SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 3
Downloaden Sie, um offline zu lesen
Medicina (Ribeirão Preto)                                                             Simpósio: MORTE: VALORES E DIMENSÕES
2005; 38 (1): 42-44                                                                             Capítulo V




                    O JOVEM E SUA VISÃO DE IMORTALIDADE


                                    IMMORTALITY FEELING AMONG ADOLESCENTS




                                                  Jael de Paula Guimarães


Médica Hebiatra. Ambulatório de Adolescentes. Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto
CORRESPONDÊNCIA: Rua Amador Bueno, 237. 14010-070 - Ribeirão Preto, SP.




           Guimarães JP.    O jovem e sua visão de imortalidade. Medicina ( Ribeirão Preto} 2005; 38 (1): 42-44.

               Resumo: O texto comenta os pensamentos onipotentes que o adolescente tem diante da
           morte. Para isso, tece comentários sobre a “síndrome da adolescência normal”, de acordo com
           as teorias de Aníbal Ponce desenvolvidas por Maurício Knobel e Arminda Aberastury.

              Descritores: Adolescente. Morte. Síndrome da Adolescência Normal.




       No presente trabalho discutiremos a visão que               comportamento humano normal, e que isto ocorre na
tem o adolescente a respeito da morte e sua percep-                evolução de todo adolescente. Esses comportamen-
ção de imortalidade. Iniciaremos comentando as ex-                 tos variam de indivíduo para indivíduo, de cultura para
periências vividas pelo jovem e as dificuldades por ele            cultura ou de um grupo social para outro. Os limites
enfrentadas ao passar da infância para a idade adulta.             que definem o início e o fim desta fase também vari-
Alguns pesquisadores já se preocuparam em descre-                  am muito. O professor Mauricio Knobel2 comentou
ver as diferentes transformações que ao mesmo tempo                haver “uma situação que obriga o sujeito a reformular
perturbam o jovem e o preparam para experiências                   os conceitos que tem a respeito de si mesmo e que o
posteriores da vida, as quais passaremos a comentar                levam a abandonar sua auto-imagem infantil e a pro-
em seguida.                                                        jetar-se no futuro de sua vida adulta”. Dr. Knobel e
       Aníbal Ponce1, psicanalista argentino que bri-              outra psicanalista argentina, a doutora Arminda
lhantemente escreveu a respeito das vivências emo-                 Aberastury2, são os pesquisadores responsáveis pela
cionais dos adolescentes , iniciou os estudos desta fase           caracterização da citada síndrome. Eles prosseguem
da vida comentando ser o jovem aquele indivíduo em                 dizendo que para atingir a estabilização da personali-
permanente conflito, controvertido em suas idéias e                dade há que se passar por certo grau de conduta
repetidamente envolvido em atitudes paradoxais. A                  patológica, que eles consideraram “inerentes a esta
causa desta “confusão” toda foi posteriormente cha-                etapa da vida”. Anna Freud (citada pelo Dr. Knobel),
mada de “síndrome da adolescência normal”. Os prin-                afirmou “que é muito difícil assinalar o limite entre o
cipais aspectos desta síndrome serão apresentados                  normal e o patológico na adolescência”, acrescentan-
neste artigo.                                                      do que “seria anormal a presença de um equilíbrio
       Antes de descrever as características desta                 estável durante o processo adolescente”.
síndrome, é preciso dizer que seus autores afirmaram                      No entender desses pesquisadores, é preciso
que os transtornos psicopatológicos observados nada                haver o conflito, a crise para que o jovem cresça,
mais são que a expressão magnificada, distorcida, do               amadureça, adquira identidade adulta. A noção que o


