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É proibido blefar no livro de ofertas: consolidação do entendimento da CVM sobre
layering e spoofing
Isac Costa. Analista de Mercado de Capitais (CVM). Doutorando em Direito
Econômico e Financeiro (USP). Mestre em Direito dos Negócios (FGV).
Bacharel em Direito (USP). Engenheiro de Computação (ITA). Professor de
Direito Empresarial dos cursos de Pós-Graduação em Direito do Ibmec/SP.
Data desta versão: 04.10.2020.
Resumo
Layering e spoofing são formas de manipulação
de mercado que consistem na criação de
liquidez aparente pela inserção de ofertas
artificias, induzindo investidores a melhorar
seus preços com vistas a viabilizar a execução
de uma ou mais ofertas-alvo previamente
colocadas pelo manipulador e, então, o
cancelamento das ofertas artificiais. Neste
artigo, apresentamos os argumentos de
acusação e de defesa presentes em sete
precedentes da CVM julgados entre maio de
2018 e agosto de 2020, indicando os fatores
determinantes para a formação da convicção
dos membros do Colegiado da autarquia.
O debate proposto é relevante pois permite
analisar uma nova forma de manipulação de
mercado, que prejudica o processo de formação
de preços e, consequentemente, a tomada de
decisão pelos investidores. Ademais, tem-se
uma oportunidade de compreender melhor o
funcionamento do mercado secundário e a
dinâmica do livro de ofertas e a flutuação dos
preços dos valores mobiliários. Assim,
procuramos contribuir para pesquisas
adicionais sobre o tema e destacar pontos de
atenção para os próximos julgamentos a
respeito da matéria.
Palavras-chave: manipulação, regulação, CVM
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo descrever o entendimento da CVM acerca da
manipulação de mercado mediante layering e spoofing com base em sete precedentes julgados
pela autarquia entre março de 2018 e agosto de 2020. Busca-se sistematizar os argumentos de
acusação e defesa e os fatores determinantes para a formação da convicção dos membros do
2
Colegiado da autarquia e apontar questões em aberto que ainda poderão ser abordadas em
futuros julgamentos sobre o tema.
O debate proposto é relevante na medida em que permite analisar uma nova forma de
manipulação de mercado, que prejudica o processo de formação de preços. O estudo das
condutas indicadas é também uma oportunidade de compreender melhor o funcionamento do
mercado secundário e a dinâmica do livro de ofertas, por meio do qual compradores e
vendedores indicam suas pretensões, propiciando a livre flutuação dos preços.
Após esta introdução, o texto se divide em quatro partes, sucedidas por uma síntese
conclusiva. Na seção 2, descrevemos o modo pelo qual o ambiente de negociação é organizado,
as regras do livro de ofertas e como as operações são realizadas. Na seção 3, discutimos a
sistemática do blefe no livro de ofertas, diferenciando a prática das condutas tidas como
legítimas e, então, apresentamos a definição de layering e spoofing. Na seção 4, enumeramos
os argumentos de acusação aduzidos pela área técnica da CVM e o enquadramento da prática
como infração de manipulação de mercado. Na seção 5, por fim, mapeamos os argumentos de
defesa e como o Colegiado da CVM se posicionou sobre cada um deles. Tanto na seção 4 como
na seção 5, exploramos argumentos adicionais que poderiam ter sido mobilizados, com o intuito
de contribuir para pesquisas adicionais sobre o tema e destacar pontos de atenção para os
próximos julgamentos a respeito da matéria.
2. A dinâmica do livro de ofertas
2.1. A organização do ambiente de negociação
Inicialmente, convido você a imaginar um mercado de bolsa sem sistemas eletrônicos,
em que são negociadas ações de determinadas companhias. Em um ambiente físico, operadores
negociam por conta própria e recebem ordens de compra e de venda de ações. A depender da
quantidade de informações que circulam – número de ordens, variações de preço, número de
operadores e número de ações, por exemplo – são criados procedimentos para agrupar ordens
em torno de uma mesma ação, sob pena de a negociação se tornar inviável.
Nesse contexto, são criadas “rodas de negociação” específicas para cada ação. Os
operadores podem ingressar em qualquer uma dessas rodas ou permanecer em apenas uma delas
(caso em que se “especializam” em determinada ação).
Nesse ponto, você pode imaginar que um elevado número de ações negociadas
simultaneamente pode significar a necessidade de muitos operadores e, ao mesmo tempo,
dificultar a atuação dos investidores em múltiplos ativos. Para contornar esse problema, é
possível estabelecer um limite para o número de rodas de negociação que podem funcionar ao
3
mesmo tempo, segregando o espaço disponível conforme desejado e estabelecendo um
cronograma de revezamento de quais ações são negociadas em quais rodas em certas janelas
temporais.
Assim, ao longo de um dia, as ações podem ser negociadas por mais ou menos tempo,
conforme a demanda pelos investidores e a consequente liquidez. Pode haver rodas de
negociação dedicadas a certos ativos mais disputados, por exemplo.
E o que acontece em cada uma dessas rodas de negociação? Os operadores interagem,
especificando se desejam comprar ou vender, qual a ação (informação implícita na roda de que
participam), qual a quantidade desejada e o preço a que estão dispostos a negociar.
E como os negócios são concluídos? É preciso haver uma correspondência de preços e
quantidades pretendidos por compradores e vendedores. Se estivéssemos em uma negociação
envolvendo apenas duas pessoas, cada uma teria seu preço de reserva e, a depender de
concessões unilaterais ou recíprocas, chegam a um preço para a operação1
. Entretanto, temos,
ao mesmo tempo, um grupo de pessoas desejando comprar e outro grupo desejando vender.
Nesse passo, você pode lembrar do gráfico usualmente apresentado nas primeiras
páginas de qualquer livro de microeconomia, em que oferta e demanda se organizam conforme
os preços e quantidades desejados. À medida que as pretensões são reveladas – isto é, as ordens
são emitidas – cria-se uma fila de compradores e uma fila de vendedores e, após um período
estabelecido, calcula-se o preço de equilíbrio, ponderando os preços e quantidades das ofertas.
Por exemplo, se o preço de equilíbrio calculado foi de R$ 10,00 e você informou que
estava disposto a pagar, no máximo, R$ 10,15 ou, então, estava disposto a vender por, no
mínimo, R$ 9,85, então sua ordem será contemplada. O cálculo é feito de modo que todas as
operações são fechadas no preço de equilíbrio e são atendidos os compradores que desejavam
pagar um valor igual ou maior a esse preço e os vendedores dispostos a vender por um preço
igual ou menor.
À alternativa descrita nos parágrafos anteriores – a negociação por meio de um leilão2
– contrapõe-se um modelo de negociação contínua3
. Em vez de todos aguardarem o cálculo de
1
Sobre o tema, cf. FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Apêndice A - Aplicando
indução reversa aos jogos de barganha com ofertas alternadas.
2
Cf. FOUCAULT, Thierry; PAGANO, Marco; RÖELL, Ailsa. Market Liquidity: Theory, Evidence and Policy.
Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 20-22; HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market
Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 89 e ss.
3
“Art. 27 A negociação de ativos e derivativos por meio do ambiente de negociação pode ocorrer nas
seguintes modalidades: I - negociação contínua: modalidade na qual o fechamento de operações pode ocorrer a
qualquer momento da sessão de negociação, a partir da interação das ofertas de compra e de venda registradas; II
- negociação não contínua: modalidade na qual o fechamento de operações ocorre por meio de leilão durante a
sessão de negociação, conforme procedimentos descritos no manual de procedimentos operacionais de
4
um preço de equilíbrio a partir da demanda e da oferta, as operações são concluídas à medida
em que chegam as ordens. Se houver correspondência (match) de preço e quantidade, o negócio
é fechado.
Nesse modelo, você decide com base nas quantidades e preços informados pelos demais
operadores, podendo aceitar o melhor preço que está sendo oferecido pela parte oposta. Se a
melhor oferta de venda é de R$ 11,10 e você está disposto a pagar esse preço, declara a sua
vontade e a operação é realizada. Este tipo de ordem é conhecido como ordem a mercado4
(aceita-se o que mercado está oferecendo).
Por outro lado, se você estiver com menos pressa, pode emitir uma ordem limitada5
,
pela qual o comprador informa o preço máximo que está disposto a pagar e o vendedor informa
o preço mínimo que está disposto a receber. Pelo senso comum, o critério justo de ordenação
das intenções é a prioridade preço-tempo6
, isto é, são atendidos primeiro os compradores que
desejam pagar mais e os vendedores que desejam receber menos e, para um mesmo nível de
preço, observa-se a ordem de chegada.
Cria-se, portanto, um “cabo de guerra”, em que compradores e vendedores revelam as
suas intenções e as operações são realizadas. As seguintes informações se tornam relevantes
para a tomada de decisão no curtíssimo prazo: os preços e quantidades das ofertas de compra e
venda disponíveis e os preços e quantidades das últimas operações realizadas. Tal situação não
é muito distinta do cenário em que você, deseja adquirir um imóvel e procura se informar sobre
quais são os valores pedidos pelos vendedores e quais foram os valores dos últimos negócios
realizados.
Até o final da década de 2000, esse modelo de negociação existia no Brasil 7
.
Acompanhando uma tendência dos mercados mundiais, a Bovespa e a BM&F, então
negociação da B3”. Cf. B3. Regulamento de negociação da B3. São Paulo, 31 ago. 2020. Disponível em:
http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/operacoes/. Acesso em 03 out. 2020.
4
“4.2. Tipos de ordens. As condições que podem ser especificadas pelos comitentes, para a execução de suas
ordens, devem estar enquadradas nos seguintes tipos de ordens: I - ordem a mercado: ordem que especifica
somente a quantidade e as características dos ativos e/ou derivativos a serem comprados ou vendidos, devendo
ser executada a partir do momento em que for recebida; II - ordem limitada: ordem que deve ser executada
somente a preço igual ou melhor do que especificado pelo comitente;”. Cf. B3. Manual de Procedimentos
Operacionais de Negociação da B3. São Paulo, 04 set. 2020. Disponível em:
http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/operacoes/. Acesso em 03 out. 2020.
5
Ver nota anterior.
6
De acordo com o parágrafo único do art. 73 da Instrução CVM nº 461/2007, “quando se tratar de sistema de
negociação centralizado e multilateral, a formação de preços deve se dar por meio da interação de ofertas, em
que seja dada precedência sempre à oferta que represente o melhor preço, respeitada a ordem cronológica de
entrada das ofertas no sistema ou ambiente de negociação, ressalvados os casos de procedimentos especiais de
negociação previstos em regulamento” (grifamos).
7
ARAGÃO, Marianna. BM&F se despede do pregão viva-voz. O Estado de S. Paulo, 20 jun. 2009. Disponível
em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bmef-se-despede-do-pregao-viva-voz,390521. Acesso em 03
out. 2020. Na Bovespa, fora desativado em 30.09.2005, como apontado em MARCO, André de. A gritaria
5
associações independentes, criaram sistemas eletrônicos de negociação, propiciando o
recebimento de informações e os cálculos descritos acima de forma automatizada, facilitando
o encontro de oferta e demanda e, sobretudo, ampliando o número de ativos que podem ser
negociados simultaneamente.
2.2. Ordens de quantidades expressivas
Para concluir o exercício aqui proposto, propomos um último aspecto desse cenário
hipotético: a presença de uma ordem envolvendo uma grande quantidade de ações.
Se alguém deseja comprar maciçamente uma ação, é possível presumir que há um
interesse especial, talvez uma informação favorável detida apenas por aquela pessoa, o que lhe
permite se antecipar a uma valorização dos preços no curto prazo.
Analogamente, a venda de uma grande quantidade pode sinalizar uma informação
adversa. Se os demais investidores realizam inferências de modo a concluir que haverá um
movimento abrupto nos preços, então a “profecia” se torna autorrealizável: compradores
informam que desejam pagar mais (os preços sobem) e vendedores informam que aceitam
receber menos (os preços caem). E o movimento subsequente confirma as expectativas que
surgiram a partir da oferta de quantidade expressiva.
Se, por outro lado, quem deseja negociar essa quantidade maciça coloca suas ordens
gradualmente, escamoteando seu interesse em certa ação, o efeito nos preços tenderá a ser mais
suave (ou, no limite, menos abrupto). Esse jogo de esconde-esconde entre oferta e demanda
ocorre em cada janela de tempo na qual uma roda de negociação recebe ordens de compra e
venda de determinada ação. Todas as informações sobre preços e quantidades pretendidos,
ofertantes e negócios realizados são coletadas manualmente – lembre-se: não temos um sistema
eletrônico de negociação – e colocados à disposição dos operadores em, digamos, lousas e toda
a comunicação ocorre por meio de gritos. O cenário se aproxima de uma feira livre, porém um
pouco mais sofisticada.
2.3. Negociação contínua, sistemas eletrônicos e livro central de ofertas
De acordo com o art. 50 da Instrução CVM nº 461/2007, “os ambientes ou sistemas de
negociação devem assegurar a transparência das ofertas e operações realizadas e propiciar uma
adequada formação de preços”. Nos termos do art. 73 da mesma Instrução, esse ambiente deve
acabou: do pregão viva voz à negociação eletrônica. BM&Bovespa, 18 mar. 2016. Disponível em:
http://vemprabolsa.com.br/2016/03/18/gritaria-acabou-do-pregao-viva-voz-negociacao-eletronica/. Acesso em:
03 out. 2020.
6
possuir “características, procedimentos e regras de negociação, previamente estabelecidos e
divulgados, que permitam, permanentemente”: (a) a regular, adequada e eficiente formação de
preços; (b) a pronta realização, visibilidade e registro das operações realizadas; e (c) a
disseminação pública das ofertas e negócios envolvendo ativos ali negociados, com rapidez,
amplitude e detalhes suficientes à boa informação do mercado e formação de preços.
Essas regras procuram assegurar a dinâmica descrita na seção anterior, permitindo que
os investidores tenham acesso às informações sobre as pretensões dos demais, consubstanciadas
em suas ofertas. A concreção desse ambiente se dá por meio de sistemas eletrônicos de
negociação implementados pela B3. O sistema de negociação é composto de matching engines,
isto é, de algoritmos que permitem o encontro (match) de compradores e vendedores de
determinados ativos.
Não havendo mais limitação de espaço físico, cada investidor pode acessar diretamente
o sistema eletrônico de negociação, selecionar o ativo desejado, informar o preço, quantidade
e outros aspectos da ordem (se é limitada ou a mercado, por exemplo). E, assim, algoritmos
silenciosos consolidam essas informações. No caso de uma sessão contínua de negociação, isso
ocorre por meio de um livro central de ofertas ou, simplesmente, livro de ofertas (central limit
order book)8
.
Para os fins da presente discussão, não estamos interessados no aspecto do livro de
ofertas9
em uma negociação em modelo de leilão10
, tal como descrito anteriormente, embora o
pressuposto central do debate seja igualmente aplicável: as informações sobre as ofertas no
livro são relevantes para a tomada de decisão pelos investidores.
No livro de ofertas, temos, de um lado, as ofertas de compra ordenadas por preço e
tempo e, de outro lado, as ofertas de venda. A variação mínima de preço para apregoação é
denominada de tick (por exemplo, R$ 0,01 para uma ação). Há sempre um hiato entre a melhor
oferta de compra (bid) e a melhor oferta de venda (ask), denominado spread, o qual pode ser,
8
Desde 2011, os sistemas eletrônicos de negociação da B3 foram migrados para o PUMA Trading System
(Ofício Circular B3 041/2011-DP). Cf. B3. PUMA Trading System. São Paulo, fev. 2020. Disponível em:
http://www.b3.com.br/pt_br/solucoes/plataformas/puma-trading-system/. Acesso em 03 out. 2020.
9
A partir desse ponto, utilizaremos o termo “oferta”, que denota a efetiva mensagem enviada ao sistema
eletrônico de negociação contendo os parâmetros para a negociação desejada, contrapondo-se à “ordem”, que é a
declaração de vontade, concretizada por meio da oferta. Se um investidor se conecta ao sistema de sua corretora
e informa os parâmetros de negociação, há uma coincidência entre ordem e oferta. Por outro lado, se o investidor
envia uma mensagem ou telefona para um operador informando como deseja negociar, então esta comunicação
representa a ordem, que será sucedida por uma oferta inserida no sistema pelo operador. Cf. B3. Regulamento de
Operações, 05 ago. 2019. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/operacoes/.
Acesso em 03 out. 2010.
10
Como veremos oportunamente, a sistemática das práticas de layering e spoofing só fazem sentido em uma
sessão contínua de negociação, dada a limitação ao rápido cancelamento de ofertas enviadas durante um leilão.
7
no mínimo, igual ao tick (a menor unidade de negociação). A tabela a seguir ilustra algumas
possibilidades de um livro de ofertas hipotético. Se uma oferta tem qualquer parâmetro alterado,
para fins da ordem cronológica, ela é considerada como se estivesse sendo inserida novamente.
Ofertas de compra Ofertas de venda
Hora Corretora Qtd. Preço (R$) Preço (R$) Qtd. Corretora Hora
11:21:45.003 8 200 34,32 34,49 200 40 11:21:45.003
11:21:45.001 735 200 34,32 34,50 300 3 11:21:40.000
11:21:45.002 40 200 34,32 34,51 800 86 11:09:37.000
11:21:46.000 8 100 34,32 34,53 100 735 10:44:18.000
11:21:48.000 40 1.000 34,32 34,56 200 735 10:41:15.000
11:20:47.000 114 300 34,31 34,58 700 8 11:10:10.000
10:41:15.000 735 200 34,30 34,58 400 8 11:14:41.000
11:21:33.000 16 3.400 34,26 34,60 1.000 3 10:18:34.000
Tabela 1. Exemplo de livro de ofertas.
Um negócio é concluído quando uma oferta presente no livro é “agredida”, isto é,
quando encontra uma contraparte no mesmo preço e quantidade. Para quantidades desiguais, se
a oferta é a mercado, as ofertas no livro são executadas em ordem de preços até que toda a
quantidade desejada seja atendida. Se a oferta envolve quantidade muito grande, fala-se que o
livro é “varrido”, pois abre-se um spread elevado no curtíssimo prazo em virtude do espaço que
era ocupado pelas ofertas executadas – agora vazio – até que sejam colocadas novas ofertas em
novos níveis de preço.
No exemplo da Tabela 1, as corretoras são identificadas por seus códigos de negociação.
À esquerda, temos as ofertas de compra ordenadas em diferentes níveis de preço. A melhor
oferta de compra (bid) é de R$34,32. Uma oferta de venda a mercado de 200 ações agrediria a
oferta da corretora nº 8, por ser a mais antiga no melhor nível de preço. Se a quantidade da
oferta de venda a mercado fosse de 600 ações, seriam agredidas as ofertas de compra a R$34,32
das corretoras nº 8, 735 e 40. Se a quantidade fosse de 500 ações, as ofertas de compra das
corretoras nº 8 e 735 seriam integralmente atendidas e a oferta da corretora nº 40 seria agredida
parcialmente, com execução de 100 ações e o restante continuaria no livro, com quantidade
remanescente de 100 ações.
À direita, temos as ofertas de venda, sendo o melhor preço (ask) a R$34,49. O spread é
calculado pela diferença entre os valores de ask e bid, logo, no exemplo, é de R$0,17. Isso
significa que podem ser inseridas ofertas de compra e de venda nos níveis de preço de R$34,33
a R$34,48 de modo a melhorarem as ofertas presentes no livro.
Uma visão alternativa do livro de ofertas é mostrada na Tabela 2, consolidando as
quantidades por cada nível de preço e ignorando as corretoras e os horários de inserção das
ofertas. Esta visão reduz a quantidade de informações apresentada, facilitando o cálculo do
8
preço médio da execução na hipótese de uma oferta que venha a agredir outras em vários níveis
de preço. Por exemplo, uma oferta de compra a mercado de 1.000 ações agrediria 200 a
R$34,49, 300 a R$34,50 e 500 a R$34,51, resultando em um preço médio de R$ 34,50462 por
ação. Após a execução, o melhor nível de preço passaria a ser R$34,51 com quantidade de 300
ações remanescentes.
Ofertas de compra Ofertas de venda
Qtd. Preço (R$) Preço (R$) Qtd.
1.700 34,32 34,49 200
300 34,31 34,50 300
200 34,30 34,51 800
3.400 34,26 34,53 100
34,56 200
34,58 700
34,60 1.000
Tabela 2. Visão alternativa do livro de ofertas apresentado na Tabela 1.
Ao longo de uma sessão contínua de negociação, os preços se movem conforme as
pressões de compra e de venda, do que resultam os gráficos que normalmente vemos em
programas de televisão e websites de notícias da mídia especializada em finanças.
Essas informações nos permitem acompanhar a dinâmica do mercado, permitindo que
façamos inferências sobre o movimento futuro dos preços e como o mercado reagirá às
informações disponíveis aos investidores. Nesse contexto, os preços e quantidades – tanto das
operações realizadas como das ofertas presentes no livro – consubstanciam matéria-prima para
a tomada de decisão pelos investidores.
3. A oferta legítima e o blefe
3.1. A informação sobre as ofertas e sua influência nas decisões dos demais investidores
A competição entre os investidores é um aspecto relevante do mercado que se destaca
na descrição fornecida na seção anterior.
