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Análise Semiótica de “Nosedive” da série Black Mirror
1
Bruna Barioni
2
Daniel Lima
3
Gabriel Camacho
4
Lucas Santana
5
Moses Júnior
6
Nikolas Artioli
7
André Campos
8
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP
Resumo
Tendo como base o pensamento de Zygmunt Bauman a respeito da "sociologia
humanística" foi realizada uma análise do episódio “Nosedive” da série “Black Mirror”.
Estabelecendo uma relação entre o sociólogo e o tópico escolhido, a perspectiva a respeito da
1
Trabalho apresentado para a disciplina de Estudos da Semiótica do curso de
Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Universidade Anhembi
Morumbi.
2
Graduanda do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e-
mail: brunabarioni@hotmail.com
3
Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e-
mail: daniellisi@hotmail.com
4
Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e-
mail: gabriel.cbs@hotmail.com
5
Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e-
mail: lucas.sdnn@gmail.com
6
Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e-
mail: moseesjr@gmail.com
7
Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e-
mail: nikolas.biscaro@hotmail.com
8
Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC, 2012), Bacharel em Propaganda e
Marketing (ESPM, 1998)
1
sociedade que o episódio retrata fica mais diluída e de fácil compreensão, onde o universo
líquido com alguns detalhes e até mesmo objetos que fazem alusão ao sólido é criticado
através da jornada de Lacie Pound (protagonista do episódio), mostrando sua busca incessante
por uma felicidade inalcançável que é estabelecida pelo padrão de controle da sociedade
retratada. “Nosedive”, ao pé da letra significaria em português: “descida abrupta”, porém,
analisamos o significado de um outro espectro muito válido para o tema em questão, “nose”
significa “nariz” e a palavra “dive” seria mergulho ou o verbo mergulhar na língua inglesa.
Por esta razão concluímos que “nosedive” na verdade seria um mergulho em seu próprio nariz
aludindo à um “mergulho no próprio ego” refletindo o comportamento da personagem
retomado diversas vezes no artigo em questão. O episódio expõe o ego do ser humano e sua
necessidade por estabilidade social, que se liga diretamente a sua própria estabilidade
emocional que por sua vez necessita de algo sólido para se concretizar, algo que se mostra
impérvio dentro da sociedade onde o indivíduo tem que ser perfeito aos olhos da massa
criando uma artificialidade que prende o ser em um ciclo vicioso.
Palavras-chave: análise; bauman; black mirror; crítica; nosedive; sociedade.
O despertar do interesse para realizar a análise foi causado pela hipérbole reflexiva da
sociedade atual, que estimulam diversos tipos de pensamentos críticos agindo de maneira
positiva e ativa no dia-a-dia de qualquer indivíduo que apresenta interesse em absorver a
mensagem passada, utilizando uma tecnologia diretamente ligada a atual, facilitando uma
reflexão a respeito do episódio em questão.
1. Universo e sua Liquidez
“O público é colonizado pelo privado; o interesse público é reduzido à curiosidade sobre
as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição pública das
questões privadas e a confissões de sentimentos privados”. (BAUMAN, 2000, p.46). Exposição
do ego nu, individualidade exacerbada, interesse individual simplesmente disfarçado embaixo de
uma carapaça coletiva sem valor, características que iniciam a fundamentar a construção do
universo do episódio analisado. Características essas que fundamentam o que de fato Bauman
analisou em todos os seus trabalhos: a liquidez nas relações humanas no mundo moderno. Por
“liquidez” entende-se o completo oposto da solidez, os líquidos fluem, escorrem, respingam,
2
são filtrados, destilados, vazam, transbordam e não são facilmente contidos. A metáfora
perfeita para analisar de um espectro crítico a mais nova modernidade em que vivemos, em
que relações humanas não são mais de contato sólido, de prazer intrínseco, são
fundamentados a partir de um novo “existir”, um existir que necessariamente pressupõe a
visão do outro, mais do que isso: um prazer que seria fundamentado única e exclusivamente
na visão de julgamento do outro, baseado no que o “coletivo” julga como belo, valoroso ou
simplesmente “legal”, existo a medida que o outro me vê, ou melhor utilizando uma paródia
referente à famosa citação do filósofo René Descartes: “O outro me vê, logo existo”, um
mundo onde tirar uma foto de uma bela refeição e postar em redes sociais se torna mais
primordial do que propriamente deliciar-se com aquele prato em questão (cena da cafeteria).
O universo analisado por uma vertente geral é traduzido em pura liquidez, a crítica
exacerbada da sociedade atual reside muito bem adaptada ao entorno e as ações de todos os
personagens dentro do “misce-en-scène”. A maneira como é visto é mais importante do que
como você realmente é, você não precisa estar bem, só precisar parecer bem, isso se evidencia
em todas as cenas que acontece qualquer tipo de relação humana e na sede incessante da
personagem principal por reconhecimento, que se dá através de “notas” que os cidadãos
trocam ininterruptamente, uma sociedade em que o avanço da tecnologia concomitantemente
retrocedeu o relacionamento interpessoal, onde as pessoas com as notas mais elevadas são os
influenciadores, também relacionadas a uma classe social mais elevada, tal como os famosos
de hoje em dia. São os que possuem fãs que possam defender as ideias expostas pelo seu
ídolo e se espelhar nos mesmos.
A reflexão sobre as notas em geral pode ser facilmente relacionada às famosas
“curtidas” nas redes sociais e mais ainda a nossa constante busca contemporânea pelo maior
número de “amigos” possíveis. “Amizade” essa que Bauman gosta de chamar de “Facebook
Friendship” analisando que a mesma medida em que posso fazer novas “amizades” nas redes
sociais, eu construo uma “descartabilidade” muito maior, o novo tipo de amizade da
modernidade fluída não cria laços afetivos sólidos.
A importância das curtidas é tanta no episódio que existe um profissional, consultor de
relacionamento que ajuda a conseguir notas e analisa seu ciclo social por produtividade. Cabe
fazer um adendo aqui e traduzir a possível crítica a profissionais encarregados de cuidar de
redes sociais ou da visibilidade de uma empresa ou pessoa nesses meios de comunicação, os
profissionais de “social media”. A crítica mascarada por um escopo de “evolução mundial”
3
adaptada para dar a sensação de que somos seres evoluídos o suficiente, globalizados e modernos
a ponto de gerarmos empregos através da tecnologia e das redes sociais pode ser facilmente
derrubada. Até que ponto as redes sociais e a visibilidade sistêmica estarem gerando empregos é
digno de admiração? Não seria esse fato algo que devemos nós desprezar? Quão “descartável”
retomando a ideia da “Facebook Friendship”, estão nossos cargos profissionais hoje em dia? E
não apenas os cargos profissionais, mas absolutamente tudo que construímos.
