1. HABEAS CORPUS 194.193 PERNAMBUCO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
PACTE.(S) :JUVANETE BARRETO FREIRE
IMPTE.(S) :CARLOS EDUARDO RAMOS BARROS E
OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Decisão: Trata-se de habeas corpus interposto contra acórdão,
proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado
(RHC 132.666/PE - eDOC 11, p. 78):
RECURSO EM HABEAS CORPUS. IRREGULARIDADES
NA AQUISIÇÃO DE APARELHOS RESPIRADORES A SEREM
UTILIZADOS NO COMBATE DA PANDEMIA DO NOVO
CORONAVÍRUS. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO
FEDERAL. INDÍCIOS DE UTILIZAÇÃO DE VERBAS
FEDERAIS. PREMATURIDADE DAS INVESTIGAÇÕES.
NECESSIDADE DE REEXAME APROFUNDADO DE
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INEVIDÊNCIA DO
CONSTRANGIMENTO ILEGAL APONTADO. PARECER
ACOLHIDO.
1. Existindo fundada suspeita de utilização de recursos
federais na prática criminosa, não há falar, ao menos por ora,
em incompetência da Justiça Federal para o processamento do
inquérito policial, sendo inviável a esta Corte Superior se
aprofundar no exame do material fático-probatório para
concluir de maneira diversa.
2. Recurso em habeas corpus improvido.
Sustenta o impetrante que: a) a paciente é investigada por supostas
irregularidades na aquisição de ventiladores pulmonares pelo Município
de Recife/PE da empresa da qual é sócia; b) a competência da Justiça
Federal para o trâmite do inquérito teria sido firmada em razão da
utilização de verbas do Ministério da Saúde nas aquisições; c) a Justiça
Federal é incompetente para o processamento do feito, “notadamente em
razão da presença de elementos objetivos, consubstanciados em documentos
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2. HC 194193 / PE
técnicos que demonstram à saciedade a inexistência de recursos federais”, uma
vez que os contratos em questão teriam sido custeados pelo Fundo
Municipal de Saúde; d) o repasse de verbas federais ao Fundo Municipal
de Saúde resulta na incorporação dos recursos ao patrimônio do
município; e) a Justiça Federal de Pernambuco reconheceu a ilegitimidade
ativa do MPF para propor ação civil pública versando sobre os mesmos
fatos pelos quais a paciente é investigada, pontuando a inexistência de
ofensa ao patrimônio da União; f) o exame da controvérsia prescinde da
análise de fatos e provas.
Busca-se, ante o exposto, a concessão da ordem para reconhecer a
incompetência da Justiça Federal para o processamento do feito.
É o relatório. Decido.
1. No caso dos autos, a apontada ilegalidade não pode ser aferida de
pronto.
No caso concreto, o TRF5 afastou a sustentada incompetência da
Justiça Federal para a análise do feito, nos seguintes termos (eDOC 10, p.
104, grifei):
“6.Em suma e em maiores delongas, é de ver-se que, após
as informações prestadas, máxime aquelas sublinhadas, restou
evidenciado o seguinte:
Por enquanto, existe investigação policial -
aprioristicamente legal e legítima - voltada à prática de
condutas graves, dentre elas, a dispensa indevida de licitação
para a aquisição milionária - R$ 11.550.000,00 - de ventiladores
pulmonares que, em tese, deveriam ser utilizados para os
pacientes internados em virtude da pandemia COVID-19, mas
cuja autorização por parte da ANVISA para uso em seres
humanos sequer foi dada.
Também há indicativos de que os recursos - como dito,
vultosos - para a aquisição dos aludidos bens advieram do
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3. HC 194193 / PE
Governo Federal , sendo, por ora, prematuro afirmar no
sentido contrário, até porque, consoante sinalado, existem
indícios de que houve uma alteração de códigos tão logo a
aludida compra ganhou ares midiáticos com o propósito
justamente de mascarar a natureza federal das verbas.
No mais, também é precoce falar em ausência de crime em
face da simples devolução de parte dos aparelhos, até porque
tal conduta, dependendo do panorama descortinado, pode
configurar tão somente arrependimento posterior, o que não
afastaria a tipicidade.
Cumpre frisar ainda, como bem fez a autoridade apontada
como coatora, que, após as investigações ou mesmo depois da
instrução processual penal, uma vez esclarecidos os
pormenores das condutas, nada impedirá que, em sendo o caso,
seja declinada a competência para a Justiça Estadual.
7.Em suma, o fato é que, na atualidade, não existe certezas
de que as verbas envolvidas nas condutas sinaladas como
criminosas não são federais, senão justamente o contrário.
8.Logo, do que se colhe e expõe por ora, a competência
federal deve ser mantida.”
Na mesma esteira, o STJ examinou a questão e concluiu, igualmente,
pela inexistência do constrangimento ilegal aventado (eDOC 11, p. 79-86,
grifei):
“Estou de acordo com a manifestação do Subprocurador-
Geral da República Mario Luiz Bonsaglia, deste teor (fls.
535/546 – grifo nosso):
(…)
Como se observa, o Tribunal de origem consignou
que, até o momento das investigações, ainda não foi
esclarecida a origem das verbas envolvidas nas supostas
condutas delituosas, havendo indícios de malferimento
de relatórios e de pedidos de ordenação de despesas para
mascarar a fonte dos recursos.
E diante de indícios da possível utilização de
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4. HC 194193 / PE
recursos federais repassados pelo Ministério da Saúde
ao município com a finalidade específica de ser utilizada
em ações de enfrentamento à pandemia de COVID19,
não há que se falar, por ora, em incompetência da Justiça
Federal para processamento do feito investigativo.
