Artigo do Correio Popular de Campinas
Data 5/2/17
Trecho:
Aprovada em 2010, a Política
Nacional de Resíduos Sólidos é
uma lei moderna, que tinha como
objetivo tirar o Brasil da Idade
Média no que se refere à
questão da destinação do lixo,
a partir de 2014, quando deveria
estar em pleno vigor. Mas isso
não aconteceu. Ao contrário,
o País tem regredido desde então.
A legislação é simplesmente
ignorada pela maioria das
prefeituras, o que abre caminho
para a destinação inadequada
dos resíduos e a geração
de graves problemas ambientais.
Mais que isso, a situação
expõe a falta de cuidado do poder
público com um assunto extremamente
importante.
1. UMA LEI IGNORADA
Campinas tem
projeto para
reativar aterro
ANDANDO PARA TRÁS ||| LIXO
Guilherme Busch
DA AGÊNCIA ANHANGUERA
guilherme.busch@rac.com.br
Aprovada em 2010, a Política
Nacional de Resíduos Sólidos é
uma lei moderna, que tinha co-
mo objetivo tirar o Brasil da Ida-
de Média no que se refere à
questão da destinação do lixo,
a partir de 2014, quando deve-
ria estar em pleno vigor. Mas is-
so não aconteceu. Ao contrário,
o País tem regredido desde en-
tão. A legislação é simplesmen-
te ignorada pela maioria das
prefeituras, o que abre cami-
nho para a destinação inade-
quada dos resíduos e a geração
de graves problemas ambien-
tais. Mais que isso, a situação
expõe a falta de cuidado do po-
der público com um assunto ex-
tremamente importante.
O lixo é hoje, segundo espe-
cialistas, o maior problema am-
biental do Brasil, mas não é tra-
tado com a importância que de-
veria. A Política Nacional de Re-
síduos Sólidos foi aprovada em
2010 e determina que todos os
“lixões” do País deveriam ter si-
do fechados até 2 de agosto de
2014. Os rejeitos (aquilo que
não pode ser reciclado ou reuti-
lizado) deveriam estar sendo
encaminhados para aterros sa-
nitários adequados.
Campinas, por exemplo, on-
de o Aterro Delta A já tinha si-
do desativado, envia hoje seu li-
xo comum para uma empresa
especializada em Paulínia. Mas
a Prefeitura se movimenta para
retroceder e voltar a utilizar o
velho aterro, após obter autori-
zação da Cetesb, que permite
sobrevida de um ano e meio
do local. A medida depende
ainda de aval do Ministério Pú-
blico para ser validada, mas en-
contra resistência na opinião
de especialistas (leia texto nesta
página).
O Projeto de Lei 2289, de
2015, aprovado no Senado e
em tramitação na Câmara dos
Deputados, amplia o prazo da
entrada em vigor da lei, dando
prazo até 31 de julho de 2018,
para capitais e regiões metropo-
litanas se adequarem; até 31 de
julho de 2019, para municípios
com população superior a 100
mil habitantes; até 31 de julho
de 2020, para municípios com
população entre 50 mil e 100
mil habitantes e até 31 de julho
de 2021, para aqueles com po-
pulação inferior a 50 mil habi-
tantes.
Se aprovada, a iniciativa sig-
nificará, ainda, um retrocesso
em relação à legislação ambien-
tal e à própria Constituição Fe-
deral, que estabelece que “to-
dos têm direito a um meio am-
biente equilibrado”, cabendo
ao poder público e à coletivida-
de o dever de defendê-lo e pre-
servá-lo para as presentes e as
futuras gerações.
“A prorrogação do prazo pa-
ra os municípios fecharem os li-
xões empurra para o futuro —
sem nenhuma garantia de êxi-
to — a solução. E expõe a inca-
pacidade de o poder público e
de as empresas lidarem com o
assunto. A proposta de dilata-
ção dos prazos foi aprovada pe-
lo Senado na semana passada,
mas ainda será analisada pela
Câmara dos Deputados. A ten-
dência, porém, é de que não ha-
ja obstáculos, já que, de acordo
com levantamento da Confede-
ração Nacional dos Municípios
(CNM), nenhum dos 5.565 mu-
nicípios brasileiros cumpriu a
lei na totalidade”, diz Reinaldo
Canto, jornalista especializado
em sustentabilidade e consu-
mo consciente er professor de
Gestão Ambiental, em artigo na
revista Carta Capital.