Se você deseja comprar determinado ativo, pode simplesmente indicar a quantidade ou
volume financeiro para um operador de sua corretora, sem se preocupar com a dinâmica do
livro de ofertas. Nessa hipótese, você espera que o operador irá cumprir o dever fiduciário de
atender ao melhor interesse do cliente e irá executar a oferta nas melhores condições que o
mercado permitir. Ou seja, admitindo quantidades iguais da sua ordem e da melhor oferta na
ponta oposta do livro, se você emitiu uma ordem a mercado de compra e a melhor oferta de
venda é de R$ 10,02, então o operador deve agredir esta oferta.
Contudo, a depender das condições do livro de ofertas, um operador mal intencionado
pode comprar a R$ 10,02 e vender a você, digamos por R$ 10,03 ou outro valor maior,
9
embolsando a diferença. O operador poderia fazer isso em benefício próprio ou da corretora,
no entanto, essa prática, conhecida como front-running, é absolutamente vedada11
.
Uma hipótese mais comum é a de um investidor que acessa o sistema de negociação de
sua corretora (home broker), o qual disponibiliza uma visão do livro de ofertas. Assim, o
investidor pode decidir se deseja registrar uma oferta a mercado ou, se tiver mais paciência,
uma oferta de compra a preço menor que o bid ou oferta de venda a preço maior que o ask, com
a respectiva quantidade pretendida.
O acesso direito ao mercado (Direct Market Access – DMA) é uma opção cada vez mais
frequente para negociação no ambiente da B3, havendo, inclusive, a possibilidade de instalação
de equipamentos no próprio espaço da B3, conectado a seus sistemas pela oferta de um serviço
denominado co-location12
. Esta opção é bastante interessante para negociação por meio de
algoritmos que tomam decisões e enviam mensagens rapidamente (high frequency traders –
HFT)13
, pela menor distância do sistema da B3 e, com isso, menor latência na comunicação.
Tanto seres humanos como algoritmos tomam como insumo as informações do livro de
ofertas e dos negócios realizados como ponto de partida para a inserção, modificação ou
exclusão de ofertas, podendo ou não utilizar outras informações disponíveis. De acordo com a
evolução das informações sobre preços e quantidades presentes no livro, os investidores podem
fazer inferências sobre o futuro movimento dos preços no curtíssimo prazo.
Por exemplo, momentum traders são investidores que utilizam como estratégia de
atuação a exploração de movimentos relevantes dos preços14
. Se há aumento expressivo de
quantidades e rápido fechamento de negócios a preços crescentes ou decrescentes, detecta-se
um movimento que tenderá a ser prolongar por algum tempo, por inércia, até que investidores
na ponta oposta comecem a inserir ofertas e o preço retorne aos patamares anteriores (ou mesmo
os ultrapassem). Os preços se movimentam, assim, segundo uma trajetória criada pela resultante
das forças de oferta e demanda.
11
A conduta é considerada prática não equitativa, proibida pela Instrução CVM nº 08/1979. Cf. EIZIRIK,
Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais:
Regime Jurídico. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 706: "Constituem típicas práticas não equitativas de
“embonecamento” as operações de front running, mediante as quais os operadores do mercado, ao receberem
ordens de com pra de valores mobiliários de ponderável volume, compram antes, ‘na frente’, para si próprios ou
para “laranjas” e depois vendem para os clientes que lhes haviam passado tais ordens”.
12
B3. Co-location. Disponível em http://www.b3.com.br/pt_br/solucoes/hosting-colocation/data-center/data-
center/co-location-em-spa.htm. Acesso em 03 out. 2020.
13
Para uma discussão sobre o tema, cf. COSTA, Isac. High Frequency Trading (HFT) em Câmera Lenta:
Compreender para Regular. São Paulo: Almedina, 2020 (no prelo).
14
HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University
Press, 2003, p. 79.
10
Arbitradores (arbitrageurs) procuram explorar ineficiências na formação de preços de
ativos correlacionados15
. Desse modo, também utilizam dados de negociação de curtíssimo
prazo para tomar suas decisões. Sua atuação auxilia na convergência de preços do mesmo ativo
negociado em ambientes distintos, na eliminação de distorções de preços e no provimento de
liquidez.
Formadores de mercado (market makers) atuam contratualmente16
ou voluntariamente
no provimento de liquidez para os investidores17
. Ao longo de uma sessão contínua de
negociação, podem inserir ofertas em ambas as pontas do livro, procurando fazer com que o
spread as quantidades nos melhores níveis de preço variem em torno de parâmetros pré-
estabelecido. Sua remuneração pode ser exclusivamente da captura de movimentos no curto
prazo ou, então, pode incorporar um valor estipulado pela parte que tem interesse no provimento
de liquidez para aquele ativo.
Por seu turno, investidores informados (informed traders)18
confrontam os dados de
negociação com suas próprias avaliações das informações disponíveis, decidindo se irão
comprar, vender ou manter posição em determinado ativo.
Adicionalmente, as mesas de operação se valem das informações presentes no livro para
gerenciar a execução de ofertas de seus clientes. Como mencionamos anteriormente, uma oferta
de grande quantidade pode levar os investidores a inferir que haverá um iminente movimento
abruto nos preços, o que pode levá-los a concretizar ou intensificar esse movimento. Se isto
ocorrer, o custo médio da operação para o investidor que deseja negociar a quantidade
expressiva será maior, pois será necessário executar ofertas em diversos níveis de preço.
O evento de queda abrupta dos preços que atingiu mercados de quase todo o mundo em
06.05.2010 – o flash crash – foi causado exatamente pela execução rápida de uma quantidade
muito superior à que estava presente no livro em um dado instante para minicontratos futuros
de S&P500 e a interdependência entre as bolsas e o protagonismo dos algoritmos amplificaram
o movimento no tempo e no espaço19
.
15
UNITED STATES SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Concept Release on Equity Market
Structure. File No.: S7-02-10. Release 34-61358. Washington, Jan 14th
2010. Disponível em:
https://www.sec.gov/rules/concept/2010/34-61358.pdf. Acesso em: 03 out. 2020.
16
Os formadores de mercado contratados são regulados pela Instrução CVM nº 384/2003, que autoriza às
entidades administradoras de mercados organizados a expedição de regulamentos sobre sua forma de atuação. A
matéria foi regulada também pela B3 por meio do Ofício Circular nº 004/2012-DIN.
17
ALDRIDGE, Irene. High Frequency Trading: a Practical Guide to Algorithmic Strategies and Trading
Systems. 2. ed. New Jersey: Wiley, 2013, p. 166.
18
HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University
Press, 2003, p. 222.
19
UNITED STATES COMMODITY FUTURES TRADING COMMISSION – CFTC. CFTC Charges U.K.
Resident Navinder Singh Sarao and His Company Nav Sarao Futures Limited PLC with Price Manipulation and
11
O serviço de execução de ofertas é um diferencial significativo que é oferecido por
corretoras, podendo representar uma fonte substancial de sua receita20
. A execução pode ser
implementada por meio de algoritmos, que levam em conta as quantidades e preços presentes
no livro, a dinâmica do spread, a tendência intradiária de movimentação dos preços, os volumes
dos negócios já realizados parcialmente, para inserir ofertas ao longo do tempo e minimizar o
custo médio da operação.
Nesse contexto, podemos afirmar que a colocação de uma oferta de quantidade
expressiva no livro de ofertas não é, por si só, nociva ao mercado, mas, em princípio, é
desaconselhável por revelar a “pressa” daquele investidor em negociar naquele sentido e pela
existência de alternativas mais eficientes de gestão da execução. Nada impede, porém, que
alguém coloque uma oferta de quantidade expressiva – ou um conjunto de ofertas em níveis de
preço próximos que, em conjunto, seja de quantidade expressiva – para executar uma estratégia
legítima ou, então, em virtude de um erro operacional (manual ou de um algoritmo)21
.
A essa altura, você pode estar se perguntando o que seria uma oferta de quantidade
expressiva. Endereçaremos este aspecto na próxima seção, mas a noção básica é a de que seja
uma quantidade que não possa ser atendida pelo que se tem no livro de ofertas sem causar um
movimento atípico nos preços no curtíssimo prazo.
3.2. O blefe no livro de ofertas e suas consequências
Até aqui assumimos implicitamente que os investidores consideram as informações do
livro de ofertas de forma passiva, pois, embora sua atuação influencie a dinâmica do livro, há
uma espécie de concorrência perfeita e ninguém, isoladamente, pode determinar o movimento
dos preços no curtíssimo prazo. Todavia, essa premissa que não se verifica na prática, mesmo
em ativos muito líquidos.
Diante da presença de uma oferta de quantidade expressiva, os demais investidores que
desejam negociar um ativo no curtíssimo prazo têm que decidir se irão aguardar ou melhorar
os seus preços, inserindo ofertas de compra a preços maiores ou ofertas de venda a preços
menores (ou alterando ofertas colocadas previamente). Para decidir, devem levar em conta se a
Spoofing. Press Release pr7156-15. Washington, Apr. 21st
2015. Disponível em
https://cftc.gov/PressRoom/PressReleases/7156-15. Acesso em 03 out. 2020.
20
A eficiência na execução de ofertas de grandes lotes, normalmente associadas a investidores institucionais é
medida por parâmetros de referência (benchmarks), dentre os quais o mais comum é o VWAP (volume-weighted
average price). Cf. HASBRUCK, Joel. Empirical Market Microstructure. The institutions, economics, and
econometrics of securities trading. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 148-149.
21
KORSMO, Charles R. High-Frequency Trading: a Regulatory Strategy. University of Richmond Law Review,
v. 48, n. 2, 2014, p. 527. Disponível em https://ssrn.com/abstract=2395915. Acesso em 03 out. 2020.
12
oferta expressiva é legítima ou se é um blefe, mas não têm como saber, de antemão, qual a real
intenção do ofertante. Ainda, no livro de ofertas não são apresentadas informações sobre o
beneficiário final de cada oferta, mas apenas da corretora por meio da qual se opera.
Esses obstáculos não podem nos levar a concluir que é impossível blefar no livro de
ofertas. O rápido cancelamento da oferta expressiva após um deslocamento dos preços no
sentido oposto pode ser um sinal de que se tratava de um blefe. Em outros termos, se uma oferta
de venda de grande quantidade é colocada no livro e os preços começam a cair e, pouco depois,
abruptamente, a oferta é cancelada e os preços voltam a subir, é possível que a oferta que havia
sido colocada anteriormente não tenha sido inserida com a intenção de ter sido executada.
Surge, assim, um segundo parâmetro quantitativo além da quantidade da oferta
expressiva: o tempo de permanência no livro da oferta.
Ainda, em se tratando de um jogo sequencial22
, os investidores podem suspeitar que
alguém que opera por meio de determinada corretora está disposto a blefar sucessivas vezes. A
lógica é a mesma utilizada em partidas de pôquer nas quais se associa a um jogador a
probabilidade de que esteja blefando a partir da quantidade de blefes em rodadas prévias.
Portanto, surge um terceiro parâmetro quantitativo: a recorrência do blefe. Uma vez que
seja determinado que ofertas a partir de certa quantidade são expressivas e, uma vez canceladas
antes de certo tempo mínimo, a recorrência deste padrão de atuação leva à conclusão de que é
elevada a probabilidade de que se trata de um blefe.
Mas o que ganha o blefador ao induzir um movimento de preços? Um indício adicional
para a caracterização do blefe é a presença de uma oferta-alvo, pertencente ao blefador, na ponta
oposta do livro. Desse modo, a oferta expressiva que não se desejava executar tem como
propósito elevar ou reduzir os preços para que a oferta-alvo seja executada. Se o cancelamento
da oferta expressiva ocorrer imediatamente tal execução, então o padrão de atuação se aproxima
ainda mais de um blefe.
No pôquer, o blefe é uma estratégia legítima, não havendo questionamentos acerca do
ganho auferido pelo vencedor às custas dos que optaram por não pagar para ver as cartas.
Contudo, não se pode dizer o mesmo do blefe no livro de ofertas.
22
“Há situações, contudo, em que os jogadores efetivamente tomam suas decisões conhecendo antecipadamente
as escolhas dos demais jogadores. Pense, por exemplo, em uma partida de xadrez. Ao chegar sua vez de jogar,
cada jogador conhece as decisões de seu adversário. Desse modo, ao tomarem suas decisões, os jogadores
possuem maior informação do que aquela que é suposta ao modelarmos uma situação de interação estratégica
como um jogo simultâneo. Isso, juntamente com o fato de que estamos considerando sempre que os jogadores
são racionais, não nos permite supor que os jogadores tomem suas decisões ignorando o que os demais jogadores
decidiram nas etapas anteriores do jogo, uma vez que seja possível ter o acesso a essa informação. Isso seria o
equivalente a imaginar um jogador de xadrez que toma suas decisões sem considerar os movimentos feitos pelo
seu adversário até ali”. Cf. FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, Cap. 6.
13
Se os investidores levam em conta as informações do livro de oferta – tais como
momentum traders, arbitradores, market makers, brokers gerenciando a execução de ofertas
para seus clientes e até mesmo investidores informados – então sua atuação legítima pode ser
prejudicada pela presença de blefes, de sorte que determinado investidor (o blefador) pode se
apropriar de parte do preço e elevar o custo das operações dos demais investidores,
comprometendo os objetivos de sua atuação, que são benéficos para o mercado. De acordo com
Larry Harris, trata-se de uma espécie de manipulação de mercado23
:
Market manipulation occurs when bluffers or their victims cause prices to
change from what they would be if the bluffers did not pursue their bluffing
strategies. [...] If the bluffers do not openly fabricate information or arrange
wash trades with conspirators, they often can easily defend themselves by
claiming that they were engaged in legitimate trading strategies.
Bluffers profit by encouraging traders to sell when the bluffers want to buy
and to buy when the bluffers want to sell. They do this by producing or
distributing information that their victims use to form opinions about future
prices.
Como veremos a seguir, o blefe no livro de ofertas é proibido em diversos países, com
fundamento na alteração do regular processo de formação de preços. Entende-se que não é
permitida a utilização de ofertas expressivas para alterar (ou tentar alterar) a dinâmica da
formação de preços.
Ainda, como o Colegiado da CVM explicitou nos precedentes de relatoria do Diretor
Gustavo Gonzalez, discutidos na seção 4, a informação é o principal bem jurídico tutelado pela
regulação do mercado, a qual busca mitigar assimetrias de informação. As informações do livro
de ofertas são matéria-prima para decisões de investimento e, por isso, o processo de formação
de preços não deve sofrer interferências indevidas que gerem sinais equivocados aos agentes
econômicos.
3.3. Definição de layering e spoofing
Em nossa exposição até aqui, evitamos deliberadamente a utilização dos termos layering
e spoofing, para que não nos detenhamos em uma preocupação terminológica, mas sim na
essência da estratégia considerada prejudicial ao mercado. Se a rosa tem o mesmo perfume a
despeito do nome que lhe é dado, então é possível verificar se certa conduta se enquadra na
descrição abstrata contida na norma proibitiva, a despeito da nomenclatura adotada.
23
HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University
Press, 2003, p. 265.
14
As definições apresentadas a seguir são de elaboração do próprio autor, sintetizando as
definições encontradas nos atos normativos e documentos discutidos na presente seção.
Spoofing é a conduta por meio da qual se insere uma oferta de quantidade expressiva
com o intuito de induzir os agentes de mercado a melhorarem os preços de suas ofertas e, com
isso, movimentar os preços até que uma ou mais ofertas-alvo sejam atingidas e, então, ocorra o
cancelamento da oferta de quantidade expressiva.
Layering é uma conduta congênere, cuja única diferença reside no fato de que a
quantidade expressiva decorre de múltiplas ofertas do mesmo investidor em diferentes níveis
de preço, todos próximos ou iguais aos melhores níveis de preço de compra (bid) ou de venda
(ask).
Em ambos os casos, quanto mais distante a oferta-alvo se encontra dos melhores níveis
de preço, mas intenso deve ser o movimento induzido para que venha a ser executada.
A IOSCO24
define spoofing como uma prática abusiva por meio da qual são utilizadas
ofertas limitadas para manipular preços e layering como uma estratégia de colocação de
múltiplas ofertas em diferentes quantidades e níveis de preços, gerando um volume relevante
de ofertas e altas taxas de cancelamento. Tais ordens têm uma duração muito curta e são
canceladas em um segundo ou menos.
Na União Europeia, a ESMA definiu a prática em comento como modalidade de abuso
de mercado (market abuse) na Diretiva 2003/6/CE 25
, enfatizando a presença de uma oferta-
alvo na ponta oposta do livro e a elevada taxa de cancelamento como elementos relevantes para
a verificação da prática no caso concreto.
24
“Spoofing: is an abusive practice where the use of displayed limit orders are used to manipulate prices;
layering: with this strategy a layers the book with multiple bids and offers at different prices and sizes,
generating an enormous volume of orders and high cancellation rates of 90% of more. The orders also may have
an extremely short duration before they are cancelled if not executed, often of a second or less”. Cf.
INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS - IOSCO. Regulatory Issues Raised
by the Impact of Technological Changes on Market Integrity and Efficiency. Final Release. Madrid, 10/2011, p.
30, nota 49. Disponível em: https://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD361.pdf. Acesso em 03 out.
2020.
25
“e. Submitting multiple or large orders to trade often away from the touch on one side of the order book in
order to execute a trade on the other side of the order book. Once the trade has taken place, the orders with no
intention to be executed will be removed – usually known as layering and spoofing. This practice may also be
illustrated the following additional indicator of market manipulation:
i. The indicator described in paragraph 9(f)(i). [9 (f) (i). High ratio of cancelled orders (e.g. order to trade ratio)
which may be combined with a ratio on volume (e.g. number of financial instruments per 20 order).]”.
EUROPEAN SECURITIES AND MARKETS AUTHORITY. ESMA’s technical advice on possible delegated
acts concerning the Market Abuse Regulation. Final Report. Paris, Feb, 3 2015, p. 20-21. Disponível em:
https://www.esma.europa.eu/document/esma%E2%80%99s-technical-advice-possible-delegated-acts-
concerning-market-abuse-regulation. Acesso em 03 out. 2020.
15
Nos Estados Unidos, a SEC enfatiza o caráter efêmero das ofertas em ambas as
práticas26
, proibindo-as de acordo com o disposto na § 9(a)(2) 27
, § 10(b)28
do Securities and
Exchange Act de 1934 e na Rule 10b-529
.
Também nos Estados Unidos, a CFTC, regulador do mercado de commodities e
derivativos, utiliza apenas o termo spoofing para abranger as condutas aqui discutidas como a
apregoação realizada com a intenção de cancelar a oferta antes de sua execução, criando falsa
liquidez30
. A proibição se encontra na § 6c (a) (5) do Commodity Exchange Act de 1936,
introduzida pelo Dodd-Frank Act em 201031
.
A FINRA, entidade autorreguladora dos intermediários norte-americanos proíbe a
conduta de apregoação e negociação disrputiva na Rule 521032
.
26
“If the proprietary firm is layering the book with multiple bids and offers at different prices and sizes, this
strategy can generate an enormous volume of orders and high cancellation rates of 90% of more. The orders also
may have an extremely short duration before they are cancelled if not executed, often of a second or less”.
(United States Securities and Exchange Commission. Concept Release on Equity Market Structure. Release No.
34-61358; File No. S7-02-10. Washington, 2010, p. 49. Disponível em
https://www.sec.gov/rules/concept/2010/34-61358.pdf. Acesso em 03 out. 2020.
27
“9 (a) It shall be unlawful for any person, directly or indirectly, by the use of the mails or any means or
instrumentality of interstate commerce, or of any facility of any national securities exchange, or for any member
of a national securities exchange – (2) To effect, alone or with 1 or more other persons, a series of transactions in
any security other than a government security, any security not so registered, or in connection with any security-
based swap or security-based swap agreement with respect to such security creating actual or apparent active
trading in such security, or raising or depressing the price of such security, for the purpose of inducing the
purchase or sale of such security by others. [15 U.S.C § 78i(a)(2)]”
28
“10 It shall be unlawful for any person, directly or indirectly, by the use of any means or instrumentality of
interstate commerce or of the mails, or of any facility of any national securities exchange (b) To use or employ,
in connection with the purchase or sale of any security registered on a national securities exchange or any
security not so registered, or any securities-based swap agreement any manipulative or deceptive device or
contrivance in contravention of such rules and regulations as the Commission may prescribe as necessary or
appropriate in the public interest or for the protection of investors. [15 U.S.C § 78j(b)]”
29
“10b-5 Employment of manipulative and deceptive devices. It shall be unlawful for any person, directly or
indirectly, by the use of any means or instrumentality of interstate commerce, or of the mails or of any facility of
any national securities exchange, (a) To employ any device, scheme, or artifice to defraud, (b) To make any
untrue statement of a material fact or to omit to state a material fact necessary in order to make the statements
made, in the light of the circumstances under which they were made, not misleading, or (c) To engage in any act,
practice, or course of business which operates or would operate as a fraud or deceit upon any person, in
connection with the purchase or sale of any security. [17 C.F.R. §240.10b-5]”
30
UNITED STATES COMMODITY FUTURES TRADING COMMISSION. Interpretive Guidance and Policy
Statement on Disruptive Practices. Washington, May 16th
2013. Disponível em
https://www.cftc.gov/PressRoom/Events/opaevent_cftcstaff051613. Acesso em 02 out. 2020.
