1. A sentença julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral proposta contra o prefeito e vice-prefeito de Nazaré da Mata por abuso de poder político ao promulgarem leis com aumentos salariais durante o período vedado.
2. A Lei Municipal 446/2020 concedeu "estabilidade financeira" a todos os servidores municipais mediante incorporação de gratificação acima da inflação, caracterizando revisão geral de remuneração em período vedado.
3. As Leis Municipais 444/
Resultado do concurso para professor em Pernambuco
Parecer do Ministério Público Federal
1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL EM PERNAMBUCO
EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE PERNAMBUCO.
Processo : Recurso eleitoral 0600799-44.2020.6.17.0023
Recorrentes : Inácio Manoel do Nascimento
: José Pereira da Silva Filho
Recorrida : Coligação Juntos Por Um Novo Recomeço
Relator : Juiz Rodrigo Cahu Beltrão
Parecer 10.897/2021-PRE/PE (Par/PRE-PE/WCS/4.863/2021)
Eleitoral. Eleições 2020. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso
de poder político. Revisão geral de remuneração em período vedado.
Concessão de aumento salarial. Caracterização.
1. Caracteriza abuso de poder político conceder elevação remunerató-
ria geral a servidores, como ocorreu com a Lei Municipal 446/2020, do
Município de Nazaré da Mata, promulgada com o propósito de pro-
mover revisão geral de remuneração acima da inflação mediante in-
corporação de gratificação em favor de todos os servidores munici-
pais, no período vedado pela Lei 9.504/1997. Os arts. 5o
e 6o
da lei pro-
moveram aumento de remuneração disfarçado de incorporação de
gratificação, com ofensa ao art. 73, inc. VIII, da Lei 9.504/1997.
2. Compõe o quadro de abuso de poder político a Lei Municipal
444/2020, que concedeu adicional de insalubridade aos agentes comu-
nitários de saúde e aos agentes de combate a endemias de forma defi-
nitiva, independentemente do estado de calamidade pública decor-
rente da pandemia de covid-19, causada pelo novo coronavírus
(SARS-CoV-2), o que demonstra a intenção de utilizar poder político
com a finalidade de obter vantagem eleitoral.
3. Caracteriza o conjunto de atos de abuso a Lei Municipal 436/2020, a
qual elevou os subsídios do prefeito, vice-prefeito e dos secretários a
partir do ano seguinte à eleição, a demonstrar intenção do prefeito e
RE 0600799-44.2020.6.17.0023 AIJE. Abuso poder político. Revisão remuneração. Nazaré da Mata. Caracterização [W].odt/BMM
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candidato a reeleição de angariar apoio e empenho de seu secretaria-
do na campanha eleitoral, a fim de garantir continuidade do mandato.
4. Consubstancia gravidade elevação remuneratória de todos os servi-
dores públicos mediante incorporação de gratificação de estabilidade
financeira, implantação de adicional de insalubridade para agentes de
saúde de forma permanente e no aumento de subsídio de secretários,
que possuem interesse direto na reeleição. As vantagens distribuídas
por via legislativa têm potencial concreto de interferir no ânimo de nú-
mero importante de pessoas (os próprios servidores e pessoas próxi-
mas), o que é decisivo em município pequeno, cujo resultado da elei-
ção foi decidida por apenas 344 votos.
5. Parecer por não provimento do recurso.
1 RELATÓRIO
1. Trata-se de recurso interposto por INÁCIO MANOEL DO NASCIMENTO (conhe-
cido como “NINO”) e JOSÉ PEREIRA DA SILVA FILHO, então prefeito e vice-prefeito
do Município de Nazaré da Mata (PE), reeleitos em 2020, em face de sentença
da 23a
Zona Eleitoral. Esta julgou procedente pedido em ação de investigação
judicial eleitoral (AIJE) proposta pela COLIGAÇÃO JUNTOS POR UM NOVO
RECOMEÇO, por entender que os arts. 5o
e 6o
da Lei Municipal 446, de 27 de ju-
lho de 2020, teriam concedido a todos os servidores municipais, em período
vedado, gratificações sobre a rubrica de estabilidade financeira, com ofensa à
vedação do art. 73, inc. VIII, da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei de
Eleições). Esta norma proíbe revisão geral de remuneração de servidores pú-
blicos que exceda a recomposição da perda de poder aquisitivo ao longo do
ano da eleição.