(…)
Ademais, decidir de modo diverso demandaria
necessariamente o revolvimento de matéria fático-
probatória, providência inviável na via eleita.
Dessa forma, o acórdão impugnado não merece
censura, inexistindo ilegalidade a ser sanada por essa E.
Corte.
Realmente, existindo fundada suspeita de utilização de
recursos federais na prática criminosa, não há falar, ao menos
por ora, em incompetência da Justiça Federal para o
processamento do inquérito policial, sendo inviável a esta
Corte Superior se aprofundar no exame do material fático-
probatório para concluir de maneira diversa, ainda mais diante
da afirmação de que possivelmente teria ocorrido uma
alteração de códigos tão logo a aludida compra ganhou ares
midiáticos com o propósito justamente de mascarar a natureza
federal das verbas (fl. 400).”
À vista da motivação exarada, não antevejo ilegalidade patente, a ser
combatida pela estreita via do habeas corpus.
Depreende-se dos autos que as instâncias antecedentes, em análise
das circunstâncias do caso concreto, decidiram pela competência da
Justiça Federal para o processamento da investigação, notadamente em
vista da existência de indícios de que os contratos tidos por fraudulentos
teriam sido firmados com o aporte de recursos oriundos do Ministério da
Saúde. Na oportunidade, a Corte Federal observou que “existem indícios
de que houve uma alteração de códigos tão logo a aludida compra ganhou ares
midiáticos com o propósito justamente de mascarar a natureza federal das
verbas” (eDOC 10, p. 104).
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5. HC 194193 / PE
Tal conclusão não destoa da jurisprudência desta Corte, que
reconhece a competência da Justiça Federal para processar e julgar ações
em que se apura a prática de infrações praticadas em detrimento do
patrimônio do Sistema Único de Saúde. Neste sentido:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS.
CRIMES DE PECULATO E INSERÇÃO DE DADOS FALSOS
EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
REEXAME DA MATÉRIA. VIA PROCESSUAL
INADEQUADA. PRECEDENTES. 1. As instâncias antecedentes
concluíram que os elementos de prova constantes dos autos
indicam a competência da Justiça Federal para processar e
julgar a causa penal, tendo em vista a indicação de infrações
penais em detrimento de bens, serviços ou interesse da União
(art. 109, IV, da Constituição Federal). Para se chegar a
conclusão diversa, mediante a aferição do pagamento realizado
pelo Sistema Único de Saúde a hospital conveniado, seria
necessário proceder ao reexame da matéria, providência
incompatível com esta via processual. Precedentes. 2. Agravo
Regimental a que se nega provimento.
(HC 180309 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES,
Primeira Turma, julgado em 22/05/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-141 DIVULG 05-06-2020 PUBLIC 08-06-
2020)
EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO
COM AGRAVO. FRAUDE DE SERVIÇO. VERBAS DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. INTERESSE DA UNIÃO.
ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E DO
CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA
279/STF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Para
chegar a conclusão diversa do acórdão recorrido acerca do
interesse da União, o que atrairia a competência para o âmbito
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6. HC 194193 / PE
da Justiça Federal, seria necessária a análise da legislação
infraconstitucional pertinente e uma nova apreciação dos fatos
e do material probatório constante dos autos, o que não é
possível nesta fase processual (Súmula 279/STF). Precedente. 2.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de
que “a Justiça Federal é competente para processar e julgar
ações penais relativas a desvio de verbas do Sistema Único de
Saúde” (ARE 999.247, Rel. Min. Edson Fachin). Nesse sentido,
veja-se ainda o AI 707.133-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki. 3.
Agravo interno a que se nega provimento.
(ARE 1136510 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO,
Primeira Turma, julgado em 24/08/2018, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 05-09-2018 PUBLIC 06-09-
2018)
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
AUSÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.
COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE JURÍDICO.
UNIÃO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. HIPÓTESE. DESVIO DE
VERBAS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE SUS. AGRAVO A QUE
SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. I -
Foi afastada do cenário jurídico norma que pretendia equiparar
a ação por improbidade administrativa, de natureza civil, à
ação penal, estendendo a esses casos o foro por prerrogativa de
função. II - A Justiça Federal é competente para processar e
julgar as causas em que há interesse jurídico da União (art. 109,
I, da CF). III - A Justiça Federal é competente para processar e
julgar as ações de improbidade administrativa que possuam o
objetivo de recompor o patrimônio federal lesado mediante
desvio de verbas do Sistema Único de Saúde SUS. IV - Agravo
regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa
(art. 1.021, § 4°, do CPC).
(ARE 1015386 AgR, Relator(a): RICARDO
LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/09/2018,
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7. HC 194193 / PE
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 27-09-2018
PUBLIC 28-09-2018)
Anoto que, para dissentir das conclusões alcançadas pelas instâncias
antecedentes, necessário seria o revolvimento de fatos e provas,
providência que, como cediço, é inviável em sede de habeas corpus.
Neste passo, assiste razão à Procuradoria-Geral da República
quando pontua que “existindo fundada suspeita de utilização de recursos
federais na prática criminosa, não há como, em sede de habeas corpus, firmar
entendimento contrário” (eDOC 18).
Destarte, ausente hipótese de constrangimento ilegal, não é o caso de
concessão da ordem.
3. Posto isso, com fulcro no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento
ao habeas corpus.
Publique-se.
Brasília, 17 de maio de 2021.
Ministro Edson Fachin
Relator
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