O cenário geral, portanto, além de todas as análises posteriores traduz um espaço
público, mas não civil em que “se destina a servir aos consumidores, ou melhor a transformar
o habitante da cidade em consumidor”. (BAUMAN, 2000, p. 114). Por mais cheios que
possam estar os ambientes de consumo coletivo (cafeteria) não possuem nada de
propriamente “coletivo”. Todos os civis que se encontram no mesmo lugar dentro do episódio
só se relacionam buscando um bem individual através de notas, nunca estão em busca de um
real deleite que não seja o do ego nu exposto, o público é definitivamente colonizado pelo
privado e tudo que as personagens fazem ou deixam de fazer é um esboço de uma crítica
social moderna perfeitamente construída no episódio.
2. Emancipação
O episódio como um todo possui fases gradativas de um processo de emancipação
atingido por completo apenas nos minutos finais, a analise como um todo se referindo ao
processo, é uma releitura da “Alegoria da caverna” do filósofo grego Platão. O mito original
consiste em uma análise sobre a busca do conhecimento e uma metáfora para a alienação
proferida pela maior parte da sociedade em que vivemos, a personagem principal se encontra
por inteiro imersa no universo líquido que nesse ponto tomaremos como “caverna”. Ao longo
do episódio pode-se observar que a personagem possui um objetivo que seria chegar ao
casamento a tempo, realizando um trajeto conturbado e cheio de complicações adversas ao
seu destino. Para a personagem, o seu objetivo construído nas bases líquidas de seu
pensamento é única e exclusivamente conseguir a “aceitação social” por meio de notas altas
que o evento irá proporciona-la, como resultado de proferir seu discurso com maestria. Mas,
do ponto de vista crítico da jornada como um todo, seu destino final não seria o evento, mas
sim, a libertação completa da caverna e a emancipação mental do universo fluído em que ela
se encontra, configurados pela busca do conhecimento pleno.
4
O processo de emancipação tem seu início marcado a partir do momento em que Lacie
aceita a carona oferecida por uma velha “caminhoneira”, com nota extremamente baixa
traduzindo que a aceitação social da mesma não é deveras boa. No momento do primeiro
diálogo entre as duas dentro do caminhão a senhora oferece café e uísque para Lacie
respectivamente dentro de uma garrafa azul e outra vermelha, introduzindo assim a
apresentação de uma dualidade de universos similar ao que acontece com “Neo” no primeiro
filme da saga “Matrix” (também uma releitura do pensamento de Platão), quando as pílulas
são oferecidas ao personagem. Tomando a azul, o mesmo voltará à sua ilusória e superficial
vida (líquida); se optar pela pílula vermelha, ele conhecerá finalmente a realidade por detrás
do mundo que julga ser real. Esta dualidade de universos busca inspiração em vários
segmentos históricos de críticas à sociedade, como por exemplo: a história “Alice no País das
Maravilhas”, na qual Alice tem de escolher entre tomar o líquido azul ou vermelho e a
“Alegoria da Caverna”, em que se prova que os homens podem viver no mundo das sombras
tomando aquele estado como normal e absoluto. A partir deste momento classificaremos a
senhora como o “agente emancipatório”, quem conduzirá Lacie à sua libertação completa da
caverna, por meio de reflexões discutidas durante a viagem que instigam mesmo que
inconscientemente a personagem a buscar seu pensamento pleno.
O ponto mais alto do diálogo classificado pelo motivo de coincidir perfeitamente com
o pensamento de Bauman se dá no momento em que o “agente emancipatório” questiona a
personagem principal sobre o motivo pelo qual ela não se livra de seu envoltório líquido de
aceitação social e aceita sua plenitude sólida. A personagem responde que é pelo simples
motivo de ela não ter conquistado algo que almeja como ponto cabal de sua vida, proferindo a
seguinte frase: “ainda estou lutando para conseguir essa coisa”. “Ser moderno também
significa ter uma identidade que só pode existir como projeto não-realizado (BAUMAN,
2000, p.37), o tão mencionado “longo prazo” não existe mais, pois conseguimos eternizar um
momento instantaneamente por um clique, a nossa valorização de tempo está completamente
conturbada. Os cidadãos modernos estão sempre em busca dos padrões idealizados
midiaticamente (Naomi), elevando a vida vista na telinha como o que realmente é “real” e
diminuindo o valor da vida real ela mesma, do convívio social e da solidificação. Portanto
aquilo que é visto na tela já que é propositalmente inalcançável, torna a vida vivida
propriamente “irreal”. No final do encontro quando Lacie desce do caminhão o “agente
emancipatório” coloca em sua mala a garrafa vermelha, simbolizando sua posterior libertação
da caverna e o começo do processo de emancipação propriamente dito.
5
Vale ressaltar um detalhe cenográfico no momento em que Lacie deixa o caminhão e
tenta observar o arredor, o sol muito forte incide diretamente em seus olhos sendo necessário
fazer sombra com as mãos para enxergar. Este simples jogo de luzes constrói novamente uma
alusão à “Alegoria da caverna”. Platão explica que a liberdade do pensamento alienado da
caverna pressupõe esforço e dedicação, com base nisso, ele desenvolve uma metáfora para a
situação em que relaciona a dificuldade da busca do conhecimento com a dificuldade que
temos para enxergar no momento da troca de luz brutal de um ambiente para o outro. Por esse
motivo, inicia-se, portanto, a “saída da caverna”. Posteriormente, todas as ações tomadas pela
personagem parecem ser de um esforço incessante para a conquista de seu objetivo, uma
sucessão de acontecimentos degradantes evidenciando propositalmente a dificuldade que se
passa o homem durante a busca do conhecimento. Por fim, a personagem atinge sua
libertação intelectual no momento em que finalmente consegue proferir seu discurso em
forma de desabafo e auto avaliação.
Ao final de seu discurso interrompido, a personagem é presa por conta da negação
social que as notas baixas a proporcionaram e a relação gritante com o mito da caverna surge
novamente. Platão explica que é perigoso retornar à caverna após atingir sua libertação
intelectual própria, pois não é tarefa simples convencer os alienados de que o mundo não é
realmente o que lhes é apresentado e esse ato de convencimento pode causar segregação
social, neste caso, a prisão é o símbolo. Sua entrada na prisão é o ponto alto de representação
simbólica da liberdade de um ponto de vista irônico e crítico, o acontecimento sucessivo de
atos que caracterizam o processo de libertação do mundo líquido é claro.
