitos dos homens. Além
disso, é notória a ausência de interesse
e recursos governamentais para
formular e executar programas desta
natureza que tenham por base uma
agenda política referenciada nas
propostas e demandas do movimento
feminista (ARILHA, 1999).
Para dar conta da complexidade deste
problema, sempre defendemos que,
apesar de necessária e importante, não
era suficiente apenas a sensibilização e
o envolvimento dos homens. Mudanças
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
28
estruturais e simbólicas são sempre
necessárias às grandes mudanças.8
Assim, são necessárias também
problematizações, a partir da
perspectiva feminista de gênero,
também sobre os espaços, temas e
contextos que forjam e valorizam uma
“subjetividade masculina”, marcados
por exemplo, pela militarização da
segurança, pelos conflitos urbanos,
pelas guerras em geral, pelas
competições e explorações no campo da
(grande e pequena) economia e do
mercado.
A partir de aproximações com a leitura
psicossocial proposta por Mary Jane
Spink (1999) e com as reflexões críticas
sobre a intervenção de base feminista
na América Latina (ÁVILA, 2005),
definimos uma abordagem que
considerava tanto o tempo da
interação (onde se configuram as
relações interpessoais, as práticas, os
agenciamentos dos homens em suas
relações cotidianas), como também o
tempo vivido (ou tempo da
8 Essas ideias foram fortemente defendidas por
Sônia Correa no I Seminário “Homens e
masculinidades”, organizado em 1998 pela
ECOS e UERJ.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
29
socialização e da instituicionalização de
dispositivos de controle e regulação dos
modos de subjetivação masculina) e o
tempo longo (onde se conformam as
normas sociais, os conceitos, os
valores, ou seja os símbolos e as
formações culturais que definem um
padrão cultural ideal).
No plano da ação, passamos a defender
a necessidade de projetos que
pudessem aliar essa abordagem tríade
de tempo e que alinhasse a intervenção
política à produção de conhecimento.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
30
A partir dessa abordagem, idealizamos
o projeto que deu origem ao Instituto
PAPAI, originalmente, denominado de
Programa de Apoio ao Pai (de onde vem
a sigla PAPai).9
9 O PAPAI, antes uma sigla, foi pouco ao pouco
se configurando como um substantivo e
passando a se referir mais diretamente à ideia
de cuidado (de si e dos outros), princípio
fundamental que ainda hoje orienta a pauta
política da instituição.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
31
2. OS PRIMEIROS PASSOS
Como dito antes, o primeiro projeto que
deu origem ao Instituto PAPAI tinha
como foco a paternidade na
adolescência e como meta produzir um
espaço de experimentações, produção
de conhecimento e incidência política
no campo da sexualidade e direitos
reprodutivos, no Brasil.
Karla (Karlinha) Galvão, Pedro
(Pedrinho) Nascimento, Nadjanara
(Narinha) Vieira, Luciana (Luck) Melo,
Adriano (Xiló) Silva, Julia Costa Lima,
João Bosco Júnior, Cláudio Pedrosa,
Maristela (Maris) Moraes e Dolores
(Tina) Galindo foram importantes
“cúmplices” deste desafio inicial. Boas
memórias desses tempos em que
sabíamos tão pouco ao ponto do desejo
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
32
e dos sonhos por vezes não terem
limites...
Inicialmente, a sede do PAPAI situava-
se numa das salas da Clínica
Psicológica, do Departamento de
Psicologia, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE),10 compondo-se de
homens e mulheres, profissionais e
estudantes.
Mesmo não sendo ainda docentes da
universidade, tivemos apoio do
Departamento de Psicologia e
financiamento do Programa de
Incentivo à Capacitação Docente e
Técnica (PICDT/CAPES) da UFPE, por
via de uma modalidade de bolsa
voltada à estudantes recém graduados.
Este apoio possibilitou a realização do
mestrado e, consequentemente, a
elaboração do projeto de retorno à
universidade.
A inserção numa instituição mais
ampla (que promove atividades de
ensino, pesquisa e extensão de forma
articulada) nos permitiu a interação
10 As professoras Aida Novelino, Fátima Santos
e Rubenilda (Rosinha) Barbosa deram
fundamental apoio neste processo inicial.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
33
com diversas instâncias, maximizando
esforços e viabilizando a construção de
nossa autonomia institucional.
As ações desenvolvidas naquela época
já trazia em seu bojo uma preocupação
em articular pesquisa, ensino e
intervenção política, em consonância
com a abordagem descrita no tópico
anterior.
Do ponto de vista da intervenção
direta junto à comunidade, nossa
principal ação eram os grupos de apoio
aos companheiros das adolescentes
grávidas a partir de um modelo de
oficinas sócio-pedagógicas e
aconselhamento psicológico.
Associado a este serviço, buscávamos
produzir diferentes estratégias para dar
visibilidade ao tema, entre elas
organização de eventos, apresentação
de trabalhos em congressos,
participação em atos públicos
organizados pelo movimento feminista
local e nacional e a organização de
atividades de comunicação criativa e
estratégicas, como o bloco de carnaval
que tinha como protagonista um
boneco gigante de Olinda, que figurava
a imagem de um pai, segurando seu
bebê e desfilando pelas ladeiras do
Centro Histórico da cidade.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
34
Desde aquela época, defendíamos que
era necessário acionar diferentes
estratégias para promover a
desconstrução simbólica e material de
práticas que alijam o homem do
cuidado de si e dos outros. O carnaval,
entre outros momentos importantes da
cultura popular brasileira, tem sido
ainda hoje um dispositivo potente para
também dar visibilidade às nossas
mensagens, seja sobre cuidado seja
sofre enfrentamento à violência de
gênero (como no caso do Bloco do laço
branco).
Do ponto de vista da pesquisa, muitas
das experiências aqui relatadas foram
fruto de (ou resultaram em) pesquisas
desenvolvidas por nossa equipe ou
junto a parceiros (Tais como o
International Reproductive Right
Research Action Group - IRRRAG - ou o
Promundo/ Images, entre outros).
Resultados de algumas dessas
pesquisa foram publicados em
dissertações e teses, ou em artigos e
capítulos de livro, produzidos por
integrantes de nossa equipe.11
11 Para acessar alguns desses textos,
recomendamos visitar o site genero.org.br ou
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
35
Além disso, no plano da formação
acadêmica e da pesquisa, instituímos
um Programa de estágio e fundamos o
Núcleo de Pesquisas em Gênero e
Masculinidades (Gema/UFPE).
O Gema foi inspirado no Grupo de
Estudos sobre Masculinidade e
Paternidade (Gesmap) promovido pela
ECOS/SP, do qual participamos desde o
seu início, em agosto de 1995.
2.1. Os primeiros passos do Gema
Cadastrado no CNPq, em 1998, o Gema
foi idealizado como um espaço de
diálogos sistemáticos dos profissionais
que integravam o Papai com outros
pesquisadores/as vinculados à UFPE (e
outras universidades) e ativistas no
campo do feminismo e direitos humanos.
Promovíamos workshops mensais, nos
quais realizava discussões ético-políticas
e conceituais orientadas pela leitura de
textos, realização de palestras com
pesquisadores/as convidados/as,
acessar nossos currículos na plataforma
Lattes.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
36
apresentação de projetos, troca de
experiências, bibliografias e intercâmbio
de informações sobre encontros,
seminários e acontecimentos de interesse
comum, além da construção e do
desenvolvimento de projetos em parceria.
No plano da formação acadêmica, este
grupo integrava estudantes em nível de
graduação e pós-graduação, envolvidos
em projetos que buscavam articular
ensino-pesquisa e extensão, através de
projetos de Iniciação Científica, Mestrado
e Doutorado. Junto à população em
geral, buscávamos contribuir para a
promoção da equidade de gênero no
contexto da saúde, em especial da saúde
e direitos sexuais e reprodutivos, através
de intervenção social direta,
possibilitando a construção de outros
sentidos e práticas sociais no campo das
relações de gênero, maximizando, assim,
os esforços das instituições parceiras.
Definimos quatro linhas de pesquisa: 1)
Saúde, sexualidade e reprodução; 2)
Homens, masculinidades e contextos
sociais; 3) Teoria feminista: conceitos e
implicações políticas e 4) Experiências
geracionais e a construção social das
categorias etárias
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
37
Tendo como coordenadores Benedito
Medrado, Jorge Lyra, Karla Galvão e
Pedro Nascimento, este grupo integrava,
em sua primeira formação: Aída Novelino;
Ana Paula Portella; Dolores Galindo;
Edilaine Lins Gouveia; Fernando da Cruz
Viegas; Lady Selma Albernaz; Luiz Felipe
Rios; Marcelo Miranda; Márcia Longhi;
Maria Betânia Ávila; Marion Quadros;
Otávio Valença; Russell Parry Scott;
Sandra Unbehaum; Valdonilson dos
Santos e Véronique Durand.12
Hoje o Gema continua funcionando na
UFPE, agora vinculado ao Programa de
Pós-graduação em Psicologia (fundado
em 2005), e sob nossa coordenação. Sua
equipe envolve pesquisadores e
estudantes vinculado à UFPE e outras
universidades.13
12 Tivemos a honra de contar com algumas
dessas pessoas como integrantes do
conselheiro do PAPAI.
13 Mais informações sobre o Gema, consultar o
site: www.genero.org.br.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
38
2.2. Construindo uma autonomia
institucional e uma identidade
política
Em respeito à longa trajetória de várias
organizações de Pernambuco na
consolidação de um campo político
voltado para a defesa dos direitos
humanos, especialmente, dos direitos
sexuais e reprodutivos, o primeiro biênio
de existência do PAPAI (1997-1999) foi
dedicado ao estabelecimento de
importantes parcerias com outros setores
da UFPE e com organizações não-
governamentais em Recife, de modo a
estabelecer sua identidade política e o
progressivo reconhecimento como aliado
em algumas lutas importantes.
Neste processo inicial, duas ONG
parceiras foram fundamentais para que
este desafio fosse menos solitário. No
campo do debate sobre juventude, com a
GESTOS (Soropositividade, Comunicação
e Gênero) organizamos o “Seminário
Multidisciplinar sobre Sexualidade e
Reprodução na Adolescência”, em 1998,
a partir de intensas trocas especialmente
com Silvia Dantas, então coordenadora
da Gestos. Na época, conhecemos
também Ana Luíza Funghetti, que anos
depois veio a integrar a equipe do
Instituto PAPAI.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
39
Outra organização fundamental nesses
primeiros anos foi o SOS Corpo -
Instituto Feminista para a Democracia,
com quem aprendemos muito sobre
princípios de uma ação política feminista,
mas também sobre a difícil tarefa de
converter um projeto político em uma
iniciativa organizacional sólida,
transparente e respeitável.
Maria Betânia Ávila, Eleny Xavier,
Solange Rocha, Márcia Laranjeira e Ana
Paula Portela foram importantes
interlocutoras neste momento.
Na época, além das respeitáveis e
afetuosas conversas e orientações
particulares, organizamos atividades em
parceria, tais como o Workshop sobre
“Homens e Políticas Públicas: reflexões e
práticas sociais”, com apoio da fundação
MacArthur14.
Como resultado do amadurecimento que
essas experiências e aprendizagens nos
proporcionaram, em 1999, formalizamos
o registro do Instituto PAPAI, como
pessoa jurídica, favorecendo a
14 A organização deste evento teve início a
partir de negociações em 1999 e realização em
2000.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
40
consolidação do conjunto de estratégias
políticas e acadêmicas, ao instituirmos
um espaço de pesquisa, reflexão crítica,
ação comunitária e transformação
simbólica e política no campo dos direitos
sexuais e reprodutivos voltada aos
homens e às masculinidades. O apoio da
Fundação MacArthur, ao aprovar um
projeto de porte institucional foi
fundamental para darmos este
importante passo para consolidação de
nossa autonomia institucional.
Estes momentos foram fundamentais
para (re)pensar e (com)partilhar o que
estávamos fazendo, o que nos
possibilita, hoje em dia, reconhecer a
importância de um trabalho contínuo e
sistemático para a consolidação de um
tema/objeto de pesquisa e de
mobilização política.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
41
3. SOBRE PATERNIDADE NA
ADOLESCÊNCIA 15
A paternidade na adolescência foi nosso
primeiro tema de trabalho. A necessidade
de trazer este tema para debate surgiu a
partir dos resultados da pesquisa de
Jorge Lyra que havia identificado um
verdadeiro “muro de silêncio”,
invisibilizando este sujeito, suas práticas
e consequentemente suas demandas e
necessidades.
No começo dessa trajetória, as pessoas
não entendiam nem sequer a expressão
“pais adolescentes”. Achavam, muitas
15 Agradecemos a Luciana Melo de Souza Leão
por compartilhar suas memórias, quando
estávamos escrevendo sobre este tópico.
Luciana fez Mestrado em Saúde Pública e hoje
atua profissionalmente neste campo.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
42
vezes, que nós trabalhávamos com “pais
de adolescentes”.
Assim, propusemos um conjunto de
ações que incluíam estratégias de
produção de conhecimento (pesquisa,
eventos e publicações acadêmicas),
formação (especialmente voltada a
estudantes de graduação que, no caso de
psicologia da UFPE, não tinham
praticamente nenhuma iniciação aos
estudos de gênero), além de estratégias
de comunicação (que incluíam desde a
edição do vídeo “Com a voz o jovem
pai!”16 como também, durante o carnaval,
o desfile de um boneco gigante pelas
ladeiras de Olinda, de cerca de 3 metros
de altura, que figurava a imagem de um
jovem pai, de tranças rastafári, que
segurava seu filho num baby bag,
visibilizando a ideia do exercício do
cuidado pelos homens)17 e também a
16 Este vídeo foi posteriormente solicitado pela
Fiocruz para inclusão e disponibilização em
sua base de dados)
17 Houve dois bonecos, produzidos pela
bonequeira Iara Lago. O primeiro levava o bebê
num babyu bag. O segundo, produzido alguns
anos depois, figurava um pai com o bebê sobre
os ombros, indicando que o filho havia
crescido.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
43
oferta de um espaço de escuta para esses
pais.
Do ponto de vista de uma intervenção
face a face, começamos a realizar
atendimentos na Clínica Psicológica da
UFPE, no formato de aconselhamento
psicológico, com enfoque psicossocial,
oferecidos aos jovens pais que
demandassem por este tipo de serviço.18
Foram momentos de profunda
aprendizagem, pois não tínhamos nem
literatura, nem experiências brasileiras a
partir das quais poderíamos construir
nossas intervenções.
18 Aida Novelino, nesta época, foi uma especial
parceira, oferecendo-se para dialogar sobre
limites e possibilidades de ação psicossocial de
abordagem clínica, neste contexto e inclusive
orientando trabalhos de iniciação científica de
alunas que se interessassem pelo tema, como
Luciana Melo de Souza Leão. Posteriormente,
Dolores (Tina) Galindo também veio a
desenvolver seu estágio curricular neste
serviço, atendendo jovens pais e casais
grávidos, sob orientação de Jorge Lyra. Breno,
Augusto, Moisés e Rebeca foram também
estudantes de graduação que participaram, de
algum modo, desses atendimentos já no
Hospital das Clínicas.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
44
Naquela época, era recorrente ouvir
frases do tipo: “Essa é a primeira vez que
alguém conversa comigo sobre isso?”.
Assim, também parecia ser para a nossa
equipe: uma primeira vez em que nos
propúnhamos não apenas a estudar e
pesquisar, ou seja, a produzir boas
perguntas, mas também tentar ajudar na
produção de caminhos e de respostas.
A população atendida era
prioritariamente de população de baixa
renda, embora nos chegassem também
casos de família de classe média, como o
de um garoto que foi expulso da escola
porque “havia engravidado” sua
namorada, que estudava em outra
escola. A diretora, ao ser informada sobre
o assunto, disse que não queria “esse
tipo de gente” em sua instituição.19
19 Este caso foi noticiado em 1998 pelos
jornais locais em Recife, com grande
repercussão. Na época, além de oferecer apoio
ao Caio (jovem pai) e sua família, produzimos
um posicionamento público, manifestando
nossa indignação e a necessidade de uma
revisão profunda das práticas pedagógicas que
não reconheciam a legitimidade dos direitos
reprodutivos dos adolescentes e jovens,
preferindo a coersão à educação.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
45
Além do serviço oferecido na Clínica
Psicológica, iniciamos uma parceria com
o Hospital das Clínicas na UFPE e
começamos a desenvolver um trabalho
atrelado ao PROAMA, um grupo de
educação em saúde voltado para grávidas
adolescentes. Nossa tarefa era promover
atividades para os pais, de modo
articulado ao que estava sendo oferecido
às mulheres, desde esclarecimentos
básicos sobre o serviço, visitas guiadas à
maternidade e, em casos especiais,
atendimento clínico específico, quando
demandado. 20
Por vezes, havia uma grande demanda
dos pais. Em outros momentos, a
demanda era esvaziada. Além disso,
tivemos dificuldades operacionais em
função de longas greves da instituição
que impossibilitaram dar continuidade,
por exemplo, a um projeto humanização
do parto, que desenvolvíamos em
parceria com o HC. Aos poucos, fomos
sentindo a necessidade de buscar outros
espaços de atuação, tais como escolas,
outros equipamentos de saúde ou mesmo
nas ruas (por meio de campanhas).
20 Nesta época, tivemos aprovado um projeto
de apoio pelo Pommar-Partnner of the
America.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
46
Assim, iniciamos uma parceria com o
Programa de Saúde do Adolescente
(PROSAD) e a Maternidade do
CISAM/UPE, vinculado à Universidade
de Pernambuco, uma instituição de
referência no estado de Pernambuco, no
campo da saúde reprodutiva, e com
grande demanda de mães, especialmente
adolescentes e também parcerias com o
Programa de Saúde do Adolescentes.
Nos hospitais da rede pública de saúde, a
estratégia que empregávamos para
abordar os jovens pais era o convite
(corpo-a-corpo), passando pelos
diferentes setores do hospital: Programa
de Saúde do Adolescente, Pré-natal para
as grávidas adolescentes, maternidade e
setor de saúde da mulher, egressos,
puericultura e pediatria.
Também promovíamos nesses hospitais,
reflexões acerca da importância da
participação do pai no acompanhamento
de pré-natal, no parto e pós-parto, dentro
da proposta de humanização em saúde.
Os encontros eram realizados na forma
de oficinas, ao estilo sala de espera, a
partir de uma abordagem psicossocial,
focalizando os seguintes temas: vivências
da paternidade; relações parentais e
relações conjugais; corpo e processos
corporais; reprodução humana,
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
47
anticoncepção e aborto; momentos
gestacionais e futuro parto; paternidade,
parentalidade e cuidado infantil;
sexualidade masculina (entre desejos e
necessidades); paternidade (entre
desejos, direitos e compromissos); o lugar
do trabalho na vida dos homens;
vulnerabilidade e prevenção de
DST/Aids.
Essas experiências nos proporcionaram
um acúmulo de conhecimento e
promoveram uma maior aproximação
com a rede de serviços em saúde sexual e
reprodutiva oferecidos pelo poder
público.21
Neste processo, passamos inclusive a
realizar ações junto a unidades básicas
de saúde, colaborando com as ações de
promoção em saúde oferecidas aos
adolescente e jovens e também
acompanhando visitas domiciliares e, em
alguns casos, alertando os próprios
profissionais de saúde para o fato de que
os homens presentes nas casas, no
momento das visitas, não poderiam ser
ignorados, como muitas vezes acontecia,
21 Alexandre Barreto teve grande importância
na condução de ações no CISAM e nas
unidades de saúde.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
48
sob a alegação de que eles não saberiam
informar nada sobre os filhos.
No caso das unidades de saúde,
realizamos parceria com o Programa de
Saúde da Família e o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde
(principalmente este último) para
fazermos uma “busca ativa” dos jovens
pais, por meio do acompanhamento em
visitas domiciliares, que agentes de
saúde realizam nos bairros próximos a
cada unidade de saúde.