2. Considerou o magistrado haver provas robustas e incontroversas da
prática de fatos graves consistentes na utilização da estrutura administrativa e
de abuso do poder político por parte dos investigados para conceder favores
remuneratórios de forma indiscriminada à quase totalidade dos servidores pú-
blicos, por meio de diversas leis, “cujo objetivo foi o favorecimento de suas
candidaturas, acabando por violar o princípio da isonomia entre os concorren-
tes, fato esse que alterou a normalidade e a legitimidade das eleições”. Por
2
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isso, declarou inelegibilidade dos investigados para as eleições nos oito anos
subsequentes à de 2020, cassou-lhes os diplomas e impôs-lhes multa de 5.000
UFIRs.
3. Alegam os recorrentes que: (a) os artigos 5o
e 6o
da Lei Municipal
446/2020 não concederam revisão geral de remuneração aos servidores muni-
cipais, pois a norma não trata dessa matéria nem fixa valores ou percentuais a
ser-lhes concedidos; (b) essa lei não é norma específica sobre revisão geral
anual de servidores, pois em momento algum determina reposição de perdas
provocadas pela inflação; (c) a lei não traz reajuste, aumento ou revisão salari-
al; (d) o que o art. 73, inc. VIII, da Lei 9.504/1997 veda é revisão geral anual da
remuneração de servidores públicos nos 180 dias que antecedem o pleito, o
que jamais ocorreu; (e) o adicional de “estabilidade financeira” é uma vanta-
gem e não constitui vencimento ou salário básico de servidores, podendo so-
frer a readequação prevista no art. 73, inc. V, da Lei 9.504/1997, mesmo nos
três meses que antecedem eleições; (f) a Lei Municipal 446/2020 não instituiu
a denominada “estabilidade financeira”, instituto de direito público que nada
mais é do que um adicional, o qual foi instituído pela Lei Municipal 4, de 14 de
março de 1991, ou seja, trata-se de vantagem que existe na legislação munici-
pal há 30 anos; (g) a estabilidade financeira não é gratificação em si, mas insti-
tuto de direito administrativo que garante a incorporação de gratificação per-
cebida por servidor por determinado tempo, e que, no caso do Município de
Nazaré da Mata, somente beneficia servidores que recebam gratificação por
cinco anos consecutivos ou sete intercalados, conforme Lei 4/1991; (h) o art. 5o
da Lei Municipal 446/2020 é mera redundância legal, pois a simples condição
de servidor público dos agentes comunitários de saúde, dos agentes de ende-
mias ou de qualquer profissional de saúde, desde que atendam aos requisitos
do art. 1o
, § 2o
, inciso XVII, da Lei Municipal 4/1991, assegura-lhes direito à esta-
bilidade financeira; (i) o art. 6o
da Lei Municipal 446/2020 apenas reconheceu a
possibilidade legal de servidor detentor de estabilidade financeira continuar a
receber a mesma gratificação após sua incorporação, por ser o adicional de es-
tabilidade financeira parcela autônoma que, após incorporada, passa a com-
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por o patrimônio do servidor público, e vedou nova incorporação da mesma
gratificação antes percebida e já incorporada, de forma que apenas disciplinou
situação existente na administração municipal, não se tratando de revisão ge-
ral anual de remuneração; (j) a Lei 9.504/1997 não veda readequação de vanta-
gem nem revisão setorial de remuneração; (k) inexiste na conduta lesividade
suficiente para interferir na igualdade de condições entre os candidatos e in-
terferir na regularidade do pleito de 2020, mas a sentença os condenou à cas-
sação de diploma, a inelegibilidade por oito anos e a multa de 5.000 UFIRs, de
forma desproporcional e desprovida de razoabilidade diante dos fatos postos
na petição inicial; (l) nem toda conduta vedada acarreta automática cassação
de registro ou de diploma, mas compete à Justiça Eleitoral exercer juízo de
proporcionalidade entre a conduta e a sanção a ser imposta.