31
“§6c. Prohibited transactions (a) In general […] (5) Disruptive practices It shall be unlawful for any person to
engage in any trading, practice, or conduct on or subject to the rules of a registered entity that— (A) violates bids
or offers; (B) demonstrates intentional or reckless disregard for the orderly execution of transactions during the
closing period; or (C) is, is of the character of, or is commonly known to the trade as, ‘spoofing’ (bidding or
offering with the intent to cancel the bid or offer before execution).”
32
“(b) Disruptive quoting and trading activity shall include a frequent pattern in which the following facts are
present: (1) Disruptive Quoting and Trading Activity Type 1: (A) a party enters multiple limit orders on one side
of the market at various price levels (the "Displayed Orders"); and (B) following the entry of the Displayed
Orders, the level of supply and demand for the security changes; and (C) the party enters one or more orders on
the opposite side of the market of the Displayed Orders (the "Contra-Side Orders") that are subsequently
executed; and (D) following the execution of the Contra-Side Orders, the party cancels the Displayed Orders. (2)
Disruptive Quoting and Trading Activity Type 2: (A) a party narrows the spread for a security by placing an
16
No Brasil, BSM33
define spoofing e layering como práticas abusivas de criação de
liquidez artificial com o intuito de influenciar investidores a gerar negócios do lado oposto do
livro e, após a realização de negócios bem sucedidos pelo manipulador, a liquidez artificial é
cancelada. A distinção entre as práticas, segundo a BSM, reside no fato de que, no caso de
spoofing, a liquidez artificial é criada com ofertas de tamanho fora do padrão do livro e, no caso
de layering, via ofertas em níveis sucessivos de preços, criando uma camada de ofertas artificias
que representa uma barreira a ser superada.
Vejamos, a seguir, como layering e spoofing são consideradas pela CVM como
variantes de manipulação de mercado, conduta definida no inciso II da Instrução CVM nº
08/1979 e proibida pelo inciso I da mesma Instrução, consistindo na “utilização de qualquer
processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de
um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda”.
4. Layering e spoofing como manipulação de mercado
4.1. Os precedentes da CVM
A tabela a seguir lista os precedentes julgados pela CVM até setembro de 2020 sobre o
tema, indicando o Diretor Relator e a penalidade imposta em cada caso, bem como uma
designação a ser utilizada para referenciar os casos no restante do texto.
Caso Processo Relator Penalidade
Spoofing A 19957.005977/2016-18
j. em 13.03.2018
Dir. Henrique
Machado
R$684.000,00 e R$1.710.000,00
(2x vantagem econômica obtida)
Layering A 19957.006019/2018-26
j. em 01.10.2019
Pres. Marcelo Barbosa R$2.233.623,47 (1,5x vantagem
econômica obtida)
Layering B 19957.000592/2019-15
j. em 02.06.2020
Dir. Gustavo Gonzalez R$450.000,00 (valor arbitrado)
Layering C 19957.005452/2016-82
j. em 02.06.2020
Dir. Gustavo Gonzalez R$246.615,60 (1,5x vantagem
econômica obtida)
Layering D 19957.007543/2019-03
j. em 02.06.2020
Dir. Gustavo Gonzalez R$450.000,00 (valor arbitrado)
Layering E 19957.007809/2018-29
j. em 02.06.2020
Dir. Gustavo Gonzalez R$450.000,00 (valor arbitrado)
order inside the national best bid and national best offer ("NBBO"); and 23. (B) the party then executes an order
on the opposite side of the market that executes against another market participant that joined the new inside
market established by the order described in subparagraph (A)”. FINRA. Rule 5210. Publication of Transactions
and Quotations. Disponível em: https://www.finra.org/rules-guidance/rulebooks/finra-rules/5210. Acesso em 03
out. 2020.
33
BSM SUPERVISÃO DE MERCADO – BSM. Painel: Monitoração de ofertas – Spoofing e Layering
Workshop sobre Monitoração de Práticas Abusivas de Ofertas, de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e de
Controles Internos de Suitability. São Paulo, 23 nov. 2016. Disponível em
https://www.bsmsupervisao.com.br/assets/file/noticias/Monitoraca_Ofertas.pdf. Acesso em 03 out. 2020.
17
Spoofing B 19957.009864/2019-34
j. em 04.08.2020
Dir. Gustavo Gonzalez R$403.352,61 (1,5x vantagem
econômica obtida)
Tabela 3. Precedentes da CVM sobre layering e spoofing até setembro de 2020.
Merece destaque o fato de que, nos precedentes de Layering B, D e E, o valor da multa
foi arbitrado e não tomou como base a vantagem econômica obtida, porque, como apontou o
Diretor Relator Gustavo Gonzalez, acompanhado pelos demais membros do Colegiado da
CVM, havia falsos positivos na seleção de dados apresentada pela acusação, o que inviabilizaria
um cálculo preciso do benefício auferido. Assim, a penalidade fixada tomou como referência
os casos de manipulação nos quais não se pôde mensurar objetivamente a vantagem econômica
obtida34
. Tornaremos a esse ponto quando discutirmos os filtros de detecção na próxima seção.
Nas seções que seguem, são apresentados os argumentos de acusação e defesa, de forma
consolidada, permitindo uma visão geral de quais são os fatores relevantes para a formação da
convicção dos julgadores da CVM. Embora a sistematização tome como base as semelhanças
nos casos em questão, as peculiaridades de cada caso são ressaltadas no contexto de argumentos
específicos de defesa.
Tanto para layering como para spoofing, a prática manipuladora é descrita nos
precedentes como um ciclo composto pelas seguintes etapas:
a) Criação de falsa liquidez, com colocação de uma ou mais ofertas com quantidade
expressiva;
b) Inserção de oferta-alvo na ponta oposta do livro pouco antes ou pouco depois da
inserção de oferta aparente;
c) Execução da oferta-alvo após movimento dos preços; e
d) Cancelamento da(s) oferta(s) artificial(is).
4.2. Os filtros de detecção
Vimos anteriormente que a caracterização de um blefe depende de algumas definições,
tais como o que faz com que uma quantidade seja expressiva em relação às demais ofertas, seu
tempo de permanência no livro e qual o grau de recorrência da prática, a fim de concluir, com
elevado grau de probabilidade, que determinado investidor deseja manipular o mercado.
Nos precedentes analisados, os dados de negociação foram processados pela BSM, que
aplicou filtros de detecção acordados com a área técnica da CVM.
34
PAS CVM no SP2001/0236, Rel. Dir. Eli Loria, j. em 19.07.2004; PAS CVM no SP2003/0445, Rel. Dir.
Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 21.03.2005; PAS CVM no 12/2004, Rel. Dir. Alesandro Broedel Lopes,
j. em 11.05.2010. PAS CVM no SP2010/178, Rel. Dir. Roberto Tadeu Antunes Fernandes, j. em 25.03.2014;
PAS CVM no 02/2014, Rel. Dir. Carlos Alberto Rebello Sobrinho, j. em 17.12.2019.
18
Em todos os precedentes de Layering, os parâmetros de detecção utilizados foram: (1)
inserção de, no mínimo, 4 (quatro) ofertas artificiais no intervalo de 10 (dez) minutos; (2)
colocação de oferta no lado oposto do livro; (3) execução do negócio pretendido; e (4)
cancelamento de todas as ofertas artificiais após a etapa anterior. Nota-se que o tempo de
permanência das ofertas no livro não foi levado em consideração.
Nos precedentes de Spoofing, houve mudanças nos parâmetros utilizados, conforme
apontado na tabela a seguir.
Parâmetro Spoofing A35
Spoofing B36
Tamanho da oferta em
relação às quantidades
ofertadas do ativo
Ofertas seis vezes maiores que
o tamanho médio praticado
pelo mercado nos três pregões
que antecederam o negócio.
Quantidade maior do que a
média das ordens inseridas no
pregão anterior do ativo mais 3
desvios-padrões.
Tamanho da oferta em
relação às demais ofertas
presentes no livro
Ofertas de tamanho pelo menos
1,8 vezes maior que a soma de
todas as outras ofertas
constantes no mesmo lado do
livro do ativo, até o terceiro
nível de preço.
Oferta deve representar pelo
menos 30% do total das ofertas
até o nível de preço que ela está
inserida.
Nível de preço das ofertas do
manipulador
Oferta no lado oposto do livro
até o quinto nível de preço no
instante da execução do
negócio em nome do cliente.
Ofertas inseridas até o quinto
melhor nível de preço.
Tempo de permanência no
livro
Menos de dez segundos.
Menor do que a média de
intervalo entre cada negócio do
ativo no pregão anterior.
Quantidade cancelada da
oferta artificial
N/A
100% da oferta é cancelada ou
alterada para um nível de preço
pior.
Tabela 4. Parâmetros de detecção de spoofing.
35
“(i) oferta no lado oposto do livro até o quinto nível de preço no momento em que foi executado o negócio em
nome do cliente; (ii) ofertas de tamanho pelo menos 1,8 vezes maior que a soma de todas as outras ofertas
constantes no mesmo lado do livro do ativo, até o terceiro nível de preço; (iii) ofertas seis vezes maiores que o
tamanho médio praticado pelo mercado nos três pregões que antecederam o negócio e; (iv) que tenham
permanecido menos de dez segundos no livro do ativo”. Cf. PAS CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir.
Henrique Moreira, j. em 13.03.2018.
36
“a) Tamanho da oferta: quantidade maior do que a média das ordens inseridas no pregão anterior do ativo mais
3 desvios-padrões; b) Nível de preço: ofertas inseridas até o 5º (quinto) melhor nível de preço; c) Participação da
oferta artificial no mercado: para ser considerada artificial, a oferta representar, no mínimo, 30% do total das
ofertas até o nível de preço que ela está inserida; d) Cancelamento: 100% da oferta é cancelada ou alterada para
um nível de preço pior; e e) Tempo de permanência após a execução do negócio: menor do que a média de
intervalo entre cada negócio do ativo no pregão anterior”. Cf. PAS CVM nº 19957.009864/2019-34, Rel. Dir.
Gustavo Gonzalez, j. 04.08.2020.
19
Nota-se uma modificação dos parâmetros no precedente de Spoofing B, de modo a
especificar qual o limite a partir do qual uma quantidade é considerada expressiva, qual a
amplitude dos níveis de preço que permitem concluir que pode haver manipulação, qual a
relevância da oferta tida como artificial em relação às demais ofertas no livro e aspectos do
cancelamento – a oferta deve ser integralmente cancelada o alterada para um nível de preço
pior e sua permanência no livro deve ser considerada atípica com relação a um parâmetro
objetivo: a média de tempo entre negócios daquele mesmo ativo no pregão anterior.
A área técnica da CVM enumera todas as atuações do acusado filtradas com base nos
parâmetros de detecção, denominando-as de “estratégias” e especificando informações sobre:
(a) livro de ofertas antes da atuação do manipulador; (b) ofertas inseridas pelo manipulador,
seu horário de inserção e cancelamento, preço e quantidade; (c) negócios realizados pelo
manipulador, com horário, preço e quantidade. Tais informações são reproduzidas no Voto para
estratégias selecionadas, de modo a ilustrar a dinâmica de um ciclo de manipulação mediante
layering ou spoofing. Veja na tabela a seguir, por exemplo, um conjunto de informações sobre
as estratégias apontadas como manipuladoras, extraídas do precedente de Spoofing B.
Pelas informações da Tabela, vemos que o acusado R. D. inseriu uma oferta de compra
de 25.000 ações a R$4,90 às 14:19:52.424. Menos de quatro segundos depois, inseriu uma
oferta de venda de 500.000 ações a R$4,91às 14:19:56.260, uma quantidade muito superior à
das demais ofertas presentes no livro. Ao que tudo indica, um investidor inseriu uma oferta de
venda de 50.600 ações a R$4,90 às 14:19:56.467, cerca de 200ms após a oferta expressiva de
R. D. e, com isso, agrediu as ofertas na ponta oposta do livro, dentre as quais se encontrava a
oferta-alvo inicial do acusado. Como narrado no Voto do processo indicado, a oferta expressiva
foi cancelada cerca de dois segundos após a execução da oferta-alvo.
Ofertas de Compra Ofertas de Venda
Hora de
registro
Investidor Corretora Qtd Preço
(R$)
Preço
(R$)
Qtd Corretora Investidor Hora de
registro
14:19:21.774 40 12.100 4,90 4,90 50.600 8 14:19:56.467
14:19:44.172 122 200 4,90 4,91 100 3 14:19:44.931
14:16:32.263 59 800 4,90 4,91 4.500 85 14:19:47.346
14:14:38.250 59 300 4,90 4,91 100 120 14:19:47.349
14:19:47.506 3 1.500 4,90 4,91 4.000 40 14:19:47.351
14:19:48.302 3 2.000 4,90 4,91 1.000 3 14:19:47.431
14:19:04.455 72 100 4,90 4,91 5.000 8 14:19:47.743
14:19:52.424 R. D. 37 25.000 4,90 4,91 100 735 14:19:50.324
14:19:33.822 147 1.200 4,90 4,91 50.000 735 14:19:53.450
14:19:16.710 40 300 4,90 4,91 400 8 14:19:54.467
14:19:16.712 40 300 4,90 4,91 1.000 3 14:19:55.698
4:19:33.816 8 300 4,89 4,91 1.000 3 14:19:55.970
14:19:33.823 8 400 4,89 4,91 500.000 37 R. D. 14:19:56.260
Tabela 5. Estratégia de spoofing descrita no PAS nº19957.009864/2019-34
20
Da análise dos precedentes, entretanto, verifica-se que não foram fornecidas
informações integrais sobre a composição do livro de ofertas durante o ciclo apontado como
manipulador nem sobre os negócios realizados entre investidores que não envolveram o
acusado de manipulação.
Um dado adicional importante nesta discussão é que nos casos de spoofing e layering
conduzidos pela CFTC e pela SEC os parâmetros de detecção não são divulgados nos
documentos disponibilizados ao público nas divulgações existentes em seus websites.
Nos precedentes de Layering B, D e E, o Diretor Gustavo Gonzalez reconheceu a
existência de ofertas consideradas como artificiais pela acusação e que permaneceram no livro
por vários minutos. Por essa razão, houve dúvida se teriam sido inseridas sem a intenção de que
fossem executadas e se seriam aptas a alterar as cotações dos ativos negociados. A ausência de
um parâmetro de tempo de permanência da oferta na detecção de layering foi considerada
inconsistente com a metodologia adotada para a detecção de spoofing, que leva em conta o
tempo de cancelamento da oferta tida como artificial após a execução da oferta-alvo.
Por essa razão, o não preenchimento dos filtros de detecção para alguns casos teria
inserido “falsos positivos” na amostra, impossibilitando o cálculo preciso da vantagem
econômica obtida. Em vez de determinar a segregação dessas operações – possivelmente
porque não seria possível estabelecer um parâmetro a posteriori37
– o Diretor Gustavo Gonzalez
concluiu que houve manipulação de mercado e propôs o arbitramento de multa, o que foi
acolhido pelos demais membros do Colegiado.
4.3. Prova indiciária e subsunção da conduta ao tipo administrativo de manipulação de
mercado
A premissa básica das acusações de layering e spoofing é a de que as ofertas
caracterizadas como artificiais de acordo com os parâmetros de detecção foram determinantes
para atrair contrapartes de modo a mover os preços a ponto de permitir a execução da(s)
oferta(s)-alvo do manipulador na ponta oposta do livro, dada a reação imediata dos demais
participantes de negociação ao sinal de pressão compradora ou vendedora. Essa reação é
expressa pela inserção ou alteração de ofertas em níveis de preço melhores que os da(s) oferta(s)
artificial(is).
37
“Não considero adequada a fixação de um limite objetivo e estanque para este intervalo de tempo, o que não
só levaria a um critério que, invariavelmente, acabaria por ser mais abrangente ou mais restritivo do que o que o
tipo da Instrução CVM nº 08/1979 quis abarcar, como, também, poderia permitiria aos destinatários da norma
burlá-la a partir de pequenas variações a partir desse limite”. Cf. PAS CVM nº 19957.000592/2019-15, Rel. Dir.
Gustavo Gonzalez, j. e 02 jun. 2020.
21
Se, por exemplo, o spread está entre R$10,00 (bid) e R$10,10 (ask) e um manipulador
insere uma oferta expressiva de compra a R$10,03 e uma oferta alvo a R$ 10,08, presume-se
que outros compradores podem surgir e elevar os preços para, por exemplo, R$ 10,08, de modo
que a oferta-alvo seja agredida. O manipulador não tem a intenção de executar a oferta
expressiva, tida como artificial, mas sim a oferta-alvo.
Em todos os precedentes analisados, não é levada em consideração qual a vantagem
obtida diretamente pelo manipulador com a execução da oferta-alvo. O benefício econômico é
calculado pelo produto entre quantidade executada e a diferença entre o melhor preço antes da
manipulação e o preço da oferta-alvo. No exemplo em questão, o melhor preço de compra (bid)
antes da inserção de oferta expressiva era de R$ 10,00. Como a oferta-alvo foi executada a R$
10,08, então, para 100 ações, o benefício auferido foi de 100 × (R$10,08 – R$10,00) = 100 ×
R$0,08 = R$8,00. Normalmente, o valor do benefício de cada estratégia é relativamente
reduzido em termos absolutos, mas, como se pode ver pelo montante das penalidades aplicadas,
a recorrência dos ciclos manipuladores fez com que o resultado agregado fosse expressivo.
Nos casos analisados, a subsunção das condutas de layering e spoofing ao tipo
administrativo de manipulação de mercado se deu nos seguintes termos, pela acusação:
a) Utilização de processo ou artifício: inserção de ofertas artificiais no livro de
ofertas, com o intuito de serem canceladas antes de sua execução;
b) Destinados a promover cotações enganosas, artificiais: as ofertas artificiais têm
a finalidade de sinalizar pressão compradora ou vendedora.
c) Induzindo terceiros a negociar valores mobiliários cujas cotações foram
artificialmente produzidas: as ofertas artificiais foram aptas a induzir terceiros a
melhorarem os preços de suas ofertas, resultando em uma alteração das cotações;
d) Presença do dolo, ainda que eventual, de alterar as cotações e induzir terceiros
a negociar com base nessas cotações falsas: as características das ofertas artificiais
a partir dos parâmetros de detecção demonstram a intenção do investidor de
manipular o mercado.
Como apontado pelo Diretor Gustavo Gonzalez nos precedentes de Layering B, C, D e
E e no precedente de Spoofing B:
A conclusão de que determinadas estratégias configuram manipulação de
preço decorre da combinação de diversos fatores: (i) a apregoação
contemporânea de ofertas em ambos os lados do livro; (ii) as características
das ofertas colocadas em cada um dos lados do livro; e (iii) o cancelamento
das ofertas colocadas em um dos lados do livro pouco após a realização de um
negócio na ponta oposta, especialmente (iv) quando observadas de modo
22
reiterado. É esse conjunto convergente de fatores que usualmente permite ao
julgador formar convicção de que a liquidez ofertada em um dos lados do livro
era artificial e buscava, somente, transmitir um sinal enganoso para que os
demais investidores atuassem no outro lado do livro, viabilizando o negócio
do manipulador.
Ainda, para o Diretor Gustavo Gonzalez, o fato de um ciclo de ofertas e negócios ter
sido capturado pelos filtros de detecção não significa, de imediato, que estamos diante de uma
manipulação de mercado, devendo ser provado que as ofertas apontadas como manipuladoras
foram inseridas sem a intenção de serem executadas.
Em outros termos, os filtros de detecção não correspondem a filtros de ilicitude. A ideia
é expressa nos seguintes trechos do Voto do Precedente de Layering B (grifamos)38
:
A ilicitude das práticas de layering e spoofing advém do fato de que o
investidor coloca oferta(s) em determinado lado do livro sem a intenção de
executá-la(s), com o propósito de alterar o processo de formação de preço e
viabilizar, assim, a execução de um negócio na ponta oposta. Vê-se, portanto,
que é a intenção do investidor que, em última instância, distingue a
manipulação de padrões legítimos de negociação. [...]
Os casos já julgados demonstram a importância dos filtros estatísticos para a
detecção dos ilícitos de mercado. É importante esclarecer que, embora as
ferramentas de supervisão sejam ajustadas com base em critérios objetivos,
não se pode definir os tipos administrativos da Instrução CVM nº 08/1979, em
especial a manipulação de preços, com base exclusivamente em parâmetros
dessa natureza. Ou seja, não se pode considerar os filtros de detecção como
“filtros de ilicitude”, pois essa decorre da subsunção da conduta ao tipo
normativo. Dessa observação resultam duas consequências.
A primeira é de que os parâmetros utilizados podem variar ao longo do tempo
e mesmo conforme as peculiaridades de cada caso. Deve-se, contudo, atentar
para que os parâmetros sejam determinados de forma cuidadosa, a fim de que
a amostra obtida seja consistente com o tipo administrativo cuja eventual
prática se está apurando.
A segunda é que a identificação de determinadas estratégias a partir dos filtros
estatísticos deve ser considerada uma prova indireta, de natureza indiciária,
que pode, portanto, ser contraditada por contra-indícios ou outras provas em
sentido contrário.