O desafio de sempre nessas atividades
era o acesso aos jovens pais e a
dificuldade da sua adesão ao nosso
grupo, por fatores que inclusive não
estavam sob nossa ingerência e que
pareciam sempre remeter a ideia de que
culturalmente os espaços de promoção à
saúde, especialmente, sexual e
reprodutiva, não eram preocupações
masculinas.
Apesar da constante cobrança da mídia e
das financiadoras por números
expressivos de atendimentos, nossa
preocupação sempre foi, como
organização não-governamental, em não
se confundir ou substituir o Estado em
seus deveres e obrigações. Portanto, os
atendimentos eram grandes espaços de
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
49
experimentação e de aprendizagem para
os jovens pais, mas também para a
própria equipe. E ao mesmo tempo um
espaço para alimentar uma agenda
política de modo a favorecer o debate
sobre homens e direitos reprodutivos em
nosso país.
Nosso desejo era também de que aos
poucos as instituições fossem
incorporando este serviço e, aos poucos
fossemos nos tornando desnecessários.
Por isso, investíamos tanto nos diálogos e
estratégias de sensibilização dos
profissionais. Isso gerou bons frutos em
alguns espaços como o HC, embora as
iniciativas não costumassem ter longa
duração.
Acionamos também outras instituições
que lidam direta ou indiretamente com
homens adolescentes e jovens na
tentativa de ampliar o raio de ação do
trabalho, entre as quais: escolas,
creches, igrejas, grupos comunitários
organizados, serviços jurídicos,
organizações não-governamentais, Forças
Armadas, entre outros.
Do ponto de vista de uma intervenção
no plano das instituições, junto ao
governo federal, elaboramos normas
técnicas, inserindo o tema da
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
50
paternidade na Área Técnica de Saúde do
Adolescente, Área Técnica de Saúde da
Mulher e na Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres. Foram
desenvolvidas ações de articulação
política para a construção da Política
nacional de atenção integral à saúde de
adolescentes e jovens e da Oficina de
construção de macro estratégias em
saúde sexual e saúde reprodutiva de
adolescentes e jovens. Esta foi uma ação
conjunta do Ministério da Saúde e do
Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA), com a presença de adolescentes
e jovens (estagiários do Papai) na reunião
de trabalho.
Em intercâmbio com as ações da Câmara
Temática sobre Direitos Sexuais e
Direitos Reprodutivos com Ênfase na
Paternidade Ativa e Consciente, uma
iniciativa do governo federal, envolvendo
11 ministérios, realizamos uma ampla
campanha de sensibilização, mobilização
e envolvimento da opinião pública e de
representantes do poder executivo
municipal, estadual e federal na inclusão
de homens em ações voltadas à garantia
dos direitos sexuais e dos direitos
reprodutivos, gerando a possibilidade de
continuidade e ampliação da proposta.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
51
Essa ação teve, em 2003, a parceria
direta da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres, instituída no primeiro
ano da primeira gestão do governo Lula.
Sobre essa aspecto, vale assinalar duas
lições aprendidas no Seminário
Influência em Políticas Públicas,
organizado em novembro de 2004 pelas
Fundações Ashoka e Avina. Uma delas
nos foi provocada por Elie Ghanem, da
ONG Ação Educativa, que defendeu que
não devemos ter a ilusão de que estamos
conseguindo formular políticas públicas,
quando visamos a mera replicação das
ações das organizações da sociedade civil
nos serviços públicos, sem levar em
consideração o contexto particular (e,
algumas vezes, ideal) no qual formulamos
nossas propostas.
Além disso, influenciar políticas públicas
não é “ser amigo do rei”, não é usar de
prestígio pessoal para que sua iniciativa
(ou mesmo a de um grupo) se torne
modelo de política. É sobretudo fazer com
que gestores possam rever suas práticas
e, considerando os limites e
possibilidades de sua ação, poder corrigir
estratégias ou deslocar focos.
Apesar de considerarmos que este é um
processo que necessita de investimento e
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
52
monitoramento contínuo e que estamos
longe das políticas que idealizamos,
vemos muitos frutos dessas articulações
e estratégias intensas de advocacy na
formulação de algumas das atuais
políticas de saúde reprodutiva em nosso
país. Vemos também reverberações
desses esforços em algumas produções
de colegas de outros países da América
Latina, com os quais dialogamos nos
eventos e com os quais compartilhamos
nossas inquietações e aprendizagens por
meio de textos publicados em língua
espanhola.
Do ponto de vista de uma intervenção
nos planos simbólicos e culturais
mais amplos, também investimos em
estratégias de produção midiática.
Conceituamos mídia, em consonância
com as reflexões de John Thompson
(THOMPSON,1995a, 1995b), como um
sistema cultural que associa símbolos a
contextos. Longe de propor um receptor
passivo, a abordagem de Thompson
tem o grande mérito de ressignificar a
noção de interação e de ideologia.
Diversos autores como Thompson
(1995b); Giddens (1993) e Spink (1999)
destacam que, na sociedade atual, a
mídia tem assumido um papel
fundamental para compreensão das
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
53
dinâmicas sociais, dando novos
contornos às relações entre público e
privado e promovendo uma progressiva
emergência da ética como nova
instância regulatória.
Assim, em nosso trabalho, a mídia
configurou-se como um dos
instrumentos centrais na busca de
construção de novos sentidos sobre o
masculino, nos campos da saúde e
relações de gênero, sexualidade e
reprodução (MEDRADO, 1997).
Em relação ao exercício da paternidade,
chegamos à conclusão de que era
necessário construir mensagens mais
afirmativas.
O uso recorrente da expressão
“paternidade responsável” passou a nos
incomodar profundamente, tanto do
ponto de vista do caráter moral e
regulatório que está inscrita na
expressão “responsabilidade” (conforme
muito bem explorado por Arilha, 1999),
parece que ao adotarmos essa
expressão estávamos, de algum modo,
pressupondo que a paternidade em si é
irresponsável e que a dimensão da
responsabilidade é seu único ou
principal eixo. Paternidade não é
somente responsabilidade. Ela pertence
à uma complexa tríade que envolve e
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
54
implica: 1) a ordem do desejo, 2) a
dinâmica do direito e 3) a assunção de
compromissos.
Esses princípios (desejo, direito e
compromisso) inclusive norteiam a
campanha que desenvolvemos desde
1997, em Recife, sempre na semana do
dia dos pais.
Em nosso primeiro vídeo institucional
“Com a voz, o jovem pai”, apresentamos
um pouco essa leitura complexa a
partir do depoimento de jovens pais
(residentes em bairros populares de
Recife, São Paulo e Rio de Janeiro) que
contam como sentiam,
experimentavam, ou projetam a sua
experiência de paternidade.22
Assim, com o objetivo de ampliar os
limites de nossa intervenção no
trabalho do PAPAI, e promover
intervenções no plano simbólico e
cultural, investimos sempre em
estratégias midiáticas diversas:
a. realização de entrevistas para
mídia impressa, televisiva e
radiofônica;
22 Este vídeo está disponível no canal do
Instituto PAPAI no youtube.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
55
b. produção de artigos (formato
opinião) e releases para
imprensa;
c. participação em programas de
rádio e TV;
d. uso da Internet para envio de
boletins informativos e troca de
informações com profissionais
de diferentes regiões, países e
continentes;
e. criação de um site com
informações sobre a estrutura
funcional do programa, com
constantes atualizações e a
possibilidade de estabelecer
fóruns de discussão.
Consideramos que através dessas
estratégias, buscamos criar um amplo
canal de reflexão, que busca romper
inclusive com a idéia da regionalidade
de um projeto. Através da mídia, o
Papai tem ultrapassado barreiras
geográficas, dialogando com outras
realidades e atingindo públicos
distintos.
Estas e outras estratégias são
necessárias para construir novas
práticas, superando diferentes
barreiras individuais, de homens e de
mulheres, institucionais, culturais e
ideológicas, para conseguirmos um
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
56
maior envolvimento dos homens e a
ampliação do debate sobre direitos
sexuais e direitos reprodutivos,
especialmente no contexto das políticas
públicas.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
57
4. JUVENTUDE A PARTIR DE
LEITURAS CRÍTICAS SOBRE GÊNERO
E GERAÇÃO23
Desde o início, ao focalizarmos o tema
da paternidade na adolescência,
propusemos uma articulação entre os
marcadores sociais de gênero e
geração, posicionando-nos contra
posições androcêntricas e
adultocêntricas que, em geral, orientam
práticas públicas no campo da saúde,
especialmente no campo da
sexualidade e vida reprodutiva.
Assim, desde sempre buscamos
alimentar o debate sobre aquilo que na
década de 1990 se chamava de
“protagonismo juvenil”, que poderia ser
traduzido como a necessidade de dar
maior visibilidade às questões e
23 Agradecimentos a Ricardo Castro por
compartilhar de algumas de suas memórias,
quando escrevíamos este texto
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
58
demandas dos jovens, a partir da
promoção de ações em que eles
pudessem colaborar mais diretamente.
Assim no PAPAI, buscamos desenvolver
ações que pudessem garantir uma
maior participação dos adolescentes e
jovens campo dos direitos sexuais e
reprodutivos, especialmente na região
Nordeste.
Além dos grupos de jovens pais
ofertados, também iniciamos um
processo de trabalho nas escolas, de
modo a potencializar discussões sobre
sexualidade e vida reprodutiva com
homens jovens, não na perspectiva de
redução da gravidez na adolescência ou
da promoção da “paternidade
responsável”,24 mas sobretudo na
perspectiva da promoção da saúde e
equidade de gênero, entedendo que a
escola é um espaço privilegiado de
24 Margareth Arilha em sua dissertação de
Mestrado faz uma ótima síntese crítica sobre o
uso do termo responsabilidade, que se
configurou como central na redação de
documentos da década de 1990 para se referir
aos homens no campo da vida reprodutiva.
Preferimos trabalhar com a tríade desejo,
direito e compromisso ao falar sobre
paternidade, como expressamos em diferentes
publicações.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
59
formação política e de que a educação
em saúde é um dos pilares para
transformações no campo da
sexualidade e saúde reprodutiva.
Assim, iniciamos no Colégio de
Aplicação da UFPE e depois fomos
estabelecendo parcerias com escolas da
rede pública de ensino do Recife,
especialmente, o Escola Estadual
Novaes Filho. A partir da “educação de
pares”, construímos um lindo processo
de formação política e sensibilização
em gênero com homens jovens, os
quais foram aos poucos se
configurando em parceiros e co-autores
de muitos produtos e processos.25
Este processo foi retratado em
publicação do ArtPad - Teatro e
Desenvolvimento,26 e catalizou
inúmeras experiências tais como a
25 Registramos aqui alguns dos jovens com os
quais trabalhamos e a quem agradecemos pela
confiança e dedicação: Adrian, Glauber
(Sassá), Ágata, Clécio, Cleilton, Cristiano
(Nino), Xande, Pequeno, Robson, Valter,
Arthur, Jakson, Rodrigo, Cleiton, Cleilton,
João Batista, entre tantos outros.
26 O Artpad foi coordenado por Karla Galvão
Adrião e Julie McCarthy.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
60
mobilização para o I Encontro Regional
de Adolescentes do Nordeste – ERAN e
V Encontro Potiguar de Adolescentes -
EPA (julho de 2003) e o XII Encontro
Nacional de Adolescentes – ENA (julho
de 2004), ambos ocorridos em
Natal/RN e do XIII Encontro Nacional
de Adolescentes ocorrido em Recife/PE
(entre 10 e 14 de julho de 2006), todos
como uma promoção do Movimento de
Adolescentes do Brasil - MAB.27
Em 2003, Cláudio Pedrosa, então
integrante da equipe do PAPAI, foi
selecionado para compor uma das
últimas turmas do Programa “Gênero,
Reprodução, Ação e Liderança” (GRAL)
promovido pela Fundação Carlos
Chagas, com apoio da Fundação
MacArthur. Seu projeto, intitulado
“Homens Jovens desconstruindo a
violência de gênero” foi uma das
importantes oportunidades de
27 Ricardo Castro que iniciou no Papai como
estagiário, depois passou a profissional e
assumiu uma gestão da coordenação geral da
instituição foi um importante articulador
dessas ações que envolviam os jovens, por
vezes, assumindo um lugar especial na
instituição, como seu representante jovem
feminista em eventos nacionais e latino-
americanos.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
61
sistematização e visibilização nacional
em uma rede nacional das atividades
que desenvolvíamos com os jovens.
Neste período, houve também
aproximações com redes internacionais
de trabalhos com jovens, especialmente
latino-americanas, quando Ricardo
Castro participou em maio 2004, do
“Encuentro de jóvenes del Cono Sur
por el derecho a la Anticoncepción de
Emergencia”. O encontro foi organizado
pela Mujer y Salud en Uruguay (MYSU),
com apoio do IPPF e da International
Women's Health Coalition. O evento foi
coordenado por nossa amiga Lilian
Abrascinskas. Como produtos das
articulações produzidas durante este
evento e das coalizões desenvolvidas
posteriormente, foi fundada em 2004 a
“Rede Jovens Brasil – Direitos Sexuais
e Direitos Reprodutivos”.
Houve ainda um outro encontro sobre
Anticoncepção de emergência em
Puebla (México) e foi nesse encontro
quando começaram as articulações
para uma ação conjunta no Fórum
Social Mundial, de janeiro de 2005.
Essa articulação contou com a
participação da Rede Jovens Brasil, da
Rede Latino-Americana e Caribenha de
Jovens pelos Direitos Sexuais e
Reprodutivos (REDLAC) e de uma
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
62
articulação temporariamente chamada
de “Articulação Cone Sul de Jovens”.
Esta Rede fez, em diferentes momentos,
pressão interna dentro do movimento
feminista e teve participação ativa na
construção do 10º Encontro Feminista
Latino Americano e do Caribe, realizado
em São Paulo, entre 9 a 12 de outubro
de 2005, com participação de cerca de
1.500 feministas debatendo o tema
central do evento: “Radicalização do
Feminismo, Radicalização da
Democracia”.
O que alimentava os encontros e os
debates da Rede Jovem Brasil eram
especialmente as discussões sobre
como aproximar os diferentes grupos
de jovens que atuavam na campo das
relações de gênero, saúde, sexualidade
e direitos reprodutivos e também
ampliar o conhecimento desses jovens
em temas relativos à história,
princípios e conceitos do feminismo,
aos marcos regulatórios locais,
nacionais e internacionais no campo
dos direitos sexuais e reprodutivos,
bem como as discussões sobre gênero,
geração e juventude. Havia uma forte
crítica às experiências de redes de
jovens, reconhecidas muitas vezes
como aglutinadoras e muito potentes,
porém coordenadas por adultos (os
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
63
educadores) em diálogo com alguns
jovens, mas com poucos adolescentes,
de fato.
O trabalho do PAPAI com população
jovem e masculina se consolidou ao
longo desses anos, especialmente a
partir das várias iniciativas
coordenadas por Sirley Vieira,
sobretudo na condição de processos
educativos em sua interface com a arte
e a educação de pares.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
64
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
65
5. UMA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA
Nossa aproximação com o movimento
feminista se deu desde o início da
institucionalização do PAPAI,
especialmente, a partir da parceria com
grupos organizados de mulheres,
sobretudo aqueles vinculados ao
Fórum de Mulheres de Pernambuco,
com o qual desenvolvemos uma série
de eventos e projetos.
Este investimento resultou inclusive na
eleição de Karla Galvão Adrião (então
integrante da coordenação do Instituto
PAPAI) para compor a coordenação
tríplice (gestão 2003-2005) do Fórum
de Mulheres de Pernambuco, junto com
Ana Bosh (Grupo Loucas de Pedra
Lilás) e Mônica Larangeira (Trupe
Graúna).28
28 Karla hoje é também docente do
Departamento de Psicologia da UFPE.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
66
Assumimos esse compromisso com
muita honra, respeito e admiração pela
história construída pelo Fórum de
Mulheres de Pernambuco.29
Do ponto de vista dos estudos
feministas e de gênero, passamos a
integrar a Rede Feminista Norte-
Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre
Mulher e Relações de Gênero (REDOR),
em 1999, quando participamos do 9º
Encontro da Rede, realizado em
Fortaleza.
A REDOR é uma rede feminista, sem
fins lucrativos, criada em setembro de
1992, com o objetivo de congregar,
articular e desenvolver estudos e
pesquisas sobre mulher, gênero e
feminismo no Norte e Nordeste
brasileiro, conjugando esforços no
sentido de minimizar as discrepâncias
regionais ainda hoje existentes em
29 Um episódio curioso do qual tomamos
conhecimento muito anos depois aconteceu
durante o período em que assumimos a
coordenação do Fórum de Mulheres de
Pernambuco. Uma das integrantes do Fórum
questionou o nome da Instituição (PAPAI) que,
do seu ponto de vista poderia reforçar o
patriarcado. Chegou a sugerir que o nome
fosse mudado, pois “não pegava bem” uma
instituição com este nome coordenar o Fórum.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
67
relação ao centro-sul, inclusive no que
se refere aos avanços científicos em
torno da problemática de gênero e
condição feminina em nossa sociedade.
Nossa participação nesta rede se
tornou mais ativa a partir de 2000,
quando Jorge Lyra assumiu a co-
coordenação do GT “Gênero e saúde”
da REDOR e em 2005, quando
Benedito Medrado integrou a
coordenação nacional da rede (gestão
2006-2008), junto com nossa querida e
saudosa amiga Ana Alice Costa
(UFBA),30
Gema Galgane, Celecina
Veras (UFC) e Laura Arrazola (UFRPE).
Obviamente, nossa aproximação com o
movimento feminista nem sempre foi
tranquila. Apesar do respeito e cuidado
de algumas colegas, especialmente Ana
Alice Costa e Luzia Miranda Álvares,
entre outras, em diferentes momentos,
na REDOR, fomos, direta ou
indiretamente, motivo de desconforto
quando nossos nomes eram sugeridos
para ocupar algum lugar de
representação da Rede.
30 Ana Alice nos deixou, em 26/12/2014,
quando a edição deste texto estava em
conclusão.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
68
Mas, isso não aconteceu somente na
REDOR. Muitas foram as situações em
que fomos questionados sobre nosso
trabalho. Havia as que não entendiam
ou não queriam entender nossa
proposta. Porém, na grande maioria
das situações houve acolhimento e a
compreensão compartilhada sobre a
importância e necessidade de maior
envolvimento de homens em questões
relativas à saúde e à vida reprodutiva.
As situações em que havia resistência
eram exatamente aquelas em que
alguém, por algum motivo, achava que
naquele espaço ou evento específico
não deveriam estar homens, dado que
era um espaço de fortalecimento do
sujeito político “mulher”.
Por exemplo, em um dos encontros
preparatórios (abertos à população)
para a Conferência Municipal das
Mulheres, de Recife, em 2004, fomos
convidados a nos retirar, sob a
alegação de que algumas mulheres
estavam incomodadas com a nossa
presença. Esse “convite” foi feito por
uma das organizadoras do encontro,
embora não tivesse sido pauta de
discussão coletiva. Apesar disso,
achamos por bem nos retirar.
Posteriormente, na própria Conferência
Municipal, quando pretendíamos
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
69
apresentar algumas importantes
discussões sobre a luta pela legalização
do aborto no Brasil, que tinham sido
produzidas em encontro das Jornadas
Brasileiras pela Legalização do Aborto
(para o qual havíamos sido
convidados), fomos novamente
interpelados. Nos recusaram o crachá
do encontro, ainda que tentássemos
explicar que nossa intenção não era
participar do encontro com um todo,
mas apenas compartilhar alguns
pontos discutidos pelas Jornadas, em
Porto Alegre. Considerávamos que
essas informações poderiam subsidiar
alguns debates da Conferência. Feitos
os esclarecimentos, permitiram-nos
dialogar com algumas lideranças.
Algumas vezes, essa inquietação era
desconcertante, como por exemplo,
num evento para o qual havíamos sido
convidados, como palestrantes, e uma
das participantes, feminista “histórica”
de São Paulo, disse que se sentia
indignada por ver uma fala sobre
homens num evento sobre gênero. Para
ela, estudos de gênero era sinônimo de
estudos sobre a mulher. A platéia
reagiu e a participante se retirou da
sessão.