Desserviço
Para a coordenadora de Resí-
duos Sólidos do Instituto Pólis,
Elisabeth Grimberg, a possibili-
dade de prorrogação da medi-
da é um “desserviço” e vai esti-
car seu processo de implanta-
ção. “Não contribui para avan-
çar na perspectiva da mudança
de padrão da gestão e destina-
ção de resíduos. É um entrave
porque quando terminarem os
novos prazos, de novo os muni-
cípios vão deixando para de-
pois”, disse.
Os problemas na implanta-
ção da política poderiam ser tra-
tados de outra maneira, segun-
do Grimberg, com a atuação
do Ministério Público promo-
vendo, por exemplo, Termos
de Ajustamento de Conduta
junto aos municípios, criando
metas e discutindo como os
gestores avançariam no geren-
ciamento de resíduos.
A coordenadora do Instituto
Pólis explicou que, de todo o li-
xo produzido no país, 60% é or-
gânico, 30% é reciclável e ape-
nas 10% é rejeito, que precisa ir
para aterro. “Existem soluções
práticas e tecnológicas, alterna-
tivas concretas de tratamento.
Mas tem muita desinformação
dos gestores, falta terem maior
contato com experiência em an-
damento no Brasil e no mun-
do”, disse Grimberg, citando
exemplos de iniciativas de com-
postagem e biodigestão, siste-
mas de tratamento da matéria
orgânica.
Gestores
Para ela, os gestores locais têm
insegurança de migrar do siste-
ma de aterro para o sistema de
compostagem e/ou biodiges-
tão, já que isso também requer
um estudo em termos de orça-
mento. “Falta compreender
que tem que haver um remane-
jo, uma reapropriação do recur-
sos orçamentários para ser des-
tinados para implantar novas
formas de coleta e tratamento,
como parques de composta-
gem e biodogestão”, disse.
Compostagem
A divulgação de técnicas de
compostagem seria alternativa
viável, já que a aproximada-
mente 51% dos resíduos sóli-
dos gerados são resíduos orgâ-
nicos, que nem sempre preci-
sam ser considerados rejeito, al-
go que não tem aproveitamen-
to técnico ou econômico. Ape-
sar disso, menos de 1% das ci-
dades brasileiras fazem a com-
postagem, segundo ela.
Além da utilização como
adubo, a compostagem reduz a
periculosidade da matéria orgâ-
nica, que normalmente gera
gás e chorume, tornado-a um
material inerte. “A questão am-
biental tem que ser encarada
como uma economia a médio
e curto prazo que os governos
federal e locais podem fazer,
porque está ligada à qualidade
de vida e saúde das pessoas
dentro das cidades, em reduzir
as contas de hospital e de recu-
peração de áreas contamina-
das, por exemplo. Os países ri-
cos fazem essa conta, de redu-
zir os custos da gestão”, disse a
diretora de Ambiente Urbano
do Ministério do Meio Ambien-
te (MMA), Zilda Maria Faria Ve-
loso.
Ela explica que o MMA ofer-
ta, sistematicamente, cursos a
distância para gestores munici-
pais, muito focados em peque-
nos municípios, que são os
mais carentes de informação.
“E não oferecemos só uma tec-
nologia, mas colocamos várias
ideias necessárias para que se
melhore minimamente a ges-
tão de resíduos”, disse.
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Editores: Claudio Liza Junior, Jorge Massarolo, Luís Fernando Manzoli e Marcia Marcon Chefe de reportagem: Guilherme Busch
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Delta A, em Campinas, foi desativado por ultrapassar vida útil, mas Prefeitura tem plano para restabeler seu uso parcialmente: MP precisa dar aval
POR CENTO
Dos municípios utilizam
aterro sanitário para
destinação do lixo
POR CENTO
Dos municípios do
Brasil utlizam lixão
ou aterro controlado
POR CENTO
Dos municípios do País
possuem o serviço de
coleta seletiva de lixo
Questionada sobre dados
relativos à Política Nacional de
Resíduos sólidos no Estado de
São Paulo, a Cetesb não se
manifestou até o fechamento
deste edição. A estatal se
limitou a enviar à reportagem
do Correio a nota abaixo.