“Rabicho” colocado na caixa representa a perda da necessidade de uma representação de
mundo sólido pois ela já se encontra inserida no mesmo; a retirada da lente tecnológica que os
cidadãos possuem faz alusão à liberdade atingida; a queda das lagrimas retrata um sentimento
puro, solido e real, juntamente com a percepção da poeira no ar; a remoção do vestido rosa
evidencia propriamente o desencargo da necessidade do “parecer bem” e, por fim, o sorriso que
ela esbanja representa a serenidade sentida após entender o mundo de uma forma empirista.
Após a progressão simbólica de acontecimentos ela percebe um homem na cela ao lado
observando-a fixamente, ao tentar reagir com uma nota ruim ela se dá conta de que lhe falta o
“smartphone” em mãos, sendo obrigada a interagir de uma forma sólida com sua insatisfação, ela
começa a questionar o homem solicitando-o que pare de olhar para ela e pensar. O homem
responde de pronto a seguinte frase: “o mundo seria enfadonho sem pensamentos”. Pelo fato do
homem já estar inserido dentro da cela, ele já estava “livre” antes de Lacie, já havia conquistado
sua libertação da caverna antes da mesma e segundo Platão, aquele que consegue
6
libertar-se da caverna e proferir seus ensinamentos é de fato o filósofo, portanto, o homem
representado no final do episódio, que termina trocando uma série de ofensas com a
personagem principal em função de instigar a progressão de seu pensamento e sentimento
sólido é um filósofo, um amante do conhecimento.
3. Protagonista
Lacie Pound é uma personagem com uma vida estabelecida e muitas ambições, das
quais ela acaba se tornando refém. É possível perceber o padrão de qualidade de sua vida
devido à sua “nota” acima de 4. Ela está sempre correndo atrás de aceitação, construir uma
imagem para as outras pessoas com o objetivo de ser sempre bem avaliada. Sua personalidade
apresenta características instáveis em relação ao meio em que vive pois está sempre lidando
com o conflito entre o mundo sólido e líquido. A personagem vive o episódio em função da
projeção de uma felicidade irreconhecível, que não sabe se é real.
A protagonista enxerga o mundo ao seu redor como um ambiente de aparências, onde
a “imagem” vale mais do que o dinheiro para conquistar tudo que almeja e o avanço da
tecnologia é de primordial necessidade para a vida social do curtir e compartilhar como
sinônimo de existência. Os seus atos diários devem ser feitos a favor da construção de uma
boa imagem para a sociedade, mesmo que tal ação não a agrade. Ao se deparar com sua maior
ambição, que seria a compra de uma nova residência cuja as pessoas com nota 4,5 obteriam
um desconto, ela percebe que sua busca incessante por boas avaliações não era o suficiente. A
partir desse momento a personagem se dispõe a fazer qualquer coisa para acalcar seu objetivo.
No episódio vemos diversos personagens fortemente relacionados com a protagonista,
como reflexos de seu próprio ser idealizado e real, como resquícios do mundo sólido no meio
da liquidez onde vive, que motivam Lacie no decorrer do episódio.
4. Personagens e Signos
4.1. Os personagens e os signos carregam um grande peso para a fluidez da narrativa e para
cumprir o ideal proposto pelo episódio. Com isto, muitos personagens e objetos
apresentam características fortes e peculiares que fazem com que o espectador crie uma
ponte de ligação da crítica do episódio e a realidade em que vivemos, mostrando a forma
como as pessoas vivem, seus medos e suas ambições, e o motivo que nos fazem criar tal
7
ligação são as representações ou signos que cada personagem e objeto carregam durante
o decorrer da narrativa. Esses personagens e objetos estão constantemente circundando a
vida da protagonista e seus signos são criados de modo a mostrar a instabilidade, duvida,
medo, inveja e a ambição presente na mente das pessoas e da protagonista.
4.2. “O Homem do Smoothie”: este personagem é um dos destaques do episódio por mostrar
o seu desespero pela aceitação das pessoas ao seu redor, através de notas que foram
prejudiciais por motivos relacionados à sua vida pessoal, fazendo com que ele procure
oferecer smoothies como moeda de troca para obter notas, que constroem de volta sua
aceitação. Isto é evidenciado ainda no início do episódio, no momento em que ele
oferece Smoothies para a protagonista em troca de notas, e esse desespero aparece
gritante em sua expressão facial, assim que recebe a nota desejada ele agradece Lacie
esboçando uma expressão de alivio.
Este personagem cria uma ponte de ligação com nossa realidade, pois muitas
pessoas são julgadas e julgam precocemente as outras pela quantidade de curtidas em
fotos e número de seguidores em suas redes sociais, fazendo com que as mesmas sejam
até excluídas de alguns ciclos sociais, como é apresentado com o “homem do smoothie”.
Por este motivo as pessoas se limitam a viver em um mundo de aparências, onde aquilo
que você aparenta ser é mais do que aquilo que você realmente é “O outro me vê, logo
existo”, um mundo onde a primeira impressão é a que realmente fica, onde a busca pela
aceitação vale qualquer sacrifício, um mundo em que as pessoas vivem em uma
constante busca por criar em suas redes sociais uma aparência agradável e aceitável aos
olhos de quem vê, para assim, tentar garantir a sua “inclusão” na sociedade ou em
determinados ciclos sociais. O privado se torna público, pois nesse mundo integrado,
onde sua vida pessoal é exposta através de aparências para se tornar aceitável e
reconhecido pela sociedade, sua privacidade se torna frágil, pois qualquer erro pessoal
cometido gera repercussões, podendo prejudicar até mesmo sua vida afetiva e
profissional. Fato este que já acontece constantemente nos dias atuais, onde muitos
relacionamentos e empregos são destruídos por erros cometidos nas redes sociais.
4.3. Naomi: Esta personagem é apresentada como uma amiga de infância da protagonista, mas
no decorrer do episódio é mostrado que na verdade essa amizade era uma camuflagem para
acobertar a inveja e a vontade da protagonista de um dia se tornar igual a sua amiga, a qual é
uma forte representação do padrão de beleza ideal midiático, sendo loira, magra,
8
de olhos azuis e com uma vida pessoal e afetiva bem resolvida. Estes traços fazem com
que “Lacie” idealize esta personagem, e se veja na vida e no corpo dela, fazendo com
que ela crie uma espécie de idolatria e perseguição. Em diversos momentos é mostrado a
protagonista verificando o perfil da dessa personagem nas redes social, no qual fica
muito tempo olhando e admirando o padrão de vida dela, com um olhar e expressão de
desejo e ambição. Outro ponto que destaca o relacionando conturbado entre duas, é o
jogo de interesses que há entre ambas as partes, onde cada uma tenta utilizar a outra para
os interesses pessoais, fazendo com que Naomi acabe carregando o papel de ser uma
representação do narciso ideal da protagonista.