Sempre respeitamos a decisão das
mulheres, em relação aos seus espaços
de luta política e nunca pretendemos
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
70
ocupar espaços de representação,
quando não nos competia, como
homens. Apesar disso, em certa ocasião
fomos interpelados com a absurda
alegação de que o Instituto PAPAI
estava entrando com uma liminar para
exigir a participação de homens no
Encontro Feminista.
Num primeiro momento, rimos diante
de tamanho absurdo. Porém, em outros
momentos, fomos obrigados a
esclarecer de se tratava tão somente de
boato infundado. Esta é uma ótima
oportunidade para deixar isso bem
claro: nunca pleiteamos estar em
espaços exclusivamente destinados às
mulheres e sempre consideramos que
estes espaços exclusivos, embora não
fossem desejáveis, eram plenamente
estratégicos e necessários.
Ao mesmo tempo, sempre fizemos
questão de estimular a participação das
mulheres que compunham a equipe do
Instituto PAPAI nas ações promovidas
pelo movimento feminista, embora nem
sempre houvesse interesse ou
disponibilidade de algumas dessas
mulheres. Algumas aos poucos foram
tomando gosto e outras jamais se
aproximaram, sempre sob a alegação
de que não se sentiam bem nesses
espaços. Este era um tema recorrente
em nossas reuniões, especialmente
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
71
aquelas de planejamento e de formação
política.
Ao mesmo tempo, sempre estivemos em
grande número nas ações públicas
promovidas pelo movimento feminista
local, em Recife e outras cidades da
região metropolitana, especialmente
aquelas voltadas ao enfrentamento da
violência de gênero (a partir da parceria
com a Campanha do Laço Branco), pela
legalização do aborto (inclusive
produzindo camisetas em que
figuravam a emblemática frase:
Nenhuma mulher deve ser presa, ficar
doente ou morrer por abortar:
mulheres e homens pela legalização do
aborto) e aquelas mais gerais alusivas
ao dia internacional da mulher.
Participamos também de diferentes
eventos promovidos pelo movimento
feminista no Brasil e em outros países,
onde conhecemos inspiradoras
mulheres brasileira, tais como Sônia
Correia, Ana Alice Costa, Margarth
Arilha, Sônia Malheiros Miguel, Lilián
Abrascinskas, Roxana Vazquez, Verena
Stolke, Nilza Iraci, Suely Carneiro,
Edna Roland, Estela Aquino, Jaqueline
Pitanguy, Simone Diniz, Débora Diniz,
Suely Oliveira, Gigi, Ana Bosh, Vera
Baroni, Vanete Almeida e Maria
Betânia Ávila que inclusive ocupou a
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
72
presidência do conselho do Instituto
PAPAI por alguns anos.
Aos poucos, fomos começando a nos
sentir parte desta “família”, entendida
aqui não como o espaço da harmonia
ou de eterna concordância mas como
um sistema que inclui atores e atrizes
em constante processo de negociação e
de conflitos (jogos de poder muitas
vezes atravessados por intentos de
dominação), mas também processos de
agência, onde se inclui a resistência,
mas também por vezes acomodações e
tantas outras maneiras de jogar que
mudam ao sabor dos limites e das
possibilidades.
Ou seja, pensar o feminismo como
“família” não é pensá-la
romanticamente como um
agrupamento monolítico, sem tensões.
Ao contrário, pensar o feminismo como
família é justamente uma estratégia
para explicitar que, sob o mesmo
“sobrenome”, há muitas diferenças na
forma de pensar e na forma de atuar.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
73
O bom disso tudo é que, ainda que
reconheçamos que há muitas
diferenças, há sempre o desejo de
construção do comum, da ação
coletiva. Isso é o que tanto nos atrai a
esta família, além do óbvio
reconhecimento de que o debate atual
sobre os homens e as masculinidades
têm suas raízes na luta feminista por
uma sociedade mais justa.31
31 A propósito, ficamos muito felizes quando
Mariana Azevedo, hoje coordenadora geral do
PAPAI, resolveu assumir o desafio de tomar os
“homens feministas” como objeto de sua
instigante e competente dissertação de
Mestrado em Sociologia, pela UFPE.
Recomendamos enfaticamente a leitura deste
trabalho.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
74
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
75
6. DIREITOS HUMANOS: UMA
ENTRADA NO “CAMINHO DAS
DROGAS”
Atuando no campo dos direitos humanos
e junto a jovens, nos aproximamos
invariavelmente do debate sobre drogas,
mais particularmente em relação ao
conceito de redução de danos, como
alternativa conceitual e política.
Já no final do segundo ano de existência
do Instituto PAPAI (1998), Jorge foi
convidado pelo Centro de Prevenção às
Dependências (CPD), coordenado por Ana
Glória Melcop, para colaborar na
organização do Seminário Itinerante
Latino Americano (SILA) 32, realizado em
Recife, em 2002.33
32 O SILA (ou LATS, na versão internacional)
foi idealizado em 1999 por um grupo de
especialistas de diferentes países que atuam
no campo das drogas. Seu objetivo é o
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
76
Posteriormente, colaboramos também na
organização, em 2002, na I Conferência
Internacional sobre Consumo de Álcool e
Redução de Danos, também em Recife e
novamente sob coordenação do CPD.
Vale ressaltar que a Associação
Internacional de Redução de Danos
(IHRA) define redução de danos como
desenvolvimento de políticas de drogas locais.
Uma vez que muitas das cidades da América
Latina estão sofrendo problemas relacionados
às drogas e – ao mesmo tempo - espera-se que
estas desenvolvam suas próprias políticas de
drogas, devido ao processo de
descentralização, o LATS pode auxiliar os
responsáveis locais no desenvolvimento de
políticas de drogas abrangentes, humanas e
eficazes, na tentativa de restringir os
problemas relacionados às drogas. Na época,
sete cidades estavam envolvidas neste projeto:
Rosário (Argentina), Santiago de Chile, La Paz
(Bolívia), Montevidéu (Uruguai), Curitiba,
Recife e São Luis (Brasil).
33 É importante ressaltar que as duas
principais redes nacionais de redução de
danos foram criadas em 1997 (ABORDA) e em
1998 (REDUC) e que as aproximações com o
campo da saúde mental se apenas em 2003 e
2004 quando a política de Atenção Integral aos
Usuários de Álcool e outras Drogas foi
instituída, migrando a política mais
propriamente para o campo da Saúde Mental,
como é até hoje.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
77
“políticas e programas que tentam
principalmente reduzir, para os usuários
de drogas, suas famílias e comunidades,
as consequências negativas relacionadas
à saúde, a aspectos sociais e econômicos
decorrentes de substâncias que alteram o
temperamento” (Policy Papers em
www.ihra.net).
Porém, como destaca, em publicação do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), o
então Presidente da Associação
Internacional de Redução de Danos, Alex
Wodak, redução de danos não se refere
exclusivamente ao campo das drogas. Ou
seja, embora o conceito de redução de
danos seja mais frequentemente
associado às políticas de atenção a
usuários de drogas ilícitas, seus
familiares e comunidade, desde o
surgimento do HIV/aids, as estratégias
de redução de danos vêm sendo
aplicadas em relação a outras temáticas
e essa leitura ampliada tem, raízes
profundas em nossa história.
Na China antiga, as autoridades
levantavam barreiras em volta de
canais para evitar que as pessoas
embriagadas escorregassem dentro
das águas geladas do inverno e
morressem de hipotermia.
Obviamente, isso não eliminava os
esforços para diminuir a
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
78
embriaguez, mas era estratégia
bem sucedida para proteger a
população. Aceitando que a
embriaguez sempre estará
presente, há algum tempo os
pesquisadores levantaram o
assunto de ‘deixar o mundo seguro
para quem bebe’. Foi nessa época
que os cintos de segurança foram
desenvolvidos para garantir que,
mesmo implementados os esforços
para diminuir a incidência da
mistura bebida-direção, eventuais
motoristas embriagados e seus
passageiros sobrevivessem ilesos a
um acidente de carro ilesos. Na
época, muitos criticaram a idéia,
alegando que os motoristas iriam
beber mais sabendo que sua
segurança seria maior ao usar o
cinto de segurança. A ‘hipótese da
compensação de risco’ ainda
persiste tantos anos depois e deve
sempre ser considerada quando
medidas de redução de danos são
implementadas. No entanto, deve-
se sempre considerar que novas
medidas introduzidas com a melhor
das intenções podem ter efeitos
imprevisíveis e negativos (p. 9).
Por outro lado, como afirma, Mónica
Franch, nesta mesma publicação, o
recado mais importante da comunidade
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
79
nacional e internacional reunida em
Recife em 2002, durante a I Conferência
Internacional sobre Consumo de Álcool e
Redução de Danos, foi sobre a
necessidade de integrar redução de
danos e lutas por cidadania.
Assim, em nosso trabalho, buscamos
produzir uma aproximação entre uma
leitura ampliada sobre este conceito e
suas possíveis aproximações ao campo
de intervenção em saúde, gênero, direitos
reprodutivos e juventude.34
Além disso, como consequência desta
aproximação, criamos no PAPAI, em
2001, um núcleo para cuidar mais
diretamente de projetos e ações políticas
voltadas à juventude e drogas.35 Foi
nesse Núcleo que começamos a delinear
o trabalho sobre drogas e RD junto aos
homens jovens da Escola Estadual
34 Uma das iniciativas foi o trabalho de
iniciação em pesquisa, de Maristela Moraes,
sob orientação de Jorge Lyra, que versava
sobre a experiência da paternidade para
jovens usuários de drogas.
35 Integravam este núcleo: Karla Galvão Adrião
(como coordenadora), Maristela Moraes (como
profissional), Maria Adrião e Daniel Costa
Lima (como estagiários).
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
80
Novaes Filho, no bairro da Várzea, nosso
lócus privilegiado de intervenções.
Em 2002, pós Conferência Internacional,
o Programa Nacional de Aids convidou
Maristela Moraes (como representante do
PAPAI e Rede Pernambucana de RD) e
Alda Roberta Campos (pelo CPD) para
uma reunião em Brasília, para pensar
estratégias de fortalecimento das “bases”
da RD e do protagonismo de usuários de
drogas nos estados.
Em Pernambuco, foi definida como meta
o apoio à criação da rede “Se Liga”,
coordenada por Marcílio Cavalcanti. Esta
rede na época, constituía-se como
importante articulação e foi uma das
primeiras associações formadas por
usuários de drogas, na América Latina.
Atuamos fortemente nesta rede,
especialmente via projeto “Sedimentando
e ampliando as ações de redução de
danos em Pernambuco”.36
Entre as várias ações desta articulação,
destacamos as campanhas em grandes
eventos, como o carnaval, o “Abril pro
Rock” etc. e o documentário “Redução de
36 Maristela Moraes coordenou este projeto por
dois anos.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
81
Danos um Olhar de Dentro” (Rede
Pernambucana de Redução de Danos),
lançado em 2004, com apoio do
Escritório das Nações Unidas contra
Drogas e o Crime (Undoc), do Programa
Nacional de DST/AIDS do Ministério da
Saúde e do Governo Federal. O roteiro, a
edição e a captação das filmagens do
documentário foram realizados pelos (as)
próprios (as) redutores (as) de danos
pernambucanos (as). Este vídeo tinha por
objetivo dar visibilidade às iniciativas de
controle social sobre as políticas de
Redução de Danos, desenvolvidas em
Pernambuco. Foi também produzido
outro vídeo no qual são apresentadas
estratégias de advocacy das pessoas que
usam drogas, exibido no Fórum Social
Nordestino que aconteceu em Recife, na
UFPE.37
Como reconhecimento desses
investimentos, em 2006, Maristela
Moraes assumiu a vice-presidência da
ABORDA (Gestão Diversidade e
37 Hemerson Moura foi um dos integrantes do
Papai com bastante atuação nestas ações.
Camila Santiago também participou como
estagiária, ligada principalmente ao Projeto
“Roda Brasil de articulação das ações de
redução de danos”, apoiado pelo PN-Aids e
UNODC.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
82
Participação, 2006-2008).38 Vale ressaltar
que foi nesta gestão da Aborda que ela
passou a se chamar Associação
Brasileira de Redutoras e Redutores de
Danos (antes apenas redutores), como
consequência das aproximações que
estimulamos com o campo de estudos e
ações políticas orientadas pelo olhar de
gênero.39
38 Maristela Moraes fez mestrado em Saúde
Pública e Doutorado em Psicologia Social e
hoje é docente
39 Outros documentos apresentam nossas
leituras sobre as aproximações entre gênero e
redução de danos, tais como a dissertação e
tese de Maristela Mores, o livro “Gênero e
drogas: contribuições para atenção integral em
saúde” publicado pelo PAPAI e a campanha
recentemente realizada junto aos
trabalhadores de Suape sobre uso de álcool.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
83
7. PROGRAMA H: produtos
potentes, articulação em rede e
grandes encontros
Logo no início do PAPAI, quando
formalizamos a instituição (em 1999),
iniciamos uma rica parceria, o
Programa H, que envolvia o Instituto
Promundo (Rio de Janeiro), a ECOS
Comunicação em Sexualidade (São
Paulo), e Salud y Género (México), com
apoio da Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS), a Organização
Mundial da Saúde (OMS), a
International Planned Parenthood
Federation/Western Hemisphere
Region (IPPF/WHR), a JohnSnowBrasil
e a Durex – SSL International.
O Programa H, liderado pelo visionário
e provocador Gary Baker, grande
amigo, teve por objetivo produzir
materiais e estratégias de intervenção
social com vistas a engajar homens
jovens e suas comunidades em
reflexões críticas sobre normas rígidas
relacionadas com a masculinidade. Na
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
84
época, não havia no mundo
praticamente nenhum material desta
natureza para trabalhar com a
população jovem masculina.
O material produzido incluiu atividades
educacionais em grupo e campanhas
comunitárias voltadas especialmente a
cinco temas:
1) Paternidade e cuidado
2) Sexualidade e saúde
3) DST/Aids
4) Violência de gênero
5) Razões e emoções
Esta iniciativa foi submetida a uma
avaliação de impacto no Brasil, na
Índia, nos Bálcãs e em várias
localidades da África subsariana,
concluindo-se que a realização de tais
atividades podem levar a mudanças
significativas nas práticas e
comportamentos entre jovens homens,
que incluem relatos de aumento no uso
de preservativos, melhora na
comunicação do casal e redução nos
relatos de uso de violência de homens
contra suas parceiras. Posteriormente,
o Programa H incluiu também em seu
escopo a questão do empoderamento
das mulheres (incorporando como
parceira a ONG World Education,
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
85
Estados Unidos) e da diversidade
sexual.
O Programa H foi reconhecido como
“boa prática para a promoção de
equidade de gênero” pela OPAS, e pelo
Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), Fundo de População
das Nações Unidas, Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), Banco Mundial e Ministério
das Relações Exteriores do Brasil.
Os principais produtos deste projeto
que ainda hoje orientam práticas na
instituição foram:
Manuais H e M - “Trabalhando
com homens jovens” e
“Trabalhando com Mulheres
jovens”
Vídeos em formato de desenho
animado sem palavras, apenas
sons e músicas, com 20
minutos de duração que pode
ser usado com mulheres e
homens jovens ou com
profissionais de saúde e
educação:
Minha vida de João! (2002),
filme que acompanha a
vida de um garoto e ilustra
aspectos de uma educação
sexista, situações de
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
86
violência doméstica,
primeira experiência
sexual, gravidez de sua
namorada, primeiro
emprego, entre outros,
como estratégia para
reflexão sobre processos de
socialização e sociabilidade
masculina.
Era uma vez outra Maria!
(2004) que focaliza a saúde
e autonomia das mulheres
jovens, a partir da historia
de Maria, uma garota que
busca construir uma outra
historia em sua vida (Apoio
da Oak Foundation, da
MacArthur Foundation e
da Secretaria Nacional de
Política para as Mulheres -
SPM Brasil).
“Medo de quê?“ (2005) que
narra história de Marcelo,
um garoto que descobre
desejo e afetividade por
outro rapaz jovem. O vídeo
acompanha parte de sua
trajetória e busca, por meio
de histórias e críticas a
esquemas simbólicos
provocar reflexões críticas
que contribuam para o
respeito à diversidade
sexual e redução da
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
87
homofobia (apoio do
Departamento de DST,
Aids e Hepatites Virais).
Esta experiência resultou também em
uma série de processos de capacitações
oferecidas para jovens, educadores,
ativistas e especialmente organizações
não-governamentais e entidades
públicas (secretarias de saúde,
prefeituras, secretarias da mulher,
operadores do direito etc.), acumulando
uma rica experiência na execução deste
tipo de experiência e um consolidado
programa de formação.
Os materiais produzidos pelo Programa
H foram traduzidos para muitas
línguas e atingiram mais de 80 países
ao redor do mundo. São até hoje
referidos como documentos
importantes para aqueles/as que
buscam desenvolver ações estratégicas
com homens ou que visam desenvolver
novas produções e vêem naquele
material conteúdo e formato potentes.
Mas, no desenvolvimento do Programa
H, o maior saldo não foram os
excelentes materiais produzidos nem a
potente articulação em rede com
organizações da América Latina, mas
especialmente os agradáveis encontros
e as grandes amizades que tiveram
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
88
início naquela época com pessoas que
ainda hoje mantemos algum contato,
apesar da distância física, tais como:
Gary Barker, Marcos Nascimento,
Margareth Arilha, Silvani Arruda, Silvia
Cavasin, Reginaldo Bianco, Benno de
Keijzer, Emma María Reyes, Gisela
Sánchez e Gerardo Ayala, entre muitos
outros.
Além disso, os grupos que idealizaram
esta produção original hoje fazem parte
de uma iniciativa global, que inclui
cerca de 600 instituições sediadas em
diferentes partes do mundo (em todos
os continentes), intitulada Rede
MenEngage (menengage.org), que têm
desenvolvido importantes estratégias de
intervenção pedagógica, política e de
advocacy. A Rede MenEngage e que já
organizou dois eventos internacionais:
um na cidade do Rio de Janeiro (em
2009) e outra em Nova Delhi, na Índia
(em 2014).
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
89
8. EVENTOS E ARTICULAÇÕES
IMPORTANTES PARA
CONSOLIDAÇÃO DE UM CAMPO DE
ESTUDOS E INTERVENÇÕES
POLÍTICAS
Dando continuidade ao intenso
processo de reflexão sobre o papel e o
lugar dos homens no contexto das
políticas de gênero e /ou feministas,
em âmbito nacional e internacional,
participamos de importantes Fóruns e
organizamos eventos que reuniram
profissionais de Organizações
governamentais e não-governamentais
em debates reflexivos e propositivos,
particularmente no campo da
sexualidade, reprodução e redução da
violência. Entre esses eventos,
destacamos os primeiros de maior
visibilidade:
Em 2000, participamos, a
convite da UNAIDS sobre
homens, HIV e promoção da
saúde.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
90
Em 2002, quando o Instituto
PAPAI, Promundo e ECOS
realizaram uma Conferência e
Oficina Internacional intitulada
“Homens Jovens como Aliados
na Promoção de Saúde e
Equidade de Gênero”. Este
evento contou com a
participação de cerca de 250
pessoas, representando mais
de 38 países de todos os
continentes, e também
representando organismos
internacionais como
WHO/PAHO, UNFPA,
Engenderhealth, UNICEF,
UNESCO entre outros.
Em 2003, a convite da
Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres, participamos
da reunião técnica preparatória
da 48ª Sessão da Comissão
sobre a Situação da Mulher
(CSW),40 uma das comissões
40 A Comissão sobre a Situação da Mulher,
uma das comissões funcionais do Conselho
Econômico e Social (ECOSOC) das Nações
Unidas, foi criada em 1946, com as seguintes
atribuições: elaboração de relatórios e
recomendações sobre a promoção dos direitos
das mulheres nas áreas política, econômica,
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
91
funcionais do Conselho
Econômico e Social das Nações
Unidas (ECOSOC). Esta
reunião foi realizada em
Brasília/DF, entre 21 e 24 de
outubro de 2003 e teve como
tema “O papel dos homens e
homens jovens na promoção da
equidade de gênero”. Este
evento contou com a presença
das então ministras Emília
Fernandes e a Matilde Ribeiro,
responsáveis respectivamente
pela Secretaria Especial de
Políticas parta as Mulheres e
Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial.