42
O jovem e sua visão de imortalidade




jovem tem da possibilidade de morrer ou de se depa-                A negação do luto associada à identificação
rar com a perda de alguém significativo o bastante          projetiva (fato do indivíduo visualizar em terceiros ca-
para fazê-lo sofrer de modo intenso, faz com que ele        racterísticas que são na verdade pertencentes a ele
viva o dia-a-dia como alguém quase que invulnerável,        mesmo) levam-no a ter pensamentos com particulari-
inatingível pelas coisas que afligem os adultos e aque-     dades do grupo ao qual pertence (“turmas”). Amor e
les que estão distantes do seu cotidiano.                   ódio, culpa e reparação são sentimentos intensamente
       A síndrome da adolescência normal decorre de         vividos e rapidamente eliminados.
vivências na maioria das vezes total ou parcialmente
inconscientes. Esses eventos íntimos assinalados por        3- LUTO PELA PERDA DOS PAIS DA INFÂN-
Aníbal Ponce1, e mais detalhados e elaborados por               CIA
Arminda Aberastury2, são:
1- luto pelo corpo infantil perdido                                As contradições existentes nas atitudes e pen-
2- luto pela identidade e papel infantil perdidos           samentos causam incongruência entre os pais
3- luto pelos pais da infância, também perdidos.            internalizados e os pais reais. Essas contradições apa-
                                                            recem quando um jovem paga os refrigerantes consu-
1- O LUTO PELO CORPO INFANTIL                               midos pela “turma” na lanchonete (potente perante
                                                            terceiros) com o dinheiro que ele pediu aos pais (de-
       O jovem assiste passivamente às suas mudan-          pendente da família). Esta alternância de sentimen-
ças e se vê impotente frente à realidade concreta.          tos, ser dependente ou independente, capaz ou inca-
Esta impotência faz com que ele desloque sua rebel-         paz, levam o adolescente a interromper a comunica-
dia para a esfera do pensar. Ele passa a fazer um           ção com os pais externos, reais: refugia-se no quarto,
manejo onipotente das idéias frente ao fracasso da          faz meditação, análise, escreve em diário íntimo, pro-
realidade. Isto fica bem evidente nas idéias de refor-      jeta a imagem paterna idealizada em professores,
ma do mundo, tanto sociais quanto políticas, religiosi-     amigos próximos, atletas, políticos, etc. A solidão peri-
dade por vezes intensa. Há o pensamento de que nada         ódica é ativamente procurada pelo adolescente por-
o atinge. Esta onipotência faz com que o adolescente        que facilita a conexão com os objetos internos e a sua
acredite na sua imortalidade ou na daqueles que lhes        substituição, o que enriquece mais o seu ego.
são caros (negação da morte).                                      Com relação à noção de tempo, o adolescente
                                                            apresenta contradições entre o imediatismo e a capa-
2- O LUTO PELA IDENTIDADE E PELO                            cidade de postergar indefinidamente qualquer ação.
   PAPEL INFANTIL PERDIDOS                                  Ao elaborar os lutos ele se torna capaz de localizar o
                                                            corpo e papel infantis no passado, aceitar o transcur-
       Ao mesmo tempo que o adolescente não pode            so do tempo e reconhecer o conceito de morte como
manter os papéis infantis, ele não pode assumir a in-       irreversível e natural.
dependência plena do adulto. Existe uma “fase do fra-              Aníbal Ponce1 considerava o descobrimento do
casso de personificação”. Ele então delega ao grupo         tempo e da morte como um tormento tão perturbador
parte de seus atributos, e aos pais boa parte de suas       quanto o sexo e o desenvolvimento da sexualidade
responsabilidades e obrigações. Verificamos, aí, a          adulta. Dizia que a percepção interna de que os mo-
irresponsabilidade típica desta fase.                       mentos vividos se sucedem inexoravelmente constitui
       O jovem vive um processo característico de           um bombardeio de sentimentos dolorosos. A noção de
comprovação e experimentação de objetos do mundo            que a vida passa num fluir incessante deixam-no dian-
real e da fantasia que se confundem. Isto permite           te de um sentimento de inutilidade de todo o seu es-
despersonificar os seres humanos, tratando-os como          forço para crescer e amadurecer. Seu medo de enve-
objetos de suas satisfações. As assim chamadas rela-        lhecer e morrer turvam seus sonhos, seu ideal de in-
ções objetais têm caráter muito intenso, embora se-         dependência e, se não tiver forças que o prendam à
jam frágeis e fugazes. As manifestações migram das          vida, ele passa a ser perseguido por forte sentimento
crises passionais (idolatria à personalidades da mídia,     de desesperança, que vez ou outra culminam com o
colegas da escola, namorado(a), lendas do rock e do         suicídio. Ocorre uma convivência angustiante com a
futebol, etc) a indiferenças absolutas, muitas vezes cru-   solidão e a finitude da vida, que fragiliza o adolescen-
éis, com pessoas e animais.                                 te, o qual necessita de muita compreensão e apoio. Se

