O documento discute a noção de campo científico e como ele é um local de luta por autoridade e capital simbólico. Os pesquisadores buscam prestígio e reconhecimento de seus pares por meio da publicação rápida de resultados e da concentração em temas considerados importantes. Há também uma discussão sobre os diferentes tipos de capital dentro do campo científico e como eles influenciam a posição dos pesquisadores.
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Campo científico, autoridade e luta por capital simbólico
1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE UNIDADES DE
INFORMAÇÃO - PPGinfo
Disciplina: Estudo dos Processos de Comunicação Científica e Tecnológica
Profª: Lani Lucas
Aluna: Juliana Aparecida Gulka Data: 27/04/2015
RESENHA
MARCOVICH, Anne; SHINN, Terry. Posfácio. In: MERTON, Robert. Ensaios de
sociologia da ciência. São Paulo: Associação Filosófica Scientiae Studia; Ed. 34,
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BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento – II: da enciclopédia à
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A noção de campo é como um mundo social, que possui agentes e
instituições que produzem e reproduzem a ciência. Alguns interpretam esse campo
apenas a partir de textos, enquanto outros o entendem por meio da relação dos
textos com a realidade, relacionando-os em um viés social ou econômico. Com a
ciência e o campo científico também existem imposições e solicitações, e assim,
todo campo possui a força e a luta que vai conservá-lo ou transforma-lo.
A partir disso, um campo pode se tornar autônomo, e quanto mais autonomia
mais dominação pode exercer sobre os demais. Há ainda a economia e a política
que acabam por influenciar quem vai ter mais ou menos autonomia, mais condições
de poder e monopólio sobre os demais.
Há também a questão da autoridade, na qual o capital científico confere ao
pesquisador o reconhecimento necessário para “ditar as regras do jogo”. Isso
evidencia que os campos são locais simbólicos nos quais tendências são lançadas e
2. refutadas, em um jogo de forças. A autoridade está ainda ligada à discussão das
carreiras dentro do campo científico, no qual existe uma corrida em busca de
melhores temas e publicações. O campo científico é objeto de luta, no qual os
pesquisadores sempre querem chegar primeiro, e, portanto, se destacar. Assim, um
pesquisador está sempre contaminado pelo seu próprio percurso, a sua própria
carreira, de modo que as suas práticas são sempre voltadas para a aquisição de
autoridade e prestígio.
A autoridade garante tanto a capacidade técnica como científica e social para
legitimar o campo e fazer com que aqueles que o seguem ajam dentro dos
conformes, obtendo reconhecimento, em detrimento daqueles que não o seguem e,
portanto, não tem condições nem autoridade para dar crédito sobre algo. A
dominação parte de quem é autoridade no campo, que consegue fazer a descoberta
científica primeiro, e perante os demais ser reconhecido como aquele que definiu o
campo científico, estabelecendo a “forma de fazer” correta. Assim, tem-se também a
concentração de pesquisadores em temas considerados importantes, pois estes
quando estudados e provedores de contribuições, tem maiores chances de trazer
um lucro simbólico.
Bourdieu afirma que não há escolha científica que não seja pautada em uma
estratégia de investimento político a fim de resultar em lucros simbólicos e a
obtenção de autoridade e reconhecimento. Logo, a atividade científica não está
implicada puramente na concorrência de bons argumentos, da força da razão, nela
também influencia o poder.
Para Bourdieu existem duas formas de poder que são respectivamente dois
tipos de capital científico. Um é o político, ligado, sobretudo a cargos e posições
importantes dentro de instituições, como por exemplo, laboratórios, comitês e
departamentos. O outro considera o prestígio que vai além do vinculo
institucionalizado, é o reconhecimento perante a academia, sendo o capital científico
puro. O autor afirma que o acumulo dos dois tipos de capital é extremamente difícil,
mas que a transformação do capital político para o poder científico é mais fácil e
rápida, principalmente para quem já detém de algum prestígio e poder.
O capital pode ser acumulado, reconvertido e transmitido. O maior capital
científico estará relacionado tanto ao prestígio quanto o caminho percorrido na
ciência, mediante inclusive a legitimação da produção por seus pares. Retoma-se
aqui não apenas a corrida por quem publica primeiro o resultado de uma pesquisa, o
3. que teoricamente baixaria o valor de pesquisas e resultados semelhantes publicados
posteriormente pelos pares, mas também a divulgação de dados e resultados
parciais que garantem o futuro da produção naquele campo científico, e, portanto, o
capital científico. O capital político, por sua vez, propicia que o pesquisador angarie
fundos para pesquisas e tenha acesso a bolsas, convites e prêmios.
Há dessa forma uma concorrência pela autoridade científica, mas que de
acordo com o autor, pode levar ao fato dos concorrentes serem os próprios clientes
dessa produção, pois somente eles detêm conhecimento suficiente para consumi-
las. Os campos científicos são locais que implicam em tendências, não se
orientando ao acaso, mas sim onde são travadas as lutas simbólicas em função do
capital. A ciência é um jogo de busca por monopólios e autoridade, que trava
sempre uma luta de interesses e força.
Bourdieu fez ainda uma proposição chamada Teoria da Prática, a qual
revelaria as condições institucionais e materiais preexistentes a produção simbólica.
Urbizagastegui-Alvarado afirma que as estratégias, os interesses e as tentativas dos
grupos ou indivíduos são norteados pela sociedade, e assim há a possibilidade de
tomar caminhos diferentes cada vez que os interesses exigirem isso.
No estudo de Urbizagastegui-Alvarado, o autor se propõem a investigar se os
autores da elite e da frente de pesquisa na área de produtividade de autores e lei de
Lotka, são prevalecidos pela posição em que ocupam dentro do campo da
Bibliometria. Alguns pontos são levantados como fatores que favorecem essa
situação, como o fato dos autores serem professores universitários, editores de
periódicos científicos, ou mesmo ser diretor de alguma organização profissional. Ter
o grau de doutor também facilitaria a posição na elite ou na frente de pesquisa.
Para Merton, a ciência é pública, mas as condições nas quais ela é praticada
são controladas e privadas, sendo limitada para os especialistas que dominam
certas práticas, que regem as regras do jogo e ditam os debates. Seria assim o
ethos científico, que é o complexo de valores e normas a que os cientistas seguem.
O autor propõem que a ciência incorporaria quatro perspectivas: cosmopolitismo,
universalismo, desinteresse e ceticismo organizado. Em suma, essas perspectivas
apontam para uma ciência que pode ser usada livremente pelos indivíduos, na qual
religião ou raça não devem interferir, e que o conceito de propriedade intelectual
está ausente.