Esta personagem além de representar o padrão de beleza almejado por muitas
mulheres no mundo inteiro, a sua relação com a protagonista representa o falso
relacionamento estruturado por invejas e interesses, em que as pessoas se submetem a
viver com o objetivo de se parecer ou ser melhor do que as outras ao seu redor, para ter
uma aceitação e reconhecimento equivalente, ou mostrar-se ser melhor para sua
autoafirmação, e como as pessoas usam as outras para conseguir conquistar seus
próprios objetivos, sem pensar nas consequências que aquilo acarretará à todas as
pessoas em sua volta.
Quando uma pessoa intensifica a busca para se parecer ou ser melhor que
alguém, isso torna-se uma cobiça nociva, e ocorre a perda da personalidade própria.
Estas pessoas criam ídolos por acharem que eles apresentam características superiores
comparado a suas próprias, ou são mais aceitos na sociedade, e estes ídolos acabam
influenciando em todas as suas ações, e modo de ser.
4.4. O Irmão: O irmão da protagonista tem uma vida aparentemente cômoda, e se apresenta
na maioria das vezes jogando videogame ou criticando as atitudes de sua irmã. Este
personagem carrega uma representação muito importante, pois ele sempre demonstra ter
características mais “pé no chão” e não se deixa levar pelo modismo estabelecido na
sociedade da trama, tem noção do real e o irreal, ou sólido e líquido. Em diversos
momentos é possível vê-lo tentando fazer com que sua irmã saia da “cúpula ilusória”
que ela criou em torno si e veja a realidade como ela realmente é. Por este motivo é
possível perceber que ele atua como se fosse o subconsciente da protagonista onde há
resquícios racionais e sólidos de uma vida mais “humana” e fora da pressão dos padrões
estabelecidos por esta sociedade.
9
4.5. Rabicho: O rabicho é um boneco de pano que a protagonista guarda desde sua infância,
que para ela simboliza a amizade que ela tinha com sua amiga. Entretanto é possível
perceber que o significado deste objeto se perdeu com o passar dos anos, tanto que a
última vez que a protagonista percebeu este brinquedo foi quando ela precisou usá-lo
para conseguir chamar a atenção de sua amiga. Ele carrega resquícios de um mundo
solido, fora dos padrões da sociedade da trama, e conseguimos perceber isto pelas suas
próprias características físicas, onde aparenta ser velho, sujo e com cores mortas,
diferente dos outros objetos.
5. Ambientação
O enquadramento e a coloração utilizada durante toda a trama fazem referência a filtros
usados em aplicativos de fotos. No início percebemos uma tonalidade mais voltada para o rosa e
cores pastéis, com o intuito de intensificar um lado mais feminino e mais elitizado, pois a
personagem tem uma avaliação aproximada de 4.2 não a tornando uma total influenciadora,
porém, fazendo com que ela esteja em um patamar mais elevado em relação ao seu irmão, por
exemplo. Ainda no inicio, temos uma trilha musical que remete a calmaria e estabilidade.
Ao decorrer da história e ao começar a enfrentar diversos problemas, a música começa
a ter uma aceleração trazendo um sentimento de angústia e de nervosismo, exemplificada com
ações e expressões da personagem. Juntamente com a mudança da música, existe uma notável
transição da coloração da imagem, a partir do momento e que as coisas não começam a dar
certo, os tons pastéis e rosados somem e dão lugar a uma coloração mais sombria e pacata,
seguindo assim até chegarmos à cena do casamento em que por se tratar de um casal da “high
society” as cores vivas voltam a aparecer sugerindo mais uma vez à estrutura de filtros de
aplicativos. A trilha musical também possui uma enorme importância por estar sempre
atrelada ao recebimento das notas e quando essas notas são baixas, emite-se um som
semelhante ao que ocorre quando os personagens de um jogo de vídeo game passam por
adversidades perdendo sua vida, exemplo: “Mario” e “Sonic”, estes sons estão fixados em
nosso subconsciente, construídos por nossos interpretantes ao longo da vida.
Seguindo a mesma vertente do enquadramento, temos a análise de figurino no qual ela
está praticamente a todo momento trajada, com peças rosas e sociais tentando passar a imagem de
uma mulher madura, entretanto com alma de menina, pela repetida coloração e pelo fato de
10
estar sempre acompanhada de sua boneca como dito anteriormente. O figurino em si
evidencia a diferença entre os personagens, fazendo uma relação com o “nosso mundo”. A
nota obtida diz respeito à nossa classe social, as pessoas com notas elevadas estão sempre de
social ou com roupas de marca e as pessoas com notas mais baixas estão de camiseta e shorts,
no máximo uma calça jeans denotando um ar mais simplista, temos o exemplo da funcionária
que Lacei encontra no elevador e o noivo da Neyomi de classe social mais elevada, enquanto
seu irmão e a senhora que lhe oferece carona são vistas como pessoas de classe mais baixa.
O cenário apesar de ter um ar futurista nas ruas, nos veículos, nas fachadas de prédios e
casas, ele apresenta um interior simplista. Mesmo em casas enormes o interior é simples, por
exemplo, a casa da personagem principal onde a cama do irmão encontra-se na sala, a cozinha
é americana e não possui muitos acessórios sofisticados. Mais uma vez isso nos mostra que o
importante é como eu sou visto e não como de fato eu sou. Só teremos contato com locais
mais simples a partir do momento em que as coisas começam a dar errado como a ponte em
que ela estava quando encontra a senhora, a lama em que ela cai chegando ao casamento, ou
seja, você tem o que sua nota te proporciona.
6. Considerações Finais
É possível concluir que o objetivo principal do episódio em questão é fazer uma crítica
exacerbada a sociedade da geração Y, mostrando um ponto de vista futurista, onde o indivíduo
é descartável, tentando se apegar à solidez através de objetos que representam metaforicamente
uma última conexão ao mundo real vivido em uma época específica, colocando valor em coisas
fúteis segundo um pensamento já emancipado. Em uma sociedade onde grande parte da
população da importância sobre como é vista, escondendo o que realmente é sentido, acaba
criando um universo artificial deixando o indivíduo a mercê da opinião pública, isolando aqueles
que tem consciência a respeito dos problemas, fazendo-os serem vistos como errados, e
consequentemente faz com que a “liberdade” intelectual demande segregação social.
7.Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. 1. Ed – São Paulo: Jorge Zahar, 2001.