Neste mesmo ano,
participamos de um encontro
sobre paternidade, organizado
pela Universidade de Oxford,
na Inglaterra.
civil, social e educativa, e formulação de
medidas a serem adotadas no combate a
problemas urgentes no âmbito dos direitos das
mulheres. Posteriormente, a Comissão foi
também encarregada de rever e avaliar a
aplicação da Plataforma de Ação de Pequim,
adotada pela IV Conferência Mundial sobre
Mulheres, em 1995. Pode ainda receber
comunicações de indivíduos e grupos sobre
questões de discriminação contra as mulheres,
mas não se pronuncia sobre casos individuais.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
92
Entre 1 e 5 de março de 2004,
Jorge Lyra participou da 48ª
Sessão da Comissão sobre a
Situação da Mulher (CSW),
como representante brasileiro,
na qualidade de conferencista,
que aconteceu em Nova York.
Em 2005, participamos do I
Encontro sobre educação e
sexualidade na China, quando
apresentamos algumas de
nossas experiências no
trabalho com homens e
pudemos dialogar com
pesquisadores de vários países.
Em 2005 (em Sussex), 2007
(Dakar) e 2009 (Cape Town),
participamos, a convite de
Andrea Cornwall, de encontros
organizados pelo Institute of
Development Studies,
vinculado à Universidade de
Sussex, Inglaterra. Esses
temas abordaram a cada ano
um tema em particular, a
partir do viés de gênero e
desenvolvimento: direitos
sexuais (2005), patriarcado
(2007) e heteronormatividade
(2009).
Em 2009, o Instituto PAPAI
participou com o Promundo e
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
93
outros parceiros da
organização do Simpósio global
“Engajando homens e meninos
na igualdade de gênero” no Rio
de Janeiro, reunindo cerca de
500 ativistas, pesquisadores e
profissionais de 77 países. O
evento foi organizado em
colaboração com a MenEngage
Alliance.
Em âmbito nacional, a parceria com o
Promundo e a Ecos resultaram em uma
trajetória importante na organização dos
Seminários Brasileiros "Homens e
masculinidades", realizados desde 1998,
a partir de iniciativa da Ecos e do
IMS/UERJ, cujo objetivo é promover
encontros entre profissionais e
estudantes que atuam em Organizações
não-governamentais, Núcleos acadêmicos
de gênero, ativistas e gestores/as
públicos com vistas ao compartilhamento
de experiências e reflexões sobre
trabalhos com homens, em diferentes
contextos e a partir de diversos focos de
interesse, bem como estudos e pesquisas
sobre masculinidades, a partir do
enfoque de gênero e/ou feminista.
O primeiro encontro (em 1998) teve como
tema “Homens, sexualidade e
reprodução” e foi realizado em São Paulo,
promovido pelo Grupo de Estudos sobre
Sexualidade Masculina e Paternidade
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
94
(GESMAP) na época vinculado à ONG
ECOS - Comunicação em Sexualidade; e
pelo Programa de Estudos e Pesquisa em
Gênero, Sexualidade e Saúde (IMS) da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
contando com o apoio da Fundação
MacArthur e Fundação Ford. As outras
edições (2003, 2005, 2006, 2008 e 2010)
aconteceram em Recife.
O segundo, em 2003, teve como tema
“Homens, gênero e políticas públicas:
Tempos, práticas e vozes”. Foi organizado
pelo Instituto PAPAI e pelo Núcleo
Família, Gênero e Sexualidade (FAGES)
da UFPE (ambos filiados a Rede
Feminista Norte-Nordeste de Estudos e
Pesquisas sobre Mulher e Relações de
Gênero (REDOR), em parceria com o
Núcleo de Estudos de População (NEPO)
da UNICAMP e projeto Pegapacapá, com
apoio da Fundação Ford, CNPq e Núcleo
de Estudos Americanos da UFPE
(MEDRADO; FRANCH; LYRA; BRITO,
2004). A inscrição de trabalhos superou
as expectativas da comissão organizadora
do evento, que nomeou um comitê de 18
especialistas para avaliar os trabalhos.
Foram inscritos 117 trabalhos, dos quais
112 foram selecionados, divididos em 88
apresentações orais e 19 pôsteres.
Participaram cerca de 300 pessoas.
Paralelo ao 2º seminário aconteceram
também reuniões de articulação co
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
95
profissionais que trabalham
problemáticas de gênero, tais como: a
reunião da Campanha Brasileira do Laço
Branco: Homens pelo fim da violência
contra a mulher, reunião entre
organizações da sociedade civil e
representante da Área Técnica de Saúde
do Adolescente e do Jovem do Ministério
da Saúde sobre Políticas Públicas para
juventude em gênero e cidadania;
reunião sobre Série Trabalhando com
Homens Jovens, reunião do Grupo
Masculinidades da CN-DST/Aids para
discutir as estratégias e os temas para
materiais educativos junto a população
masculina; reunião do Movimento de
Adolescentes do Brasil (MAB) etc.
Vale ressaltar que o apoio da Fundação
Ford para realização deste evento, como
parte de um projeto institucional mais
amplo, foi fundamental para seu êxito.
Além deste e de outros eventos
subsequentes, a Ford apoiou ações
importantes e estratégicas do Instituto
PAPAI, especialmente no que se refere ao
trabalho com jovens e as ações pelo fim
da violência de gênero.
Em 2005, aconteceu o 3º encontro, tendo
como foco a participação popular. A
organização ficou sob a responsabilidade
do PAPAI e do Núcleo FAGES, além do
Núcleo de Estudos sobre Gênero e
Masculinidades (Gema) da UFPE. Neste
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
96
encontro, privilegiou-se a discussão com
grupos sociais com os quais estas
instituições têm atuado, entre eles os
grupos de homens jovens urbanos,
indígenas e reassentados do sertão de
Pernambuco.
O 4º Seminário aconteceu em 2006 e teve
como tema “homens e feminismos: entre
a produção acadêmica e a pauta política,
a partir de parceria entre Instituto PAPAI,
Gema/UFPE, Núcleo FAGES/UFPE e a
REDOR. Este encontro teve o objetivo de
promover um encontro entre
especialistas (acadêmicos e ativistas)
brasileiros que atuam no campo da
saúde, com vistas a rever a política ou
linha de intervenção em saúde pública e
as atuais propostas dos movimentos
sociais, abrindo canais para pensar os
homens, a partir do enfoque feminista.
Pretendeu-se contribuir assim,
especialmente, para o fortalecimento de
iniciativas governamentais e não-
governamentais voltadas a sexualidade e
direitos reprodutivos, tendo em
perspectiva as atuais reivindicações e
impasses do movimento feminista
nacional (AMB, 2002), bem como o atual
Plano de Ação intitulado "Direitos
Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma
prioridade de governo" da Área Técnica
da Saúde da Mulher/Ministério da Saúde
(BRASIL, 2005); as propostas oriundas
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
97
do Plano de ação das Conferências
Nacionais de políticas para as mulheres
da Secretaria Especial de Políticas para
as Mulheres (BRASIL, 2004), além de
iniciativas de Órgãos internacionais que,
desde o final da década de 90, têm
proposto e implementado políticas
públicas em saúde que incluem os
homens, como uma forma de promover a
equidade de gênero (UNITED NATIONS,
1994).
Em 2008, realizamos o 5º Seminário cujo
tema foi políticas públicas em saúde, a
partir de parceria entre Instituto PAPAI,
Gema/UFPE, Núcleo Margens/UFSC e
Promundo, com o apoio de ChildHope,
CIDA/Canadá, CNPq, Fundação FORD,
Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA), Ministério da Saúde, WCF-
Brasil.
Com este encontro, buscou-se promover
a visibilidade e troca de conhecimentos e
práticas no campo das políticas públicas
voltadas aos homens e/ou sobre
masculinidades, a partir do enfoque de
gênero e/ou feminista, em sua interface
com a produção acadêmica, os
movimentos sociais e a gestão pública.
Buscou-se, mais especificamente,
focalizar políticas de saúde, paternidade
e direitos reprodutivos, diversidade e
diretos sexuais e violência e direitos
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
98
humanos, a partir da exposição em
mesas e apresentação de trabalhos que
contemplavam reflexões político-
conceituais, pesquisas empíricas e
experiências de intervenção social,
ressaltando a interação complexa entre
gênero e outras dimensões sociais, como
raça/etnia, classe e geração.
Os trabalhos selecionados apresentaram
reflexões a partir de experiências de
pesquisa e intervenção política realizadas
em diferentes estados do Brasil: Alagoas,
Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais,
Espírito Santos, Pará, Paraíba,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Norte, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e São Paulo. Como produto final
do Encontro produzimos um DVD
intitulado “Homens, gênero e políticas
públicas”, com as sínteses dos diálogos
realizados.
Nesse ano (2008), publicamos um artigo
no qual traçamos uma possível matriz
feminista de gênero para os estudos
sobre homens e masculinidades,
publicado pela Revista Estudos
Feministas.41
41 MEDRADO, Benedito ; LYRA, Jorge. Por
uma matriz feminista de gênero para os
estudos sobre homens e masculinidades.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
99
O Seminário Homens e Masculinidades
mais recente, aconteceu em 2010, tendo
como tema “Homens e masculinidades:
práticas de intimidade e políticas
públicas”, promovido pelo Instituto
PAPAI, o Núcleo de Pesquisas em Gênero
e Masculinidades, vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da
UFPE, a Associação Brasileira de
Psicologia Social (ABRAPSO), a Rede
Brasileira de Homens pela Equidade de
Gênero (Rheg), o Núcleo
Margens/Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), o Promundo/RJ e o
Fórum LGBT de Pernambuco.
Do total de 108 propostas submetidas,
foram selecionados 103 trabalhos. Em
relação à edição anterior (2008),
observou-se um aumento no número de
trabalhos (de 88 para 103) e ao mesmo
tempo uma maior concentração em
trabalhos sobre o tema “Homens e
políticas públicas em saúde”, certamente
motivada pelo recente processo de
implantação da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde do Homem.
Como palestrantes, participaram do
encontro 41 convidados/as e uma
Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso),
v. 16, p. 809-840, 2008.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
100
audiência cerca de 310 pessoas, entre
estudantes de graduação e pós-
graduação, pesquisadores, profissionais
da rede pública, gestores públicos e
ativistas. Em relação à origem dos
trabalhos, recebemos resumos de
diferentes estados do Brasil.
Vale ressaltar que um dos temas
principais deste encontro foi a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Homem (PNAISH), instituída pelo
Governo Federal, em 2008. Instituto
PAPAI foi parceiro ativo na construção
desta política, a partir do qual foram
definidas iniciativas que visam à
formulação e implementação de ações
aos homens, particularmente no campo
da saúde.
Ao longo desta década, os Seminários
Brasileiros “Homens e masculinidades”,
vem se consolidando como espaço
privilegiado de encontros entre
pesquisadores/as, ativistas e
profissionais inseridos/as em governos
federais, estaduais e municipais, para
compartilharem discussões conceituais,
éticas e políticas e para apontarem
outros/novos caminhos a serem trilhados
nesse campo de produção de
conhecimentos e intervenções.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
101
9. VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UMA
QUESTÃO PARA OS HOMENS.
A parceria com o Promundo e a Ecos
também se configurou em um conjunto
de iniciativas voltadas ao tema da
violência de gênero, organizando,
desde 2000, no Brasil, a Campanha
Brasileira do Laço Branco, cujo lema é
“Homens pelo fim da violência contra a
mulher”.
A Campanha Brasileira do Laço
Branco tem como objetivo sensibilizar,
envolver e mobilizar os homens no
engajamento pelo fim da violência
contra a mulher. Suas atividades são
desenvolvidas em consonância com as
ações dos movimentos organizados de
mulheres e de outros atores e atrizes
sociais que buscam promover a
equidade de gênero, através de ações
em saúde, educação, trabalho, ação
social, justiça, segurança pública e
direitos humanos.
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias
102
Esta campanha surgiu a partir de um
triste episódio. No dia 6 de dezembro de
1989, um rapaz de 25 anos (Marc
Lepine) invadiu uma sala de aula da
Escola Politécnica, na cidade de
Montreal, Canadá, gritando: “Onde
estão as feministas!?” Ele ordenou que
os homens (aproximadamente 48) se
retirassem da sala, permanecendo
somente as mulheres. Em seguida, ele
começou a atirar enfurecidamente e
assassinou 14 mulheres, à queima
roupa. Em seguida, suicidou-se. O
rapaz deixou uma carta na qual
afirmava que havia feito aquilo porque
não suportava a idéia de ver mulheres
estudando engenharia, um curso
tradicionalmente dirigido ao público
masculino.
O crime, que ficou conhecido como o
“Massacre de Montreal”, mobilizou a
opinião pública daquele país, gerando
amplo debate sobre as desigualdades
entre homens e mulheres e a violência
gerada por esse desequilíbrio social.
Assim, um grupo de homens
canadenses decidiu organizar-se para
dizer que existem homens que cometem
a violência contra a mulher, mas
existem também aqueles que repudiam
essa violência. Eles elegeram o laço
branco como símbolo e adotaram como
lema: jamais cometer um ato violento
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Livro do I. PAPAI - ong feminista que trabalha com homens e masculinidades

  • 1.
  • 2. Benedito Medrado e Jorge Lyra PRODUZINDO MEMÓRIAS PARA ALIMENTAR UTOPIAS: Narrativas sobre uma organização feminista brasileira que, desde 1997, ousa trabalhar com homens e sobre masculinidades. Recife | Janeiro de 2015 Recomendamos a reprodução, total ou parcial, desta obra, desde que não haja fins de lucro e que seja citada a fonte. Licença: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.pt Edição virtual, disponível a partir de janeiro de 2015 em: www.genero.org.br P962 Produzindo memórias para alimentar utopias: Narrativas sobre uma organização feminista brasileira que, desde 1997, ousa trabalhar com homens e sobre masculinidades / Benedito Medrado; Jorge Lyra – 1.ed. – Recife: Instituto PAPAI, 2014. 196 p. Inclui referências 1. Feminismo. 2. Homens. 3. Masculinidades. 4. Movimentos sociais. 5. Pesquisa. 6. Sexualidade. 7. Direitos reprodutivos I. MEDRADO, Benedito. II. LYRA, Jorge. 305 CDU (http://www.udcc.org)
  • 3. SUMÁRIO Prefácio........................................... 7 Introdução: quando recordar é “voltar a passar pelo coração”........................ 13 1. Uma história e uma leitura mais ampla.............................................. 21 2. Os primeiros passos .................... 31 3. Sobre paternidade na adolescência ....................................................... 41 4. Juventude a partir de leituras críticas sobre gênero e geração .................... 57 5. Uma organização feminista.......... 65 6. Direitos humanos: uma entrada no “caminho das drogas”...................... 75 7. Programa H: produtos potentes, articulação em rede e grandes encontros ....................................................... 83 8. Eventos e articulações importantes para consolidação de um campo de estudos e intervenções políticas....... 89 9. Violência de gênero: uma questão para os homens. ..................................... 101 10. Pesquisa e militância no campo da saúde pública e hiv/aids................. 113 11. Direitos sexuais como direitos humanos......................................... 119 12. Entre a missão e a gestão.......... 127 12. À guisa de não concluir ............. 137 Posfácio .......................................... 151 Referências ..................................... 159 Memórias em imagens..................... 171
  • 4. 7 PREFÁCIO Este espaço havia sido reservado para uma pessoa muito especial, em nossa formação como pessoas, como cidadãos e como profissionais. Também importante nos primeiros e fundamentais passos para a construção de algumas das narrativas apresentadas neste texto: a educadora, pesquisadora e militante da causa feminista Fúlvia Rosemberg. Diante da imponderabilidade da vida, resolvemos transcrever abaixo partes de um texto que publicamos recentemente a convite da Revista Estudos Feministas, na sessão “In memoriam”. Foi Fúlvia quem nos apresentou a Fundação Carlos Chagas, onde encontramos os textos que nos ajudaram 8 a definir, na época, nossos objetos de pesquisa na Pós-graduação.1 Também foi Fúlvia quem nos apresentou a organização Não Governamental ECOS – Comunicação em Sexualidade, na época coordenada por uma de suas ex- orientandas (Silvia Cavasin). Na ECOS, conhecemos pesquisadores/as que tinham o prazer do encontro e o desejo de produzir uma ciência comprometida com a transformação social, entre eles/as alguns/mas que têm por Fúlvia muito carinho e gratidão, tais como: Margareth Arilha, Leandro Andrade, Elizabete Franco Cruz (que foram seus orientandos) e Sandra Unbehaum. Foi Fúlvia também quem nos incentivou a fundar o Instituto PAPAI e o Gema/UFPE e a seguir no desenvolvimento de pesquisa e outras intervenções políticas sobre homens e masculinidades, a partir da perspectiva feminista de gênero. 1 Jorge foi seu orientando; Benedito, seu aluno.
  • 5. 9 Na verdade, foi ela quem idealizou o PAPAI, incentivando-nos a apresentar nosso primeiro projeto ao edital da MacArthur, quando finalizávamos nossas dissertações (em 1997). Apresentamos um esboço muito capenga e ela, depois de um café e um cigarro, voltou com “gosto de gás” (como se diz por essas bandas) e embarcou conosco na viagem. Ela elaborou conosco o projeto e desenhou as principais linhas de ação, que envolviam, já em seu primeiro esboço, a tríade ensino, pesquisa e extensão. Essa tríade tinha como inspiração os Núcleos Universitários de Estudos sobre a Mulher da década de 1980. Fúlvia nos indicou pessoas de contato. Nos ajudou a escolher o nome da instituição (segundo ela o ideal seria uma sigla que fosse também um substantivo) e a pensar a ideia do boneco gigante de Olinda como dispositivo cultural que poderia promover a visibilidade de cenas de cuidado promovidas por homens. Até a viagem feita de São Paulo a Recife para articular parcerias foi paga com suas milhas. 10 Foi ela quem nos ajudou a definir o “cuidado” como princípio ético norteador das ações com/sobre homens a partir da perspectiva feminista de gênero, dando visibilidade à ideia de que, em nossa cultura, o cuidado é tanto desvalorizado como radicalmente atribuído às mulheres, menos como direito e mais como obrigação, ao passo que os homens são alijados e muitas vezes se alienam da possibilidade dessa experiência. Quem teve o prazer de ler as produções de Fúlvia e conviver com ela, há de concordar conosco que Fúlvia era, na mesma medida, exigente e cuidadosa. Apaixonada e apaixonante. Gostava de quem tinha paixão pela vida, como ela. Para quem quiser acessar uma lista das produções acadêmicas de Fúlvia Rosemberg, recomendamos uma visita ao seu currículo (disponível jna Plataforma Lattes) Fúlvia Maria de Barros Mott Rosemberg, atualizado pela última vez, em 14/08/2014, menos de um mês antes do seu falecimento (12/09/2014).
  • 6. 11 Neste currículo, ela se apresenta da seguinte forma: “Possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1965) e doutorado em Psychobiologie de l'Enfant - Ecole Pratique des Hautes Etudes /Université de Paris (1969). Atualmente é pesquisadora consultora da Fundação Carlos Chagas, professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde coordena o Negri (Núcleo de Estudos de gênero, raça e idade). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social e Estudos Sociais da Infância, atuando, principalmente, nos seguintes temas: relações raciais, relações de gênero, relações de idade, ação afirmativa, educação e educação infantil”. Compilamos alguns textos e vídeos em que Fúlvia defende argumentos e apresenta reflexões éticas, políticas e conceituais sobre feminismo, sobre defesa dos direitos das crianças e sobre igualdade racial. Esse material está disponível no site www.genero.org.br 12 Como Fúlvia não era, de forma algum, uma pessoa óbvia ou previsível, não temos ideia do ela que escreveria neste prefácio. Contudo, jamais poderíamos pedir a alguém para fazê-lo em seu lugar, ainda que sejamos profundamente gratos aos amigos e amigas, citados no curso deste texto,2 que, ao longo dessa trajetória, tornaram possível a construção dessas boas memórias. Assim, registramos, aqui mais uma vez, nossa gratidão à Fúlvia, eterna educadora, pelos incentivos, trocas, confiança, compartilhamento de saberes, boas risadas... e taças de vinho. 2 Desculpem-nos aqueles e aquelas que, por algum lapso, não tenham sido referidos.