4. A COLIGAÇÃO JUNTOS POR UM NOVO RECOMEÇO apresentou contrarrazões
(doc. 24732261).
5. É o relatório.
2 DISCUSSÃO
2.1 REQUISITOS RECURSAIS E ASPECTOS INICIAIS
6. O recurso eleitoral é tempestivo, pois a sentença foi publicada em 9 de
março de 2021 (Diário da Justiça eletrônico 54), e a interposição ocorreu em 11
de março de 2021 (doc. 24731761), dentro, portanto, do prazo previsto no art.
258 do Código Eleitoral.1
7. Na petição inicial, a coligação recorrida acusa o prefeito e o vice-prefeito
do Município de Nazaré da Mata (PE) de cometer abuso de poder político, por
causa da promulgação das Leis Municipais 436, de 5 de março (doc. 24729861),
437, de 5 de março (doc. 24729911), 443, de 16 de julho (doc. 24730161), 444,
de 16 de julho (doc. 24730011), e 446, de 27 de julho (doc. 24730061), todas de
1 “Art. 258. Sempre que a lei não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto
em três dias da publicação do ato, resolução ou despacho.”
4
5. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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2021. Esses atos legislativos tratavam de temas diversos, como aumento da re-
muneração de algumas categorias de servidores, revisão geral anual de remu-
neração, instituição de adicional de insalubridade na área da saúde, permissão
de uso de bens públicos e outros.
8. O magistrado concluiu que os investigados concederam favores remune-
ratórios de forma indiscriminada à quase totalidade dos servidores públicos,
“por meio de diversas leis”. No que se refere à Lei Municipal 446/2020, em par-
ticular em face de seus arts. 5o
e 6o
da lei, considerou que a norma mascarou
aumento generalizado de remuneração, em período vedado, com afronta ao
art. 73, inc. VIII, da Lei das Eleições.
9. A matéria prende-se à análise das leis editadas com a finalidade de averi-
guar se constituem abuso de poder político apto a sustentar condenação de
cassação de diplomas, inelegibilidade por oito anos e imposição de multa.
10. Das cinco leis editadas no primeiro semestre do ano eleitoral, três delas,
consideradas conjuntamente, no panorama da administração pública munici-
pal, caracterizar abuso de poder político. Passa-se à análise de cada uma.
2.2 LEI MUNICIPAL 446/2020
11. O art. 73, inc. VIII, da Lei 9.504/1997, dispositivo no qual se fundamenta a
sentença, dispõe (sem destaque no original):
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguin-
tes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre can-
didatos nos pleitos eleitorais:
[...]
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos
servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder
aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabele-
cido no art. 7o
desta Lei e até a posse dos eleitos. [...]
5
6. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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12. A revisão geral da remuneração, segundo o art. 83, inc. VIII, da Resolu-
ção 23.610, de 18 de dezembro de 2019, do Tribunal Superior Eleitoral,2 não
pode ocorrer nos 180 antecedentes ao dia da eleição e até a posse dos eleitos.
O art. 11, inc. XIV, da Resolução 23.624, de 13 de agosto de 2020, do TSE, escla-
rece o período vedado, que vai de 7 de abril de 2020 até a posse dos eleitos.3
13. Como a Lei 446 foi sancionada em 27 de julho de 2020, desobedece ao
prazo estabelecido na Lei das Eleições e na Resolução TSE 23.610/2019, combi-
nado com a Resolução 23.624/2020.
14. A questão central é saber se a lei municipal promoveu revisão geral da
remuneração dos servidores públicos, como foi o entendimento da sentença.