11
MATRIX. Direção: Lana Wachowski, Andy Wachowski. Produção: Joel Silver. Australia:
Village Roadshow Pictures, Silver Pictures, 1999.
PLATÂO. República. Tradução: André Telles – São Paulo: Jorge Zahar, 2014
12

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Artigo Científico - Nosedive

  • 1. Análise Semiótica de “Nosedive” da série Black Mirror 1 Bruna Barioni 2 Daniel Lima 3 Gabriel Camacho 4 Lucas Santana 5 Moses Júnior 6 Nikolas Artioli 7 André Campos 8 Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP Resumo Tendo como base o pensamento de Zygmunt Bauman a respeito da "sociologia humanística" foi realizada uma análise do episódio “Nosedive” da série “Black Mirror”. Estabelecendo uma relação entre o sociólogo e o tópico escolhido, a perspectiva a respeito da 1 Trabalho apresentado para a disciplina de Estudos da Semiótica do curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda da Universidade Anhembi Morumbi. 2 Graduanda do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e- mail: brunabarioni@hotmail.com 3 Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e- mail: daniellisi@hotmail.com 4 Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e- mail: gabriel.cbs@hotmail.com 5 Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e- mail: lucas.sdnn@gmail.com 6 Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e- mail: moseesjr@gmail.com 7 Graduando do curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – UAM, e- mail: nikolas.biscaro@hotmail.com 8 Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC, 2012), Bacharel em Propaganda e Marketing (ESPM, 1998) 1
  • 2. sociedade que o episódio retrata fica mais diluída e de fácil compreensão, onde o universo líquido com alguns detalhes e até mesmo objetos que fazem alusão ao sólido é criticado através da jornada de Lacie Pound (protagonista do episódio), mostrando sua busca incessante por uma felicidade inalcançável que é estabelecida pelo padrão de controle da sociedade retratada. “Nosedive”, ao pé da letra significaria em português: “descida abrupta”, porém, analisamos o significado de um outro espectro muito válido para o tema em questão, “nose” significa “nariz” e a palavra “dive” seria mergulho ou o verbo mergulhar na língua inglesa. Por esta razão concluímos que “nosedive” na verdade seria um mergulho em seu próprio nariz aludindo à um “mergulho no próprio ego” refletindo o comportamento da personagem retomado diversas vezes no artigo em questão. O episódio expõe o ego do ser humano e sua necessidade por estabilidade social, que se liga diretamente a sua própria estabilidade emocional que por sua vez necessita de algo sólido para se concretizar, algo que se mostra impérvio dentro da sociedade onde o indivíduo tem que ser perfeito aos olhos da massa criando uma artificialidade que prende o ser em um ciclo vicioso. Palavras-chave: análise; bauman; black mirror; crítica; nosedive; sociedade. O despertar do interesse para realizar a análise foi causado pela hipérbole reflexiva da sociedade atual, que estimulam diversos tipos de pensamentos críticos agindo de maneira positiva e ativa no dia-a-dia de qualquer indivíduo que apresenta interesse em absorver a mensagem passada, utilizando uma tecnologia diretamente ligada a atual, facilitando uma reflexão a respeito do episódio em questão. 1. Universo e sua Liquidez “O público é colonizado pelo privado; o interesse público é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da vida pública é reduzida à exposição pública das questões privadas e a confissões de sentimentos privados”. (BAUMAN, 2000, p.46). Exposição do ego nu, individualidade exacerbada, interesse individual simplesmente disfarçado embaixo de uma carapaça coletiva sem valor, características que iniciam a fundamentar a construção do universo do episódio analisado. Características essas que fundamentam o que de fato Bauman analisou em todos os seus trabalhos: a liquidez nas relações humanas no mundo moderno. Por “liquidez” entende-se o completo oposto da solidez, os líquidos fluem, escorrem, respingam, 2
  • 3. são filtrados, destilados, vazam, transbordam e não são facilmente contidos. A metáfora perfeita para analisar de um espectro crítico a mais nova modernidade em que vivemos, em que relações humanas não são mais de contato sólido, de prazer intrínseco, são fundamentados a partir de um novo “existir”, um existir que necessariamente pressupõe a visão do outro, mais do que isso: um prazer que seria fundamentado única e exclusivamente na visão de julgamento do outro, baseado no que o “coletivo” julga como belo, valoroso ou simplesmente “legal”, existo a medida que o outro me vê, ou melhor utilizando uma paródia referente à famosa citação do filósofo René Descartes: “O outro me vê, logo existo”, um mundo onde tirar uma foto de uma bela refeição e postar em redes sociais se torna mais primordial do que propriamente deliciar-se com aquele prato em questão (cena da cafeteria). O universo analisado por uma vertente geral é traduzido em pura liquidez, a crítica exacerbada da sociedade atual reside muito bem adaptada ao entorno e as ações de todos os personagens dentro do “misce-en-scène”. A maneira como é visto é mais importante do que como você realmente é, você não precisa estar bem, só precisar parecer bem, isso se evidencia em todas as cenas que acontece qualquer tipo de relação humana e na sede incessante da personagem principal por reconhecimento, que se dá através de “notas” que os cidadãos trocam ininterruptamente, uma sociedade em que o avanço da tecnologia concomitantemente retrocedeu o relacionamento interpessoal, onde as pessoas com as notas mais elevadas são os influenciadores, também relacionadas a uma classe social mais elevada, tal como os famosos de hoje em dia. São os que possuem fãs que possam defender as ideias expostas pelo seu ídolo e se espelhar nos mesmos. A reflexão sobre as notas em geral pode ser facilmente relacionada às famosas “curtidas” nas redes sociais e mais ainda a nossa constante busca contemporânea pelo maior número de “amigos” possíveis. “Amizade” essa que Bauman gosta de chamar de “Facebook Friendship” analisando que a mesma medida em que posso fazer novas “amizades” nas redes sociais, eu construo uma “descartabilidade” muito maior, o novo tipo de amizade da modernidade fluída não cria laços afetivos sólidos. A importância das curtidas é tanta no episódio que existe um profissional, consultor de relacionamento que ajuda a conseguir notas e analisa seu ciclo social por produtividade. Cabe fazer um adendo aqui e traduzir a possível crítica a profissionais encarregados de cuidar de redes sociais ou da visibilidade de uma empresa ou pessoa nesses meios de comunicação, os profissionais de “social media”. A crítica mascarada por um escopo de “evolução mundial” 3