  • 7. INTRODUÇÃO: Quando recordar é “voltar a passar pelo coração” Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu. Como conseguirei saber do que nem ao menos sei? assim: como se me lembrasse. Com um esforço de "memória", como se eu nunca tivesse nascido. Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne viva. Clarice Lispector Dizem que a distância aproxima. E talvez tenho sido mesmo a distância que nos permitiu a produção dessas lembranças em “carne viva”, nas palavras de Clarice. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 14 E, de fato, as primeiras linhas deste texto foram produzidas quando estávamos distantes, fisicamente, um do outro e quando talvez nos sentimos distantes o suficiente de um passado de intensas memórias que transformaram utopias em práticas, as quais alimentaram novas utopias. Apresenta-se, assim, como “fragmentos de memória”, sem compromisso com a linearidade ou a formalidade acadêmica, a partir dos quais pretendemos dar visibilidade à relevante trajetória do Instituto PAPAI, na construção do campo de estudos, pesquisas e incidência política que se configurou nos últimos anos, no Brasil, com/sobre homens e masculinidades, a partir da perspectiva feminista e/ou de gênero.3 3 Embora as narrativas aqui apresentadas tomarem o Instituto PAPAI como objeto central, vale salientar que esta organização, obviamente, não foi a única responsável pelo desenvolvimento deste campo. Organizações e grupos como a ECOS, o Promundo, o Núcleo Margens/UFSC, o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, a Fundação Carlos Chagas, o grupo PIPA/MG, o Núcleo Pagu/Unicamp, a Faculdade de Medicina da
  • 8. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 15 Como nos alerta Eduardo Galeano, em uma série de programas de televisão exibidos pelo Canal Encuentro do Ministerio de Educación de la Nación (Uruguay, 2008), a palavra recordar tem origem do latin Recordis, verbo que significa tão somente “voltar a passar pelo coração”. Assim, nos adverte Galeano, a memória não ocupa só o lugarzinho que a ciência lhe atribui, em algum lugar do cérebro. Ela está no cérebro, no coração (ou naquilo que assim se convencionou chamar a inscrição física dos afetos) e em todas as partes. Ela é nossa melhor amiga e nossa pior inimiga. É nossa melhor amiga quando nos ensina a não voltar a tropeçar na mesma pedra. E é nossa pior inimiga quando nos convida a preferir a nostalgia ao invés da esperança.4 USP, o Instituto Fernandes Figueira, entre outros, são relevantes atores na construção deste campo. 4 Tradução nossa a partir do vídeo-aula disponível em: MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 16 Tendo essa ideia de memória como referência, alertamos, de antemão, que não consideramos esta como a única, nem a melhor forma de narrar essa trajetória. Como bem argumenta nosso amigo, o historiador Durval Albuquerque Júnior, a história não nos revela, não apazigua, mas sim produz dúvidas, coloca e recoloca problemas sem a intenção de resolvê-los ou eliminá-los: A história não é um ritual de apaziguamento, mas de devoração, de despedaçamento. Ela não é bálsamo, é fogueira que reduz a cinzas nossas verdades estabelecidas, que solta fagulhas de dúvidas, que não torna as coisas claras, que não dissipa a fumaça do passado, mas busca entender como esta fumaça se produziu (2007, p. 354). Nesta perspectiva, situamos a fundação do Instituto Papai em 10 de janeiro de 1997, quando assinamos um documento junto à Universidade https://www.youtube.com/watch?v=YuImGZL O-hI, acessado em 27 de julho de 2014.
  • 9. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 17 Federal de Pernambuco. Nesta época, tínhamos 28 anos (Jorge) e 24 anos (Benedito). Por meio daquele documento formal, uma espécie de “registro de nascimento”, assumimos o compromisso de desenvolver o Programa de Apoio ao Pai, tendo como foco de interesse a paternidade na adolescência e como missão trazer para primeiro plano de discussão a importância da participação jovem e masculina no campo da saúde, sexualidade e reprodução, a partir do desenvolvimento de atividades de pesquisa e ação política interventiva. Iniciativa pioneira na América Latina, este projeto contou com o apoio de um programa de bolsas da Fundação MacArthur e teve por base os princípios das organizações de defesa de direitos humanos, no campo feminista, e como modelo os núcleos acadêmicos de estudos sobre a mulher e relações de gênero no Brasil, que se estruturam a partir do tripé ensino, pesquisa e intervenção política comunitária.5 5 Essa relação indissociável entre ensino- pesquisa-intervenção política compreende os pilares da produção acadêmica. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 18 Os conceitos e argumentos que deram base à elaboração deste primeiro projeto estão apresentados em nossas dissertações de mestrado, desenvolvidas na PUC/SP. 6 Este projeto que deu origem ao Instituto PAPAI veio, assim, antes mesmo de sua existência formal, como pessoa jurídica. Tal proposta já continha em seu cerne o desejo de se constituir como algo mais amplo, porém, inicialmente, compreendia uma bolsa individual que a Fundação MacArtur havia concedido a Jorge Lyra, após intenso processo de seleção nacional. Registramos aqui nosso reconhecimento e agradecimento às coordenadoras da MacArthur, à época, Carmem Barroso e Sheywa Spindel, bem como ao comitê avaliador constituído por Jurandir Freire Costa, Caio Rosenthal, Leila Linhares Barsted, Laura Greenhalgh, Edson Cardoso e Albertina Costa e também das 6 Fúlvia Rosemberg e Mary Jane Spink foram importantes interlocutoras no desenho deste projeto.
  • 10. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 19 mentoras/avaliadoras Jaqueline Pitanguy e Estela Aquino. No processo de institucionalização formal, foram também de grande importância as sugestões e recomendações de Carmem Barroso, Stuart Burden e Jaqueline Camargo. Vale ressaltar que na elaboração deste texto buscamos registrar os acontecimentos e pessoas que tornaram essa história uma produção coletiva e um empreendimento compartilhado com vários/as em diferentes ocasiões e desafios. Não estamos aqui preocupados com o conteúdo, mas com os processos. Não estamos preocupados em sermos “fiéis aos fatos” porque não partimos de uma leitura realista sobre memória. O que nos comprometemos aqui foi, sobretudo, em fazer um exercício de (re)cordar e refletir criticamente sobre nossas escolhas, decisões e possíveis erros, colocando em suspensão e suspeição as ideias que acreditamos e defendemos. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 20 Portanto, por favor, leiam esse texto duvidando do que escrevemos, da mesma maneira que nós, seja por lapsos de memória ou por efeitos inevitáveis de uma leitura pro tempore.
  • 11. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 21 1. UMA HISTÓRIA E UMA LEITURA MAIS AMPLA O projeto que deu origem ao PAPAI foi desenvolvido em consonância com as plataformas de duas conferencias internacionais de grande relevância para o movimento feminista brasileiro: a IV Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994, no Cairo, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Beijim. Nesses dois fóruns de discussão, afirmou-se como diretriz a busca de uma maior participação masculina na promoção dos direitos sexuais e reprodutivos. Como destaca o texto final do relatório da Conferência do Cairo: O envolvimento masculino deve ser estimulado principalmente em situações associadas à saúde materno-infantil e à prevenção MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 22 de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV/Aids. (…). No contexto destes esforços, a prevenção de violência contra mulheres e crianças requer atenção especial (UNITED NATIONS, 1994). Em linhas gerais, tanto o movimento feminista como o movimento em defesa dos direitos sexuais questionaram valores tradicionais, impondo uma reavaliação da noção de masculinidade hegemônica: branca, heterossexual, dominante. Nessas reflexões se evidenciaram alguns homens e algumas masculinidades, particularmente a machista, a homofóbica e a homoerótica. Porém, dessa reflexão, foram excluídos muitos homens e diversas expressões de masculinidade e modos de subjetivação masculina, pois como bem descreve Robert (hoje, Raewyn) Connell (1995),7 a masculinidade hegemônica é um 7 Há cerca de 10 anos, Connell alterou seu nome, de Robert para Raewyn, e passou a publicar suas novas obras com essa assinatura, além de reeditar os livros antigos. Submeteu-se também ao tratamento hormonal e à cirurgia de transgenitalização.
  • 12. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 23 modelo cultural ideal – não é, portanto, atingível por praticamente nenhum homem. Como discutimos em publicação recente organizada pela Profa. Eva Bly (BLY, 2014), este conceito de masculinidade hegemônica foi submetido a duras críticas, muito bem condensadas num artigo de Fabricio Fialho (2006), publicadas pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Neste artigo, o autor questiona o uso do conceito de hegemonia, por Connel, tendo por base a leitura de Antonio Gramsci: O adjetivo “hegemônico”, derivado de Gramsci, surge como um sério problema teórico, uma vez que o termo implica constante luta pela posição de preponderância. Se é fato que ainda existe uma forma hegemônica de masculinidade, trata-se de refletirmos a respeito da questão: formas distintas de masculinidade, ao se contraporem à predominante, buscam ocupar tal posição hegemônica ou, será que o que pretendem é, sobretudo, reconhecimento como uma forma também legítima e possível de MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 24 experienciar a masculinidade? (FIALHO, 2006, p. 01) Apesar da crítica ao uso que Connel faz do conceito de hegemonia, Fialho (2006) concorda com a proposição daquele autor sobre as “masculinidades plurais” e sobre a multiplicação de formas de se vivenciar a masculinidade. Naquela época, o que se apresentava como novidade nesse campo de discussões era exatamente a percepção dos contextos e condições particulares que põem por terra a noção de homem genérico (universal), passando-se a ver os homens como também orientados por um modelo cultural ideal e inseridos numa cultura caracterizada por relações sociais hierárquicas, por relações desiguais de poder, por relações de gênero. Destaca-se, assim, o interesse por entender como os homens se posicionam no contexto das relações de gênero e que alternativas discursivas sua cultura lhes oferece. Em outras palavras, a idéia de que os homens em geral não se interessam por questões relativas à sexualidade e reprodução e de que o planejamento reprodutivo e o cuidado dos/as filhos/as são atribuições e responsabilidades das mulheres está
  • 13. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 25 embasada numa visão machista e sexista, que impede o pleno exercício de direitos sexuais e dos direitos reprodutivos dos homens e das mulheres. São limitações impostas por padrões culturais, que se inscrevem em práticas preconceituosas e em uma estruturação familiar patriarcal, na qual os homens ocupam quase sempre o lugar da honra, da moral, do respeito e do controle patrimonial e provisão material. Poucas vezes o lugar do cuidado. Parafraseando Simone de Beauvoir, sempre dissemos que os homens não nascem homens. Tornam- se homens, a partir de uma série de dispositivos que regulam e orientam os modos de subjetivação masculina. Porém (e felizmente!) como diz Michel Foucault, onde há poder, há resistência; há agência criativa. Por isso, nem todo homem é ausente ou irresponsável e, muitas vezes, os próprios serviços de saúde, educação e equipamentos sociais de direito não compreendem, não estão dispostos e nem preparados para identificar e responder a demandas de homens que buscam exercer seus direitos no campo da sexualidade ou da reprodução. Essa leitura resultou numa progressiva mudança de ótica, passando de uma MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 26 visão de que a não-participação masculina na vida doméstica decorreria exclusivamente do machismo de cada homem, para uma outra em que procura-se compreender quais as condições materiais, simbólicas, históricas e institucionais criadas pela sociedade e por seus dispositivos de controle e regulação para oprimir as mulheres reservando-lhes o doméstico com único destino, mas também criando barreiras para o envolvimento de homens na vida doméstica e no cuidado de si e dos outros: barreiras culturais e ideológicas, institucionais e relacionais. Assim, no campo da sexualidade e da saúde reprodutiva, teve início, especialmente na América Latina e Caribe, um conjunto de estratégias para envolvimento dos homens em questões relativas à sexualidade e à vida reprodutiva, por um lado, e de uma revisão dos sistemas e equipamentos sociais destinados à garantia de direitos sexuais e reprodutivos, por outro. Essas iniciativas têm enfrentado vários obstáculos, entre os quais: 1) uma legislação deficitária e ainda profundamente arraigada a um modelo patriarcal de família e a uma leitura
  • 14. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 27 heteronormativa da saúde e da sexualidade; 2) a falta de preparo dos profissionais de saúde, educação e direitos para escutar e atender a população masculina; 3) a ausência de materiais educativos específicos que abordem os princípios e potenciais estratégias de ação para o trabalho com homens e sobre masculinidades; 4) a falta de interesse de alguns homens em cuidar de sua saúde e de se envolver no movimento pelos direitos sexuais e reprodutivos; 5) a leitura equivocada de alguns homens e de algumas mulheres de que seria necessária uma reedição do movimento feminista, agora feito à luz dos direitos dos homens. Além disso, é notória a ausência de interesse e recursos governamentais para formular e executar programas desta natureza que tenham por base uma agenda política referenciada nas propostas e demandas do movimento feminista (ARILHA, 1999). Para dar conta da complexidade deste problema, sempre defendemos que, apesar de necessária e importante, não era suficiente apenas a sensibilização e o envolvimento dos homens. Mudanças MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 28 estruturais e simbólicas são sempre necessárias às grandes mudanças.8 Assim, são necessárias também problematizações, a partir da perspectiva feminista de gênero, também sobre os espaços, temas e contextos que forjam e valorizam uma “subjetividade masculina”, marcados por exemplo, pela militarização da segurança, pelos conflitos urbanos, pelas guerras em geral, pelas competições e explorações no campo da (grande e pequena) economia e do mercado. A partir de aproximações com a leitura psicossocial proposta por Mary Jane Spink (1999) e com as reflexões críticas sobre a intervenção de base feminista na América Latina (ÁVILA, 2005), definimos uma abordagem que considerava tanto o tempo da interação (onde se configuram as relações interpessoais, as práticas, os agenciamentos dos homens em suas relações cotidianas), como também o tempo vivido (ou tempo da 8 Essas ideias foram fortemente defendidas por Sônia Correa no I Seminário “Homens e masculinidades”, organizado em 1998 pela ECOS e UERJ.
  • 15. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 29 socialização e da instituicionalização de dispositivos de controle e regulação dos modos de subjetivação masculina) e o tempo longo (onde se conformam as normas sociais, os conceitos, os valores, ou seja os símbolos e as formações culturais que definem um padrão cultural ideal). No plano da ação, passamos a defender a necessidade de projetos que pudessem aliar essa abordagem tríade de tempo e que alinhasse a intervenção política à produção de conhecimento. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 30 A partir dessa abordagem, idealizamos o projeto que deu origem ao Instituto PAPAI, originalmente, denominado de Programa de Apoio ao Pai (de onde vem a sigla PAPai).9 9 O PAPAI, antes uma sigla, foi pouco ao pouco se configurando como um substantivo e passando a se referir mais diretamente à ideia de cuidado (de si e dos outros), princípio fundamental que ainda hoje orienta a pauta política da instituição.
  • 16. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 31 2. OS PRIMEIROS PASSOS Como dito antes, o primeiro projeto que deu origem ao Instituto PAPAI tinha como foco a paternidade na adolescência e como meta produzir um espaço de experimentações, produção de conhecimento e incidência política no campo da sexualidade e direitos reprodutivos, no Brasil. Karla (Karlinha) Galvão, Pedro (Pedrinho) Nascimento, Nadjanara (Narinha) Vieira, Luciana (Luck) Melo, Adriano (Xiló) Silva, Julia Costa Lima, João Bosco Júnior, Cláudio Pedrosa, Maristela (Maris) Moraes e Dolores (Tina) Galindo foram importantes “cúmplices” deste desafio inicial. Boas memórias desses tempos em que sabíamos tão pouco ao ponto do desejo MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 32 e dos sonhos por vezes não terem limites... Inicialmente, a sede do PAPAI situava- se numa das salas da Clínica Psicológica, do Departamento de Psicologia, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),10 compondo-se de homens e mulheres, profissionais e estudantes. Mesmo não sendo ainda docentes da universidade, tivemos apoio do Departamento de Psicologia e financiamento do Programa de Incentivo à Capacitação Docente e Técnica (PICDT/CAPES) da UFPE, por via de uma modalidade de bolsa voltada à estudantes recém graduados. Este apoio possibilitou a realização do mestrado e, consequentemente, a elaboração do projeto de retorno à universidade. A inserção numa instituição mais ampla (que promove atividades de ensino, pesquisa e extensão de forma articulada) nos permitiu a interação 10 As professoras Aida Novelino, Fátima Santos e Rubenilda (Rosinha) Barbosa deram fundamental apoio neste processo inicial.
  • 17. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 33 com diversas instâncias, maximizando esforços e viabilizando a construção de nossa autonomia institucional. As ações desenvolvidas naquela época já trazia em seu bojo uma preocupação em articular pesquisa, ensino e intervenção política, em consonância com a abordagem descrita no tópico anterior. Do ponto de vista da intervenção direta junto à comunidade, nossa principal ação eram os grupos de apoio aos companheiros das adolescentes grávidas a partir de um modelo de oficinas sócio-pedagógicas e aconselhamento psicológico. Associado a este serviço, buscávamos produzir diferentes estratégias para dar visibilidade ao tema, entre elas organização de eventos, apresentação de trabalhos em congressos, participação em atos públicos organizados pelo movimento feminista local e nacional e a organização de atividades de comunicação criativa e estratégicas, como o bloco de carnaval que tinha como protagonista um boneco gigante de Olinda, que figurava a imagem de um pai, segurando seu bebê e desfilando pelas ladeiras do Centro Histórico da cidade. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 34 Desde aquela época, defendíamos que era necessário acionar diferentes estratégias para promover a desconstrução simbólica e material de práticas que alijam o homem do cuidado de si e dos outros. O carnaval, entre outros momentos importantes da cultura popular brasileira, tem sido ainda hoje um dispositivo potente para também dar visibilidade às nossas mensagens, seja sobre cuidado seja sofre enfrentamento à violência de gênero (como no caso do Bloco do laço branco). Do ponto de vista da pesquisa, muitas das experiências aqui relatadas foram fruto de (ou resultaram em) pesquisas desenvolvidas por nossa equipe ou junto a parceiros (Tais como o International Reproductive Right Research Action Group - IRRRAG - ou o Promundo/ Images, entre outros). Resultados de algumas dessas pesquisa foram publicados em dissertações e teses, ou em artigos e capítulos de livro, produzidos por integrantes de nossa equipe.11 11 Para acessar alguns desses textos, recomendamos visitar o site genero.org.br ou
  • 18. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 35 Além disso, no plano da formação acadêmica e da pesquisa, instituímos um Programa de estágio e fundamos o Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE). O Gema foi inspirado no Grupo de Estudos sobre Masculinidade e Paternidade (Gesmap) promovido pela ECOS/SP, do qual participamos desde o seu início, em agosto de 1995. 2.1. Os primeiros passos do Gema Cadastrado no CNPq, em 1998, o Gema foi idealizado como um espaço de diálogos sistemáticos dos profissionais que integravam o Papai com outros pesquisadores/as vinculados à UFPE (e outras universidades) e ativistas no campo do feminismo e direitos humanos. Promovíamos workshops mensais, nos quais realizava discussões ético-políticas e conceituais orientadas pela leitura de textos, realização de palestras com pesquisadores/as convidados/as, acessar nossos currículos na plataforma Lattes. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 36 apresentação de projetos, troca de experiências, bibliografias e intercâmbio de informações sobre encontros, seminários e acontecimentos de interesse comum, além da construção e do desenvolvimento de projetos em parceria. No plano da formação acadêmica, este grupo integrava estudantes em nível de graduação e pós-graduação, envolvidos em projetos que buscavam articular ensino-pesquisa e extensão, através de projetos de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado. Junto à população em geral, buscávamos contribuir para a promoção da equidade de gênero no contexto da saúde, em especial da saúde e direitos sexuais e reprodutivos, através de intervenção social direta, possibilitando a construção de outros sentidos e práticas sociais no campo das relações de gênero, maximizando, assim, os esforços das instituições parceiras. Definimos quatro linhas de pesquisa: 1) Saúde, sexualidade e reprodução; 2) Homens, masculinidades e contextos sociais; 3) Teoria feminista: conceitos e implicações políticas e 4) Experiências geracionais e a construção social das categorias etárias
  • 19. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 37 Tendo como coordenadores Benedito Medrado, Jorge Lyra, Karla Galvão e Pedro Nascimento, este grupo integrava, em sua primeira formação: Aída Novelino; Ana Paula Portella; Dolores Galindo; Edilaine Lins Gouveia; Fernando da Cruz Viegas; Lady Selma Albernaz; Luiz Felipe Rios; Marcelo Miranda; Márcia Longhi; Maria Betânia Ávila; Marion Quadros; Otávio Valença; Russell Parry Scott; Sandra Unbehaum; Valdonilson dos Santos e Véronique Durand.12 Hoje o Gema continua funcionando na UFPE, agora vinculado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia (fundado em 2005), e sob nossa coordenação. Sua equipe envolve pesquisadores e estudantes vinculado à UFPE e outras universidades.13 12 Tivemos a honra de contar com algumas dessas pessoas como integrantes do conselheiro do PAPAI. 13 Mais informações sobre o Gema, consultar o site: www.genero.org.br. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 38 2.2. Construindo uma autonomia institucional e uma identidade política Em respeito à longa trajetória de várias organizações de Pernambuco na consolidação de um campo político voltado para a defesa dos direitos humanos, especialmente, dos direitos sexuais e reprodutivos, o primeiro biênio de existência do PAPAI (1997-1999) foi dedicado ao estabelecimento de importantes parcerias com outros setores da UFPE e com organizações não- governamentais em Recife, de modo a estabelecer sua identidade política e o progressivo reconhecimento como aliado em algumas lutas importantes. Neste processo inicial, duas ONG parceiras foram fundamentais para que este desafio fosse menos solitário. No campo do debate sobre juventude, com a GESTOS (Soropositividade, Comunicação e Gênero) organizamos o “Seminário Multidisciplinar sobre Sexualidade e Reprodução na Adolescência”, em 1998, a partir de intensas trocas especialmente com Silvia Dantas, então coordenadora da Gestos. Na época, conhecemos também Ana Luíza Funghetti, que anos depois veio a integrar a equipe do Instituto PAPAI.