A demonstração do dolo, por conseguinte, exige provas adicionais.
O Diretor Gustavo Gonzalez afirma no precedente de Spoofing B que, dentre os indícios
que reforçam a natureza ilícita do ciclo capturado pelos filtros de detecção, pode-se ter: (a) o
tempo de permanência da oferta artificial no livro antes de seu cancelamento; (b) a ausência de
fundamentação econômica legítima para a inserção e cancelamento das ofertas apontadas como
artificiais; e (c) a recorrência do padrão de atuação.
38
PAS CVM nº 19957.000592/2019-15, Rel. Dir. Gustavo Gonzalez, j. em 02.06.2020.
23
Naquela ocasião, o Diretor Relator explicitou os seguintes fatores determinantes para a
formação de sua convicção nos casos por ele relatados da seguinte forma (grifamos):
De modo geral, o dolo do agente e o caráter artificioso das ofertas apregoadas,
elementos indispensáveis para a caracterização da manipulação de preços,
decorrem de um conjunto convergente de fatores: (i) a apregoação
contemporânea de ofertas em ambos os lados do livro; (ii) as características
das ofertas colocadas em cada um dos lados do livro; e (iii) o cancelamento
das ofertas colocadas em um dos lados do livro pouco após a realização de um
negócio na ponta oposta, especialmente (iv) quando observadas de modo
reiterado. [...]
A utilização de processo ou artifício previsto na norma restou caracterizada
pelas etapas de: (i) inserção de oferta com lote expressivo com a finalidade
exclusiva de promover a criação de uma camada artificial de ofertas no livro,
exercendo pressão artificial sobre o processo de formação de preços (artifício);
(ii) influência no preço do negócio realizado pelo mesmo comitente do lado
oposto do livro com terceiros; (iii) cancelamento imediatamente subsequente
ao negócio realizado no lado oposto das ofertas artificiais sem serem
executadas (evidência de dolo); e (iv) repetição sistemática do ciclo, de modo
a confirmar o dolo e afastar, no conjunto da obra, a relevância de eventual
influência externa.
Assim, o tempo de permanência no livro e a recorrência do padrão de atuação parecem
ter sido os critérios mais importantes para ensejar a condenação naquele caso e nos demais
casos de relatoria do Diretor Gustavo Gonzalez.
No precedente de Spoofing A, a recorrência dos ciclos manipuladores, em milhares de
estratégias, foi apontada pelo Diretor Henrique Machado como o fator determinante para a
verificação da materialidade da conduta39
. A mera presença de ofertas de um investidor em
ambos os lados do livro, o registro de ofertas expressivas e o cancelamento rápido de ofertas
não seriam, isoladamente, irregulares. Porém, a conjugação desses fatores de modo recorrente
demonstraria o propósito de manipular o mercado mediante um processo destinado a alterar a
cotação de valores mobiliários e induzir terceiros à sua compra e venda40
.
39
“Com efeito, os anexos do termo de acusação apresentam milhares de operações irregulares praticadas pelos
Acusados mediante estratégias claras de spoofing. São centenas de tabelas em que se pode verificar nitidamente
a estratégia negocial utilizada, marcada por uma oferta extraordinariamente elevada em um dos lados do livro e o
seu cancelamento rápido logo após a execução de outras ofertas do lado oposto do livro”. Cf. PAS CVM nº
19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Machado, j. em 13.03.2018.
40
“O processo destinado a alterar a cotação de preços e induzir terceiros a sua compra ou venda requer, de um
lado, a existência de uma oferta de magnitude suficiente a alterar a cotação de um ativo e, de outro, a existência
de uma outra oferta do mesmo participante que se beneficia da variação de preço. Ao mesmo tempo, o
curtíssimo intervalo de permanência da oferta expressiva, corroborado pelo alto índice de cancelamento dessa
mesma oferta e pelo padrão reiterado de operação, evidenciam a conduta preordenada do participante. Ou seja,
demonstra de forma objetiva que no início da estratégia de atuação já não havia a intenção de concretizar a oferta
expressiva mas, tão somente, induzir terceiros à adquirir seus ativos do outro lado do livro de ofertas”. Cf. PAS
CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Machado, j. em 13.03.2018.
24
Embora ausente em todos os precedentes analisados, um indício adicional apontado
como passível de corroborar o caráter artificial das ofertas seria a atipicidade das operações,
dos resultados e da taxa de cancelamento das ofertas, com relação ao histórico do próprio
investidor e dos demais investidores em contextos comparáveis.
Ao julgar o precedente de Layering A, o Presidente Marcelo Barbosa definiu a questão
fundamental para formação de sua convicção nos seguintes termos41
:
O desafio do regulador, diante do caso concreto, é determinar se o conjunto
probatório apresentado pela acusação é suficiente para a configuração dos
tipos administrativos previstos na legislação e na regulamentação. Não sendo
este o caso, a proposta da acusação não poderá ser aceita.
Além de rechaçar o argumento de defesa de que a prática seria inédita e não haveria
proibição na legislação vigente, como detalharemos na próxima seção, o Presidente Marcelo
Barbosa afirmou que houve uma “conduta pré-ordenada, consciente e intencional” de
manipulação de mercado em razão da prática reiterada e sistemática de inserção, execução e
cancelamento de ofertas, sem que fosse apresentado motivo plausível para sua realização e,
adicionalmente, naquele caso houve um indício adicional: após ter sido notificado por
intermediários de que sua atuação era irregular, o acusado passou a atuar por outro
intermediário. Esse indício adicional de mudança de intermediário após notificação também foi
observado nos precedentes de Layering B, D e E.
5. Argumentos de defesa
Nesta seção, sistematizamos os argumentos de defesa trazidos nos precedentes
analisados no tocante ao mérito da acusação e como foram apreciados pelo Colegiado da CVM.
5.1. A prática de layering ou spoofing não é proibida e outras variações de erro de
proibição
Em todos os precedentes, os acusados alegaram acreditar que sua sistemática de
negociação era legítima e, ainda, que a conduta descrita não se enquadraria na definição de
spoofing e layering de outros países ou, então, não haveria tal proibição na legislação do
mercado de valores mobiliários brasileiro.
No precedente de Spoofing A, merecem destaque dois argumentos adicionais. Primeiro,
a prática apontada como ilícita seria corriqueira no mercado e jamais fora questionada pela
CVM. Segundo, a inexistência de proibição da conduta no mercado brasileiro poderia ser
41
PAS CVM nº 19957.006019/2018-26, Rel. Pres. Marcelo Barbosa, j. em 01 out. 2019.
25
depreendida da confusão conceitual entre CVM e BSM, pois esta considerou que a prática
configurava criação de condições artificiais de demanda42
e não manipulação de mercado.
Ao julgar o caso, o Diretor Henrique Machado afirmou que o tipo de spoofing, de fato,
não existe no arcabouço normativo brasileiro, legal ou infralegal e não seria necessário discorrer
sobre sua definição abstrata na legislação internacional ou que a prática se subsumiria a uma
definição normativa de spoofing, mas sim à definição de manipulação de preços prevista na
Instrução CVM nº 08/1979.
Sobre o ineditismo da conduta, o Diretor Henrique Machado afirmou que a CVM já
julgou diversos precedentes que enquadraram novas práticas nos tipos administrativos da
Instrução CVM nº 08/1979, que são abertos para conferir maior flexibilidade à supervisão de
mercado.
Por fim, os tipos administrativos de criação de condições artificiais e de manipulação
de mercado representam modalidades congêneres, de sorte que a diferença de interpretação da
CVM e da BSM sinaliza que houve “consenso entre as instituições de que a conduta dos
Acusados violou a integridade do mercado de valores mobiliários”.
No mesmo sentido, o Presidente Marcelo Barbosa afirmou no precedente de Layering
A que a inteligência dos tipos em questão “reside precisamente no fato de que suas disposições
não se tornaram obsoletas frente às transformações inerentes ao mercado de capitais”,
permitindo que a CVM tutele o regular funcionamento do mercado mesmo diante das drásticas
mudanças decorrentes do desenvolvimento tecnológico. Assim43
:
os tipos abertos previstos na Instrução CVM nº 8/1979 permitem que
determinadas estratégias que, à época, não eram utilizadas ou sequer existiam,
possam ser enquadradas como ilícitos administrativos – desde que, é claro,
estejam preenchidos os seus requisitos e tenham o condão de prejudicar o bem
jurídico tutelado pela norma (isto é, “o funcionamento regular do mercado”).
É o que ocorre no caso do layering, uma conduta reprovável na medida em
que as ordens artificiais criadas por conta da implementação da estratégia
geram informações falsas no livro de ofertas, tornando-o menos hígido,
prejudicando as tomadas de decisões dos investidores e impactando o preço
do ativo.
A atuação sistemática e reiterada do acusado, aliada à conjugação dos fatores de inserção
de oferta de quantidade expressiva, sucedida pelo seu cancelamento logo após a execução de
oferta na ponta oposta do livro conduziram o Presidente Marcelo Barbosa à conclusão de que
42
De acordo com o inciso II da Instrução nº CVM 08/1979, condições artificiais de demanda, oferta ou preço de
valores mobiliários são “aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou
intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens
de compra ou venda de valores mobiliários”.
43
PAS CVM nº 19957.006019/2018-26, Rel. Pres. Marcelo Barbosa, j. em 01 out. 2019.
26
não houve motivo legítimo para a atuação do investidor e que houve a intenção de distorcer as
cotações, restando configurada a manipulação de mercado.
Ademais, nos casos em que os acusados eram profissionais de mercado, tais como
administradores de carteira e agentes autônomos de investimento, o Colegiado da CVM
entendeu que, com muito mais razão, não seria cabível o argumento de erro de proibição, pois
esses profissionais conhecem melhor a dinâmica de formação de preços e o impacto ilícito que
exerciam no mercado e deles se requer “diligência proporcional aos seus encargos e
conhecimento integral da disciplina jurídica afeta aos seus negócios”, como afirmado pelo
Diretor Henrique Machado no precedente de Spoofing A.
5.2. Elevado tempo de permanência das ofertas tidas como artificiais
O único argumento de mérito que foi acolhido parcialmente foi a alegação de que as
ofertas apontadas como artificiais teriam ficado tempo suficiente no livro a ponto de serem
agredidas, o que contraria a premissa de que teriam sido colocadas com o intuito de não serem
executadas. Como vimos, este argumento levou o Diretor Gustavo Gonzalez a propor a fixação
de multa com base em casos de manipulação nos quais a o benefício econômico não pôde ser
auferido (precedentes de Layering B, D e E). Com base na gravidade da conduta e em
precedentes nesse sentido, a multa foi fixada em R$450.000,00.
5.3. O cálculo do benefício auferido é uma presunção e não um ganho efetivo
Este argumento dialoga com o apresentado na seção anterior. Como indicado
anteriormente, o cálculo do benefício auferido baseia-se na premissa de que havia um spread
antes da atuação do manipulador, o qual induz os demais participantes a melhorarem suas
ofertas até que uma oferta-alvo seja executada.
Em todos os precedentes, o Colegiado da CVM acolheu o método proposto pela
acusação, qual seja, a vantagem econômica obtida seria igual ao produto entre a quantidade
executada da oferta-alvo e a diferença entre o preço da oferta-alvo e o preço de bid ou ask,
conforme a oferta-alvo seja, respectivamente, de venda ou de compra.
Trata-se, de fato, de um benefício suposto, pois não se leva em consideração qual seria
o efetivo ganho do manipulador com a execução da oferta-alvo. A despeito disso, a CVM
entendeu que este seria o método de cálculo mais adequado, uma vez que permite medir o
deslocamento dos preços causado pela inserção das ofertas artificiais e é consistente com a
definição do ciclo de manipulação.
27
5.4. Layering e spoofing só podem ser praticados por algoritmos e não por pessoas
No precedente de Layering B, o acusado alegou que se encontrava em situação menos
favorável que algoritmos que atuam em mercado, capazes de negociar com mais agilidade e,
estes sim, seriam responsáveis pela inserção e cancelamento de ordens em larga escala.
Em todos os procedentes analisados, não houve discussões específicas sobre a alegação
de impossibilidade de prática de layering e spoofing por seres humanos, embora o entendimento
geral tenha sido o de que se trata de uma espécie de manipulação que se opera em janela
temporal muito reduzida e que a artificialidade das ofertas é comprovada por seu caráter
efêmero, tomando como base o tempo de cancelamento após a execução da oferta-alvo. Apesar
disso, o Colegiado da CVM entendeu que houve manipulação mesmo nas hipóteses em que as
ofertas foram inseridas e canceladas manualmente.
5.5. A ausência de todas as informações do livro, arbitrariedade dos parâmetros de
detecção e ausência de demonstração de nexo de causalidade entre o artifício e a
alteração das cotações
Em todos os precedentes analisados, a acusação enumerou as estratégias identificadas
de acordo com os filtros de detecção, informando os horários, preços e quantidades das ofertas
e negócios, sem, contudo, fornecer informações completas sobre o livro, tais como negócios
realizados por outras pessoas e outras ofertas inseridas, modificadas e canceladas ao longo do
ciclo apontado como manipulador.
Desse modo, os acusados suscitaram dúvida sobre a possibilidade de suas ofertas terem
sido a causa determinante ou adequada da movimentação dos preços, a qual se alegou que não
teria ocorrido se o manipulador não tivesse atuado. Os acusados buscaram, assim, seu direito
de invocar fato de terceiro ou, pelo menos, demonstrar a existência de concausas, o que teria
sido inviabilizado pela ausência de informações completas sobre o livro de ofertas, resultado
em cerceamento de defesa.
Adicionalmente, os acusados questionaram a metodologia que levou à adoção dos filtros
de detecção, indicando terem o direito de impugnar os parâmetros escolhidos e sua consistência
estatística. Nesse sentido, demandaram explicações adicionais, por parte da CVM, sobre como
os valores adotados autorizam a premissa de que o ciclo de inserção-execução-cancelamento
seria um processo ou artifício idôneo a, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a
cotação de um valor mobiliário, tendo o condão de induzir terceiros a comprar e vender valores
mobiliários. Ausente ou implausível a justificativa da CVM, os elementos normativos do ilícito
de manipulação de mercado não estariam presentes no caso concreto.
28
No precedente de Spoofing A, o Diretor Henrique Machado concluiu que a atipicidade
das ofertas manipuladoras a partir dos filtros de detecção é evidente44
e que os parâmetros
adotados são válidos porque: (a) foram extraídos da prática de mercado observada diretamente
nos sistemas de negociação: (b) decorrem da discussão com representantes do próprio mercado
regulado; e (c) foram ampla e previamente divulgados aos intermediários e investidores-alvo.
Assim, caberia aos acusados demonstrar que as ofertas não eram expressivas ou
anormais e que não teriam o condão de alterar a cotação de ativos. Depreende-se deste
entendimento que os filtros de detecção estabelecem uma presunção relativa45
de que houve
manipulação, tendo o acusado o ônus de comprovar a legitimidade de sua atuação.
Para o Presidente Marcelo Barbosa, conforme entendimento proferido no precedente de
Layering A, o acesso integral aos autos deste confere ao acusado a oportunidade de exercer seu
direito de defesa de forma plena. Na ocasião, também foram corroborados os parâmetros de
detecção adotados46
, sendo recomendado que a CVM discuta a implemente medidas para
garantir maior previsibilidade e segurança jurídica das práticas em questão, justificando e
divulgando amplamente ao mercado os critérios de detecção e os motivos de sua escolha.
Um entendimento importante no precedente de Layering A diz respeito à colocação do
Presidente Marcelo Barbosa a respeito da exigência de efetiva produção de cotações enganosas
como resultado do artifício utilizado, embora não seja necessário demonstrar que o agente
44
“A quantidade ofertada para a venda é mais que duas vezes superior à soma de todas as outras ofertas
constantes no mesmo lado do livro, até o 3º nível de preços. Essa quantidade expressiva de ofertas de venda,
como se verá a seguir, será cancelada em menos de 2s (dois segundos).”; “Conforme dados objetivos extraídos
do sistema de negociação, a Acusada executou esse padrão de operação milhares de vezes com 97,27% de taxa
de cancelamento integral da oferta expressiva após intervalo de permanência de 4s, em média, no livro de ofertas
dos contratos”. Cf. PAS CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Machado, j. em 13.03.2018.
45
Ao julgar o precedente de Layering A, o Presidente Marcelo Barbosa afirma que “Não se trata, aqui, vale
destacar, de uma espécie de inversão do ônus da prova”. Contudo, na sequência, afirma: “O Acusado, por sua
vez, não trouxe argumentos ou elementos probatórios suficientes para refutar os critérios utilizados pela SMI [...]
tampouco demonstrou que as operações indicadas pela Acusação como ilícitas eram, na verdade, legítimas.
Assim, [H. D.] não conseguiu afastar a carga acusatória que lhe foi devidamente imposta pela área técnica”.
Entendemos que, a despeito da primeira afirmação, o julgador exigiu do acusado exatamente a impugnação das
alegações da acusação, como se os filtros de detecção representassem uma presunção relativa, a qual, se não
afastada, resulta em condenação.
46
“Evidentemente, a inserção de 4 ofertas no intervalo de 10 minutos não é, por si só, uma irregularidade,
tampouco o cancelamento de ordens em um curto espaço de tempo ou mesmo a realização de negócios em
ambos os lados do livro. No entanto, ao serem considerados em conjunto, estes movimentos orquestrados para,
de um lado, criar camadas artificiais de liquidez e, de outro lado, executar o negócio verdadeiramente pretendido
(e em condições mais vantajosas do que aquelas inicialmente possíveis), indicam a existência de uma estratégia
irregular (e não de uma “disputa pelo melhor preço”, como alega o Acusado em alguns momentos) –
especialmente quando realizados de forma reiterada”. Apesar dessa afirmação, o Relator asseverou que “não se
deve afastar a possibilidade de a defesa demonstrar que os critérios utilizados para identificar as práticas de
layering e spoofing não seriam adequados para comprovar a efetiva alteração da cotação dos ativos. Por isso, a
meu ver, insurgir-se contra estes critérios pode ser uma estratégia de defesa válida para demonstrar que não
estariam presentes todos os elementos do tipo administrativo, vulnerando a acusação”. Cf. PAS CVM nº
19957.006019/2018-26, Rel. Pres. Marcelo Barbosa, j. em 01 out. 2019.
29
auferiu vantagem econômica. Diante dessa exigência, seria necessário comprovar que as
cotações eram artificiais e o nexo de causalidade entre o artifício e o resultado pretendido.
Na ocasião, o Colegiado da CVM concluiu que seria "perfeitamente plausível concluir
que a inserção e o cancelamento de ofertas, por si só, produzem efeitos sobre o processo de
formação de preços" e que "tais efeitos tornam-se artificiais na medida em que as ordens não
são inseridas no livro de ofertas de boa-fé".
Assim, ao que tudo indica, a CVM entende que a necessária demonstração do o nexo de
causalidade entre o artifício e o resultado pretendido decorre da comprovação do dolo da
manipulação.
Por fim, o Diretor Gustavo Gonzalez afirmou, em todos os precedentes de sua relatoria,
que as informações presentes nos autos seriam suficientes não apenas para demonstrar a
sistemática do ilícito e permitir um juízo sobre a materialidade da infração, mas também para
que o acusado exercesse seu direito de defesa de forma plena.
5.6. Inviabilidade de manipulação em ativos muito líquidos e irrelevância dos volumes
negociados em face do mercado
Em alguns casos, os acusados alegaram que as quantidades negociadas seriam
irrelevantes em face da quantidade das demais ofertas presentes no livro ou dos negócios
realizados ao longo do dia.
Para a CVM, consoante os precedentes analisados, a manipulação de preços mediante e
spoofing e layering pode ocorrer independente da liquidez do ativo, desde que, pelo menos, os
parâmetros de detecção permitam a identificação de ciclos de inserção de ofertas artificiais,
execução de ofertas-alvo e cancelamento subsequente.
No precedente de Spoofing A, a maior parte das estratégias foi realizada em mercados
de minicontratos do segmento BMF, extremamente líquidos. Para o Diretor Henrique Machado,
o fato de a manipulação ocorrer em curtíssima janela temporal faz com que não seja possível
considerar as ofertas e negócios realizados ao longo de todo o pregão. No mesmo sentido, o
Diretor Gustavo Gonzalez afirmou no precedente de Layering C que “a tendência de alta (ou
de baixa) na cotação de determinado ativo não impede que sejam utilizadas estratégias de
manipulação de curtíssimo prazo (segundos ou minutos)”.
Entendemos que há uma correlação inversa entre a duração do ciclo de manipulação e
a liquidez do ativo para fins de caracterização da manipulação. Quanto mais líquido o ativo,
menor deve ser a janela temporal a ser considerada a ponto de afastar a possibilidade de outras
30
ofertas e negócios – em maior quantidade em ativos mais líquidos – interferirem no movimento
das cotações.
Para ativos menos líquidos, no entanto, pensamos que esta janela temporal pode ser
maior, ainda que a permanência de ofertas por longo período descaracterize a intenção de que
tenha sido inserida para não ser executada. Entendemos que esta preocupação foi endereçada
pela CVM e pela BSM ao aprimorar os filtros de detecção no precedente de Spoofing B, ao
indicar que o tempo de cancelamento da oferta artificial deve ser menor do que a média de
intervalo entre cada negócio do ativo no pregão anterior, estabelecendo, portanto, tal duração
em função de um parâmetro de liquidez do ativo e não um valor geral para todos os ativos
(menos de dez segundos), como no precedente de Spoofing A.