15. A ementa da Lei 446/2020 (doc. 24730061) estabelece do que trata a nor-
ma (sic):
Dispõe sobre a contratação de pessoal em regime especial no período de
PANDEMIA DE CORONAVÍRUS-COVID-19; da forma de remuneração dos
médicos efetivos e contratados para atendimento na UBSs e no Posto de
Saúde Áurea de Andrade Vasconcelos; da contratação de médico veteri-
nário na área de Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária e Vigilância
Agropecuária; trata da Estabilidade Financeira como forma de parcela au-
tônoma incorporada ao patrimônio do servidor, contemplando o agente
comunitário de saúde e o agente de combate às endemias; e fixa o valor
de ambulatório dos médicos contratados e efetivos do Município de dá
outras providências.
2 “Art. 83. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas
tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleito-
rais (Lei no
9.504/1997, art. 73, I a VIII): [...]
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores
públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano
da eleição, nos 180 ([...]) dias que antecedem a eleição até a posse dos eleitos. (Vide,
para as Eleições de 2020, art. 11, inciso XIV, da Resolução no
23.624/2020) [...]”.
3 “Art. 11. A aplicação, às Eleições 2020, da Res.-TSE no
23.610, de 18 de dezembro de
2019, que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito
e condutas ilícitas em campanha eleitoral, dar-se-á com observância dos ajustes a se-
guir promovidos nos dispositivos indicados: [...]
XIV – é vedado aos agentes públicos, servidores ou não, fazer, na circunscrição do pleito,
revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da
perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, desde 7 de abril de 2020 até a
posse dos eleitos (ajuste referente ao inciso VIII do art. 83 da Res.-TSE no
23.610/2019, em
conformidade com a Emenda Constitucional no
107/2020, art. 1o
, § 2o
); [...]”.
6
7. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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16. Ao examinar o texto em sua integralidade, verifica-se que a lei foi criada
com o propósito de promover revisão geral da remuneração acima do reajuste
da inflação, mediante incorporação de gratificação ao salário de todos os ser-
vidores municipais. Os artigos 5o
e 6o
da lei fizeram exatamente isso, isto é,
promoveram elevação remuneratória disfarçada de incorporação de gratifica-
ção. A sentença corretamente argumentou, a esse respeito (sem destaque no
original):
[...] o incremento salarial levado a efeito pelos art. 5o
e 6o
da lei 446/2020
que concedeu a todos os servidores efetivos de Nazaré da Mata, em perí-
odo vedado (180 dias antes do pleito de 2020), gratificações sobre a ru-
brica de estabilidade financeira e qualquer outra prevista em lei municipal
ou no estatuto dos servidores públicos de Pernambuco subsumi à veda-
ção prescrita no inciso VIII, do art. 73, da Lei no
9.504/97 que proíbe a revi-
são geral de remuneração de servidores públicos que exceda recomposi-
ção da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.
É patente que o aumento salarial não colimou apenas recomposição de
perdas próprias do processo inflacionário, mas acrescentou poder aqui-
sitivo ao servidor em ano eleitoral, considerando que o investigado já
havia concedido por meio da lei 437/2020 a revisão geral de remunera-
ção dos servidores públicos municipais no ano de 2020.
O incremento remuneratório não foi somente setorial de determinada
classe ou carreira, mas beneficiou todos os servidores públicos efetivos,
impactando na paridade de oportunidades entre candidatos no pleito
eleitoral, dada a quantidade de famílias beneficiadas e que o acréscimo
da contraprestação salarial ocorreu há 112 ([...]) dias do dia das eleições.
O fato de os art. 5o
e 6o
da lei 446/2020 não ter alcançado os servidores
públicos de provimento em comissão e de não ter repercutido no venci-
mento base, mas apenas no total da remuneração, não desnatura o ilícito
eleitoral, quando, como no caso presente, o acréscimo remuneratório
atinge quantia significativa dos quadros geridos e alcança qualquer das
parcelas pagas sob a título de contraprestação do trabalho prestado [...].