  • 4. adaptada para dar a sensação de que somos seres evoluídos o suficiente, globalizados e modernos a ponto de gerarmos empregos através da tecnologia e das redes sociais pode ser facilmente derrubada. Até que ponto as redes sociais e a visibilidade sistêmica estarem gerando empregos é digno de admiração? Não seria esse fato algo que devemos nós desprezar? Quão “descartável” retomando a ideia da “Facebook Friendship”, estão nossos cargos profissionais hoje em dia? E não apenas os cargos profissionais, mas absolutamente tudo que construímos. O cenário geral, portanto, além de todas as análises posteriores traduz um espaço público, mas não civil em que “se destina a servir aos consumidores, ou melhor a transformar o habitante da cidade em consumidor”. (BAUMAN, 2000, p. 114). Por mais cheios que possam estar os ambientes de consumo coletivo (cafeteria) não possuem nada de propriamente “coletivo”. Todos os civis que se encontram no mesmo lugar dentro do episódio só se relacionam buscando um bem individual através de notas, nunca estão em busca de um real deleite que não seja o do ego nu exposto, o público é definitivamente colonizado pelo privado e tudo que as personagens fazem ou deixam de fazer é um esboço de uma crítica social moderna perfeitamente construída no episódio. 2. Emancipação O episódio como um todo possui fases gradativas de um processo de emancipação atingido por completo apenas nos minutos finais, a analise como um todo se referindo ao processo, é uma releitura da “Alegoria da caverna” do filósofo grego Platão. O mito original consiste em uma análise sobre a busca do conhecimento e uma metáfora para a alienação proferida pela maior parte da sociedade em que vivemos, a personagem principal se encontra por inteiro imersa no universo líquido que nesse ponto tomaremos como “caverna”. Ao longo do episódio pode-se observar que a personagem possui um objetivo que seria chegar ao casamento a tempo, realizando um trajeto conturbado e cheio de complicações adversas ao seu destino. Para a personagem, o seu objetivo construído nas bases líquidas de seu pensamento é única e exclusivamente conseguir a “aceitação social” por meio de notas altas que o evento irá proporciona-la, como resultado de proferir seu discurso com maestria. Mas, do ponto de vista crítico da jornada como um todo, seu destino final não seria o evento, mas sim, a libertação completa da caverna e a emancipação mental do universo fluído em que ela se encontra, configurados pela busca do conhecimento pleno. 4
  • 5. O processo de emancipação tem seu início marcado a partir do momento em que Lacie aceita a carona oferecida por uma velha “caminhoneira”, com nota extremamente baixa traduzindo que a aceitação social da mesma não é deveras boa. No momento do primeiro diálogo entre as duas dentro do caminhão a senhora oferece café e uísque para Lacie respectivamente dentro de uma garrafa azul e outra vermelha, introduzindo assim a apresentação de uma dualidade de universos similar ao que acontece com “Neo” no primeiro filme da saga “Matrix” (também uma releitura do pensamento de Platão), quando as pílulas são oferecidas ao personagem. Tomando a azul, o mesmo voltará à sua ilusória e superficial vida (líquida); se optar pela pílula vermelha, ele conhecerá finalmente a realidade por detrás do mundo que julga ser real. Esta dualidade de universos busca inspiração em vários segmentos históricos de críticas à sociedade, como por exemplo: a história “Alice no País das Maravilhas”, na qual Alice tem de escolher entre tomar o líquido azul ou vermelho e a “Alegoria da Caverna”, em que se prova que os homens podem viver no mundo das sombras tomando aquele estado como normal e absoluto. A partir deste momento classificaremos a senhora como o “agente emancipatório”, quem conduzirá Lacie à sua libertação completa da caverna, por meio de reflexões discutidas durante a viagem que instigam mesmo que inconscientemente a personagem a buscar seu pensamento pleno. O ponto mais alto do diálogo classificado pelo motivo de coincidir perfeitamente com o pensamento de Bauman se dá no momento em que o “agente emancipatório” questiona a personagem principal sobre o motivo pelo qual ela não se livra de seu envoltório líquido de aceitação social e aceita sua plenitude sólida. A personagem responde que é pelo simples motivo de ela não ter conquistado algo que almeja como ponto cabal de sua vida, proferindo a seguinte frase: “ainda estou lutando para conseguir essa coisa”. “Ser moderno também significa ter uma identidade que só pode existir como projeto não-realizado (BAUMAN, 2000, p.37), o tão mencionado “longo prazo” não existe mais, pois conseguimos eternizar um momento instantaneamente por um clique, a nossa valorização de tempo está completamente conturbada. Os cidadãos modernos estão sempre em busca dos padrões idealizados midiaticamente (Naomi), elevando a vida vista na telinha como o que realmente é “real” e diminuindo o valor da vida real ela mesma, do convívio social e da solidificação. Portanto aquilo que é visto na tela já que é propositalmente inalcançável, torna a vida vivida propriamente “irreal”. No final do encontro quando Lacie desce do caminhão o “agente emancipatório” coloca em sua mala a garrafa vermelha, simbolizando sua posterior libertação da caverna e o começo do processo de emancipação propriamente dito. 5
  • 6. Vale ressaltar um detalhe cenográfico no momento em que Lacie deixa o caminhão e tenta observar o arredor, o sol muito forte incide diretamente em seus olhos sendo necessário fazer sombra com as mãos para enxergar. Este simples jogo de luzes constrói novamente uma alusão à “Alegoria da caverna”. Platão explica que a liberdade do pensamento alienado da caverna pressupõe esforço e dedicação, com base nisso, ele desenvolve uma metáfora para a situação em que relaciona a dificuldade da busca do conhecimento com a dificuldade que temos para enxergar no momento da troca de luz brutal de um ambiente para o outro. Por esse motivo, inicia-se, portanto, a “saída da caverna”. Posteriormente, todas as ações tomadas pela personagem parecem ser de um esforço incessante para a conquista de seu objetivo, uma sucessão de acontecimentos degradantes evidenciando propositalmente a dificuldade que se passa o homem durante a busca do conhecimento. Por fim, a personagem atinge sua libertação intelectual no momento em que finalmente consegue proferir seu discurso em forma de desabafo e auto avaliação. Ao final de seu discurso interrompido, a personagem é presa por conta da negação social que as notas baixas a proporcionaram e a relação gritante com o mito da caverna surge novamente. Platão explica que é perigoso retornar à caverna após atingir sua libertação intelectual própria, pois não é tarefa simples convencer os alienados de que o mundo não é realmente o que lhes é apresentado e esse ato de convencimento pode causar segregação social, neste caso, a prisão é o símbolo. Sua entrada na prisão é o ponto alto de representação