  • 20. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 39 Outra organização fundamental nesses primeiros anos foi o SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia, com quem aprendemos muito sobre princípios de uma ação política feminista, mas também sobre a difícil tarefa de converter um projeto político em uma iniciativa organizacional sólida, transparente e respeitável. Maria Betânia Ávila, Eleny Xavier, Solange Rocha, Márcia Laranjeira e Ana Paula Portela foram importantes interlocutoras neste momento. Na época, além das respeitáveis e afetuosas conversas e orientações particulares, organizamos atividades em parceria, tais como o Workshop sobre “Homens e Políticas Públicas: reflexões e práticas sociais”, com apoio da fundação MacArthur14. Como resultado do amadurecimento que essas experiências e aprendizagens nos proporcionaram, em 1999, formalizamos o registro do Instituto PAPAI, como pessoa jurídica, favorecendo a 14 A organização deste evento teve início a partir de negociações em 1999 e realização em 2000. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 40 consolidação do conjunto de estratégias políticas e acadêmicas, ao instituirmos um espaço de pesquisa, reflexão crítica, ação comunitária e transformação simbólica e política no campo dos direitos sexuais e reprodutivos voltada aos homens e às masculinidades. O apoio da Fundação MacArthur, ao aprovar um projeto de porte institucional foi fundamental para darmos este importante passo para consolidação de nossa autonomia institucional. Estes momentos foram fundamentais para (re)pensar e (com)partilhar o que estávamos fazendo, o que nos possibilita, hoje em dia, reconhecer a importância de um trabalho contínuo e sistemático para a consolidação de um tema/objeto de pesquisa e de mobilização política.
  • 21. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 41 3. SOBRE PATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA 15 A paternidade na adolescência foi nosso primeiro tema de trabalho. A necessidade de trazer este tema para debate surgiu a partir dos resultados da pesquisa de Jorge Lyra que havia identificado um verdadeiro “muro de silêncio”, invisibilizando este sujeito, suas práticas e consequentemente suas demandas e necessidades. No começo dessa trajetória, as pessoas não entendiam nem sequer a expressão “pais adolescentes”. Achavam, muitas 15 Agradecemos a Luciana Melo de Souza Leão por compartilhar suas memórias, quando estávamos escrevendo sobre este tópico. Luciana fez Mestrado em Saúde Pública e hoje atua profissionalmente neste campo. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 42 vezes, que nós trabalhávamos com “pais de adolescentes”. Assim, propusemos um conjunto de ações que incluíam estratégias de produção de conhecimento (pesquisa, eventos e publicações acadêmicas), formação (especialmente voltada a estudantes de graduação que, no caso de psicologia da UFPE, não tinham praticamente nenhuma iniciação aos estudos de gênero), além de estratégias de comunicação (que incluíam desde a edição do vídeo “Com a voz o jovem pai!”16 como também, durante o carnaval, o desfile de um boneco gigante pelas ladeiras de Olinda, de cerca de 3 metros de altura, que figurava a imagem de um jovem pai, de tranças rastafári, que segurava seu filho num baby bag, visibilizando a ideia do exercício do cuidado pelos homens)17 e também a 16 Este vídeo foi posteriormente solicitado pela Fiocruz para inclusão e disponibilização em sua base de dados) 17 Houve dois bonecos, produzidos pela bonequeira Iara Lago. O primeiro levava o bebê num babyu bag. O segundo, produzido alguns anos depois, figurava um pai com o bebê sobre os ombros, indicando que o filho havia crescido.
  • 22. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 43 oferta de um espaço de escuta para esses pais. Do ponto de vista de uma intervenção face a face, começamos a realizar atendimentos na Clínica Psicológica da UFPE, no formato de aconselhamento psicológico, com enfoque psicossocial, oferecidos aos jovens pais que demandassem por este tipo de serviço.18 Foram momentos de profunda aprendizagem, pois não tínhamos nem literatura, nem experiências brasileiras a partir das quais poderíamos construir nossas intervenções. 18 Aida Novelino, nesta época, foi uma especial parceira, oferecendo-se para dialogar sobre limites e possibilidades de ação psicossocial de abordagem clínica, neste contexto e inclusive orientando trabalhos de iniciação científica de alunas que se interessassem pelo tema, como Luciana Melo de Souza Leão. Posteriormente, Dolores (Tina) Galindo também veio a desenvolver seu estágio curricular neste serviço, atendendo jovens pais e casais grávidos, sob orientação de Jorge Lyra. Breno, Augusto, Moisés e Rebeca foram também estudantes de graduação que participaram, de algum modo, desses atendimentos já no Hospital das Clínicas. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 44 Naquela época, era recorrente ouvir frases do tipo: “Essa é a primeira vez que alguém conversa comigo sobre isso?”. Assim, também parecia ser para a nossa equipe: uma primeira vez em que nos propúnhamos não apenas a estudar e pesquisar, ou seja, a produzir boas perguntas, mas também tentar ajudar na produção de caminhos e de respostas. A população atendida era prioritariamente de população de baixa renda, embora nos chegassem também casos de família de classe média, como o de um garoto que foi expulso da escola porque “havia engravidado” sua namorada, que estudava em outra escola. A diretora, ao ser informada sobre o assunto, disse que não queria “esse tipo de gente” em sua instituição.19 19 Este caso foi noticiado em 1998 pelos jornais locais em Recife, com grande repercussão. Na época, além de oferecer apoio ao Caio (jovem pai) e sua família, produzimos um posicionamento público, manifestando nossa indignação e a necessidade de uma revisão profunda das práticas pedagógicas que não reconheciam a legitimidade dos direitos reprodutivos dos adolescentes e jovens, preferindo a coersão à educação.
  • 23. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 45 Além do serviço oferecido na Clínica Psicológica, iniciamos uma parceria com o Hospital das Clínicas na UFPE e começamos a desenvolver um trabalho atrelado ao PROAMA, um grupo de educação em saúde voltado para grávidas adolescentes. Nossa tarefa era promover atividades para os pais, de modo articulado ao que estava sendo oferecido às mulheres, desde esclarecimentos básicos sobre o serviço, visitas guiadas à maternidade e, em casos especiais, atendimento clínico específico, quando demandado. 20 Por vezes, havia uma grande demanda dos pais. Em outros momentos, a demanda era esvaziada. Além disso, tivemos dificuldades operacionais em função de longas greves da instituição que impossibilitaram dar continuidade, por exemplo, a um projeto humanização do parto, que desenvolvíamos em parceria com o HC. Aos poucos, fomos sentindo a necessidade de buscar outros espaços de atuação, tais como escolas, outros equipamentos de saúde ou mesmo nas ruas (por meio de campanhas). 20 Nesta época, tivemos aprovado um projeto de apoio pelo Pommar-Partnner of the America. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 46 Assim, iniciamos uma parceria com o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD) e a Maternidade do CISAM/UPE, vinculado à Universidade de Pernambuco, uma instituição de referência no estado de Pernambuco, no campo da saúde reprodutiva, e com grande demanda de mães, especialmente adolescentes e também parcerias com o Programa de Saúde do Adolescentes. Nos hospitais da rede pública de saúde, a estratégia que empregávamos para abordar os jovens pais era o convite (corpo-a-corpo), passando pelos diferentes setores do hospital: Programa de Saúde do Adolescente, Pré-natal para as grávidas adolescentes, maternidade e setor de saúde da mulher, egressos, puericultura e pediatria. Também promovíamos nesses hospitais, reflexões acerca da importância da participação do pai no acompanhamento de pré-natal, no parto e pós-parto, dentro da proposta de humanização em saúde. Os encontros eram realizados na forma de oficinas, ao estilo sala de espera, a partir de uma abordagem psicossocial, focalizando os seguintes temas: vivências da paternidade; relações parentais e relações conjugais; corpo e processos corporais; reprodução humana,
  • 24. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 47 anticoncepção e aborto; momentos gestacionais e futuro parto; paternidade, parentalidade e cuidado infantil; sexualidade masculina (entre desejos e necessidades); paternidade (entre desejos, direitos e compromissos); o lugar do trabalho na vida dos homens; vulnerabilidade e prevenção de DST/Aids. Essas experiências nos proporcionaram um acúmulo de conhecimento e promoveram uma maior aproximação com a rede de serviços em saúde sexual e reprodutiva oferecidos pelo poder público.21 Neste processo, passamos inclusive a realizar ações junto a unidades básicas de saúde, colaborando com as ações de promoção em saúde oferecidas aos adolescente e jovens e também acompanhando visitas domiciliares e, em alguns casos, alertando os próprios profissionais de saúde para o fato de que os homens presentes nas casas, no momento das visitas, não poderiam ser ignorados, como muitas vezes acontecia, 21 Alexandre Barreto teve grande importância na condução de ações no CISAM e nas unidades de saúde. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 48 sob a alegação de que eles não saberiam informar nada sobre os filhos. No caso das unidades de saúde, realizamos parceria com o Programa de Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (principalmente este último) para fazermos uma “busca ativa” dos jovens pais, por meio do acompanhamento em visitas domiciliares, que agentes de saúde realizam nos bairros próximos a cada unidade de saúde. O desafio de sempre nessas atividades era o acesso aos jovens pais e a dificuldade da sua adesão ao nosso grupo, por fatores que inclusive não estavam sob nossa ingerência e que pareciam sempre remeter a ideia de que culturalmente os espaços de promoção à saúde, especialmente, sexual e reprodutiva, não eram preocupações masculinas. Apesar da constante cobrança da mídia e das financiadoras por números expressivos de atendimentos, nossa preocupação sempre foi, como organização não-governamental, em não se confundir ou substituir o Estado em seus deveres e obrigações. Portanto, os atendimentos eram grandes espaços de
  • 25. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 49 experimentação e de aprendizagem para os jovens pais, mas também para a própria equipe. E ao mesmo tempo um espaço para alimentar uma agenda política de modo a favorecer o debate sobre homens e direitos reprodutivos em nosso país. Nosso desejo era também de que aos poucos as instituições fossem incorporando este serviço e, aos poucos fossemos nos tornando desnecessários. Por isso, investíamos tanto nos diálogos e estratégias de sensibilização dos profissionais. Isso gerou bons frutos em alguns espaços como o HC, embora as iniciativas não costumassem ter longa duração. Acionamos também outras instituições que lidam direta ou indiretamente com homens adolescentes e jovens na tentativa de ampliar o raio de ação do trabalho, entre as quais: escolas, creches, igrejas, grupos comunitários organizados, serviços jurídicos, organizações não-governamentais, Forças Armadas, entre outros. Do ponto de vista de uma intervenção no plano das instituições, junto ao governo federal, elaboramos normas técnicas, inserindo o tema da MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 50 paternidade na Área Técnica de Saúde do Adolescente, Área Técnica de Saúde da Mulher e na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Foram desenvolvidas ações de articulação política para a construção da Política nacional de atenção integral à saúde de adolescentes e jovens e da Oficina de construção de macro estratégias em saúde sexual e saúde reprodutiva de adolescentes e jovens. Esta foi uma ação conjunta do Ministério da Saúde e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com a presença de adolescentes e jovens (estagiários do Papai) na reunião de trabalho. Em intercâmbio com as ações da Câmara Temática sobre Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos com Ênfase na Paternidade Ativa e Consciente, uma iniciativa do governo federal, envolvendo 11 ministérios, realizamos uma ampla campanha de sensibilização, mobilização e envolvimento da opinião pública e de representantes do poder executivo municipal, estadual e federal na inclusão de homens em ações voltadas à garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, gerando a possibilidade de continuidade e ampliação da proposta.
  • 26. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 51 Essa ação teve, em 2003, a parceria direta da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, instituída no primeiro ano da primeira gestão do governo Lula. Sobre essa aspecto, vale assinalar duas lições aprendidas no Seminário Influência em Políticas Públicas, organizado em novembro de 2004 pelas Fundações Ashoka e Avina. Uma delas nos foi provocada por Elie Ghanem, da ONG Ação Educativa, que defendeu que não devemos ter a ilusão de que estamos conseguindo formular políticas públicas, quando visamos a mera replicação das ações das organizações da sociedade civil nos serviços públicos, sem levar em consideração o contexto particular (e, algumas vezes, ideal) no qual formulamos nossas propostas. Além disso, influenciar políticas públicas não é “ser amigo do rei”, não é usar de prestígio pessoal para que sua iniciativa (ou mesmo a de um grupo) se torne modelo de política. É sobretudo fazer com que gestores possam rever suas práticas e, considerando os limites e possibilidades de sua ação, poder corrigir estratégias ou deslocar focos. Apesar de considerarmos que este é um processo que necessita de investimento e MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 52 monitoramento contínuo e que estamos longe das políticas que idealizamos, vemos muitos frutos dessas articulações e estratégias intensas de advocacy na formulação de algumas das atuais políticas de saúde reprodutiva em nosso país. Vemos também reverberações desses esforços em algumas produções de colegas de outros países da América Latina, com os quais dialogamos nos eventos e com os quais compartilhamos nossas inquietações e aprendizagens por meio de textos publicados em língua espanhola. Do ponto de vista de uma intervenção nos planos simbólicos e culturais mais amplos, também investimos em estratégias de produção midiática. Conceituamos mídia, em consonância com as reflexões de John Thompson (THOMPSON,1995a, 1995b), como um sistema cultural que associa símbolos a contextos. Longe de propor um receptor passivo, a abordagem de Thompson tem o grande mérito de ressignificar a noção de interação e de ideologia. Diversos autores como Thompson (1995b); Giddens (1993) e Spink (1999) destacam que, na sociedade atual, a mídia tem assumido um papel fundamental para compreensão das
  • 27. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 53 dinâmicas sociais, dando novos contornos às relações entre público e privado e promovendo uma progressiva emergência da ética como nova instância regulatória. Assim, em nosso trabalho, a mídia configurou-se como um dos instrumentos centrais na busca de construção de novos sentidos sobre o masculino, nos campos da saúde e relações de gênero, sexualidade e reprodução (MEDRADO, 1997). Em relação ao exercício da paternidade, chegamos à conclusão de que era necessário construir mensagens mais afirmativas. O uso recorrente da expressão “paternidade responsável” passou a nos incomodar profundamente, tanto do ponto de vista do caráter moral e regulatório que está inscrita na expressão “responsabilidade” (conforme muito bem explorado por Arilha, 1999), parece que ao adotarmos essa expressão estávamos, de algum modo, pressupondo que a paternidade em si é irresponsável e que a dimensão da responsabilidade é seu único ou principal eixo. Paternidade não é somente responsabilidade. Ela pertence à uma complexa tríade que envolve e MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 54 implica: 1) a ordem do desejo, 2) a dinâmica do direito e 3) a assunção de compromissos. Esses princípios (desejo, direito e compromisso) inclusive norteiam a campanha que desenvolvemos desde 1997, em Recife, sempre na semana do dia dos pais. Em nosso primeiro vídeo institucional “Com a voz, o jovem pai”, apresentamos um pouco essa leitura complexa a partir do depoimento de jovens pais (residentes em bairros populares de Recife, São Paulo e Rio de Janeiro) que contam como sentiam, experimentavam, ou projetam a sua experiência de paternidade.22 Assim, com o objetivo de ampliar os limites de nossa intervenção no trabalho do PAPAI, e promover intervenções no plano simbólico e cultural, investimos sempre em estratégias midiáticas diversas: a. realização de entrevistas para mídia impressa, televisiva e radiofônica; 22 Este vídeo está disponível no canal do Instituto PAPAI no youtube.
  • 28. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 55 b. produção de artigos (formato opinião) e releases para imprensa; c. participação em programas de rádio e TV; d. uso da Internet para envio de boletins informativos e troca de informações com profissionais de diferentes regiões, países e continentes; e. criação de um site com informações sobre a estrutura funcional do programa, com constantes atualizações e a possibilidade de estabelecer fóruns de discussão. Consideramos que através dessas estratégias, buscamos criar um amplo canal de reflexão, que busca romper inclusive com a idéia da regionalidade de um projeto. Através da mídia, o Papai tem ultrapassado barreiras geográficas, dialogando com outras realidades e atingindo públicos distintos. Estas e outras estratégias são necessárias para construir novas práticas, superando diferentes barreiras individuais, de homens e de mulheres, institucionais, culturais e ideológicas, para conseguirmos um MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 56 maior envolvimento dos homens e a ampliação do debate sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos, especialmente no contexto das políticas públicas.
  • 29. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 57 4. JUVENTUDE A PARTIR DE LEITURAS CRÍTICAS SOBRE GÊNERO E GERAÇÃO23 Desde o início, ao focalizarmos o tema da paternidade na adolescência, propusemos uma articulação entre os marcadores sociais de gênero e geração, posicionando-nos contra posições androcêntricas e adultocêntricas que, em geral, orientam práticas públicas no campo da saúde, especialmente no campo da sexualidade e vida reprodutiva. Assim, desde sempre buscamos alimentar o debate sobre aquilo que na década de 1990 se chamava de “protagonismo juvenil”, que poderia ser traduzido como a necessidade de dar maior visibilidade às questões e 23 Agradecimentos a Ricardo Castro por compartilhar de algumas de suas memórias, quando escrevíamos este texto MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 58 demandas dos jovens, a partir da promoção de ações em que eles pudessem colaborar mais diretamente. Assim no PAPAI, buscamos desenvolver ações que pudessem garantir uma maior participação dos adolescentes e jovens campo dos direitos sexuais e reprodutivos, especialmente na região Nordeste. Além dos grupos de jovens pais ofertados, também iniciamos um processo de trabalho nas escolas, de modo a potencializar discussões sobre sexualidade e vida reprodutiva com homens jovens, não na perspectiva de redução da gravidez na adolescência ou da promoção da “paternidade responsável”,24 mas sobretudo na perspectiva da promoção da saúde e equidade de gênero, entedendo que a escola é um espaço privilegiado de 24 Margareth Arilha em sua dissertação de Mestrado faz uma ótima síntese crítica sobre o uso do termo responsabilidade, que se configurou como central na redação de documentos da década de 1990 para se referir aos homens no campo da vida reprodutiva. Preferimos trabalhar com a tríade desejo, direito e compromisso ao falar sobre paternidade, como expressamos em diferentes publicações.