                                                                                                                        43
Guimarães JP




está doente, a explicação dos fenômenos feita pelo                   mão da defesa psíquica, que o faz retomar pensa-
médico representa um consolo; se tem pensamentos                     mentos e sentimentos de poder total ante a degenera-
místicos, a religião o conforta. O jovem pode lançar                 ção e a morte.




               Guimarães JP. Immortality feeling among adolescents. Medicina ( Ribeirão Preto) 2005; 38 (1): 42-44.

                  Abstract: The text discusses the adolescent omnipotent vision regarding death. Based on
               Anibal Ponce’s theories, which were developed by Maurício Knobel and Arminda Aberastury, it
               analyzes some aspects of the “normal adolescent syndrome”.

                  Keywords:      Adolescence. Death. Normal Adolescent Syndrome.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - Ponce A. Psicología de la adolescência. 2ª ed. México
     DF:Union Tipográfica Editorial Hispano–Americana; 1938
     (Reimpresión de 1960).

2 - Aberastury A, Knobel M. Adolescência normal: um enfoque
     psicanalítico. 10th ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992.




44

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Poder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso Online
Poder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso OnlinePoder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso Online
Poder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso OnlineEspaço da Mente
 
Paul Tournier - Culpa e Graca
Paul Tournier - Culpa e GracaPaul Tournier - Culpa e Graca
Paul Tournier - Culpa e GracaArão Zuconelli
 
2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor
2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor
2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amorMarlon Reikdal
 
Transtornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituais
Transtornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituaisTranstornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituais
Transtornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituaisDr. Walter Cury
 
Luto, perda e separação na infância
Luto, perda e separação na infânciaLuto, perda e separação na infância
Luto, perda e separação na infânciaTeresa Andrade
 
Boletim informativo junho 2016
Boletim informativo junho 2016Boletim informativo junho 2016
Boletim informativo junho 2016fespiritacrista
 
Aula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa Solução
Aula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa SoluçãoAula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa Solução
Aula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa SoluçãoSergio Lima Dias Junior
 
A cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eiss
A cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eissA cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eiss
A cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eissFabio med
 
SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)
SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)
SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)Sarita Birth
 
Visão espírita dos transtornos mentais
Visão espírita dos transtornos mentais Visão espírita dos transtornos mentais
Visão espírita dos transtornos mentais Dr. Walter Cury
 
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)ciceroferreira23
 

Was ist angesagt? (20)

Poder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso Online
Poder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso OnlinePoder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso Online
Poder das Crenças com Miriam Izabel - Ebook Curso Online
 
Instituto Espírita de Educação - Violência no lar
Instituto Espírita de Educação - Violência no larInstituto Espírita de Educação - Violência no lar
Instituto Espírita de Educação - Violência no lar
 
Palestra Espírita - Suicidio e loucura
Palestra Espírita - Suicidio e loucuraPalestra Espírita - Suicidio e loucura
Palestra Espírita - Suicidio e loucura
 
Paul Tournier - Culpa e Graca
Paul Tournier - Culpa e GracaPaul Tournier - Culpa e Graca
Paul Tournier - Culpa e Graca
 
2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor
2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor
2. Feridas e cicatrizes na infância - Estudo da obra Amor, imbatível amor
 
Elaboração do Luto
Elaboração do LutoElaboração do Luto
Elaboração do Luto
 
Conflitos existenciais
Conflitos existenciais Conflitos existenciais
Conflitos existenciais
 
Transtornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituais
Transtornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituaisTranstornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituais
Transtornos emocionais e mentais e seus aspectos físicos e espirituais
 
O Processo de Elaboração do Luto em Um Paciente com Diagnóstico de Esquizofre...
O Processo de Elaboração do Luto em Um Paciente com Diagnóstico de Esquizofre...O Processo de Elaboração do Luto em Um Paciente com Diagnóstico de Esquizofre...
O Processo de Elaboração do Luto em Um Paciente com Diagnóstico de Esquizofre...
 