simbólica da liberdade de um ponto de vista irônico e crítico, o acontecimento sucessivo de atos que caracterizam o processo de libertação do mundo líquido é claro. “Rabicho” colocado na caixa representa a perda da necessidade de uma representação de mundo sólido pois ela já se encontra inserida no mesmo; a retirada da lente tecnológica que os cidadãos possuem faz alusão à liberdade atingida; a queda das lagrimas retrata um sentimento puro, solido e real, juntamente com a percepção da poeira no ar; a remoção do vestido rosa evidencia propriamente o desencargo da necessidade do “parecer bem” e, por fim, o sorriso que ela esbanja representa a serenidade sentida após entender o mundo de uma forma empirista. Após a progressão simbólica de acontecimentos ela percebe um homem na cela ao lado observando-a fixamente, ao tentar reagir com uma nota ruim ela se dá conta de que lhe falta o “smartphone” em mãos, sendo obrigada a interagir de uma forma sólida com sua insatisfação, ela começa a questionar o homem solicitando-o que pare de olhar para ela e pensar. O homem responde de pronto a seguinte frase: “o mundo seria enfadonho sem pensamentos”. Pelo fato do homem já estar inserido dentro da cela, ele já estava “livre” antes de Lacie, já havia conquistado sua libertação da caverna antes da mesma e segundo Platão, aquele que consegue 6
  • 7. libertar-se da caverna e proferir seus ensinamentos é de fato o filósofo, portanto, o homem representado no final do episódio, que termina trocando uma série de ofensas com a personagem principal em função de instigar a progressão de seu pensamento e sentimento sólido é um filósofo, um amante do conhecimento. 3. Protagonista Lacie Pound é uma personagem com uma vida estabelecida e muitas ambições, das quais ela acaba se tornando refém. É possível perceber o padrão de qualidade de sua vida devido à sua “nota” acima de 4. Ela está sempre correndo atrás de aceitação, construir uma imagem para as outras pessoas com o objetivo de ser sempre bem avaliada. Sua personalidade apresenta características instáveis em relação ao meio em que vive pois está sempre lidando com o conflito entre o mundo sólido e líquido. A personagem vive o episódio em função da projeção de uma felicidade irreconhecível, que não sabe se é real. A protagonista enxerga o mundo ao seu redor como um ambiente de aparências, onde a “imagem” vale mais do que o dinheiro para conquistar tudo que almeja e o avanço da tecnologia é de primordial necessidade para a vida social do curtir e compartilhar como sinônimo de existência. Os seus atos diários devem ser feitos a favor da construção de uma boa imagem para a sociedade, mesmo que tal ação não a agrade. Ao se deparar com sua maior ambição, que seria a compra de uma nova residência cuja as pessoas com nota 4,5 obteriam um desconto, ela percebe que sua busca incessante por boas avaliações não era o suficiente. A partir desse momento a personagem se dispõe a fazer qualquer coisa para acalcar seu objetivo. No episódio vemos diversos personagens fortemente relacionados com a protagonista, como reflexos de seu próprio ser idealizado e real, como resquícios do mundo sólido no meio da liquidez onde vive, que motivam Lacie no decorrer do episódio. 4. Personagens e Signos 4.1. Os personagens e os signos carregam um grande peso para a fluidez da narrativa e para cumprir o ideal proposto pelo episódio. Com isto, muitos personagens e objetos apresentam características fortes e peculiares que fazem com que o espectador crie uma ponte de ligação da crítica do episódio e a realidade em que vivemos, mostrando a forma como as pessoas vivem, seus medos e suas ambições, e o motivo que nos fazem criar tal 7
  • 8. ligação são as representações ou signos que cada personagem e objeto carregam durante o decorrer da narrativa. Esses personagens e objetos estão constantemente circundando a vida da protagonista e seus signos são criados de modo a mostrar a instabilidade, duvida, medo, inveja e a ambição presente na mente das pessoas e da protagonista. 4.2. “O Homem do Smoothie”: este personagem é um dos destaques do episódio por mostrar o seu desespero pela aceitação das pessoas ao seu redor, através de notas que foram prejudiciais por motivos relacionados à sua vida pessoal, fazendo com que ele procure oferecer smoothies como moeda de troca para obter notas, que constroem de volta sua aceitação. Isto é evidenciado ainda no início do episódio, no momento em que ele oferece Smoothies para a protagonista em troca de notas, e esse desespero aparece gritante em sua expressão facial, assim que recebe a nota desejada ele agradece Lacie esboçando uma expressão de alivio. Este personagem cria uma ponte de ligação com nossa realidade, pois muitas pessoas são julgadas e julgam precocemente as outras pela quantidade de curtidas em fotos e número de seguidores em suas redes sociais, fazendo com que as mesmas sejam até excluídas de alguns ciclos sociais, como é apresentado com o “homem do smoothie”. Por este motivo as pessoas se limitam a viver em um mundo de aparências, onde aquilo que você aparenta ser é mais do que aquilo que você realmente é “O outro me vê, logo existo”, um mundo onde a primeira impressão é a que realmente fica, onde a busca pela aceitação vale qualquer sacrifício, um mundo em que as pessoas vivem em uma constante busca por criar em suas redes sociais uma aparência agradável e aceitável aos olhos de quem vê, para assim, tentar garantir a sua “inclusão” na sociedade ou em determinados ciclos sociais. O privado se torna público, pois nesse mundo integrado, onde sua vida pessoal é exposta através de aparências para se tornar aceitável e reconhecido pela sociedade, sua privacidade se torna frágil, pois qualquer erro pessoal cometido gera repercussões, podendo prejudicar até mesmo sua vida afetiva e profissional. Fato este que já acontece constantemente nos dias atuais, onde muitos relacionamentos e empregos são destruídos por erros cometidos nas redes sociais. 4.3. Naomi: Esta personagem é apresentada como uma amiga de infância da protagonista, mas no decorrer do episódio é mostrado que na verdade essa amizade era uma camuflagem para acobertar a inveja e a vontade da protagonista de um dia se tornar igual a sua amiga, a qual é uma forte representação do padrão de beleza ideal midiático, sendo loira, magra, 8