17. Confira-se o teor dos dispositivos da Lei 446/2020:
Art. 5o
A Estabilidade Financeira prevista na lei municipal no
04/91 (Regime
Jurídico dos Servidores Públicos do Município de Nazaré da Mata) se apli-
ca aos Agentes Comunitários de Saúde, aos Agentes de Combate às En-
demias e aos demais profissionais de saúde do quadro efetivo que rece-
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8. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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berem gratificação a qualquer título, prevista em lei Municipal ou na Lei
Estadual no
6.123/68.
Art. 6o
O servidor público municipal do quadro efetivo de qualquer dos
poderes do Município que incorporar a título de Adicional de Estabilidade
Financeira, nos termos da Lei Municipal 04/91, qualquer gratificação pre-
vista em lei municipal ou na Lei Estadual no
6.123/68, poderá continuar a
receber a mesma gratificação após a sua incorporação, por ser o Adicio-
nal de Estabilidade Financeira parcela autônoma que após incorporado
passa a compor o patrimônio do servidor público, sendo vedado apenas
uma nova incorporação da mesma gratificação anteriormente percebida
e já incorporada.
18. Os artigos permitem incorporação de qualquer gratificação de forma de-
finitiva, o que promove aumento remuneratório imediato que beneficia todos
os servidores, tanto que o art. 6o
se refere ao servidor público efetivo de
“qualquer dos poderes do Município”.
19. A finalidade da lei é, veladamente, de aumento geral de remuneração. A
conduta é extremamente grave e caracteriza abuso de poder político, diante
da concessão de elevação remuneratória disfarçada, próximo às eleições.
20. O aumento de remuneração ocorreu em lei que trata de matérias varia-
das, precisamente com o objetivo de passar despercebido pelos órgãos de fis-
calização, prática comum de gestores mal intencionados, conhecida como “ja-
buti” ou “cauda legislativa” no processo legislativo.
2.3 LEI MUNICIPAL 444/2020
21. A Lei Municipal 444, de 16 de julho de 2020, concedeu adicional de insalu-
bridade aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias
sobre o vencimento básico dos servidores a partir de 1o
de agosto de 2020.
22. Ocorre que esse adicional de insalubridade foi criado de forma definitiva,
ou seja, não foi instituído apenas enquanto perdurasse o estado de calamida-
de pública decretado em razão da pandemia de covid-19, causada pelo novo
coronavírus (SARS-CoV-2), o que demonstra ter havido, na realidade, aumento
remuneratório. É o que se constata no art. 1o
da lei (sic):
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9. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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Art. 1o
O Adicional de Insalubridade de que trata o parágrafo 3o
do art.
9o
-A da Lei Federal no
11.350, de 05 de outubro de 20026, alterada pela Lei
Federal no
13.342, de 03 de outubro de 2016, a ser pago aos Agentes Co-
munitários de Saúde e ao sAgentes de Combate às Endemias do Municí-
pio de Nazaré da Mata é fixado no percentual de 20% ([...]), sobre os ven-
cimentos básicos dos referidos servidores, cujo montante será atingidos
da forma escalonada em três parcelas sucessivas, conforme a seguir:
I – 10% ([...]) a partir de 01 de agosto de 2020;
II – 5% ([...]) a partir de 01 de janeiro de 2021;
III – 5% ([...]) a partir de 01 de fevereiro de 2021.
23. Tal conduta revela desvio de finalidade praticado pelo representado, ten-
do em vista que, aproveitando-se de situação anômala, instituiu adicional per-
manente que corresponde a aumento na remuneração dos agentes de saúde,
categoria que contou com incremento no número de contratados, diante da
pandemia.
2.4 LEI MUNICIPAL 436/2020
24. A Lei Municipal 436, de 5 de março de 2020, fixou “os subsídios do Pre-
feito, Vice-Prefeito e dos Secretários do município de Nazaré da Mata – PE,
para o Mandato Executivo de 2021 a 2024 e dá outras providências”, conforme
ementa.
25. O aumento salarial a partir do ano seguinte demonstra intenção do pre-
feito candidato a reeleição de angariar apoio e empenho de seu secretariado
na campanha eleitoral, com o fim de garantir continuidade do mandato.