Suicídio
SuicídioSuicídio
Suicídio
 
Luto, perda e separação na infância
Luto, perda e separação na infânciaLuto, perda e separação na infância
Luto, perda e separação na infância
 
Boletim informativo junho 2016
Boletim informativo junho 2016Boletim informativo junho 2016
Boletim informativo junho 2016
 
6 jovens tentam_suicidio
6 jovens tentam_suicidio6 jovens tentam_suicidio
6 jovens tentam_suicidio
 
Aula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa Solução
Aula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa SoluçãoAula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa Solução
Aula 13 - Mocidade Espírita Chico Xavier - Suicídio Falsa Solução
 
A cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eiss
A cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eissA cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eiss
A cura-atraves-de-vidas-passadas-brian- eiss
 
Carl rogers
Carl rogersCarl rogers
Carl rogers
 
SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)
SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)
SÉRIE FOTOGRÁFICA - O Prazer Afetivo Da Resignação (2012)
 
Visão espírita dos transtornos mentais
Visão espírita dos transtornos mentais Visão espírita dos transtornos mentais
Visão espírita dos transtornos mentais
 
Suicídio falsa solução
Suicídio falsa soluçãoSuicídio falsa solução
Suicídio falsa solução
 
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
Sobre a morte_e_o_morrer_elisabeth_kuble (2)
 

Ähnlich wie 5 o jovem_sua_visao_imortalidade

Sindrome normal da adolescencia
Sindrome normal da adolescenciaSindrome normal da adolescencia
Sindrome normal da adolescenciaAline Stechitti
 
Adolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espíritaAdolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espíritaSilvânio Barcelos
 
Cancro na adolescencia
Cancro na adolescenciaCancro na adolescencia
Cancro na adolescenciabeatriz9911
 
processo_individuacao_jung2.pdf
processo_individuacao_jung2.pdfprocesso_individuacao_jung2.pdf
processo_individuacao_jung2.pdfLiliam de Paula
 
Clínica da adolescencia
Clínica da adolescenciaClínica da adolescencia
Clínica da adolescenciaDaniela Marques
 
Adolescência, saúde e doença
Adolescência, saúde e doençaAdolescência, saúde e doença
Adolescência, saúde e doençaariadnemonitoria
 
Suicídio conhecer para prevenir
Suicídio conhecer para prevenirSuicídio conhecer para prevenir
Suicídio conhecer para prevenirAbel Sidney Souza
 
Narcisismo na juventude 09 2011
Narcisismo na juventude 09 2011Narcisismo na juventude 09 2011
Narcisismo na juventude 09 2011Fatima Carvalho
 
Revista bem estar-07-09-14
Revista bem estar-07-09-14Revista bem estar-07-09-14
Revista bem estar-07-09-14Fernanda Caprio
 
CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO
CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITOCARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO
CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITOsilbartilotti
 
Práticas restaurativas no ambiente.pptx2
Práticas restaurativas no ambiente.pptx2Práticas restaurativas no ambiente.pptx2
Práticas restaurativas no ambiente.pptx2Beth2819
 
Como lidar com a morte
Como lidar com a morte Como lidar com a morte
Como lidar com a morte Felipe Cruz
 
Prevenção ao suicídio - Infância e adolescência
Prevenção ao suicídio - Infância e adolescênciaPrevenção ao suicídio - Infância e adolescência
Prevenção ao suicídio - Infância e adolescênciaLuciana França Cescon
 