  • 30. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 59 formação política e de que a educação em saúde é um dos pilares para transformações no campo da sexualidade e saúde reprodutiva. Assim, iniciamos no Colégio de Aplicação da UFPE e depois fomos estabelecendo parcerias com escolas da rede pública de ensino do Recife, especialmente, o Escola Estadual Novaes Filho. A partir da “educação de pares”, construímos um lindo processo de formação política e sensibilização em gênero com homens jovens, os quais foram aos poucos se configurando em parceiros e co-autores de muitos produtos e processos.25 Este processo foi retratado em publicação do ArtPad - Teatro e Desenvolvimento,26 e catalizou inúmeras experiências tais como a 25 Registramos aqui alguns dos jovens com os quais trabalhamos e a quem agradecemos pela confiança e dedicação: Adrian, Glauber (Sassá), Ágata, Clécio, Cleilton, Cristiano (Nino), Xande, Pequeno, Robson, Valter, Arthur, Jakson, Rodrigo, Cleiton, Cleilton, João Batista, entre tantos outros. 26 O Artpad foi coordenado por Karla Galvão Adrião e Julie McCarthy. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 60 mobilização para o I Encontro Regional de Adolescentes do Nordeste – ERAN e V Encontro Potiguar de Adolescentes - EPA (julho de 2003) e o XII Encontro Nacional de Adolescentes – ENA (julho de 2004), ambos ocorridos em Natal/RN e do XIII Encontro Nacional de Adolescentes ocorrido em Recife/PE (entre 10 e 14 de julho de 2006), todos como uma promoção do Movimento de Adolescentes do Brasil - MAB.27 Em 2003, Cláudio Pedrosa, então integrante da equipe do PAPAI, foi selecionado para compor uma das últimas turmas do Programa “Gênero, Reprodução, Ação e Liderança” (GRAL) promovido pela Fundação Carlos Chagas, com apoio da Fundação MacArthur. Seu projeto, intitulado “Homens Jovens desconstruindo a violência de gênero” foi uma das importantes oportunidades de 27 Ricardo Castro que iniciou no Papai como estagiário, depois passou a profissional e assumiu uma gestão da coordenação geral da instituição foi um importante articulador dessas ações que envolviam os jovens, por vezes, assumindo um lugar especial na instituição, como seu representante jovem feminista em eventos nacionais e latino- americanos.
  • 31. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 61 sistematização e visibilização nacional em uma rede nacional das atividades que desenvolvíamos com os jovens. Neste período, houve também aproximações com redes internacionais de trabalhos com jovens, especialmente latino-americanas, quando Ricardo Castro participou em maio 2004, do “Encuentro de jóvenes del Cono Sur por el derecho a la Anticoncepción de Emergencia”. O encontro foi organizado pela Mujer y Salud en Uruguay (MYSU), com apoio do IPPF e da International Women's Health Coalition. O evento foi coordenado por nossa amiga Lilian Abrascinskas. Como produtos das articulações produzidas durante este evento e das coalizões desenvolvidas posteriormente, foi fundada em 2004 a “Rede Jovens Brasil – Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos”. Houve ainda um outro encontro sobre Anticoncepção de emergência em Puebla (México) e foi nesse encontro quando começaram as articulações para uma ação conjunta no Fórum Social Mundial, de janeiro de 2005. Essa articulação contou com a participação da Rede Jovens Brasil, da Rede Latino-Americana e Caribenha de Jovens pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos (REDLAC) e de uma MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 62 articulação temporariamente chamada de “Articulação Cone Sul de Jovens”. Esta Rede fez, em diferentes momentos, pressão interna dentro do movimento feminista e teve participação ativa na construção do 10º Encontro Feminista Latino Americano e do Caribe, realizado em São Paulo, entre 9 a 12 de outubro de 2005, com participação de cerca de 1.500 feministas debatendo o tema central do evento: “Radicalização do Feminismo, Radicalização da Democracia”. O que alimentava os encontros e os debates da Rede Jovem Brasil eram especialmente as discussões sobre como aproximar os diferentes grupos de jovens que atuavam na campo das relações de gênero, saúde, sexualidade e direitos reprodutivos e também ampliar o conhecimento desses jovens em temas relativos à história, princípios e conceitos do feminismo, aos marcos regulatórios locais, nacionais e internacionais no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, bem como as discussões sobre gênero, geração e juventude. Havia uma forte crítica às experiências de redes de jovens, reconhecidas muitas vezes como aglutinadoras e muito potentes, porém coordenadas por adultos (os
  • 32. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 63 educadores) em diálogo com alguns jovens, mas com poucos adolescentes, de fato. O trabalho do PAPAI com população jovem e masculina se consolidou ao longo desses anos, especialmente a partir das várias iniciativas coordenadas por Sirley Vieira, sobretudo na condição de processos educativos em sua interface com a arte e a educação de pares. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 64
  • 33. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 65 5. UMA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA Nossa aproximação com o movimento feminista se deu desde o início da institucionalização do PAPAI, especialmente, a partir da parceria com grupos organizados de mulheres, sobretudo aqueles vinculados ao Fórum de Mulheres de Pernambuco, com o qual desenvolvemos uma série de eventos e projetos. Este investimento resultou inclusive na eleição de Karla Galvão Adrião (então integrante da coordenação do Instituto PAPAI) para compor a coordenação tríplice (gestão 2003-2005) do Fórum de Mulheres de Pernambuco, junto com Ana Bosh (Grupo Loucas de Pedra Lilás) e Mônica Larangeira (Trupe Graúna).28 28 Karla hoje é também docente do Departamento de Psicologia da UFPE. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 66 Assumimos esse compromisso com muita honra, respeito e admiração pela história construída pelo Fórum de Mulheres de Pernambuco.29 Do ponto de vista dos estudos feministas e de gênero, passamos a integrar a Rede Feminista Norte- Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero (REDOR), em 1999, quando participamos do 9º Encontro da Rede, realizado em Fortaleza. A REDOR é uma rede feminista, sem fins lucrativos, criada em setembro de 1992, com o objetivo de congregar, articular e desenvolver estudos e pesquisas sobre mulher, gênero e feminismo no Norte e Nordeste brasileiro, conjugando esforços no sentido de minimizar as discrepâncias regionais ainda hoje existentes em 29 Um episódio curioso do qual tomamos conhecimento muito anos depois aconteceu durante o período em que assumimos a coordenação do Fórum de Mulheres de Pernambuco. Uma das integrantes do Fórum questionou o nome da Instituição (PAPAI) que, do seu ponto de vista poderia reforçar o patriarcado. Chegou a sugerir que o nome fosse mudado, pois “não pegava bem” uma instituição com este nome coordenar o Fórum.
  • 34. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 67 relação ao centro-sul, inclusive no que se refere aos avanços científicos em torno da problemática de gênero e condição feminina em nossa sociedade. Nossa participação nesta rede se tornou mais ativa a partir de 2000, quando Jorge Lyra assumiu a co- coordenação do GT “Gênero e saúde” da REDOR e em 2005, quando Benedito Medrado integrou a coordenação nacional da rede (gestão 2006-2008), junto com nossa querida e saudosa amiga Ana Alice Costa (UFBA),30 Gema Galgane, Celecina Veras (UFC) e Laura Arrazola (UFRPE). Obviamente, nossa aproximação com o movimento feminista nem sempre foi tranquila. Apesar do respeito e cuidado de algumas colegas, especialmente Ana Alice Costa e Luzia Miranda Álvares, entre outras, em diferentes momentos, na REDOR, fomos, direta ou indiretamente, motivo de desconforto quando nossos nomes eram sugeridos para ocupar algum lugar de representação da Rede. 30 Ana Alice nos deixou, em 26/12/2014, quando a edição deste texto estava em conclusão. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 68 Mas, isso não aconteceu somente na REDOR. Muitas foram as situações em que fomos questionados sobre nosso trabalho. Havia as que não entendiam ou não queriam entender nossa proposta. Porém, na grande maioria das situações houve acolhimento e a compreensão compartilhada sobre a importância e necessidade de maior envolvimento de homens em questões relativas à saúde e à vida reprodutiva. As situações em que havia resistência eram exatamente aquelas em que alguém, por algum motivo, achava que naquele espaço ou evento específico não deveriam estar homens, dado que era um espaço de fortalecimento do sujeito político “mulher”. Por exemplo, em um dos encontros preparatórios (abertos à população) para a Conferência Municipal das Mulheres, de Recife, em 2004, fomos convidados a nos retirar, sob a alegação de que algumas mulheres estavam incomodadas com a nossa presença. Esse “convite” foi feito por uma das organizadoras do encontro, embora não tivesse sido pauta de discussão coletiva. Apesar disso, achamos por bem nos retirar. Posteriormente, na própria Conferência Municipal, quando pretendíamos
  • 35. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 69 apresentar algumas importantes discussões sobre a luta pela legalização do aborto no Brasil, que tinham sido produzidas em encontro das Jornadas Brasileiras pela Legalização do Aborto (para o qual havíamos sido convidados), fomos novamente interpelados. Nos recusaram o crachá do encontro, ainda que tentássemos explicar que nossa intenção não era participar do encontro com um todo, mas apenas compartilhar alguns pontos discutidos pelas Jornadas, em Porto Alegre. Considerávamos que essas informações poderiam subsidiar alguns debates da Conferência. Feitos os esclarecimentos, permitiram-nos dialogar com algumas lideranças. Algumas vezes, essa inquietação era desconcertante, como por exemplo, num evento para o qual havíamos sido convidados, como palestrantes, e uma das participantes, feminista “histórica” de São Paulo, disse que se sentia indignada por ver uma fala sobre homens num evento sobre gênero. Para ela, estudos de gênero era sinônimo de estudos sobre a mulher. A platéia reagiu e a participante se retirou da sessão. Sempre respeitamos a decisão das mulheres, em relação aos seus espaços de luta política e nunca pretendemos MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 70 ocupar espaços de representação, quando não nos competia, como homens. Apesar disso, em certa ocasião fomos interpelados com a absurda alegação de que o Instituto PAPAI estava entrando com uma liminar para exigir a participação de homens no Encontro Feminista. Num primeiro momento, rimos diante de tamanho absurdo. Porém, em outros momentos, fomos obrigados a esclarecer de se tratava tão somente de boato infundado. Esta é uma ótima oportunidade para deixar isso bem claro: nunca pleiteamos estar em espaços exclusivamente destinados às mulheres e sempre consideramos que estes espaços exclusivos, embora não fossem desejáveis, eram plenamente estratégicos e necessários. Ao mesmo tempo, sempre fizemos questão de estimular a participação das mulheres que compunham a equipe do Instituto PAPAI nas ações promovidas pelo movimento feminista, embora nem sempre houvesse interesse ou disponibilidade de algumas dessas mulheres. Algumas aos poucos foram tomando gosto e outras jamais se aproximaram, sempre sob a alegação de que não se sentiam bem nesses espaços. Este era um tema recorrente em nossas reuniões, especialmente
  • 36. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 71 aquelas de planejamento e de formação política. Ao mesmo tempo, sempre estivemos em grande número nas ações públicas promovidas pelo movimento feminista local, em Recife e outras cidades da região metropolitana, especialmente aquelas voltadas ao enfrentamento da violência de gênero (a partir da parceria com a Campanha do Laço Branco), pela legalização do aborto (inclusive produzindo camisetas em que figuravam a emblemática frase: Nenhuma mulher deve ser presa, ficar doente ou morrer por abortar: mulheres e homens pela legalização do aborto) e aquelas mais gerais alusivas ao dia internacional da mulher. Participamos também de diferentes eventos promovidos pelo movimento feminista no Brasil e em outros países, onde conhecemos inspiradoras mulheres brasileira, tais como Sônia Correia, Ana Alice Costa, Margarth Arilha, Sônia Malheiros Miguel, Lilián Abrascinskas, Roxana Vazquez, Verena Stolke, Nilza Iraci, Suely Carneiro, Edna Roland, Estela Aquino, Jaqueline Pitanguy, Simone Diniz, Débora Diniz, Suely Oliveira, Gigi, Ana Bosh, Vera Baroni, Vanete Almeida e Maria Betânia Ávila que inclusive ocupou a MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 72 presidência do conselho do Instituto PAPAI por alguns anos. Aos poucos, fomos começando a nos sentir parte desta “família”, entendida aqui não como o espaço da harmonia ou de eterna concordância mas como um sistema que inclui atores e atrizes em constante processo de negociação e de conflitos (jogos de poder muitas vezes atravessados por intentos de dominação), mas também processos de agência, onde se inclui a resistência, mas também por vezes acomodações e tantas outras maneiras de jogar que mudam ao sabor dos limites e das possibilidades. Ou seja, pensar o feminismo como “família” não é pensá-la romanticamente como um agrupamento monolítico, sem tensões. Ao contrário, pensar o feminismo como família é justamente uma estratégia para explicitar que, sob o mesmo “sobrenome”, há muitas diferenças na forma de pensar e na forma de atuar.
  • 37. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 73 O bom disso tudo é que, ainda que reconheçamos que há muitas diferenças, há sempre o desejo de construção do comum, da ação coletiva. Isso é o que tanto nos atrai a esta família, além do óbvio reconhecimento de que o debate atual sobre os homens e as masculinidades têm suas raízes na luta feminista por uma sociedade mais justa.31 31 A propósito, ficamos muito felizes quando Mariana Azevedo, hoje coordenadora geral do PAPAI, resolveu assumir o desafio de tomar os “homens feministas” como objeto de sua instigante e competente dissertação de Mestrado em Sociologia, pela UFPE. Recomendamos enfaticamente a leitura deste trabalho. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 74
  • 38. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 75 6. DIREITOS HUMANOS: UMA ENTRADA NO “CAMINHO DAS DROGAS” Atuando no campo dos direitos humanos e junto a jovens, nos aproximamos invariavelmente do debate sobre drogas, mais particularmente em relação ao conceito de redução de danos, como alternativa conceitual e política. Já no final do segundo ano de existência do Instituto PAPAI (1998), Jorge foi convidado pelo Centro de Prevenção às Dependências (CPD), coordenado por Ana Glória Melcop, para colaborar na organização do Seminário Itinerante Latino Americano (SILA) 32, realizado em Recife, em 2002.33 32 O SILA (ou LATS, na versão internacional) foi idealizado em 1999 por um grupo de especialistas de diferentes países que atuam no campo das drogas. Seu objetivo é o MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 76 Posteriormente, colaboramos também na organização, em 2002, na I Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos, também em Recife e novamente sob coordenação do CPD. Vale ressaltar que a Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA) define redução de danos como desenvolvimento de políticas de drogas locais. Uma vez que muitas das cidades da América Latina estão sofrendo problemas relacionados às drogas e – ao mesmo tempo - espera-se que estas desenvolvam suas próprias políticas de drogas, devido ao processo de descentralização, o LATS pode auxiliar os responsáveis locais no desenvolvimento de políticas de drogas abrangentes, humanas e eficazes, na tentativa de restringir os problemas relacionados às drogas. Na época, sete cidades estavam envolvidas neste projeto: Rosário (Argentina), Santiago de Chile, La Paz (Bolívia), Montevidéu (Uruguai), Curitiba, Recife e São Luis (Brasil). 33 É importante ressaltar que as duas principais redes nacionais de redução de danos foram criadas em 1997 (ABORDA) e em 1998 (REDUC) e que as aproximações com o campo da saúde mental se apenas em 2003 e 2004 quando a política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas foi instituída, migrando a política mais propriamente para o campo da Saúde Mental, como é até hoje.
  • 39. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 77 “políticas e programas que tentam principalmente reduzir, para os usuários de drogas, suas famílias e comunidades, as consequências negativas relacionadas à saúde, a aspectos sociais e econômicos decorrentes de substâncias que alteram o temperamento” (Policy Papers em www.ihra.net). Porém, como destaca, em publicação do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), o então Presidente da Associação Internacional de Redução de Danos, Alex Wodak, redução de danos não se refere exclusivamente ao campo das drogas. Ou seja, embora o conceito de redução de danos seja mais frequentemente associado às políticas de atenção a usuários de drogas ilícitas, seus familiares e comunidade, desde o surgimento do HIV/aids, as estratégias de redução de danos vêm sendo aplicadas em relação a outras temáticas e essa leitura ampliada tem, raízes profundas em nossa história. Na China antiga, as autoridades levantavam barreiras em volta de canais para evitar que as pessoas embriagadas escorregassem dentro das águas geladas do inverno e morressem de hipotermia. Obviamente, isso não eliminava os esforços para diminuir a MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 78 embriaguez, mas era estratégia bem sucedida para proteger a população. Aceitando que a embriaguez sempre estará presente, há algum tempo os pesquisadores levantaram o assunto de ‘deixar o mundo seguro para quem bebe’. Foi nessa época que os cintos de segurança foram desenvolvidos para garantir que, mesmo implementados os esforços para diminuir a incidência da mistura bebida-direção, eventuais motoristas embriagados e seus passageiros sobrevivessem ilesos a um acidente de carro ilesos. Na época, muitos criticaram a idéia, alegando que os motoristas iriam beber mais sabendo que sua segurança seria maior ao usar o cinto de segurança. A ‘hipótese da compensação de risco’ ainda persiste tantos anos depois e deve sempre ser considerada quando medidas de redução de danos são implementadas. No entanto, deve- se sempre considerar que novas medidas introduzidas com a melhor das intenções podem ter efeitos imprevisíveis e negativos (p. 9). Por outro lado, como afirma, Mónica Franch, nesta mesma publicação, o recado mais importante da comunidade
  • 40. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 79 nacional e internacional reunida em Recife em 2002, durante a I Conferência Internacional sobre Consumo de Álcool e Redução de Danos, foi sobre a necessidade de integrar redução de danos e lutas por cidadania. Assim, em nosso trabalho, buscamos produzir uma aproximação entre uma leitura ampliada sobre este conceito e suas possíveis aproximações ao campo de intervenção em saúde, gênero, direitos reprodutivos e juventude.34 Além disso, como consequência desta aproximação, criamos no PAPAI, em 2001, um núcleo para cuidar mais diretamente de projetos e ações políticas voltadas à juventude e drogas.35 Foi nesse Núcleo que começamos a delinear o trabalho sobre drogas e RD junto aos homens jovens da Escola Estadual 34 Uma das iniciativas foi o trabalho de iniciação em pesquisa, de Maristela Moraes, sob orientação de Jorge Lyra, que versava sobre a experiência da paternidade para jovens usuários de drogas. 35 Integravam este núcleo: Karla Galvão Adrião (como coordenadora), Maristela Moraes (como profissional), Maria Adrião e Daniel Costa Lima (como estagiários). MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 80 Novaes Filho, no bairro da Várzea, nosso lócus privilegiado de intervenções. Em 2002, pós Conferência Internacional, o Programa Nacional de Aids convidou Maristela Moraes (como representante do PAPAI e Rede Pernambucana de RD) e Alda Roberta Campos (pelo CPD) para uma reunião em Brasília, para pensar estratégias de fortalecimento das “bases” da RD e do protagonismo de usuários de drogas nos estados. Em Pernambuco, foi definida como meta o apoio à criação da rede “Se Liga”, coordenada por Marcílio Cavalcanti. Esta rede na época, constituía-se como importante articulação e foi uma das primeiras associações formadas por usuários de drogas, na América Latina. Atuamos fortemente nesta rede, especialmente via projeto “Sedimentando e ampliando as ações de redução de danos em Pernambuco”.36 Entre as várias ações desta articulação, destacamos as campanhas em grandes eventos, como o carnaval, o “Abril pro Rock” etc. e o documentário “Redução de 36 Maristela Moraes coordenou este projeto por dois anos.