5.7. Outros argumentos de defesa
No precedente de Spoofing A, os acusados sustentaram que havia interesse de
permanecer com os contratos negociados. Em outros casos, foram aduzidos argumentos de
defesa no sentido de que a prática, além de ser usual no mercado, seria legítima, aproximando-
se da atuação de um market maker voluntário.
Apesar de não ter havido discussão aprofundada sobre os fundamentos econômicos das
ofertas e negócios dos acusados, seria possível, em teoria, alegar que as operações foram
decorrentes de estratégias legítimas, tais como arbitragem para explorar ineficiências efêmeras
nos preços, negociação conjunta e simultânea com outros ativos e tipicidade da forma de
atuação por parte do acusado.
No entanto, entendemos que, para serem acolhidas, tais alegações devem ser
devidamente comprovadas, devendo ser apresentados os dados relativos às ofertas e negócios
contemporâneos e ao racional econômico da atuação. No caso de atuação por meio de
algoritmos, seria possível considerar até mesmo a possibilidade do exame do código-fonte para
demonstrar que não houve programação intencional de inserção de ofertas para que fossem
canceladas antes de sua execução.
Nos precedentes de Layering B, D e E, o Diretor Gustavo Gonzalez indicou a existência
de “falsos positivos”, isto é, de estratégias para houve dúvida sobre seu caráter manipulador,
particularmente em função do elevado tempo de permanência das ofertas tidas como artificiais
no livro, as quais poderiam ser agredidas pelos demais investidores.
Um questionamento relevante que decorre deste entendimento é a possibilidade de
alegação, por parte de um acusado que tenha sido condenado, de que uma mudança nos filtros
de detecção faria com que parte ou a totalidade de sua atuação deixasse de ser considerada
31
irregular, isto é, se fossem aplicados os novos filtros aos dados da época, suas ofertas e
operações sequer teriam passado pela primeira etapa da análise acerca da ilicitude. Assim,
haveria espaço para uma retroatividade benéfica na hipótese de alteração superveniente dos
parâmetros de detecção.
Sobre o possível acolhimento deste argumento pela própria CVM ou pelo Conselho de
Recursos do Sistema Financeiro Nacional, temos como ponto de partida a manifestação de voto
do Presidente Marcelo Barbosa nos precedentes de Layering B, D e E: “as possíveis melhorias
nos filtros utilizados pela área técnica para identificar operações de layering, como aquelas
apontadas no voto do Diretor Relator, não afastam, a princípio, a legitimidade dos parâmetros
utilizados em outros casos julgados ou ainda sob análise nesta Autarquia”.
6. Síntese
A informação é o principal bem jurídico tutelado pela regulação do mercado, a qual
busca mitigar assimetrias de informação. As informações do livro de ofertas são matéria-prima
para decisões de investimento e, por isso, o processo de formação de preços não deve sofrer
interferências indevidas que gerem sinais equivocados para os agentes econômicos.
Investidores levam em conta as informações do livro de oferta, provendo liquidez,
gerenciando a execução de ofertas para seus clientes e auxiliando na formação de preços têm
sua atuação legítima prejudicada pela presença de blefes, que elevam o custo das operações.
Portanto, o blefe é proibido, sendo considerado forma de manipulação de mercado.
Ofertas de quantidade expressiva podem fazer com que os demais investidores tentem
se antecipar a um movimento no curtíssimo prazo, melhorando suas ofertas (alterando as
existentes ou inserindo novas ofertas), o que pode resultar no próprio movimento de preços que
se previu – uma profecia autorrealizável. Tais ofertas, isoladamente, não podem ser
consideradas ilegítimas, assim como seu cancelamento ou a presença de ofertas do mesmo
investidor em ambos os lados do livro.
Entretanto, o blefe no livro de ofertas pode ser identificado com algum grau de
probabilidade, pela conjugação desses fatores, especialmente de forma sistemática e reiterada.
Este padrão de atuação é um indício de que não se desejava executar a oferta expressiva, mas
apenas induzir os demais investidores a melhorar seus preços de modo a executar uma oferta-
alvo.
Na manipulação mediante spoofing, insere-se uma oferta expressiva com o intuito de
induzir os agentes de mercado a melhorarem os preços de suas ofertas e, com isso, movimentar
os preços até que uma ou mais ofertas-alvo na ponta oposta do livro sejam atingidas e, então,
32
ocorra o cancelamento da oferta de quantidade expressiva. A manipulação mediante layering é
uma conduta congênere, cuja única diferença reside no fato de que a quantidade expressiva
decorre de múltiplas ofertas do mesmo investidor em diferentes níveis de preço, todos próximos
ou iguais aos melhores níveis de preço de compra (bid) ou de venda (ask).
A caracterização do padrão de atuação se dá pelo estabelecimento de parâmetros
quantitativos (e objetivos) em filtros de detecção, envolvendo o tamanho da oferta expressiva
em relação às demais ofertas presentes no livro, aos níveis de preço nos quais são inseridas as
ofertas tidas como artificiais e seu tempo de permanência no livro, sendo relevante o período
entre a execução da oferta-alvo e o cancelamento da oferta artificial, pois a manipulação se
concretiza em uma janela temporal reduzida.
De acordo com os precedentes analisados, tais parâmetros devem ser amplamente
divulgados ao mercado e, ainda, a identificação de estratégias de negociação que satisfazem os
filtros de detecção não são suficientes para um juízo sobre sua ilicitude, o qual deve decorrer
do preenchimento dos requisitos contidos na definição normativa de manipulação de mercado.
Devem ser considerados, assim, indícios adicionais para comprovar o dolo da manipulação,
possibilitando a distinção entre uma atuação legítima de uma atuação irregular.
Como vimos, a CVM afastou inúmeros argumentos de defesa, de modo que o
entendimento da autarquia pode ser sintetizado como: (a) as práticas de layering e spoofing são
formas de manipulação de mercado proibidas pela legislação vigente e não é cabível o
argumento de erro de proibição; (b) é preciso demonstrar que houve fundamento econômico
legítimo para a inserção de ofertas expressivas e seu cancelamento; (c) quanto maior o tempo
em que uma oferta permanece no livro, menor é a probabilidade de que seja artificial; (d) é
válido calcular o benefício econômico auferido em teoria com base no deslocamento do spread
e quantidade executada, ainda que este ganho não tenha sido efetivamente realizado; (e)
layering e spoofing podem ser praticados manualmente por seres humanos ou por meio de
algoritmos; (f) não é necessário fornecer todas as informações sobre o livro de ofertas durante
o ciclo identificado pelos filtros de detecção e o nexo de causalidade entre o artifício e o
resultado decorre da comprovação do dolo de manipulação; e (g) é viável a manipulação
mediante layering e spoofing mesmo em ativos líquidos e é irrelevante a comparação entre os
volumes negociados nos ciclos de manipulação e os volumes agregados do ativo ao longo de
uma janela temporal maior.
Esperamos, assim, ter contribuído para a compreensão do entendimento atual da CVM
sobre layering e spoofing e para futuras pesquisas sobre o tema a partir de próximos casos que
venham a ser apreciados pela autarquia.
33

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  • 1. É proibido blefar no livro de ofertas: consolidação do entendimento da CVM sobre layering e spoofing Isac Costa. Analista de Mercado de Capitais (CVM). Doutorando em Direito Econômico e Financeiro (USP). Mestre em Direito dos Negócios (FGV). Bacharel em Direito (USP). Engenheiro de Computação (ITA). Professor de Direito Empresarial dos cursos de Pós-Graduação em Direito do Ibmec/SP. Data desta versão: 04.10.2020. Resumo Layering e spoofing são formas de manipulação de mercado que consistem na criação de liquidez aparente pela inserção de ofertas artificias, induzindo investidores a melhorar seus preços com vistas a viabilizar a execução de uma ou mais ofertas-alvo previamente colocadas pelo manipulador e, então, o cancelamento das ofertas artificiais. Neste artigo, apresentamos os argumentos de acusação e de defesa presentes em sete precedentes da CVM julgados entre maio de 2018 e agosto de 2020, indicando os fatores determinantes para a formação da convicção dos membros do Colegiado da autarquia. O debate proposto é relevante pois permite analisar uma nova forma de manipulação de mercado, que prejudica o processo de formação de preços e, consequentemente, a tomada de decisão pelos investidores. Ademais, tem-se uma oportunidade de compreender melhor o funcionamento do mercado secundário e a dinâmica do livro de ofertas e a flutuação dos preços dos valores mobiliários. Assim, procuramos contribuir para pesquisas adicionais sobre o tema e destacar pontos de atenção para os próximos julgamentos a respeito da matéria. Palavras-chave: manipulação, regulação, CVM 1. Introdução O presente artigo tem por objetivo descrever o entendimento da CVM acerca da manipulação de mercado mediante layering e spoofing com base em sete precedentes julgados pela autarquia entre março de 2018 e agosto de 2020. Busca-se sistematizar os argumentos de acusação e defesa e os fatores determinantes para a formação da convicção dos membros do
  • 2. 2 Colegiado da autarquia e apontar questões em aberto que ainda poderão ser abordadas em futuros julgamentos sobre o tema. O debate proposto é relevante na medida em que permite analisar uma nova forma de manipulação de mercado, que prejudica o processo de formação de preços. O estudo das condutas indicadas é também uma oportunidade de compreender melhor o funcionamento do mercado secundário e a dinâmica do livro de ofertas, por meio do qual compradores e vendedores indicam suas pretensões, propiciando a livre flutuação dos preços. Após esta introdução, o texto se divide em quatro partes, sucedidas por uma síntese conclusiva. Na seção 2, descrevemos o modo pelo qual o ambiente de negociação é organizado, as regras do livro de ofertas e como as operações são realizadas. Na seção 3, discutimos a sistemática do blefe no livro de ofertas, diferenciando a prática das condutas tidas como legítimas e, então, apresentamos a definição de layering e spoofing. Na seção 4, enumeramos os argumentos de acusação aduzidos pela área técnica da CVM e o enquadramento da prática como infração de manipulação de mercado. Na seção 5, por fim, mapeamos os argumentos de defesa e como o Colegiado da CVM se posicionou sobre cada um deles. Tanto na seção 4 como na seção 5, exploramos argumentos adicionais que poderiam ter sido mobilizados, com o intuito de contribuir para pesquisas adicionais sobre o tema e destacar pontos de atenção para os próximos julgamentos a respeito da matéria. 2. A dinâmica do livro de ofertas 2.1. A organização do ambiente de negociação Inicialmente, convido você a imaginar um mercado de bolsa sem sistemas eletrônicos, em que são negociadas ações de determinadas companhias. Em um ambiente físico, operadores negociam por conta própria e recebem ordens de compra e de venda de ações. A depender da quantidade de informações que circulam – número de ordens, variações de preço, número de operadores e número de ações, por exemplo – são criados procedimentos para agrupar ordens em torno de uma mesma ação, sob pena de a negociação se tornar inviável. Nesse contexto, são criadas “rodas de negociação” específicas para cada ação. Os operadores podem ingressar em qualquer uma dessas rodas ou permanecer em apenas uma delas (caso em que se “especializam” em determinada ação). Nesse ponto, você pode imaginar que um elevado número de ações negociadas simultaneamente pode significar a necessidade de muitos operadores e, ao mesmo tempo, dificultar a atuação dos investidores em múltiplos ativos. Para contornar esse problema, é possível estabelecer um limite para o número de rodas de negociação que podem funcionar ao
  • 3. 3 mesmo tempo, segregando o espaço disponível conforme desejado e estabelecendo um cronograma de revezamento de quais ações são negociadas em quais rodas em certas janelas temporais. Assim, ao longo de um dia, as ações podem ser negociadas por mais ou menos tempo, conforme a demanda pelos investidores e a consequente liquidez. Pode haver rodas de negociação dedicadas a certos ativos mais disputados, por exemplo. E o que acontece em cada uma dessas rodas de negociação? Os operadores interagem, especificando se desejam comprar ou vender, qual a ação (informação implícita na roda de que participam), qual a quantidade desejada e o preço a que estão dispostos a negociar. E como os negócios são concluídos? É preciso haver uma correspondência de preços e quantidades pretendidos por compradores e vendedores. Se estivéssemos em uma negociação envolvendo apenas duas pessoas, cada uma teria seu preço de reserva e, a depender de concessões unilaterais ou recíprocas, chegam a um preço para a operação1 . Entretanto, temos, ao mesmo tempo, um grupo de pessoas desejando comprar e outro grupo desejando vender. Nesse passo, você pode lembrar do gráfico usualmente apresentado nas primeiras páginas de qualquer livro de microeconomia, em que oferta e demanda se organizam conforme os preços e quantidades desejados. À medida que as pretensões são reveladas – isto é, as ordens são emitidas – cria-se uma fila de compradores e uma fila de vendedores e, após um período estabelecido, calcula-se o preço de equilíbrio, ponderando os preços e quantidades das ofertas. Por exemplo, se o preço de equilíbrio calculado foi de R$ 10,00 e você informou que estava disposto a pagar, no máximo, R$ 10,15 ou, então, estava disposto a vender por, no mínimo, R$ 9,85, então sua ordem será contemplada. O cálculo é feito de modo que todas as operações são fechadas no preço de equilíbrio e são atendidos os compradores que desejavam pagar um valor igual ou maior a esse preço e os vendedores dispostos a vender por um preço igual ou menor. À alternativa descrita nos parágrafos anteriores – a negociação por meio de um leilão2 – contrapõe-se um modelo de negociação contínua3 . Em vez de todos aguardarem o cálculo de 1 Sobre o tema, cf. FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. Apêndice A - Aplicando indução reversa aos jogos de barganha com ofertas alternadas. 2 Cf. FOUCAULT, Thierry; PAGANO, Marco; RÖELL, Ailsa. Market Liquidity: Theory, Evidence and Policy. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 20-22; HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 89 e ss. 3 “Art. 27 A negociação de ativos e derivativos por meio do ambiente de negociação pode ocorrer nas seguintes modalidades: I - negociação contínua: modalidade na qual o fechamento de operações pode ocorrer a qualquer momento da sessão de negociação, a partir da interação das ofertas de compra e de venda registradas; II - negociação não contínua: modalidade na qual o fechamento de operações ocorre por meio de leilão durante a sessão de negociação, conforme procedimentos descritos no manual de procedimentos operacionais de
  • 4. 4 um preço de equilíbrio a partir da demanda e da oferta, as operações são concluídas à medida em que chegam as ordens. Se houver correspondência (match) de preço e quantidade, o negócio é fechado. Nesse modelo, você decide com base nas quantidades e preços informados pelos demais operadores, podendo aceitar o melhor preço que está sendo oferecido pela parte oposta. Se a melhor oferta de venda é de R$ 11,10 e você está disposto a pagar esse preço, declara a sua vontade e a operação é realizada. Este tipo de ordem é conhecido como ordem a mercado4 (aceita-se o que mercado está oferecendo). Por outro lado, se você estiver com menos pressa, pode emitir uma ordem limitada5 , pela qual o comprador informa o preço máximo que está disposto a pagar e o vendedor informa o preço mínimo que está disposto a receber. Pelo senso comum, o critério justo de ordenação das intenções é a prioridade preço-tempo6 , isto é, são atendidos primeiro os compradores que desejam pagar mais e os vendedores que desejam receber menos e, para um mesmo nível de preço, observa-se a ordem de chegada. Cria-se, portanto, um “cabo de guerra”, em que compradores e vendedores revelam as suas intenções e as operações são realizadas. As seguintes informações se tornam relevantes para a tomada de decisão no curtíssimo prazo: os preços e quantidades das ofertas de compra e venda disponíveis e os preços e quantidades das últimas operações realizadas. Tal situação não é muito distinta do cenário em que você, deseja adquirir um imóvel e procura se informar sobre quais são os valores pedidos pelos vendedores e quais foram os valores dos últimos negócios realizados. Até o final da década de 2000, esse modelo de negociação existia no Brasil 7 . Acompanhando uma tendência dos mercados mundiais, a Bovespa e a BM&F, então negociação da B3”. Cf. B3. Regulamento de negociação da B3. São Paulo, 31 ago. 2020. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/operacoes/. Acesso em 03 out. 2020. 4 “4.2. Tipos de ordens. As condições que podem ser especificadas pelos comitentes, para a execução de suas ordens, devem estar enquadradas nos seguintes tipos de ordens: I - ordem a mercado: ordem que especifica somente a quantidade e as características dos ativos e/ou derivativos a serem comprados ou vendidos, devendo ser executada a partir do momento em que for recebida; II - ordem limitada: ordem que deve ser executada somente a preço igual ou melhor do que especificado pelo comitente;”. Cf. B3. Manual de Procedimentos Operacionais de Negociação da B3. São Paulo, 04 set. 2020. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/operacoes/. Acesso em 03 out. 2020. 5 Ver nota anterior. 6 De acordo com o parágrafo único do art. 73 da Instrução CVM nº 461/2007, “quando se tratar de sistema de negociação centralizado e multilateral, a formação de preços deve se dar por meio da interação de ofertas, em que seja dada precedência sempre à oferta que represente o melhor preço, respeitada a ordem cronológica de entrada das ofertas no sistema ou ambiente de negociação, ressalvados os casos de procedimentos especiais de negociação previstos em regulamento” (grifamos). 7 ARAGÃO, Marianna. BM&F se despede do pregão viva-voz. O Estado de S. Paulo, 20 jun. 2009. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bmef-se-despede-do-pregao-viva-voz,390521. Acesso em 03 out. 2020. Na Bovespa, fora desativado em 30.09.2005, como apontado em MARCO, André de. A gritaria
  • 5. 5 associações independentes, criaram sistemas eletrônicos de negociação, propiciando o recebimento de informações e os cálculos descritos acima de forma automatizada, facilitando o encontro de oferta e demanda e, sobretudo, ampliando o número de ativos que podem ser negociados simultaneamente. 2.2. Ordens de quantidades expressivas Para concluir o exercício aqui proposto, propomos um último aspecto desse cenário hipotético: a presença de uma ordem envolvendo uma grande quantidade de ações. Se alguém deseja comprar maciçamente uma ação, é possível presumir que há um interesse especial, talvez uma informação favorável detida apenas por aquela pessoa, o que lhe permite se antecipar a uma valorização dos preços no curto prazo. Analogamente, a venda de uma grande quantidade pode sinalizar uma informação adversa. Se os demais investidores realizam inferências de modo a concluir que haverá um movimento abrupto nos preços, então a “profecia” se torna autorrealizável: compradores informam que desejam pagar mais (os preços sobem) e vendedores informam que aceitam receber menos (os preços caem). E o movimento subsequente confirma as expectativas que surgiram a partir da oferta de quantidade expressiva. Se, por outro lado, quem deseja negociar essa quantidade maciça coloca suas ordens gradualmente, escamoteando seu interesse em certa ação, o efeito nos preços tenderá a ser mais suave (ou, no limite, menos abrupto). Esse jogo de esconde-esconde entre oferta e demanda ocorre em cada janela de tempo na qual uma roda de negociação recebe ordens de compra e venda de determinada ação. Todas as informações sobre preços e quantidades pretendidos, ofertantes e negócios realizados são coletadas manualmente – lembre-se: não temos um sistema eletrônico de negociação – e colocados à disposição dos operadores em, digamos, lousas e toda a comunicação ocorre por meio de gritos. O cenário se aproxima de uma feira livre, porém um pouco mais sofisticada. 2.3. Negociação contínua, sistemas eletrônicos e livro central de ofertas De acordo com o art. 50 da Instrução CVM nº 461/2007, “os ambientes ou sistemas de negociação devem assegurar a transparência das ofertas e operações realizadas e propiciar uma adequada formação de preços”. Nos termos do art. 73 da mesma Instrução, esse ambiente deve acabou: do pregão viva voz à negociação eletrônica. BM&Bovespa, 18 mar. 2016. Disponível em: http://vemprabolsa.com.br/2016/03/18/gritaria-acabou-do-pregao-viva-voz-negociacao-eletronica/. Acesso em: 03 out. 2020.