Valorização da vida - Wilma Badan CG
Valorização da vida - Wilma Badan CGValorização da vida - Wilma Badan CG
Valorização da vida - Wilma Badan CGMima Badan
 
As múltiplas faces de Eros - psicoologia
As múltiplas faces de Eros - psicoologiaAs múltiplas faces de Eros - psicoologia
As múltiplas faces de Eros - psicoologiaEliasSales8
 

Ähnlich wie 5 o jovem_sua_visao_imortalidade (20)

Sindrome normal da adolescencia
Sindrome normal da adolescenciaSindrome normal da adolescencia
Sindrome normal da adolescencia
 
Adolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espíritaAdolescência a complexidade do ser na visão espírita
Adolescência a complexidade do ser na visão espírita
 
Cancro na adolescencia
Cancro na adolescenciaCancro na adolescencia
Cancro na adolescencia
 
processo_individuacao_jung2.pdf
processo_individuacao_jung2.pdfprocesso_individuacao_jung2.pdf
processo_individuacao_jung2.pdf
 
Clínica da adolescencia
Clínica da adolescenciaClínica da adolescencia
Clínica da adolescencia
 
Ppt psicologia agora vai
Ppt   psicologia agora vaiPpt   psicologia agora vai
Ppt psicologia agora vai
 
Adolescência, saúde e doença
Adolescência, saúde e doençaAdolescência, saúde e doença
Adolescência, saúde e doença
 
MORTE E MORRER
MORTE E MORRERMORTE E MORRER
MORTE E MORRER
 
Suicídio conhecer para prevenir
Suicídio conhecer para prevenirSuicídio conhecer para prevenir
Suicídio conhecer para prevenir
 
Narcisismo na juventude 09 2011
Narcisismo na juventude 09 2011Narcisismo na juventude 09 2011
Narcisismo na juventude 09 2011
 
Revista bem estar-07-09-14
Revista bem estar-07-09-14Revista bem estar-07-09-14
Revista bem estar-07-09-14
 
CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO
CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITOCARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO
CARTA DE UM ADOLESCENTE: A QUESTÃO DO SUJEITO
 
Práticas restaurativas no ambiente.pptx2
Práticas restaurativas no ambiente.pptx2Práticas restaurativas no ambiente.pptx2
Práticas restaurativas no ambiente.pptx2
 
Como lidar com a morte
Como lidar com a morte Como lidar com a morte
Como lidar com a morte
 
A síndrome da adolescência normal
A síndrome da adolescência normalA síndrome da adolescência normal
A síndrome da adolescência normal
 
Prevenção ao suicídio - Infância e adolescência
Prevenção ao suicídio - Infância e adolescênciaPrevenção ao suicídio - Infância e adolescência
Prevenção ao suicídio - Infância e adolescência
 
Síntese aula 7.pptx
Síntese aula 7.pptxSíntese aula 7.pptx
Síntese aula 7.pptx
 
Valorização da vida - Wilma Badan CG
Valorização da vida - Wilma Badan CGValorização da vida - Wilma Badan CG
Valorização da vida - Wilma Badan CG
 
adolescentes e desenvolvimento 2016 .ppt
adolescentes e desenvolvimento 2016 .pptadolescentes e desenvolvimento 2016 .ppt
adolescentes e desenvolvimento 2016 .ppt
 
As múltiplas faces de Eros - psicoologia
As múltiplas faces de Eros - psicoologiaAs múltiplas faces de Eros - psicoologia
As múltiplas faces de Eros - psicoologia
 

Mehr von Marcelo Oliveira Borges

Mehr von Marcelo Oliveira Borges (9)

11 a relacao_doente_sem_possibilidade_manejo_terapeutico
11 a relacao_doente_sem_possibilidade_manejo_terapeutico11 a relacao_doente_sem_possibilidade_manejo_terapeutico
11 a relacao_doente_sem_possibilidade_manejo_terapeutico
 
10 intervencao junto_familia_paciente_alto_risco
10 intervencao junto_familia_paciente_alto_risco10 intervencao junto_familia_paciente_alto_risco
10 intervencao junto_familia_paciente_alto_risco
 