“Nosso pessoal está com
muita demanda e até o
momento não foi possível
preparar as respostas. Favor
aguardar mais um pouco”.
A Lei n˚ 12.350, de agosto de 2010,
que instituiu a Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS),
estabelecendo prazo até 2012 para
a implementação da coleta seletiva,
e até 2014 para o fechamento dos
lixões em todo o País.
Maioria das cidades deixa
de cumprir Política Nacional
de Resíduos Sólidos
Política Nacional de Resíduos Sólidos
Até 31 de julho de 2018 Capitais e
regiões metropolitanas
Até 31 de julho de 2019 Municípios
com mais de 100 mil habitantes
Até 31 de julho de 2020 Municípios
com população entre 50 mil e 100
mil habitantes
Até 31 de julho de 2021 Municípios
com população inferior a 50 mil
habitantes.
Cidades
Camila Moreira/17set2015/AAN
Prorrogação da vida de
aterros é “desserviço”,
dizem ambientalistas
A
pós lançar as
parcerias
público-privadas
(PPP) para a gestão do lixo
do Município, a Prefeitura
de Campinas analisa o
único estudo que foi
entregue à Administração.
A PPP vai envolver toda a
gestão do lixo na cidade,
incluindo manejo,
tratamento e disposição
final do lixo, para atender à
Política Nacional de
Resíduos Sólidos.
De acordo com o secretário
de Serviços Públicos,
Ernesto Paulella, apenas a
empresa Renova Ambiental
apresentou um estudo.
“Nesse momento, a
Prefeitura está avaliando o
projeto da Renova e
estamos fazendo algumas
adequações para
transformar esse projeto
em um edital de
contratação de uma
empresa para operar o lixo
da cidade. A empresa
atenderá 100% a Política
Nacional”, explicou.
O secretário informou
ainda que até o final de
março a Administração
deve lançar o edital de
contração. “Se tudo correr
bem, até outubro ou
novembro deve encerrar o
processo de contratação”,
afirmou. A estimativa da
Prefeitura é que a PPP
exigirá investimentos de R$
500 milhões na gestão dos
resíduos para que as usinas
de lixo possam começar a
operar em 2018.
Em maio de 2016, quando
abriu o chamamento
público de interessados em
apresentar estudos de
empreendimentos da PPP,
cinco empresas se
manifestaram interesse em
patrocinar os estudos, mas
somente a Renova
Ambiental entregou.
Ao mesmo tempo,
Campinas dá um dos
principais exemplos
negativos no Brasil. Além
de ainda não estar
adequada à lei, a Prefeitura
prepara a reativação do
Aterro Delta A para adotar
uma prática ultrapassada:
retomar a destinação do
lixo na área que já tinha
sido encerrada pela Cetesb,
ainda no primeiro semestre
desse ano. O projeto conta
com o aval da Cetesb e está
prestes a obter também um
sinal verde do Ministério
Público. A justificativa da
Prefeitura é que, reativando
o Delta, vai economizar R$
40 milhões por ano. Mas
serão investidos R$ 35
milhões para cumprir todas
as exigências legais para o
processo. Teresa Penteado,
ligada ao Conselho
Municipal de Meio
Ambiente (Comdema) de
Campinas, é contra a
medida, que qualifica como
“retrocesso”. Para ela, a
questão precisa de uma
abordagem mais moderna
e profunda. “Sou
radicalmente contra. Em
países de Primeiro Mundo
isso não existe mais, tudo é
reaproveitado e vira
energia”, disse. “Reativar o
aterro é um horror. Não
tem que ter lixo. Lixo tem
que ser reciclado. Quanto
do nosso lixo é reciclado?
Por que não existe a
obrigação desse lixo ser
encaminhado ao local
correto? Por que esse lixo
não vira energia? Há uma
série de perguntas que não
são resolvidas nem
respondidas. Eu sou
totalmente contra. Você
joga o lixo no aterro, e em
vez de poder colher
benefícios, se transforma
em um problema para a
cidade inteira.” (Shana
Pereira/AAN)
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A4 CORREIO POPULARA4 Campinas, domingo, 5 de fevereiro de 2017