  • 6. 6 possuir “características, procedimentos e regras de negociação, previamente estabelecidos e divulgados, que permitam, permanentemente”: (a) a regular, adequada e eficiente formação de preços; (b) a pronta realização, visibilidade e registro das operações realizadas; e (c) a disseminação pública das ofertas e negócios envolvendo ativos ali negociados, com rapidez, amplitude e detalhes suficientes à boa informação do mercado e formação de preços. Essas regras procuram assegurar a dinâmica descrita na seção anterior, permitindo que os investidores tenham acesso às informações sobre as pretensões dos demais, consubstanciadas em suas ofertas. A concreção desse ambiente se dá por meio de sistemas eletrônicos de negociação implementados pela B3. O sistema de negociação é composto de matching engines, isto é, de algoritmos que permitem o encontro (match) de compradores e vendedores de determinados ativos. Não havendo mais limitação de espaço físico, cada investidor pode acessar diretamente o sistema eletrônico de negociação, selecionar o ativo desejado, informar o preço, quantidade e outros aspectos da ordem (se é limitada ou a mercado, por exemplo). E, assim, algoritmos silenciosos consolidam essas informações. No caso de uma sessão contínua de negociação, isso ocorre por meio de um livro central de ofertas ou, simplesmente, livro de ofertas (central limit order book)8 . Para os fins da presente discussão, não estamos interessados no aspecto do livro de ofertas9 em uma negociação em modelo de leilão10 , tal como descrito anteriormente, embora o pressuposto central do debate seja igualmente aplicável: as informações sobre as ofertas no livro são relevantes para a tomada de decisão pelos investidores. No livro de ofertas, temos, de um lado, as ofertas de compra ordenadas por preço e tempo e, de outro lado, as ofertas de venda. A variação mínima de preço para apregoação é denominada de tick (por exemplo, R$ 0,01 para uma ação). Há sempre um hiato entre a melhor oferta de compra (bid) e a melhor oferta de venda (ask), denominado spread, o qual pode ser, 8 Desde 2011, os sistemas eletrônicos de negociação da B3 foram migrados para o PUMA Trading System (Ofício Circular B3 041/2011-DP). Cf. B3. PUMA Trading System. São Paulo, fev. 2020. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/solucoes/plataformas/puma-trading-system/. Acesso em 03 out. 2020. 9 A partir desse ponto, utilizaremos o termo “oferta”, que denota a efetiva mensagem enviada ao sistema eletrônico de negociação contendo os parâmetros para a negociação desejada, contrapondo-se à “ordem”, que é a declaração de vontade, concretizada por meio da oferta. Se um investidor se conecta ao sistema de sua corretora e informa os parâmetros de negociação, há uma coincidência entre ordem e oferta. Por outro lado, se o investidor envia uma mensagem ou telefona para um operador informando como deseja negociar, então esta comunicação representa a ordem, que será sucedida por uma oferta inserida no sistema pelo operador. Cf. B3. Regulamento de Operações, 05 ago. 2019. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/regulacao/estrutura-normativa/operacoes/. Acesso em 03 out. 2010. 10 Como veremos oportunamente, a sistemática das práticas de layering e spoofing só fazem sentido em uma sessão contínua de negociação, dada a limitação ao rápido cancelamento de ofertas enviadas durante um leilão.
  • 7. 7 no mínimo, igual ao tick (a menor unidade de negociação). A tabela a seguir ilustra algumas possibilidades de um livro de ofertas hipotético. Se uma oferta tem qualquer parâmetro alterado, para fins da ordem cronológica, ela é considerada como se estivesse sendo inserida novamente. Ofertas de compra Ofertas de venda Hora Corretora Qtd. Preço (R$) Preço (R$) Qtd. Corretora Hora 11:21:45.003 8 200 34,32 34,49 200 40 11:21:45.003 11:21:45.001 735 200 34,32 34,50 300 3 11:21:40.000 11:21:45.002 40 200 34,32 34,51 800 86 11:09:37.000 11:21:46.000 8 100 34,32 34,53 100 735 10:44:18.000 11:21:48.000 40 1.000 34,32 34,56 200 735 10:41:15.000 11:20:47.000 114 300 34,31 34,58 700 8 11:10:10.000 10:41:15.000 735 200 34,30 34,58 400 8 11:14:41.000 11:21:33.000 16 3.400 34,26 34,60 1.000 3 10:18:34.000 Tabela 1. Exemplo de livro de ofertas. Um negócio é concluído quando uma oferta presente no livro é “agredida”, isto é, quando encontra uma contraparte no mesmo preço e quantidade. Para quantidades desiguais, se a oferta é a mercado, as ofertas no livro são executadas em ordem de preços até que toda a quantidade desejada seja atendida. Se a oferta envolve quantidade muito grande, fala-se que o livro é “varrido”, pois abre-se um spread elevado no curtíssimo prazo em virtude do espaço que era ocupado pelas ofertas executadas – agora vazio – até que sejam colocadas novas ofertas em novos níveis de preço. No exemplo da Tabela 1, as corretoras são identificadas por seus códigos de negociação. À esquerda, temos as ofertas de compra ordenadas em diferentes níveis de preço. A melhor oferta de compra (bid) é de R$34,32. Uma oferta de venda a mercado de 200 ações agrediria a oferta da corretora nº 8, por ser a mais antiga no melhor nível de preço. Se a quantidade da oferta de venda a mercado fosse de 600 ações, seriam agredidas as ofertas de compra a R$34,32 das corretoras nº 8, 735 e 40. Se a quantidade fosse de 500 ações, as ofertas de compra das corretoras nº 8 e 735 seriam integralmente atendidas e a oferta da corretora nº 40 seria agredida parcialmente, com execução de 100 ações e o restante continuaria no livro, com quantidade remanescente de 100 ações. À direita, temos as ofertas de venda, sendo o melhor preço (ask) a R$34,49. O spread é calculado pela diferença entre os valores de ask e bid, logo, no exemplo, é de R$0,17. Isso significa que podem ser inseridas ofertas de compra e de venda nos níveis de preço de R$34,33 a R$34,48 de modo a melhorarem as ofertas presentes no livro. Uma visão alternativa do livro de ofertas é mostrada na Tabela 2, consolidando as quantidades por cada nível de preço e ignorando as corretoras e os horários de inserção das ofertas. Esta visão reduz a quantidade de informações apresentada, facilitando o cálculo do
  • 8. 8 preço médio da execução na hipótese de uma oferta que venha a agredir outras em vários níveis de preço. Por exemplo, uma oferta de compra a mercado de 1.000 ações agrediria 200 a R$34,49, 300 a R$34,50 e 500 a R$34,51, resultando em um preço médio de R$ 34,50462 por ação. Após a execução, o melhor nível de preço passaria a ser R$34,51 com quantidade de 300 ações remanescentes. Ofertas de compra Ofertas de venda Qtd. Preço (R$) Preço (R$) Qtd. 1.700 34,32 34,49 200 300 34,31 34,50 300 200 34,30 34,51 800 3.400 34,26 34,53 100 34,56 200 34,58 700 34,60 1.000 Tabela 2. Visão alternativa do livro de ofertas apresentado na Tabela 1. Ao longo de uma sessão contínua de negociação, os preços se movem conforme as pressões de compra e de venda, do que resultam os gráficos que normalmente vemos em programas de televisão e websites de notícias da mídia especializada em finanças. Essas informações nos permitem acompanhar a dinâmica do mercado, permitindo que façamos inferências sobre o movimento futuro dos preços e como o mercado reagirá às informações disponíveis aos investidores. Nesse contexto, os preços e quantidades – tanto das operações realizadas como das ofertas presentes no livro – consubstanciam matéria-prima para a tomada de decisão pelos investidores. 3. A oferta legítima e o blefe 3.1. A informação sobre as ofertas e sua influência nas decisões dos demais investidores A competição entre os investidores é um aspecto relevante do mercado que se destaca na descrição fornecida na seção anterior. Se você deseja comprar determinado ativo, pode simplesmente indicar a quantidade ou volume financeiro para um operador de sua corretora, sem se preocupar com a dinâmica do livro de ofertas. Nessa hipótese, você espera que o operador irá cumprir o dever fiduciário de atender ao melhor interesse do cliente e irá executar a oferta nas melhores condições que o mercado permitir. Ou seja, admitindo quantidades iguais da sua ordem e da melhor oferta na ponta oposta do livro, se você emitiu uma ordem a mercado de compra e a melhor oferta de venda é de R$ 10,02, então o operador deve agredir esta oferta. Contudo, a depender das condições do livro de ofertas, um operador mal intencionado pode comprar a R$ 10,02 e vender a você, digamos por R$ 10,03 ou outro valor maior,
  • 9. 9 embolsando a diferença. O operador poderia fazer isso em benefício próprio ou da corretora, no entanto, essa prática, conhecida como front-running, é absolutamente vedada11 . Uma hipótese mais comum é a de um investidor que acessa o sistema de negociação de sua corretora (home broker), o qual disponibiliza uma visão do livro de ofertas. Assim, o investidor pode decidir se deseja registrar uma oferta a mercado ou, se tiver mais paciência, uma oferta de compra a preço menor que o bid ou oferta de venda a preço maior que o ask, com a respectiva quantidade pretendida. O acesso direito ao mercado (Direct Market Access – DMA) é uma opção cada vez mais frequente para negociação no ambiente da B3, havendo, inclusive, a possibilidade de instalação de equipamentos no próprio espaço da B3, conectado a seus sistemas pela oferta de um serviço denominado co-location12 . Esta opção é bastante interessante para negociação por meio de algoritmos que tomam decisões e enviam mensagens rapidamente (high frequency traders – HFT)13 , pela menor distância do sistema da B3 e, com isso, menor latência na comunicação. Tanto seres humanos como algoritmos tomam como insumo as informações do livro de ofertas e dos negócios realizados como ponto de partida para a inserção, modificação ou exclusão de ofertas, podendo ou não utilizar outras informações disponíveis. De acordo com a evolução das informações sobre preços e quantidades presentes no livro, os investidores podem fazer inferências sobre o futuro movimento dos preços no curtíssimo prazo. Por exemplo, momentum traders são investidores que utilizam como estratégia de atuação a exploração de movimentos relevantes dos preços14 . Se há aumento expressivo de quantidades e rápido fechamento de negócios a preços crescentes ou decrescentes, detecta-se um movimento que tenderá a ser prolongar por algum tempo, por inércia, até que investidores na ponta oposta comecem a inserir ofertas e o preço retorne aos patamares anteriores (ou mesmo os ultrapassem). Os preços se movimentam, assim, segundo uma trajetória criada pela resultante das forças de oferta e demanda. 11 A conduta é considerada prática não equitativa, proibida pela Instrução CVM nº 08/1979. Cf. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais: Regime Jurídico. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 706: "Constituem típicas práticas não equitativas de “embonecamento” as operações de front running, mediante as quais os operadores do mercado, ao receberem ordens de com pra de valores mobiliários de ponderável volume, compram antes, ‘na frente’, para si próprios ou para “laranjas” e depois vendem para os clientes que lhes haviam passado tais ordens”. 12 B3. Co-location. Disponível em http://www.b3.com.br/pt_br/solucoes/hosting-colocation/data-center/data- center/co-location-em-spa.htm. Acesso em 03 out. 2020. 13 Para uma discussão sobre o tema, cf. COSTA, Isac. High Frequency Trading (HFT) em Câmera Lenta: Compreender para Regular. São Paulo: Almedina, 2020 (no prelo). 14 HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 79.
  • 10. 10 Arbitradores (arbitrageurs) procuram explorar ineficiências na formação de preços de ativos correlacionados15 . Desse modo, também utilizam dados de negociação de curtíssimo prazo para tomar suas decisões. Sua atuação auxilia na convergência de preços do mesmo ativo negociado em ambientes distintos, na eliminação de distorções de preços e no provimento de liquidez. Formadores de mercado (market makers) atuam contratualmente16 ou voluntariamente no provimento de liquidez para os investidores17 . Ao longo de uma sessão contínua de negociação, podem inserir ofertas em ambas as pontas do livro, procurando fazer com que o spread as quantidades nos melhores níveis de preço variem em torno de parâmetros pré- estabelecido. Sua remuneração pode ser exclusivamente da captura de movimentos no curto prazo ou, então, pode incorporar um valor estipulado pela parte que tem interesse no provimento de liquidez para aquele ativo. Por seu turno, investidores informados (informed traders)18 confrontam os dados de negociação com suas próprias avaliações das informações disponíveis, decidindo se irão comprar, vender ou manter posição em determinado ativo. Adicionalmente, as mesas de operação se valem das informações presentes no livro para gerenciar a execução de ofertas de seus clientes. Como mencionamos anteriormente, uma oferta de grande quantidade pode levar os investidores a inferir que haverá um iminente movimento abruto nos preços, o que pode levá-los a concretizar ou intensificar esse movimento. Se isto ocorrer, o custo médio da operação para o investidor que deseja negociar a quantidade expressiva será maior, pois será necessário executar ofertas em diversos níveis de preço. O evento de queda abrupta dos preços que atingiu mercados de quase todo o mundo em 06.05.2010 – o flash crash – foi causado exatamente pela execução rápida de uma quantidade muito superior à que estava presente no livro em um dado instante para minicontratos futuros de S&P500 e a interdependência entre as bolsas e o protagonismo dos algoritmos amplificaram o movimento no tempo e no espaço19 . 15 UNITED STATES SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Concept Release on Equity Market Structure. File No.: S7-02-10. Release 34-61358. Washington, Jan 14th 2010. Disponível em: https://www.sec.gov/rules/concept/2010/34-61358.pdf. Acesso em: 03 out. 2020. 16 Os formadores de mercado contratados são regulados pela Instrução CVM nº 384/2003, que autoriza às entidades administradoras de mercados organizados a expedição de regulamentos sobre sua forma de atuação. A matéria foi regulada também pela B3 por meio do Ofício Circular nº 004/2012-DIN. 17 ALDRIDGE, Irene. High Frequency Trading: a Practical Guide to Algorithmic Strategies and Trading Systems. 2. ed. New Jersey: Wiley, 2013, p. 166. 18 HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 222. 19 UNITED STATES COMMODITY FUTURES TRADING COMMISSION – CFTC. CFTC Charges U.K. Resident Navinder Singh Sarao and His Company Nav Sarao Futures Limited PLC with Price Manipulation and
  • 11. 11 O serviço de execução de ofertas é um diferencial significativo que é oferecido por corretoras, podendo representar uma fonte substancial de sua receita20 . A execução pode ser implementada por meio de algoritmos, que levam em conta as quantidades e preços presentes no livro, a dinâmica do spread, a tendência intradiária de movimentação dos preços, os volumes dos negócios já realizados parcialmente, para inserir ofertas ao longo do tempo e minimizar o custo médio da operação. Nesse contexto, podemos afirmar que a colocação de uma oferta de quantidade expressiva no livro de ofertas não é, por si só, nociva ao mercado, mas, em princípio, é desaconselhável por revelar a “pressa” daquele investidor em negociar naquele sentido e pela existência de alternativas mais eficientes de gestão da execução. Nada impede, porém, que alguém coloque uma oferta de quantidade expressiva – ou um conjunto de ofertas em níveis de preço próximos que, em conjunto, seja de quantidade expressiva – para executar uma estratégia legítima ou, então, em virtude de um erro operacional (manual ou de um algoritmo)21 . A essa altura, você pode estar se perguntando o que seria uma oferta de quantidade expressiva. Endereçaremos este aspecto na próxima seção, mas a noção básica é a de que seja uma quantidade que não possa ser atendida pelo que se tem no livro de ofertas sem causar um movimento atípico nos preços no curtíssimo prazo. 3.2. O blefe no livro de ofertas e suas consequências Até aqui assumimos implicitamente que os investidores consideram as informações do livro de ofertas de forma passiva, pois, embora sua atuação influencie a dinâmica do livro, há uma espécie de concorrência perfeita e ninguém, isoladamente, pode determinar o movimento dos preços no curtíssimo prazo. Todavia, essa premissa que não se verifica na prática, mesmo em ativos muito líquidos. Diante da presença de uma oferta de quantidade expressiva, os demais investidores que desejam negociar um ativo no curtíssimo prazo têm que decidir se irão aguardar ou melhorar os seus preços, inserindo ofertas de compra a preços maiores ou ofertas de venda a preços menores (ou alterando ofertas colocadas previamente). Para decidir, devem levar em conta se a Spoofing. Press Release pr7156-15. Washington, Apr. 21st 2015. Disponível em https://cftc.gov/PressRoom/PressReleases/7156-15. Acesso em 03 out. 2020. 20 A eficiência na execução de ofertas de grandes lotes, normalmente associadas a investidores institucionais é medida por parâmetros de referência (benchmarks), dentre os quais o mais comum é o VWAP (volume-weighted average price). Cf. HASBRUCK, Joel. Empirical Market Microstructure. The institutions, economics, and econometrics of securities trading. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 148-149. 21 KORSMO, Charles R. High-Frequency Trading: a Regulatory Strategy. University of Richmond Law Review, v. 48, n. 2, 2014, p. 527. Disponível em https://ssrn.com/abstract=2395915. Acesso em 03 out. 2020.
  • 12. 12 oferta expressiva é legítima ou se é um blefe, mas não têm como saber, de antemão, qual a real intenção do ofertante. Ainda, no livro de ofertas não são apresentadas informações sobre o beneficiário final de cada oferta, mas apenas da corretora por meio da qual se opera. Esses obstáculos não podem nos levar a concluir que é impossível blefar no livro de ofertas. O rápido cancelamento da oferta expressiva após um deslocamento dos preços no sentido oposto pode ser um sinal de que se tratava de um blefe. Em outros termos, se uma oferta de venda de grande quantidade é colocada no livro e os preços começam a cair e, pouco depois, abruptamente, a oferta é cancelada e os preços voltam a subir, é possível que a oferta que havia sido colocada anteriormente não tenha sido inserida com a intenção de ter sido executada. Surge, assim, um segundo parâmetro quantitativo além da quantidade da oferta expressiva: o tempo de permanência no livro da oferta. Ainda, em se tratando de um jogo sequencial22 , os investidores podem suspeitar que alguém que opera por meio de determinada corretora está disposto a blefar sucessivas vezes. A lógica é a mesma utilizada em partidas de pôquer nas quais se associa a um jogador a probabilidade de que esteja blefando a partir da quantidade de blefes em rodadas prévias. Portanto, surge um terceiro parâmetro quantitativo: a recorrência do blefe. Uma vez que seja determinado que ofertas a partir de certa quantidade são expressivas e, uma vez canceladas antes de certo tempo mínimo, a recorrência deste padrão de atuação leva à conclusão de que é elevada a probabilidade de que se trata de um blefe. Mas o que ganha o blefador ao induzir um movimento de preços? Um indício adicional para a caracterização do blefe é a presença de uma oferta-alvo, pertencente ao blefador, na ponta oposta do livro. Desse modo, a oferta expressiva que não se desejava executar tem como propósito elevar ou reduzir os preços para que a oferta-alvo seja executada. Se o cancelamento da oferta expressiva ocorrer imediatamente tal execução, então o padrão de atuação se aproxima ainda mais de um blefe. No pôquer, o blefe é uma estratégia legítima, não havendo questionamentos acerca do ganho auferido pelo vencedor às custas dos que optaram por não pagar para ver as cartas. Contudo, não se pode dizer o mesmo do blefe no livro de ofertas. 22 “Há situações, contudo, em que os jogadores efetivamente tomam suas decisões conhecendo antecipadamente as escolhas dos demais jogadores. Pense, por exemplo, em uma partida de xadrez. Ao chegar sua vez de jogar, cada jogador conhece as decisões de seu adversário. Desse modo, ao tomarem suas decisões, os jogadores possuem maior informação do que aquela que é suposta ao modelarmos uma situação de interação estratégica como um jogo simultâneo. Isso, juntamente com o fato de que estamos considerando sempre que os jogadores são racionais, não nos permite supor que os jogadores tomem suas decisões ignorando o que os demais jogadores decidiram nas etapas anteriores do jogo, uma vez que seja possível ter o acesso a essa informação. Isso seria o equivalente a imaginar um jogador de xadrez que toma suas decisões sem considerar os movimentos feitos pelo seu adversário até ali”. Cf. FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, Cap. 6.
  • 13. 13 Se os investidores levam em conta as informações do livro de oferta – tais como momentum traders, arbitradores, market makers, brokers gerenciando a execução de ofertas para seus clientes e até mesmo investidores informados – então sua atuação legítima pode ser prejudicada pela presença de blefes, de sorte que determinado investidor (o blefador) pode se apropriar de parte do preço e elevar o custo das operações dos demais investidores, comprometendo os objetivos de sua atuação, que são benéficos para o mercado. De acordo com Larry Harris, trata-se de uma espécie de manipulação de mercado23 : Market manipulation occurs when bluffers or their victims cause prices to change from what they would be if the bluffers did not pursue their bluffing strategies. [...] If the bluffers do not openly fabricate information or arrange wash trades with conspirators, they often can easily defend themselves by claiming that they were engaged in legitimate trading strategies. Bluffers profit by encouraging traders to sell when the bluffers want to buy and to buy when the bluffers want to sell. They do this by producing or distributing information that their victims use to form opinions about future prices. Como veremos a seguir, o blefe no livro de ofertas é proibido em diversos países, com fundamento na alteração do regular processo de formação de preços. Entende-se que não é permitida a utilização de ofertas expressivas para alterar (ou tentar alterar) a dinâmica da formação de preços. Ainda, como o Colegiado da CVM explicitou nos precedentes de relatoria do Diretor Gustavo Gonzalez, discutidos na seção 4, a informação é o principal bem jurídico tutelado pela regulação do mercado, a qual busca mitigar assimetrias de informação. As informações do livro de ofertas são matéria-prima para decisões de investimento e, por isso, o processo de formação de preços não deve sofrer interferências indevidas que gerem sinais equivocados aos agentes econômicos. 3.3. Definição de layering e spoofing Em nossa exposição até aqui, evitamos deliberadamente a utilização dos termos layering e spoofing, para que não nos detenhamos em uma preocupação terminológica, mas sim na essência da estratégia considerada prejudicial ao mercado. Se a rosa tem o mesmo perfume a despeito do nome que lhe é dado, então é possível verificar se certa conduta se enquadra na descrição abstrata contida na norma proibitiva, a despeito da nomenclatura adotada. 23 HARRIS, Larry. Trading and Exchanges: Market Microstructure for Practitioners. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 265.