9 aspectos legais_%20morte
9 aspectos legais_%20morte9 aspectos legais_%20morte
9 aspectos legais_%20morte
 
8 morrendo bem_equipado
8 morrendo bem_equipado8 morrendo bem_equipado
8 morrendo bem_equipado
 
7 o cuidar_situacao_morte
7 o cuidar_situacao_morte7 o cuidar_situacao_morte
7 o cuidar_situacao_morte
 
5 tabagismo e_a_transdisciplinaridade
5 tabagismo e_a_transdisciplinaridade5 tabagismo e_a_transdisciplinaridade
5 tabagismo e_a_transdisciplinaridade
 
4 sindrome infantil_defuncao_subita
4 sindrome infantil_defuncao_subita4 sindrome infantil_defuncao_subita
4 sindrome infantil_defuncao_subita
 
2 morte consideracoes_pratica_medica
2 morte consideracoes_pratica_medica2 morte consideracoes_pratica_medica
2 morte consideracoes_pratica_medica
 
1 a visao_morte_longo_tempo
1 a visao_morte_longo_tempo1 a visao_morte_longo_tempo
1 a visao_morte_longo_tempo
 

Kürzlich hochgeladen

Avanços da Telemedicina em dados | Regiane Spielmann
Avanços da Telemedicina em dados | Regiane SpielmannAvanços da Telemedicina em dados | Regiane Spielmann
Avanços da Telemedicina em dados | Regiane SpielmannRegiane Spielmann
 
700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf
700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf
700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdfMichele Carvalho
 
Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)
Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)
Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)a099601
 
CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptx
CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptxCURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptx
CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptxKarineRibeiro57
 
SDR - síndrome do desconforto respiratorio
SDR - síndrome do desconforto respiratorioSDR - síndrome do desconforto respiratorio
SDR - síndrome do desconforto respiratoriolaissacardoso16
 
8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...
8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...
8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...Leila Fortes
 

Kürzlich hochgeladen (7)

Avanços da Telemedicina em dados | Regiane Spielmann
Avanços da Telemedicina em dados | Regiane SpielmannAvanços da Telemedicina em dados | Regiane Spielmann
Avanços da Telemedicina em dados | Regiane Spielmann
 
700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf
700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf
700740332-0601-TREINAMENTO-LAVIEEN-2021-1.pdf
 
Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)
Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)
Psicologia Hospitalar (apresentação de slides)
 
CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptx
CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptxCURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptx
CURSO TÉCNICO DE ENFERMAGEM..........pptx
 
SDR - síndrome do desconforto respiratorio
SDR - síndrome do desconforto respiratorioSDR - síndrome do desconforto respiratorio
SDR - síndrome do desconforto respiratorio
 
8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...
8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...
8 - O Teste de sentar e levantar em 1 minuto como indicador de resultado nos ...
 
apresentacao-NR 12 2024.ppt
apresentacao-NR                        12 2024.pptapresentacao-NR                        12 2024.ppt
apresentacao-NR 12 2024.ppt
 