  • 41. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 81 Danos um Olhar de Dentro” (Rede Pernambucana de Redução de Danos), lançado em 2004, com apoio do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e o Crime (Undoc), do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde e do Governo Federal. O roteiro, a edição e a captação das filmagens do documentário foram realizados pelos (as) próprios (as) redutores (as) de danos pernambucanos (as). Este vídeo tinha por objetivo dar visibilidade às iniciativas de controle social sobre as políticas de Redução de Danos, desenvolvidas em Pernambuco. Foi também produzido outro vídeo no qual são apresentadas estratégias de advocacy das pessoas que usam drogas, exibido no Fórum Social Nordestino que aconteceu em Recife, na UFPE.37 Como reconhecimento desses investimentos, em 2006, Maristela Moraes assumiu a vice-presidência da ABORDA (Gestão Diversidade e 37 Hemerson Moura foi um dos integrantes do Papai com bastante atuação nestas ações. Camila Santiago também participou como estagiária, ligada principalmente ao Projeto “Roda Brasil de articulação das ações de redução de danos”, apoiado pelo PN-Aids e UNODC. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 82 Participação, 2006-2008).38 Vale ressaltar que foi nesta gestão da Aborda que ela passou a se chamar Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos (antes apenas redutores), como consequência das aproximações que estimulamos com o campo de estudos e ações políticas orientadas pelo olhar de gênero.39 38 Maristela Moraes fez mestrado em Saúde Pública e Doutorado em Psicologia Social e hoje é docente 39 Outros documentos apresentam nossas leituras sobre as aproximações entre gênero e redução de danos, tais como a dissertação e tese de Maristela Mores, o livro “Gênero e drogas: contribuições para atenção integral em saúde” publicado pelo PAPAI e a campanha recentemente realizada junto aos trabalhadores de Suape sobre uso de álcool.
  • 42. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 83 7. PROGRAMA H: produtos potentes, articulação em rede e grandes encontros Logo no início do PAPAI, quando formalizamos a instituição (em 1999), iniciamos uma rica parceria, o Programa H, que envolvia o Instituto Promundo (Rio de Janeiro), a ECOS Comunicação em Sexualidade (São Paulo), e Salud y Género (México), com apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a International Planned Parenthood Federation/Western Hemisphere Region (IPPF/WHR), a JohnSnowBrasil e a Durex – SSL International. O Programa H, liderado pelo visionário e provocador Gary Baker, grande amigo, teve por objetivo produzir materiais e estratégias de intervenção social com vistas a engajar homens jovens e suas comunidades em reflexões críticas sobre normas rígidas relacionadas com a masculinidade. Na MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 84 época, não havia no mundo praticamente nenhum material desta natureza para trabalhar com a população jovem masculina. O material produzido incluiu atividades educacionais em grupo e campanhas comunitárias voltadas especialmente a cinco temas: 1) Paternidade e cuidado 2) Sexualidade e saúde 3) DST/Aids 4) Violência de gênero 5) Razões e emoções Esta iniciativa foi submetida a uma avaliação de impacto no Brasil, na Índia, nos Bálcãs e em várias localidades da África subsariana, concluindo-se que a realização de tais atividades podem levar a mudanças significativas nas práticas e comportamentos entre jovens homens, que incluem relatos de aumento no uso de preservativos, melhora na comunicação do casal e redução nos relatos de uso de violência de homens contra suas parceiras. Posteriormente, o Programa H incluiu também em seu escopo a questão do empoderamento das mulheres (incorporando como parceira a ONG World Education,
  • 43. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 85 Estados Unidos) e da diversidade sexual. O Programa H foi reconhecido como “boa prática para a promoção de equidade de gênero” pela OPAS, e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo de População das Nações Unidas, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Banco Mundial e Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Os principais produtos deste projeto que ainda hoje orientam práticas na instituição foram: Manuais H e M - “Trabalhando com homens jovens” e “Trabalhando com Mulheres jovens” Vídeos em formato de desenho animado sem palavras, apenas sons e músicas, com 20 minutos de duração que pode ser usado com mulheres e homens jovens ou com profissionais de saúde e educação: Minha vida de João! (2002), filme que acompanha a vida de um garoto e ilustra aspectos de uma educação sexista, situações de MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 86 violência doméstica, primeira experiência sexual, gravidez de sua namorada, primeiro emprego, entre outros, como estratégia para reflexão sobre processos de socialização e sociabilidade masculina. Era uma vez outra Maria! (2004) que focaliza a saúde e autonomia das mulheres jovens, a partir da historia de Maria, uma garota que busca construir uma outra historia em sua vida (Apoio da Oak Foundation, da MacArthur Foundation e da Secretaria Nacional de Política para as Mulheres - SPM Brasil). “Medo de quê?“ (2005) que narra história de Marcelo, um garoto que descobre desejo e afetividade por outro rapaz jovem. O vídeo acompanha parte de sua trajetória e busca, por meio de histórias e críticas a esquemas simbólicos provocar reflexões críticas que contribuam para o respeito à diversidade sexual e redução da
  • 44. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 87 homofobia (apoio do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais). Esta experiência resultou também em uma série de processos de capacitações oferecidas para jovens, educadores, ativistas e especialmente organizações não-governamentais e entidades públicas (secretarias de saúde, prefeituras, secretarias da mulher, operadores do direito etc.), acumulando uma rica experiência na execução deste tipo de experiência e um consolidado programa de formação. Os materiais produzidos pelo Programa H foram traduzidos para muitas línguas e atingiram mais de 80 países ao redor do mundo. São até hoje referidos como documentos importantes para aqueles/as que buscam desenvolver ações estratégicas com homens ou que visam desenvolver novas produções e vêem naquele material conteúdo e formato potentes. Mas, no desenvolvimento do Programa H, o maior saldo não foram os excelentes materiais produzidos nem a potente articulação em rede com organizações da América Latina, mas especialmente os agradáveis encontros e as grandes amizades que tiveram MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 88 início naquela época com pessoas que ainda hoje mantemos algum contato, apesar da distância física, tais como: Gary Barker, Marcos Nascimento, Margareth Arilha, Silvani Arruda, Silvia Cavasin, Reginaldo Bianco, Benno de Keijzer, Emma María Reyes, Gisela Sánchez e Gerardo Ayala, entre muitos outros. Além disso, os grupos que idealizaram esta produção original hoje fazem parte de uma iniciativa global, que inclui cerca de 600 instituições sediadas em diferentes partes do mundo (em todos os continentes), intitulada Rede MenEngage (menengage.org), que têm desenvolvido importantes estratégias de intervenção pedagógica, política e de advocacy. A Rede MenEngage e que já organizou dois eventos internacionais: um na cidade do Rio de Janeiro (em 2009) e outra em Nova Delhi, na Índia (em 2014).
  • 45. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 89 8. EVENTOS E ARTICULAÇÕES IMPORTANTES PARA CONSOLIDAÇÃO DE UM CAMPO DE ESTUDOS E INTERVENÇÕES POLÍTICAS Dando continuidade ao intenso processo de reflexão sobre o papel e o lugar dos homens no contexto das políticas de gênero e /ou feministas, em âmbito nacional e internacional, participamos de importantes Fóruns e organizamos eventos que reuniram profissionais de Organizações governamentais e não-governamentais em debates reflexivos e propositivos, particularmente no campo da sexualidade, reprodução e redução da violência. Entre esses eventos, destacamos os primeiros de maior visibilidade: Em 2000, participamos, a convite da UNAIDS sobre homens, HIV e promoção da saúde. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 90 Em 2002, quando o Instituto PAPAI, Promundo e ECOS realizaram uma Conferência e Oficina Internacional intitulada “Homens Jovens como Aliados na Promoção de Saúde e Equidade de Gênero”. Este evento contou com a participação de cerca de 250 pessoas, representando mais de 38 países de todos os continentes, e também representando organismos internacionais como WHO/PAHO, UNFPA, Engenderhealth, UNICEF, UNESCO entre outros. Em 2003, a convite da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, participamos da reunião técnica preparatória da 48ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW),40 uma das comissões 40 A Comissão sobre a Situação da Mulher, uma das comissões funcionais do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas, foi criada em 1946, com as seguintes atribuições: elaboração de relatórios e recomendações sobre a promoção dos direitos das mulheres nas áreas política, econômica,
  • 46. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 91 funcionais do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Esta reunião foi realizada em Brasília/DF, entre 21 e 24 de outubro de 2003 e teve como tema “O papel dos homens e homens jovens na promoção da equidade de gênero”. Este evento contou com a presença das então ministras Emília Fernandes e a Matilde Ribeiro, responsáveis respectivamente pela Secretaria Especial de Políticas parta as Mulheres e Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Neste mesmo ano, participamos de um encontro sobre paternidade, organizado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra. civil, social e educativa, e formulação de medidas a serem adotadas no combate a problemas urgentes no âmbito dos direitos das mulheres. Posteriormente, a Comissão foi também encarregada de rever e avaliar a aplicação da Plataforma de Ação de Pequim, adotada pela IV Conferência Mundial sobre Mulheres, em 1995. Pode ainda receber comunicações de indivíduos e grupos sobre questões de discriminação contra as mulheres, mas não se pronuncia sobre casos individuais. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 92 Entre 1 e 5 de março de 2004, Jorge Lyra participou da 48ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), como representante brasileiro, na qualidade de conferencista, que aconteceu em Nova York. Em 2005, participamos do I Encontro sobre educação e sexualidade na China, quando apresentamos algumas de nossas experiências no trabalho com homens e pudemos dialogar com pesquisadores de vários países. Em 2005 (em Sussex), 2007 (Dakar) e 2009 (Cape Town), participamos, a convite de Andrea Cornwall, de encontros organizados pelo Institute of Development Studies, vinculado à Universidade de Sussex, Inglaterra. Esses temas abordaram a cada ano um tema em particular, a partir do viés de gênero e desenvolvimento: direitos sexuais (2005), patriarcado (2007) e heteronormatividade (2009). Em 2009, o Instituto PAPAI participou com o Promundo e
  • 47. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 93 outros parceiros da organização do Simpósio global “Engajando homens e meninos na igualdade de gênero” no Rio de Janeiro, reunindo cerca de 500 ativistas, pesquisadores e profissionais de 77 países. O evento foi organizado em colaboração com a MenEngage Alliance. Em âmbito nacional, a parceria com o Promundo e a Ecos resultaram em uma trajetória importante na organização dos Seminários Brasileiros "Homens e masculinidades", realizados desde 1998, a partir de iniciativa da Ecos e do IMS/UERJ, cujo objetivo é promover encontros entre profissionais e estudantes que atuam em Organizações não-governamentais, Núcleos acadêmicos de gênero, ativistas e gestores/as públicos com vistas ao compartilhamento de experiências e reflexões sobre trabalhos com homens, em diferentes contextos e a partir de diversos focos de interesse, bem como estudos e pesquisas sobre masculinidades, a partir do enfoque de gênero e/ou feminista. O primeiro encontro (em 1998) teve como tema “Homens, sexualidade e reprodução” e foi realizado em São Paulo, promovido pelo Grupo de Estudos sobre Sexualidade Masculina e Paternidade MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 94 (GESMAP) na época vinculado à ONG ECOS - Comunicação em Sexualidade; e pelo Programa de Estudos e Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde (IMS) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, contando com o apoio da Fundação MacArthur e Fundação Ford. As outras edições (2003, 2005, 2006, 2008 e 2010) aconteceram em Recife. O segundo, em 2003, teve como tema “Homens, gênero e políticas públicas: Tempos, práticas e vozes”. Foi organizado pelo Instituto PAPAI e pelo Núcleo Família, Gênero e Sexualidade (FAGES) da UFPE (ambos filiados a Rede Feminista Norte-Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero (REDOR), em parceria com o Núcleo de Estudos de População (NEPO) da UNICAMP e projeto Pegapacapá, com apoio da Fundação Ford, CNPq e Núcleo de Estudos Americanos da UFPE (MEDRADO; FRANCH; LYRA; BRITO, 2004). A inscrição de trabalhos superou as expectativas da comissão organizadora do evento, que nomeou um comitê de 18 especialistas para avaliar os trabalhos. Foram inscritos 117 trabalhos, dos quais 112 foram selecionados, divididos em 88 apresentações orais e 19 pôsteres. Participaram cerca de 300 pessoas. Paralelo ao 2º seminário aconteceram também reuniões de articulação co
  • 48. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 95 profissionais que trabalham problemáticas de gênero, tais como: a reunião da Campanha Brasileira do Laço Branco: Homens pelo fim da violência contra a mulher, reunião entre organizações da sociedade civil e representante da Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde sobre Políticas Públicas para juventude em gênero e cidadania; reunião sobre Série Trabalhando com Homens Jovens, reunião do Grupo Masculinidades da CN-DST/Aids para discutir as estratégias e os temas para materiais educativos junto a população masculina; reunião do Movimento de Adolescentes do Brasil (MAB) etc. Vale ressaltar que o apoio da Fundação Ford para realização deste evento, como parte de um projeto institucional mais amplo, foi fundamental para seu êxito. Além deste e de outros eventos subsequentes, a Ford apoiou ações importantes e estratégicas do Instituto PAPAI, especialmente no que se refere ao trabalho com jovens e as ações pelo fim da violência de gênero. Em 2005, aconteceu o 3º encontro, tendo como foco a participação popular. A organização ficou sob a responsabilidade do PAPAI e do Núcleo FAGES, além do Núcleo de Estudos sobre Gênero e Masculinidades (Gema) da UFPE. Neste MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 96 encontro, privilegiou-se a discussão com grupos sociais com os quais estas instituições têm atuado, entre eles os grupos de homens jovens urbanos, indígenas e reassentados do sertão de Pernambuco. O 4º Seminário aconteceu em 2006 e teve como tema “homens e feminismos: entre a produção acadêmica e a pauta política, a partir de parceria entre Instituto PAPAI, Gema/UFPE, Núcleo FAGES/UFPE e a REDOR. Este encontro teve o objetivo de promover um encontro entre especialistas (acadêmicos e ativistas) brasileiros que atuam no campo da saúde, com vistas a rever a política ou linha de intervenção em saúde pública e as atuais propostas dos movimentos sociais, abrindo canais para pensar os homens, a partir do enfoque feminista. Pretendeu-se contribuir assim, especialmente, para o fortalecimento de iniciativas governamentais e não- governamentais voltadas a sexualidade e direitos reprodutivos, tendo em perspectiva as atuais reivindicações e impasses do movimento feminista nacional (AMB, 2002), bem como o atual Plano de Ação intitulado "Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma prioridade de governo" da Área Técnica da Saúde da Mulher/Ministério da Saúde (BRASIL, 2005); as propostas oriundas
  • 49. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 97 do Plano de ação das Conferências Nacionais de políticas para as mulheres da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (BRASIL, 2004), além de iniciativas de Órgãos internacionais que, desde o final da década de 90, têm proposto e implementado políticas públicas em saúde que incluem os homens, como uma forma de promover a equidade de gênero (UNITED NATIONS, 1994). Em 2008, realizamos o 5º Seminário cujo tema foi políticas públicas em saúde, a partir de parceria entre Instituto PAPAI, Gema/UFPE, Núcleo Margens/UFSC e Promundo, com o apoio de ChildHope, CIDA/Canadá, CNPq, Fundação FORD, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Ministério da Saúde, WCF- Brasil. Com este encontro, buscou-se promover a visibilidade e troca de conhecimentos e práticas no campo das políticas públicas voltadas aos homens e/ou sobre masculinidades, a partir do enfoque de gênero e/ou feminista, em sua interface com a produção acadêmica, os movimentos sociais e a gestão pública. Buscou-se, mais especificamente, focalizar políticas de saúde, paternidade e direitos reprodutivos, diversidade e diretos sexuais e violência e direitos MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 98 humanos, a partir da exposição em mesas e apresentação de trabalhos que contemplavam reflexões político- conceituais, pesquisas empíricas e experiências de intervenção social, ressaltando a interação complexa entre gênero e outras dimensões sociais, como raça/etnia, classe e geração. Os trabalhos selecionados apresentaram reflexões a partir de experiências de pesquisa e intervenção política realizadas em diferentes estados do Brasil: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Espírito Santos, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Como produto final do Encontro produzimos um DVD intitulado “Homens, gênero e políticas públicas”, com as sínteses dos diálogos realizados. Nesse ano (2008), publicamos um artigo no qual traçamos uma possível matriz feminista de gênero para os estudos sobre homens e masculinidades, publicado pela Revista Estudos Feministas.41 41 MEDRADO, Benedito ; LYRA, Jorge. Por uma matriz feminista de gênero para os estudos sobre homens e masculinidades.
  • 50. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 99 O Seminário Homens e Masculinidades mais recente, aconteceu em 2010, tendo como tema “Homens e masculinidades: práticas de intimidade e políticas públicas”, promovido pelo Instituto PAPAI, o Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), a Rede Brasileira de Homens pela Equidade de Gênero (Rheg), o Núcleo Margens/Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Promundo/RJ e o Fórum LGBT de Pernambuco. Do total de 108 propostas submetidas, foram selecionados 103 trabalhos. Em relação à edição anterior (2008), observou-se um aumento no número de trabalhos (de 88 para 103) e ao mesmo tempo uma maior concentração em trabalhos sobre o tema “Homens e políticas públicas em saúde”, certamente motivada pelo recente processo de implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Como palestrantes, participaram do encontro 41 convidados/as e uma Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso), v. 16, p. 809-840, 2008. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 100 audiência cerca de 310 pessoas, entre estudantes de graduação e pós- graduação, pesquisadores, profissionais da rede pública, gestores públicos e ativistas. Em relação à origem dos trabalhos, recebemos resumos de diferentes estados do Brasil. Vale ressaltar que um dos temas principais deste encontro foi a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), instituída pelo Governo Federal, em 2008. Instituto PAPAI foi parceiro ativo na construção desta política, a partir do qual foram definidas iniciativas que visam à formulação e implementação de ações aos homens, particularmente no campo da saúde. Ao longo desta década, os Seminários Brasileiros “Homens e masculinidades”, vem se consolidando como espaço privilegiado de encontros entre pesquisadores/as, ativistas e profissionais inseridos/as em governos federais, estaduais e municipais, para compartilharem discussões conceituais, éticas e políticas e para apontarem outros/novos caminhos a serem trilhados nesse campo de produção de conhecimentos e intervenções.
  • 51. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 101 9. VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UMA QUESTÃO PARA OS HOMENS. A parceria com o Promundo e a Ecos também se configurou em um conjunto de iniciativas voltadas ao tema da violência de gênero, organizando, desde 2000, no Brasil, a Campanha Brasileira do Laço Branco, cujo lema é “Homens pelo fim da violência contra a mulher”. A Campanha Brasileira do Laço Branco tem como objetivo sensibilizar, envolver e mobilizar os homens no engajamento pelo fim da violência contra a mulher. Suas atividades são desenvolvidas em consonância com as ações dos movimentos organizados de mulheres e de outros atores e atrizes sociais que buscam promover a equidade de gênero, através de ações em saúde, educação, trabalho, ação social, justiça, segurança pública e direitos humanos. MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias 102 Esta campanha surgiu a partir de um triste episódio. No dia 6 de dezembro de 1989, um rapaz de 25 anos (Marc Lepine) invadiu uma sala de aula da Escola Politécnica, na cidade de Montreal, Canadá, gritando: “Onde estão as feministas!?” Ele ordenou que os homens (aproximadamente 48) se retirassem da sala, permanecendo somente as mulheres. Em seguida, ele começou a atirar enfurecidamente e assassinou 14 mulheres, à queima roupa. Em seguida, suicidou-se. O rapaz deixou uma carta na qual afirmava que havia feito aquilo porque não suportava a idéia de ver mulheres estudando engenharia, um curso tradicionalmente dirigido ao público masculino. O crime, que ficou conhecido como o “Massacre de Montreal”, mobilizou a opinião pública daquele país, gerando amplo debate sobre as desigualdades entre homens e mulheres e a violência gerada por esse desequilíbrio social. Assim, um grupo de homens canadenses decidiu organizar-se para dizer que existem homens que cometem a violência contra a mulher, mas existem também aqueles que repudiam essa violência. Eles elegeram o laço branco como símbolo e adotaram como lema: jamais cometer um ato violento