  • 14. 14 As definições apresentadas a seguir são de elaboração do próprio autor, sintetizando as definições encontradas nos atos normativos e documentos discutidos na presente seção. Spoofing é a conduta por meio da qual se insere uma oferta de quantidade expressiva com o intuito de induzir os agentes de mercado a melhorarem os preços de suas ofertas e, com isso, movimentar os preços até que uma ou mais ofertas-alvo sejam atingidas e, então, ocorra o cancelamento da oferta de quantidade expressiva. Layering é uma conduta congênere, cuja única diferença reside no fato de que a quantidade expressiva decorre de múltiplas ofertas do mesmo investidor em diferentes níveis de preço, todos próximos ou iguais aos melhores níveis de preço de compra (bid) ou de venda (ask). Em ambos os casos, quanto mais distante a oferta-alvo se encontra dos melhores níveis de preço, mas intenso deve ser o movimento induzido para que venha a ser executada. A IOSCO24 define spoofing como uma prática abusiva por meio da qual são utilizadas ofertas limitadas para manipular preços e layering como uma estratégia de colocação de múltiplas ofertas em diferentes quantidades e níveis de preços, gerando um volume relevante de ofertas e altas taxas de cancelamento. Tais ordens têm uma duração muito curta e são canceladas em um segundo ou menos. Na União Europeia, a ESMA definiu a prática em comento como modalidade de abuso de mercado (market abuse) na Diretiva 2003/6/CE 25 , enfatizando a presença de uma oferta- alvo na ponta oposta do livro e a elevada taxa de cancelamento como elementos relevantes para a verificação da prática no caso concreto. 24 “Spoofing: is an abusive practice where the use of displayed limit orders are used to manipulate prices; layering: with this strategy a layers the book with multiple bids and offers at different prices and sizes, generating an enormous volume of orders and high cancellation rates of 90% of more. The orders also may have an extremely short duration before they are cancelled if not executed, often of a second or less”. Cf. INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS - IOSCO. Regulatory Issues Raised by the Impact of Technological Changes on Market Integrity and Efficiency. Final Release. Madrid, 10/2011, p. 30, nota 49. Disponível em: https://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD361.pdf. Acesso em 03 out. 2020. 25 “e. Submitting multiple or large orders to trade often away from the touch on one side of the order book in order to execute a trade on the other side of the order book. Once the trade has taken place, the orders with no intention to be executed will be removed – usually known as layering and spoofing. This practice may also be illustrated the following additional indicator of market manipulation: i. The indicator described in paragraph 9(f)(i). [9 (f) (i). High ratio of cancelled orders (e.g. order to trade ratio) which may be combined with a ratio on volume (e.g. number of financial instruments per 20 order).]”. EUROPEAN SECURITIES AND MARKETS AUTHORITY. ESMA’s technical advice on possible delegated acts concerning the Market Abuse Regulation. Final Report. Paris, Feb, 3 2015, p. 20-21. Disponível em: https://www.esma.europa.eu/document/esma%E2%80%99s-technical-advice-possible-delegated-acts- concerning-market-abuse-regulation. Acesso em 03 out. 2020.
  • 15. 15 Nos Estados Unidos, a SEC enfatiza o caráter efêmero das ofertas em ambas as práticas26 , proibindo-as de acordo com o disposto na § 9(a)(2) 27 , § 10(b)28 do Securities and Exchange Act de 1934 e na Rule 10b-529 . Também nos Estados Unidos, a CFTC, regulador do mercado de commodities e derivativos, utiliza apenas o termo spoofing para abranger as condutas aqui discutidas como a apregoação realizada com a intenção de cancelar a oferta antes de sua execução, criando falsa liquidez30 . A proibição se encontra na § 6c (a) (5) do Commodity Exchange Act de 1936, introduzida pelo Dodd-Frank Act em 201031 . A FINRA, entidade autorreguladora dos intermediários norte-americanos proíbe a conduta de apregoação e negociação disrputiva na Rule 521032 . 26 “If the proprietary firm is layering the book with multiple bids and offers at different prices and sizes, this strategy can generate an enormous volume of orders and high cancellation rates of 90% of more. The orders also may have an extremely short duration before they are cancelled if not executed, often of a second or less”. (United States Securities and Exchange Commission. Concept Release on Equity Market Structure. Release No. 34-61358; File No. S7-02-10. Washington, 2010, p. 49. Disponível em https://www.sec.gov/rules/concept/2010/34-61358.pdf. Acesso em 03 out. 2020. 27 “9 (a) It shall be unlawful for any person, directly or indirectly, by the use of the mails or any means or instrumentality of interstate commerce, or of any facility of any national securities exchange, or for any member of a national securities exchange – (2) To effect, alone or with 1 or more other persons, a series of transactions in any security other than a government security, any security not so registered, or in connection with any security- based swap or security-based swap agreement with respect to such security creating actual or apparent active trading in such security, or raising or depressing the price of such security, for the purpose of inducing the purchase or sale of such security by others. [15 U.S.C § 78i(a)(2)]” 28 “10 It shall be unlawful for any person, directly or indirectly, by the use of any means or instrumentality of interstate commerce or of the mails, or of any facility of any national securities exchange (b) To use or employ, in connection with the purchase or sale of any security registered on a national securities exchange or any security not so registered, or any securities-based swap agreement any manipulative or deceptive device or contrivance in contravention of such rules and regulations as the Commission may prescribe as necessary or appropriate in the public interest or for the protection of investors. [15 U.S.C § 78j(b)]” 29 “10b-5 Employment of manipulative and deceptive devices. It shall be unlawful for any person, directly or indirectly, by the use of any means or instrumentality of interstate commerce, or of the mails or of any facility of any national securities exchange, (a) To employ any device, scheme, or artifice to defraud, (b) To make any untrue statement of a material fact or to omit to state a material fact necessary in order to make the statements made, in the light of the circumstances under which they were made, not misleading, or (c) To engage in any act, practice, or course of business which operates or would operate as a fraud or deceit upon any person, in connection with the purchase or sale of any security. [17 C.F.R. §240.10b-5]” 30 UNITED STATES COMMODITY FUTURES TRADING COMMISSION. Interpretive Guidance and Policy Statement on Disruptive Practices. Washington, May 16th 2013. Disponível em https://www.cftc.gov/PressRoom/Events/opaevent_cftcstaff051613. Acesso em 02 out. 2020. 31 “§6c. Prohibited transactions (a) In general […] (5) Disruptive practices It shall be unlawful for any person to engage in any trading, practice, or conduct on or subject to the rules of a registered entity that— (A) violates bids or offers; (B) demonstrates intentional or reckless disregard for the orderly execution of transactions during the closing period; or (C) is, is of the character of, or is commonly known to the trade as, ‘spoofing’ (bidding or offering with the intent to cancel the bid or offer before execution).” 32 “(b) Disruptive quoting and trading activity shall include a frequent pattern in which the following facts are present: (1) Disruptive Quoting and Trading Activity Type 1: (A) a party enters multiple limit orders on one side of the market at various price levels (the "Displayed Orders"); and (B) following the entry of the Displayed Orders, the level of supply and demand for the security changes; and (C) the party enters one or more orders on the opposite side of the market of the Displayed Orders (the "Contra-Side Orders") that are subsequently executed; and (D) following the execution of the Contra-Side Orders, the party cancels the Displayed Orders. (2) Disruptive Quoting and Trading Activity Type 2: (A) a party narrows the spread for a security by placing an
  • 16. 16 No Brasil, BSM33 define spoofing e layering como práticas abusivas de criação de liquidez artificial com o intuito de influenciar investidores a gerar negócios do lado oposto do livro e, após a realização de negócios bem sucedidos pelo manipulador, a liquidez artificial é cancelada. A distinção entre as práticas, segundo a BSM, reside no fato de que, no caso de spoofing, a liquidez artificial é criada com ofertas de tamanho fora do padrão do livro e, no caso de layering, via ofertas em níveis sucessivos de preços, criando uma camada de ofertas artificias que representa uma barreira a ser superada. Vejamos, a seguir, como layering e spoofing são consideradas pela CVM como variantes de manipulação de mercado, conduta definida no inciso II da Instrução CVM nº 08/1979 e proibida pelo inciso I da mesma Instrução, consistindo na “utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda”. 4. Layering e spoofing como manipulação de mercado 4.1. Os precedentes da CVM A tabela a seguir lista os precedentes julgados pela CVM até setembro de 2020 sobre o tema, indicando o Diretor Relator e a penalidade imposta em cada caso, bem como uma designação a ser utilizada para referenciar os casos no restante do texto. Caso Processo Relator Penalidade Spoofing A 19957.005977/2016-18 j. em 13.03.2018 Dir. Henrique Machado R$684.000,00 e R$1.710.000,00 (2x vantagem econômica obtida) Layering A 19957.006019/2018-26 j. em 01.10.2019 Pres. Marcelo Barbosa R$2.233.623,47 (1,5x vantagem econômica obtida) Layering B 19957.000592/2019-15 j. em 02.06.2020 Dir. Gustavo Gonzalez R$450.000,00 (valor arbitrado) Layering C 19957.005452/2016-82 j. em 02.06.2020 Dir. Gustavo Gonzalez R$246.615,60 (1,5x vantagem econômica obtida) Layering D 19957.007543/2019-03 j. em 02.06.2020 Dir. Gustavo Gonzalez R$450.000,00 (valor arbitrado) Layering E 19957.007809/2018-29 j. em 02.06.2020 Dir. Gustavo Gonzalez R$450.000,00 (valor arbitrado) order inside the national best bid and national best offer ("NBBO"); and 23. (B) the party then executes an order on the opposite side of the market that executes against another market participant that joined the new inside market established by the order described in subparagraph (A)”. FINRA. Rule 5210. Publication of Transactions and Quotations. Disponível em: https://www.finra.org/rules-guidance/rulebooks/finra-rules/5210. Acesso em 03 out. 2020. 33 BSM SUPERVISÃO DE MERCADO – BSM. Painel: Monitoração de ofertas – Spoofing e Layering Workshop sobre Monitoração de Práticas Abusivas de Ofertas, de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e de Controles Internos de Suitability. São Paulo, 23 nov. 2016. Disponível em https://www.bsmsupervisao.com.br/assets/file/noticias/Monitoraca_Ofertas.pdf. Acesso em 03 out. 2020.
  • 17. 17 Spoofing B 19957.009864/2019-34 j. em 04.08.2020 Dir. Gustavo Gonzalez R$403.352,61 (1,5x vantagem econômica obtida) Tabela 3. Precedentes da CVM sobre layering e spoofing até setembro de 2020. Merece destaque o fato de que, nos precedentes de Layering B, D e E, o valor da multa foi arbitrado e não tomou como base a vantagem econômica obtida, porque, como apontou o Diretor Relator Gustavo Gonzalez, acompanhado pelos demais membros do Colegiado da CVM, havia falsos positivos na seleção de dados apresentada pela acusação, o que inviabilizaria um cálculo preciso do benefício auferido. Assim, a penalidade fixada tomou como referência os casos de manipulação nos quais não se pôde mensurar objetivamente a vantagem econômica obtida34 . Tornaremos a esse ponto quando discutirmos os filtros de detecção na próxima seção. Nas seções que seguem, são apresentados os argumentos de acusação e defesa, de forma consolidada, permitindo uma visão geral de quais são os fatores relevantes para a formação da convicção dos julgadores da CVM. Embora a sistematização tome como base as semelhanças nos casos em questão, as peculiaridades de cada caso são ressaltadas no contexto de argumentos específicos de defesa. Tanto para layering como para spoofing, a prática manipuladora é descrita nos precedentes como um ciclo composto pelas seguintes etapas: a) Criação de falsa liquidez, com colocação de uma ou mais ofertas com quantidade expressiva; b) Inserção de oferta-alvo na ponta oposta do livro pouco antes ou pouco depois da inserção de oferta aparente; c) Execução da oferta-alvo após movimento dos preços; e d) Cancelamento da(s) oferta(s) artificial(is). 4.2. Os filtros de detecção Vimos anteriormente que a caracterização de um blefe depende de algumas definições, tais como o que faz com que uma quantidade seja expressiva em relação às demais ofertas, seu tempo de permanência no livro e qual o grau de recorrência da prática, a fim de concluir, com elevado grau de probabilidade, que determinado investidor deseja manipular o mercado. Nos precedentes analisados, os dados de negociação foram processados pela BSM, que aplicou filtros de detecção acordados com a área técnica da CVM. 34 PAS CVM no SP2001/0236, Rel. Dir. Eli Loria, j. em 19.07.2004; PAS CVM no SP2003/0445, Rel. Dir. Wladimir Castelo Branco Castro, j. em 21.03.2005; PAS CVM no 12/2004, Rel. Dir. Alesandro Broedel Lopes, j. em 11.05.2010. PAS CVM no SP2010/178, Rel. Dir. Roberto Tadeu Antunes Fernandes, j. em 25.03.2014; PAS CVM no 02/2014, Rel. Dir. Carlos Alberto Rebello Sobrinho, j. em 17.12.2019.
  • 18. 18 Em todos os precedentes de Layering, os parâmetros de detecção utilizados foram: (1) inserção de, no mínimo, 4 (quatro) ofertas artificiais no intervalo de 10 (dez) minutos; (2) colocação de oferta no lado oposto do livro; (3) execução do negócio pretendido; e (4) cancelamento de todas as ofertas artificiais após a etapa anterior. Nota-se que o tempo de permanência das ofertas no livro não foi levado em consideração. Nos precedentes de Spoofing, houve mudanças nos parâmetros utilizados, conforme apontado na tabela a seguir. Parâmetro Spoofing A35 Spoofing B36 Tamanho da oferta em relação às quantidades ofertadas do ativo Ofertas seis vezes maiores que o tamanho médio praticado pelo mercado nos três pregões que antecederam o negócio. Quantidade maior do que a média das ordens inseridas no pregão anterior do ativo mais 3 desvios-padrões. Tamanho da oferta em relação às demais ofertas presentes no livro Ofertas de tamanho pelo menos 1,8 vezes maior que a soma de todas as outras ofertas constantes no mesmo lado do livro do ativo, até o terceiro nível de preço. Oferta deve representar pelo menos 30% do total das ofertas até o nível de preço que ela está inserida. Nível de preço das ofertas do manipulador Oferta no lado oposto do livro até o quinto nível de preço no instante da execução do negócio em nome do cliente. Ofertas inseridas até o quinto melhor nível de preço. Tempo de permanência no livro Menos de dez segundos. Menor do que a média de intervalo entre cada negócio do ativo no pregão anterior. Quantidade cancelada da oferta artificial N/A 100% da oferta é cancelada ou alterada para um nível de preço pior. Tabela 4. Parâmetros de detecção de spoofing. 35 “(i) oferta no lado oposto do livro até o quinto nível de preço no momento em que foi executado o negócio em nome do cliente; (ii) ofertas de tamanho pelo menos 1,8 vezes maior que a soma de todas as outras ofertas constantes no mesmo lado do livro do ativo, até o terceiro nível de preço; (iii) ofertas seis vezes maiores que o tamanho médio praticado pelo mercado nos três pregões que antecederam o negócio e; (iv) que tenham permanecido menos de dez segundos no livro do ativo”. Cf. PAS CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Moreira, j. em 13.03.2018. 36 “a) Tamanho da oferta: quantidade maior do que a média das ordens inseridas no pregão anterior do ativo mais 3 desvios-padrões; b) Nível de preço: ofertas inseridas até o 5º (quinto) melhor nível de preço; c) Participação da oferta artificial no mercado: para ser considerada artificial, a oferta representar, no mínimo, 30% do total das ofertas até o nível de preço que ela está inserida; d) Cancelamento: 100% da oferta é cancelada ou alterada para um nível de preço pior; e e) Tempo de permanência após a execução do negócio: menor do que a média de intervalo entre cada negócio do ativo no pregão anterior”. Cf. PAS CVM nº 19957.009864/2019-34, Rel. Dir. Gustavo Gonzalez, j. 04.08.2020.
  • 19. 19 Nota-se uma modificação dos parâmetros no precedente de Spoofing B, de modo a especificar qual o limite a partir do qual uma quantidade é considerada expressiva, qual a amplitude dos níveis de preço que permitem concluir que pode haver manipulação, qual a relevância da oferta tida como artificial em relação às demais ofertas no livro e aspectos do cancelamento – a oferta deve ser integralmente cancelada o alterada para um nível de preço pior e sua permanência no livro deve ser considerada atípica com relação a um parâmetro objetivo: a média de tempo entre negócios daquele mesmo ativo no pregão anterior. A área técnica da CVM enumera todas as atuações do acusado filtradas com base nos parâmetros de detecção, denominando-as de “estratégias” e especificando informações sobre: (a) livro de ofertas antes da atuação do manipulador; (b) ofertas inseridas pelo manipulador, seu horário de inserção e cancelamento, preço e quantidade; (c) negócios realizados pelo manipulador, com horário, preço e quantidade. Tais informações são reproduzidas no Voto para estratégias selecionadas, de modo a ilustrar a dinâmica de um ciclo de manipulação mediante layering ou spoofing. Veja na tabela a seguir, por exemplo, um conjunto de informações sobre as estratégias apontadas como manipuladoras, extraídas do precedente de Spoofing B. Pelas informações da Tabela, vemos que o acusado R. D. inseriu uma oferta de compra de 25.000 ações a R$4,90 às 14:19:52.424. Menos de quatro segundos depois, inseriu uma oferta de venda de 500.000 ações a R$4,91às 14:19:56.260, uma quantidade muito superior à das demais ofertas presentes no livro. Ao que tudo indica, um investidor inseriu uma oferta de venda de 50.600 ações a R$4,90 às 14:19:56.467, cerca de 200ms após a oferta expressiva de R. D. e, com isso, agrediu as ofertas na ponta oposta do livro, dentre as quais se encontrava a oferta-alvo inicial do acusado. Como narrado no Voto do processo indicado, a oferta expressiva foi cancelada cerca de dois segundos após a execução da oferta-alvo. Ofertas de Compra Ofertas de Venda Hora de registro Investidor Corretora Qtd Preço (R$) Preço (R$) Qtd Corretora Investidor Hora de registro 14:19:21.774 40 12.100 4,90 4,90 50.600 8 14:19:56.467 14:19:44.172 122 200 4,90 4,91 100 3 14:19:44.931 14:16:32.263 59 800 4,90 4,91 4.500 85 14:19:47.346 14:14:38.250 59 300 4,90 4,91 100 120 14:19:47.349 14:19:47.506 3 1.500 4,90 4,91 4.000 40 14:19:47.351 14:19:48.302 3 2.000 4,90 4,91 1.000 3 14:19:47.431 14:19:04.455 72 100 4,90 4,91 5.000 8 14:19:47.743 14:19:52.424 R. D. 37 25.000 4,90 4,91 100 735 14:19:50.324 14:19:33.822 147 1.200 4,90 4,91 50.000 735 14:19:53.450 14:19:16.710 40 300 4,90 4,91 400 8 14:19:54.467 14:19:16.712 40 300 4,90 4,91 1.000 3 14:19:55.698 4:19:33.816 8 300 4,89 4,91 1.000 3 14:19:55.970 14:19:33.823 8 400 4,89 4,91 500.000 37 R. D. 14:19:56.260 Tabela 5. Estratégia de spoofing descrita no PAS nº19957.009864/2019-34
  • 20. 20 Da análise dos precedentes, entretanto, verifica-se que não foram fornecidas informações integrais sobre a composição do livro de ofertas durante o ciclo apontado como manipulador nem sobre os negócios realizados entre investidores que não envolveram o acusado de manipulação. Um dado adicional importante nesta discussão é que nos casos de spoofing e layering conduzidos pela CFTC e pela SEC os parâmetros de detecção não são divulgados nos documentos disponibilizados ao público nas divulgações existentes em seus websites. Nos precedentes de Layering B, D e E, o Diretor Gustavo Gonzalez reconheceu a existência de ofertas consideradas como artificiais pela acusação e que permaneceram no livro por vários minutos. Por essa razão, houve dúvida se teriam sido inseridas sem a intenção de que fossem executadas e se seriam aptas a alterar as cotações dos ativos negociados. A ausência de um parâmetro de tempo de permanência da oferta na detecção de layering foi considerada inconsistente com a metodologia adotada para a detecção de spoofing, que leva em conta o tempo de cancelamento da oferta tida como artificial após a execução da oferta-alvo. Por essa razão, o não preenchimento dos filtros de detecção para alguns casos teria inserido “falsos positivos” na amostra, impossibilitando o cálculo preciso da vantagem econômica obtida. Em vez de determinar a segregação dessas operações – possivelmente porque não seria possível estabelecer um parâmetro a posteriori37 – o Diretor Gustavo Gonzalez concluiu que houve manipulação de mercado e propôs o arbitramento de multa, o que foi acolhido pelos demais membros do Colegiado. 4.3. Prova indiciária e subsunção da conduta ao tipo administrativo de manipulação de mercado A premissa básica das acusações de layering e spoofing é a de que as ofertas caracterizadas como artificiais de acordo com os parâmetros de detecção foram determinantes para atrair contrapartes de modo a mover os preços a ponto de permitir a execução da(s) oferta(s)-alvo do manipulador na ponta oposta do livro, dada a reação imediata dos demais participantes de negociação ao sinal de pressão compradora ou vendedora. Essa reação é expressa pela inserção ou alteração de ofertas em níveis de preço melhores que os da(s) oferta(s) artificial(is). 37 “Não considero adequada a fixação de um limite objetivo e estanque para este intervalo de tempo, o que não só levaria a um critério que, invariavelmente, acabaria por ser mais abrangente ou mais restritivo do que o que o tipo da Instrução CVM nº 08/1979 quis abarcar, como, também, poderia permitiria aos destinatários da norma burlá-la a partir de pequenas variações a partir desse limite”. Cf. PAS CVM nº 19957.000592/2019-15, Rel. Dir. Gustavo Gonzalez, j. e 02 jun. 2020.