5 o jovem_sua_visao_imortalidade

  • 1. Medicina (Ribeirão Preto) Simpósio: MORTE: VALORES E DIMENSÕES 2005; 38 (1): 42-44 Capítulo V O JOVEM E SUA VISÃO DE IMORTALIDADE IMMORTALITY FEELING AMONG ADOLESCENTS Jael de Paula Guimarães Médica Hebiatra. Ambulatório de Adolescentes. Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto CORRESPONDÊNCIA: Rua Amador Bueno, 237. 14010-070 - Ribeirão Preto, SP. Guimarães JP. O jovem e sua visão de imortalidade. Medicina ( Ribeirão Preto} 2005; 38 (1): 42-44. Resumo: O texto comenta os pensamentos onipotentes que o adolescente tem diante da morte. Para isso, tece comentários sobre a “síndrome da adolescência normal”, de acordo com as teorias de Aníbal Ponce desenvolvidas por Maurício Knobel e Arminda Aberastury. Descritores: Adolescente. Morte. Síndrome da Adolescência Normal. No presente trabalho discutiremos a visão que comportamento humano normal, e que isto ocorre na tem o adolescente a respeito da morte e sua percep- evolução de todo adolescente. Esses comportamen- ção de imortalidade. Iniciaremos comentando as ex- tos variam de indivíduo para indivíduo, de cultura para periências vividas pelo jovem e as dificuldades por ele cultura ou de um grupo social para outro. Os limites enfrentadas ao passar da infância para a idade adulta. que definem o início e o fim desta fase também vari- Alguns pesquisadores já se preocuparam em descre- am muito. O professor Mauricio Knobel2 comentou ver as diferentes transformações que ao mesmo tempo haver “uma situação que obriga o sujeito a reformular perturbam o jovem e o preparam para experiências os conceitos que tem a respeito de si mesmo e que o posteriores da vida, as quais passaremos a comentar levam a abandonar sua auto-imagem infantil e a pro- em seguida. jetar-se no futuro de sua vida adulta”. Dr. Knobel e Aníbal Ponce1, psicanalista argentino que bri- outra psicanalista argentina, a doutora Arminda lhantemente escreveu a respeito das vivências emo- Aberastury2, são os pesquisadores responsáveis pela cionais dos adolescentes , iniciou os estudos desta fase caracterização da citada síndrome. Eles prosseguem da vida comentando ser o jovem aquele indivíduo em dizendo que para atingir a estabilização da personali- permanente conflito, controvertido em suas idéias e dade há que se passar por certo grau de conduta repetidamente envolvido em atitudes paradoxais. A patológica, que eles consideraram “inerentes a esta causa desta “confusão” toda foi posteriormente cha- etapa da vida”. Anna Freud (citada pelo Dr. Knobel), mada de “síndrome da adolescência normal”. Os prin- afirmou “que é muito difícil assinalar o limite entre o cipais aspectos desta síndrome serão apresentados normal e o patológico na adolescência”, acrescentan- neste artigo. do que “seria anormal a presença de um equilíbrio Antes de descrever as características desta estável durante o processo adolescente”. síndrome, é preciso dizer que seus autores afirmaram No entender desses pesquisadores, é preciso que os transtornos psicopatológicos observados nada haver o conflito, a crise para que o jovem cresça, mais são que a expressão magnificada, distorcida, do amadureça, adquira identidade adulta. A noção que o 42
  • 2. O jovem e sua visão de imortalidade jovem tem da possibilidade de morrer ou de se depa- A negação do luto associada à identificação rar com a perda de alguém significativo o bastante projetiva (fato do indivíduo visualizar em terceiros ca- para fazê-lo sofrer de modo intenso, faz com que ele racterísticas que são na verdade pertencentes a ele viva o dia-a-dia como alguém quase que invulnerável, mesmo) levam-no a ter pensamentos com particulari- inatingível pelas coisas que afligem os adultos e aque- dades do grupo ao qual pertence (“turmas”). Amor e les que estão distantes do seu cotidiano. ódio, culpa e reparação são sentimentos intensamente A síndrome da adolescência normal decorre de vividos e rapidamente eliminados. vivências na maioria das vezes total ou parcialmente inconscientes. Esses eventos íntimos assinalados por 3- LUTO PELA PERDA DOS PAIS DA INFÂN- Aníbal Ponce1, e mais detalhados e elaborados por CIA Arminda Aberastury2, são: 1- luto pelo corpo infantil perdido As contradições existentes nas atitudes e pen- 2- luto pela identidade e papel infantil perdidos samentos causam incongruência entre os pais 3- luto pelos pais da infância, também perdidos. internalizados e os