  • 9. de olhos azuis e com uma vida pessoal e afetiva bem resolvida. Estes traços fazem com que “Lacie” idealize esta personagem, e se veja na vida e no corpo dela, fazendo com que ela crie uma espécie de idolatria e perseguição. Em diversos momentos é mostrado a protagonista verificando o perfil da dessa personagem nas redes social, no qual fica muito tempo olhando e admirando o padrão de vida dela, com um olhar e expressão de desejo e ambição. Outro ponto que destaca o relacionando conturbado entre duas, é o jogo de interesses que há entre ambas as partes, onde cada uma tenta utilizar a outra para os interesses pessoais, fazendo com que Naomi acabe carregando o papel de ser uma representação do narciso ideal da protagonista. Esta personagem além de representar o padrão de beleza almejado por muitas mulheres no mundo inteiro, a sua relação com a protagonista representa o falso relacionamento estruturado por invejas e interesses, em que as pessoas se submetem a viver com o objetivo de se parecer ou ser melhor do que as outras ao seu redor, para ter uma aceitação e reconhecimento equivalente, ou mostrar-se ser melhor para sua autoafirmação, e como as pessoas usam as outras para conseguir conquistar seus próprios objetivos, sem pensar nas consequências que aquilo acarretará à todas as pessoas em sua volta. Quando uma pessoa intensifica a busca para se parecer ou ser melhor que alguém, isso torna-se uma cobiça nociva, e ocorre a perda da personalidade própria. Estas pessoas criam ídolos por acharem que eles apresentam características superiores comparado a suas próprias, ou são mais aceitos na sociedade, e estes ídolos acabam influenciando em todas as suas ações, e modo de ser. 4.4. O Irmão: O irmão da protagonista tem uma vida aparentemente cômoda, e se apresenta na maioria das vezes jogando videogame ou criticando as atitudes de sua irmã. Este personagem carrega uma representação muito importante, pois ele sempre demonstra ter características mais “pé no chão” e não se deixa levar pelo modismo estabelecido na sociedade da trama, tem noção do real e o irreal, ou sólido e líquido. Em diversos momentos é possível vê-lo tentando fazer com que sua irmã saia da “cúpula ilusória” que ela criou em torno si e veja a realidade como ela realmente é. Por este motivo é possível perceber que ele atua como se fosse o subconsciente da protagonista onde há resquícios racionais e sólidos de uma vida mais “humana” e fora da pressão dos padrões estabelecidos por esta sociedade. 9
  • 10. 4.5. Rabicho: O rabicho é um boneco de pano que a protagonista guarda desde sua infância, que para ela simboliza a amizade que ela tinha com sua amiga. Entretanto é possível perceber que o significado deste objeto se perdeu com o passar dos anos, tanto que a última vez que a protagonista percebeu este brinquedo foi quando ela precisou usá-lo para conseguir chamar a atenção de sua amiga. Ele carrega resquícios de um mundo solido, fora dos padrões da sociedade da trama, e conseguimos perceber isto pelas suas próprias características físicas, onde aparenta ser velho, sujo e com cores mortas, diferente dos outros objetos. 5. Ambientação O enquadramento e a coloração utilizada durante toda a trama fazem referência a filtros usados em aplicativos de fotos. No início percebemos uma tonalidade mais voltada para o rosa e cores pastéis, com o intuito de intensificar um lado mais feminino e mais elitizado, pois a personagem tem uma avaliação aproximada de 4.2 não a tornando uma total influenciadora, porém, fazendo com que ela esteja em um patamar mais elevado em relação ao seu irmão, por exemplo. Ainda no inicio, temos uma trilha musical que remete a calmaria e estabilidade. Ao decorrer da história e ao começar a enfrentar diversos problemas, a música começa a ter uma aceleração trazendo um sentimento de angústia e de nervosismo, exemplificada com ações e expressões da personagem. Juntamente com a mudança da música, existe uma notável transição da coloração da imagem, a partir do momento e que as coisas não começam a dar certo, os tons pastéis e rosados somem e dão lugar a uma coloração mais sombria e pacata, seguindo assim até chegarmos à cena do casamento em que por se tratar de um casal da “high society” as cores vivas voltam a aparecer sugerindo mais uma vez à estrutura de filtros de aplicativos. A trilha musical também possui uma enorme importância por estar sempre atrelada ao recebimento das notas e quando essas notas são baixas, emite-se um som semelhante ao que ocorre quando os personagens de um jogo de vídeo game passam por adversidades perdendo sua vida, exemplo: “Mario” e “Sonic”, estes sons estão fixados em nosso subconsciente, construídos por nossos interpretantes ao longo da vida. Seguindo a mesma vertente do enquadramento, temos a análise de figurino no qual ela está praticamente a todo momento trajada, com peças rosas e sociais tentando passar a imagem de uma mulher madura, entretanto com alma de menina, pela repetida coloração e pelo fato de 10
  • 11. estar sempre acompanhada de sua boneca como dito anteriormente. O figurino em si evidencia a diferença entre os personagens, fazendo uma relação com o “nosso mundo”. A nota obtida diz respeito à nossa classe social, as pessoas com notas elevadas estão sempre de social ou com roupas de marca e as pessoas com notas mais baixas estão de camiseta e shorts, no máximo uma calça jeans denotando um ar mais simplista, temos o exemplo da funcionária que Lacei encontra no elevador e o noivo da Neyomi de classe social mais elevada, enquanto seu irmão e a senhora que lhe oferece carona são vistas como pessoas de classe mais baixa. O cenário apesar de ter um ar futurista nas ruas, nos veículos, nas fachadas de prédios e casas, ele apresenta um interior simplista. Mesmo em casas enormes o interior é simples, por exemplo, a casa da personagem principal onde a cama do irmão encontra-se na sala, a cozinha é americana e não possui muitos acessórios sofisticados. Mais uma vez isso nos mostra que o importante é como eu sou visto e não como de fato eu sou. Só teremos contato com locais mais simples a partir do momento em que as coisas começam a dar errado como a ponte em que ela estava quando encontra a senhora, a lama em que ela cai chegando ao casamento, ou seja, você tem o que sua nota te proporciona. 6. Considerações Finais É possível concluir que o objetivo principal do episódio em questão é fazer uma crítica exacerbada a sociedade da geração Y, mostrando um ponto de vista futurista, onde o indivíduo é descartável, tentando se apegar à solidez através de objetos que representam metaforicamente uma última conexão ao mundo real vivido em uma época específica, colocando valor em coisas fúteis segundo um pensamento já emancipado. Em uma sociedade onde grande parte da população da importância sobre como é vista, escondendo o que realmente é sentido, acaba criando um universo artificial deixando o indivíduo a mercê da opinião pública, isolando aqueles que tem consciência a respeito dos problemas, fazendo-os serem vistos como errados, e consequentemente faz com que a “liberdade” intelectual demande segregação social. 7.Referências BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. 1. Ed – São Paulo: Jorge Zahar, 2001. 11
  • 12. MATRIX. Direção: Lana Wachowski, Andy Wachowski. Produção: Joel Silver. Australia: Village Roadshow Pictures, Silver Pictures, 1999. PLATÂO. República. Tradução: André Telles – São Paulo: Jorge Zahar, 2014 12