26. Ainda que não seja vedado o aumento de remuneração antes do período
vedado pela legislação, a conduta demonstra utilização do aparato administrati-
vo com a finalidade de manter-se no mandato, pois concedeu a elevação preci-
samente no ano eleitoral, para vigorar no ano seguinte, como um atrativo ao se-
cretariado, de modo a conseguir maior engajamento no apoio à candidatura.
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2.5 ABUSO DE PODER POLÍTICO: GRAVIDADE
27. Como se sabe, o abuso de poder político não se limita às hipóteses de
condutas vedadas previstas na lei. Pode haver essa modalidade de abuso sem
que corresponda a um dos tipos nela indicados.4 O art. 22 da Lei Complemen-
tar 64, de 18 de maio de 1990 (Lei das Inelegibilidades), dispõe, de modo muito
amplo (sem destaque no original):
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Pú-
blico Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Cor-
regedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e
circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso
indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autorida-
de, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social,
em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte
rito: [...].
28. Abuso de poder de autoridade (ou político), na visão de RODRIGO LÓPEZ
ZILIO, indica “prática de um ato, cometido por pessoa vinculada à administra-
ção pública, mediante desvio de finalidade e com o objetivo de causar interfe-
rência no processo eleitoral”. Segundo o autor,
[...] o exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se en-
contra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquan-
to o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do
ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, em-
prego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela
vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo.5
29. Os recorrentes valeram-se da legislação municipal para conferir vanta-
gens a numerosos servidores públicos no ano eleitoral, com o objetivo de an-
4 Nessa linha de argumentação, afirmam CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO e WALBER DE
MOURA AGRA que “as espécies de condutas vedadas não diferem em essência do abuso
de poder político, sua diferenciação ocorre em razão de sua especificação, sendo deli-
neadas pela Lei Eleitoral. Quando a conduta de acinte praticada pelo agente público
não for o especificado na legislação eleitoreira, por exclusão, será tipificado como
abuso de poder” (VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura, Elementos
de Direito Eleitoral, São Paulo: Saraiva, 2020, p. 386, sem destaque no original).
5 ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2018. p. 645.
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11. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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gariar o maior número possível de votos, em flagrante desvio de finalidade e
em abalo às condições isonômicas que legitimam o processo eleitoral.
30. De acordo com o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar 64/1990, caracte-
rização de ato como abusivo só ocorre se a conduta se revestir de gravidade
suficiente para justificar aplicação de penalidade, o que se dá no caso.
31. A gravidade está consubstanciada no aumento de salário todos os servi-
dores públicos por meio da incorporação de gratificação de estabilidade finan-
ceira com a edição da Lei 446/2020; na implantação de adicional de insalubri-
dade aos agentes de saúde de forma permanente (por meio da Lei Municipal
444/2020), cujo número naturalmente aumentou em razão da pandemia; e no
aumento de remuneração dos secretários (com a Lei Municipal 436/2020), que
possuem interesse direto na reeleição e com isso são incentivados a fazer
campanha eleitoral em favor do prefeito candidato à reeleição.
32. Essa gravidade se mostra visível no caso do Município de Nazaré da
Mata, em que a diferença entre o candidato vencedor e o segundo colocado
foi muito pequena. O candidato reeleito teve 8.766 votos, ao passo que o se-
gundo recebeu 8.422 votos, ou seja, diferença de apenas 344 votos.6 As mano-
bras do então prefeito tiveram inequívoco potencial para interferir no resulta-
do concreto da eleição em seu município.
33. Por esse conjunto de razões, a sentença não merece reforma.
6 Resultados disponíveis em <https://is.gd/TSE052> ou <https://resultados.tse.jus.br/ofi-
cial/#/eleicao;e=e426;uf=pe;mu=24899/resultados>. Acesso em 3 maio 2021.
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12. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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3 CONCLUSÃO
34. Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral opina por não provimento
do recurso.
Recife (PE), 4 de maio de 2021.
[Assinado eletronicamente.]
WELLINGTON CABRAL SARAIVA
Procurador Regional Eleitoral
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