pais reais. Essas contradições apa- recem quando um jovem paga os refrigerantes consu- 1- O LUTO PELO CORPO INFANTIL midos pela “turma” na lanchonete (potente perante terceiros) com o dinheiro que ele pediu aos pais (de- O jovem assiste passivamente às suas mudan- pendente da família). Esta alternância de sentimen- ças e se vê impotente frente à realidade concreta. tos, ser dependente ou independente, capaz ou inca- Esta impotência faz com que ele desloque sua rebel- paz, levam o adolescente a interromper a comunica- dia para a esfera do pensar. Ele passa a fazer um ção com os pais externos, reais: refugia-se no quarto, manejo onipotente das idéias frente ao fracasso da faz meditação, análise, escreve em diário íntimo, pro- realidade. Isto fica bem evidente nas idéias de refor- jeta a imagem paterna idealizada em professores, ma do mundo, tanto sociais quanto políticas, religiosi- amigos próximos, atletas, políticos, etc. A solidão peri- dade por vezes intensa. Há o pensamento de que nada ódica é ativamente procurada pelo adolescente por- o atinge. Esta onipotência faz com que o adolescente que facilita a conexão com os objetos internos e a sua acredite na sua imortalidade ou na daqueles que lhes substituição, o que enriquece mais o seu ego. são caros (negação da morte). Com relação à noção de tempo, o adolescente apresenta contradições entre o imediatismo e a capa- 2- O LUTO PELA IDENTIDADE E PELO cidade de postergar indefinidamente qualquer ação. PAPEL INFANTIL PERDIDOS Ao elaborar os lutos ele se torna capaz de localizar o corpo e papel infantis no passado, aceitar o transcur- Ao mesmo tempo que o adolescente não pode so do tempo e reconhecer o conceito de morte como manter os papéis infantis, ele não pode assumir a in- irreversível e natural. dependência plena do adulto. Existe uma “fase do fra- Aníbal Ponce1 considerava o descobrimento do casso de personificação”. Ele então delega ao grupo tempo e da morte como um tormento tão perturbador parte de seus atributos, e aos pais boa parte de suas quanto o sexo e o desenvolvimento da sexualidade responsabilidades e obrigações. Verificamos, aí, a adulta. Dizia que a percepção interna de que os mo- irresponsabilidade típica desta fase. mentos vividos se sucedem inexoravelmente constitui O jovem vive um processo característico de um bombardeio de sentimentos dolorosos. A noção de comprovação e experimentação de objetos do mundo que a vida passa num fluir incessante deixam-no dian- real e da fantasia que se confundem. Isto permite te de um sentimento de inutilidade de todo o seu es- despersonificar os seres humanos, tratando-os como forço para crescer e amadurecer. Seu medo de enve- objetos de suas satisfações. As assim chamadas rela- lhecer e morrer turvam seus sonhos, seu ideal de in- ções objetais têm caráter muito intenso, embora se- dependência e, se não tiver forças que o prendam à jam frágeis e fugazes. As manifestações migram das vida, ele passa a ser perseguido por forte sentimento crises passionais (idolatria à personalidades da mídia, de desesperança, que vez ou outra culminam com o colegas da escola, namorado(a), lendas do rock e do suicídio. Ocorre uma convivência angustiante com a futebol, etc) a indiferenças absolutas, muitas vezes cru- solidão e a finitude da vida, que fragiliza o adolescen- éis, com pessoas e animais. te, o qual necessita de muita compreensão e apoio. Se 43
  • 3. Guimarães JP está doente, a explicação dos fenômenos feita pelo mão da defesa psíquica, que o faz retomar pensa- médico representa um consolo; se tem pensamentos mentos e sentimentos de poder total ante a degenera- místicos, a religião o conforta. O jovem pode lançar ção e a morte. Guimarães JP. Immortality feeling among adolescents. Medicina ( Ribeirão Preto) 2005; 38 (1): 42-44. Abstract: The text discusses the adolescent omnipotent vision regarding death. Based on Anibal Ponce’s theories, which were developed by Maurício Knobel and Arminda Aberastury, it analyzes some aspects of the “normal adolescent syndrome”. Keywords: Adolescence. Death. Normal Adolescent Syndrome. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Ponce A. Psicología de la adolescência. 2ª ed. México DF:Union Tipográfica Editorial Hispano–Americana; 1938 (Reimpresión de 1960). 2 - Aberastury A, Knobel M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. 10th ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992. 44