  • 21. 21 Se, por exemplo, o spread está entre R$10,00 (bid) e R$10,10 (ask) e um manipulador insere uma oferta expressiva de compra a R$10,03 e uma oferta alvo a R$ 10,08, presume-se que outros compradores podem surgir e elevar os preços para, por exemplo, R$ 10,08, de modo que a oferta-alvo seja agredida. O manipulador não tem a intenção de executar a oferta expressiva, tida como artificial, mas sim a oferta-alvo. Em todos os precedentes analisados, não é levada em consideração qual a vantagem obtida diretamente pelo manipulador com a execução da oferta-alvo. O benefício econômico é calculado pelo produto entre quantidade executada e a diferença entre o melhor preço antes da manipulação e o preço da oferta-alvo. No exemplo em questão, o melhor preço de compra (bid) antes da inserção de oferta expressiva era de R$ 10,00. Como a oferta-alvo foi executada a R$ 10,08, então, para 100 ações, o benefício auferido foi de 100 × (R$10,08 – R$10,00) = 100 × R$0,08 = R$8,00. Normalmente, o valor do benefício de cada estratégia é relativamente reduzido em termos absolutos, mas, como se pode ver pelo montante das penalidades aplicadas, a recorrência dos ciclos manipuladores fez com que o resultado agregado fosse expressivo. Nos casos analisados, a subsunção das condutas de layering e spoofing ao tipo administrativo de manipulação de mercado se deu nos seguintes termos, pela acusação: a) Utilização de processo ou artifício: inserção de ofertas artificiais no livro de ofertas, com o intuito de serem canceladas antes de sua execução; b) Destinados a promover cotações enganosas, artificiais: as ofertas artificiais têm a finalidade de sinalizar pressão compradora ou vendedora. c) Induzindo terceiros a negociar valores mobiliários cujas cotações foram artificialmente produzidas: as ofertas artificiais foram aptas a induzir terceiros a melhorarem os preços de suas ofertas, resultando em uma alteração das cotações; d) Presença do dolo, ainda que eventual, de alterar as cotações e induzir terceiros a negociar com base nessas cotações falsas: as características das ofertas artificiais a partir dos parâmetros de detecção demonstram a intenção do investidor de manipular o mercado. Como apontado pelo Diretor Gustavo Gonzalez nos precedentes de Layering B, C, D e E e no precedente de Spoofing B: A conclusão de que determinadas estratégias configuram manipulação de preço decorre da combinação de diversos fatores: (i) a apregoação contemporânea de ofertas em ambos os lados do livro; (ii) as características das ofertas colocadas em cada um dos lados do livro; e (iii) o cancelamento das ofertas colocadas em um dos lados do livro pouco após a realização de um negócio na ponta oposta, especialmente (iv) quando observadas de modo
  • 22. 22 reiterado. É esse conjunto convergente de fatores que usualmente permite ao julgador formar convicção de que a liquidez ofertada em um dos lados do livro era artificial e buscava, somente, transmitir um sinal enganoso para que os demais investidores atuassem no outro lado do livro, viabilizando o negócio do manipulador. Ainda, para o Diretor Gustavo Gonzalez, o fato de um ciclo de ofertas e negócios ter sido capturado pelos filtros de detecção não significa, de imediato, que estamos diante de uma manipulação de mercado, devendo ser provado que as ofertas apontadas como manipuladoras foram inseridas sem a intenção de serem executadas. Em outros termos, os filtros de detecção não correspondem a filtros de ilicitude. A ideia é expressa nos seguintes trechos do Voto do Precedente de Layering B (grifamos)38 : A ilicitude das práticas de layering e spoofing advém do fato de que o investidor coloca oferta(s) em determinado lado do livro sem a intenção de executá-la(s), com o propósito de alterar o processo de formação de preço e viabilizar, assim, a execução de um negócio na ponta oposta. Vê-se, portanto, que é a intenção do investidor que, em última instância, distingue a manipulação de padrões legítimos de negociação. [...] Os casos já julgados demonstram a importância dos filtros estatísticos para a detecção dos ilícitos de mercado. É importante esclarecer que, embora as ferramentas de supervisão sejam ajustadas com base em critérios objetivos, não se pode definir os tipos administrativos da Instrução CVM nº 08/1979, em especial a manipulação de preços, com base exclusivamente em parâmetros dessa natureza. Ou seja, não se pode considerar os filtros de detecção como “filtros de ilicitude”, pois essa decorre da subsunção da conduta ao tipo normativo. Dessa observação resultam duas consequências. A primeira é de que os parâmetros utilizados podem variar ao longo do tempo e mesmo conforme as peculiaridades de cada caso. Deve-se, contudo, atentar para que os parâmetros sejam determinados de forma cuidadosa, a fim de que a amostra obtida seja consistente com o tipo administrativo cuja eventual prática se está apurando. A segunda é que a identificação de determinadas estratégias a partir dos filtros estatísticos deve ser considerada uma prova indireta, de natureza indiciária, que pode, portanto, ser contraditada por contra-indícios ou outras provas em sentido contrário. A demonstração do dolo, por conseguinte, exige provas adicionais. O Diretor Gustavo Gonzalez afirma no precedente de Spoofing B que, dentre os indícios que reforçam a natureza ilícita do ciclo capturado pelos filtros de detecção, pode-se ter: (a) o tempo de permanência da oferta artificial no livro antes de seu cancelamento; (b) a ausência de fundamentação econômica legítima para a inserção e cancelamento das ofertas apontadas como artificiais; e (c) a recorrência do padrão de atuação. 38 PAS CVM nº 19957.000592/2019-15, Rel. Dir. Gustavo Gonzalez, j. em 02.06.2020.
  • 23. 23 Naquela ocasião, o Diretor Relator explicitou os seguintes fatores determinantes para a formação de sua convicção nos casos por ele relatados da seguinte forma (grifamos): De modo geral, o dolo do agente e o caráter artificioso das ofertas apregoadas, elementos indispensáveis para a caracterização da manipulação de preços, decorrem de um conjunto convergente de fatores: (i) a apregoação contemporânea de ofertas em ambos os lados do livro; (ii) as características das ofertas colocadas em cada um dos lados do livro; e (iii) o cancelamento das ofertas colocadas em um dos lados do livro pouco após a realização de um negócio na ponta oposta, especialmente (iv) quando observadas de modo reiterado. [...] A utilização de processo ou artifício previsto na norma restou caracterizada pelas etapas de: (i) inserção de oferta com lote expressivo com a finalidade exclusiva de promover a criação de uma camada artificial de ofertas no livro, exercendo pressão artificial sobre o processo de formação de preços (artifício); (ii) influência no preço do negócio realizado pelo mesmo comitente do lado oposto do livro com terceiros; (iii) cancelamento imediatamente subsequente ao negócio realizado no lado oposto das ofertas artificiais sem serem executadas (evidência de dolo); e (iv) repetição sistemática do ciclo, de modo a confirmar o dolo e afastar, no conjunto da obra, a relevância de eventual influência externa. Assim, o tempo de permanência no livro e a recorrência do padrão de atuação parecem ter sido os critérios mais importantes para ensejar a condenação naquele caso e nos demais casos de relatoria do Diretor Gustavo Gonzalez. No precedente de Spoofing A, a recorrência dos ciclos manipuladores, em milhares de estratégias, foi apontada pelo Diretor Henrique Machado como o fator determinante para a verificação da materialidade da conduta39 . A mera presença de ofertas de um investidor em ambos os lados do livro, o registro de ofertas expressivas e o cancelamento rápido de ofertas não seriam, isoladamente, irregulares. Porém, a conjugação desses fatores de modo recorrente demonstraria o propósito de manipular o mercado mediante um processo destinado a alterar a cotação de valores mobiliários e induzir terceiros à sua compra e venda40 . 39 “Com efeito, os anexos do termo de acusação apresentam milhares de operações irregulares praticadas pelos Acusados mediante estratégias claras de spoofing. São centenas de tabelas em que se pode verificar nitidamente a estratégia negocial utilizada, marcada por uma oferta extraordinariamente elevada em um dos lados do livro e o seu cancelamento rápido logo após a execução de outras ofertas do lado oposto do livro”. Cf. PAS CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Machado, j. em 13.03.2018. 40 “O processo destinado a alterar a cotação de preços e induzir terceiros a sua compra ou venda requer, de um lado, a existência de uma oferta de magnitude suficiente a alterar a cotação de um ativo e, de outro, a existência de uma outra oferta do mesmo participante que se beneficia da variação de preço. Ao mesmo tempo, o curtíssimo intervalo de permanência da oferta expressiva, corroborado pelo alto índice de cancelamento dessa mesma oferta e pelo padrão reiterado de operação, evidenciam a conduta preordenada do participante. Ou seja, demonstra de forma objetiva que no início da estratégia de atuação já não havia a intenção de concretizar a oferta expressiva mas, tão somente, induzir terceiros à adquirir seus ativos do outro lado do livro de ofertas”. Cf. PAS CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Machado, j. em 13.03.2018.
  • 24. 24 Embora ausente em todos os precedentes analisados, um indício adicional apontado como passível de corroborar o caráter artificial das ofertas seria a atipicidade das operações, dos resultados e da taxa de cancelamento das ofertas, com relação ao histórico do próprio investidor e dos demais investidores em contextos comparáveis. Ao julgar o precedente de Layering A, o Presidente Marcelo Barbosa definiu a questão fundamental para formação de sua convicção nos seguintes termos41 : O desafio do regulador, diante do caso concreto, é determinar se o conjunto probatório apresentado pela acusação é suficiente para a configuração dos tipos administrativos previstos na legislação e na regulamentação. Não sendo este o caso, a proposta da acusação não poderá ser aceita. Além de rechaçar o argumento de defesa de que a prática seria inédita e não haveria proibição na legislação vigente, como detalharemos na próxima seção, o Presidente Marcelo Barbosa afirmou que houve uma “conduta pré-ordenada, consciente e intencional” de manipulação de mercado em razão da prática reiterada e sistemática de inserção, execução e cancelamento de ofertas, sem que fosse apresentado motivo plausível para sua realização e, adicionalmente, naquele caso houve um indício adicional: após ter sido notificado por intermediários de que sua atuação era irregular, o acusado passou a atuar por outro intermediário. Esse indício adicional de mudança de intermediário após notificação também foi observado nos precedentes de Layering B, D e E. 5. Argumentos de defesa Nesta seção, sistematizamos os argumentos de defesa trazidos nos precedentes analisados no tocante ao mérito da acusação e como foram apreciados pelo Colegiado da CVM. 5.1. A prática de layering ou spoofing não é proibida e outras variações de erro de proibição Em todos os precedentes, os acusados alegaram acreditar que sua sistemática de negociação era legítima e, ainda, que a conduta descrita não se enquadraria na definição de spoofing e layering de outros países ou, então, não haveria tal proibição na legislação do mercado de valores mobiliários brasileiro. No precedente de Spoofing A, merecem destaque dois argumentos adicionais. Primeiro, a prática apontada como ilícita seria corriqueira no mercado e jamais fora questionada pela CVM. Segundo, a inexistência de proibição da conduta no mercado brasileiro poderia ser 41 PAS CVM nº 19957.006019/2018-26, Rel. Pres. Marcelo Barbosa, j. em 01 out. 2019.
  • 25. 25 depreendida da confusão conceitual entre CVM e BSM, pois esta considerou que a prática configurava criação de condições artificiais de demanda42 e não manipulação de mercado. Ao julgar o caso, o Diretor Henrique Machado afirmou que o tipo de spoofing, de fato, não existe no arcabouço normativo brasileiro, legal ou infralegal e não seria necessário discorrer sobre sua definição abstrata na legislação internacional ou que a prática se subsumiria a uma definição normativa de spoofing, mas sim à definição de manipulação de preços prevista na Instrução CVM nº 08/1979. Sobre o ineditismo da conduta, o Diretor Henrique Machado afirmou que a CVM já julgou diversos precedentes que enquadraram novas práticas nos tipos administrativos da Instrução CVM nº 08/1979, que são abertos para conferir maior flexibilidade à supervisão de mercado. Por fim, os tipos administrativos de criação de condições artificiais e de manipulação de mercado representam modalidades congêneres, de sorte que a diferença de interpretação da CVM e da BSM sinaliza que houve “consenso entre as instituições de que a conduta dos Acusados violou a integridade do mercado de valores mobiliários”. No mesmo sentido, o Presidente Marcelo Barbosa afirmou no precedente de Layering A que a inteligência dos tipos em questão “reside precisamente no fato de que suas disposições não se tornaram obsoletas frente às transformações inerentes ao mercado de capitais”, permitindo que a CVM tutele o regular funcionamento do mercado mesmo diante das drásticas mudanças decorrentes do desenvolvimento tecnológico. Assim43 : os tipos abertos previstos na Instrução CVM nº 8/1979 permitem que determinadas estratégias que, à época, não eram utilizadas ou sequer existiam, possam ser enquadradas como ilícitos administrativos – desde que, é claro, estejam preenchidos os seus requisitos e tenham o condão de prejudicar o bem jurídico tutelado pela norma (isto é, “o funcionamento regular do mercado”). É o que ocorre no caso do layering, uma conduta reprovável na medida em que as ordens artificiais criadas por conta da implementação da estratégia geram informações falsas no livro de ofertas, tornando-o menos hígido, prejudicando as tomadas de decisões dos investidores e impactando o preço do ativo. A atuação sistemática e reiterada do acusado, aliada à conjugação dos fatores de inserção de oferta de quantidade expressiva, sucedida pelo seu cancelamento logo após a execução de oferta na ponta oposta do livro conduziram o Presidente Marcelo Barbosa à conclusão de que 42 De acordo com o inciso II da Instrução nº CVM 08/1979, condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários são “aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários”. 43 PAS CVM nº 19957.006019/2018-26, Rel. Pres. Marcelo Barbosa, j. em 01 out. 2019.
  • 26. 26 não houve motivo legítimo para a atuação do investidor e que houve a intenção de distorcer as cotações, restando configurada a manipulação de mercado. Ademais, nos casos em que os acusados eram profissionais de mercado, tais como administradores de carteira e agentes autônomos de investimento, o Colegiado da CVM entendeu que, com muito mais razão, não seria cabível o argumento de erro de proibição, pois esses profissionais conhecem melhor a dinâmica de formação de preços e o impacto ilícito que exerciam no mercado e deles se requer “diligência proporcional aos seus encargos e conhecimento integral da disciplina jurídica afeta aos seus negócios”, como afirmado pelo Diretor Henrique Machado no precedente de Spoofing A. 5.2. Elevado tempo de permanência das ofertas tidas como artificiais O único argumento de mérito que foi acolhido parcialmente foi a alegação de que as ofertas apontadas como artificiais teriam ficado tempo suficiente no livro a ponto de serem agredidas, o que contraria a premissa de que teriam sido colocadas com o intuito de não serem executadas. Como vimos, este argumento levou o Diretor Gustavo Gonzalez a propor a fixação de multa com base em casos de manipulação nos quais a o benefício econômico não pôde ser auferido (precedentes de Layering B, D e E). Com base na gravidade da conduta e em precedentes nesse sentido, a multa foi fixada em R$450.000,00. 5.3. O cálculo do benefício auferido é uma presunção e não um ganho efetivo Este argumento dialoga com o apresentado na seção anterior. Como indicado anteriormente, o cálculo do benefício auferido baseia-se na premissa de que havia um spread antes da atuação do manipulador, o qual induz os demais participantes a melhorarem suas ofertas até que uma oferta-alvo seja executada. Em todos os precedentes, o Colegiado da CVM acolheu o método proposto pela acusação, qual seja, a vantagem econômica obtida seria igual ao produto entre a quantidade executada da oferta-alvo e a diferença entre o preço da oferta-alvo e o preço de bid ou ask, conforme a oferta-alvo seja, respectivamente, de venda ou de compra. Trata-se, de fato, de um benefício suposto, pois não se leva em consideração qual seria o efetivo ganho do manipulador com a execução da oferta-alvo. A despeito disso, a CVM entendeu que este seria o método de cálculo mais adequado, uma vez que permite medir o deslocamento dos preços causado pela inserção das ofertas artificiais e é consistente com a definição do ciclo de manipulação.
  • 27. 27 5.4. Layering e spoofing só podem ser praticados por algoritmos e não por pessoas No precedente de Layering B, o acusado alegou que se encontrava em situação menos favorável que algoritmos que atuam em mercado, capazes de negociar com mais agilidade e, estes sim, seriam responsáveis pela inserção e cancelamento de ordens em larga escala. Em todos os procedentes analisados, não houve discussões específicas sobre a alegação de impossibilidade de prática de layering e spoofing por seres humanos, embora o entendimento geral tenha sido o de que se trata de uma espécie de manipulação que se opera em janela temporal muito reduzida e que a artificialidade das ofertas é comprovada por seu caráter efêmero, tomando como base o tempo de cancelamento após a execução da oferta-alvo. Apesar disso, o Colegiado da CVM entendeu que houve manipulação mesmo nas hipóteses em que as ofertas foram inseridas e canceladas manualmente. 5.5. A ausência de todas as informações do livro, arbitrariedade dos parâmetros de detecção e ausência de demonstração de nexo de causalidade entre o artifício e a alteração das cotações Em todos os precedentes analisados, a acusação enumerou as estratégias identificadas de acordo com os filtros de detecção, informando os horários, preços e quantidades das ofertas e negócios, sem, contudo, fornecer informações completas sobre o livro, tais como negócios realizados por outras pessoas e outras ofertas inseridas, modificadas e canceladas ao longo do ciclo apontado como manipulador. Desse modo, os acusados suscitaram dúvida sobre a possibilidade de suas ofertas terem sido a causa determinante ou adequada da movimentação dos preços, a qual se alegou que não teria ocorrido se o manipulador não tivesse atuado. Os acusados buscaram, assim, seu direito de invocar fato de terceiro ou, pelo menos, demonstrar a existência de concausas, o que teria sido inviabilizado pela ausência de informações completas sobre o livro de ofertas, resultado em cerceamento de defesa. Adicionalmente, os acusados questionaram a metodologia que levou à adoção dos filtros de detecção, indicando terem o direito de impugnar os parâmetros escolhidos e sua consistência estatística. Nesse sentido, demandaram explicações adicionais, por parte da CVM, sobre como os valores adotados autorizam a premissa de que o ciclo de inserção-execução-cancelamento seria um processo ou artifício idôneo a, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, tendo o condão de induzir terceiros a comprar e vender valores mobiliários. Ausente ou implausível a justificativa da CVM, os elementos normativos do ilícito de manipulação de mercado não estariam presentes no caso concreto.
  • 28. 28 No precedente de Spoofing A, o Diretor Henrique Machado concluiu que a atipicidade das ofertas manipuladoras a partir dos filtros de detecção é evidente44 e que os parâmetros adotados são válidos porque: (a) foram extraídos da prática de mercado observada diretamente nos sistemas de negociação: (b) decorrem da discussão com representantes do próprio mercado regulado; e (c) foram ampla e previamente divulgados aos intermediários e investidores-alvo. Assim, caberia aos acusados demonstrar que as ofertas não eram expressivas ou anormais e que não teriam o condão de alterar a cotação de ativos. Depreende-se deste entendimento que os filtros de detecção estabelecem uma presunção relativa45 de que houve manipulação, tendo o acusado o ônus de comprovar a legitimidade de sua atuação. Para o Presidente Marcelo Barbosa, conforme entendimento proferido no precedente de Layering A, o acesso integral aos autos deste confere ao acusado a oportunidade de exercer seu direito de defesa de forma plena. Na ocasião, também foram corroborados os parâmetros de detecção adotados46 , sendo recomendado que a CVM discuta a implemente medidas para garantir maior previsibilidade e segurança jurídica das práticas em questão, justificando e divulgando amplamente ao mercado os critérios de detecção e os motivos de sua escolha. Um entendimento importante no precedente de Layering A diz respeito à colocação do Presidente Marcelo Barbosa a respeito da exigência de efetiva produção de cotações enganosas como resultado do artifício utilizado, embora não seja necessário demonstrar que o agente 44 “A quantidade ofertada para a venda é mais que duas vezes superior à soma de todas as outras ofertas constantes no mesmo lado do livro, até o 3º nível de preços. Essa quantidade expressiva de ofertas de venda, como se verá a seguir, será cancelada em menos de 2s (dois segundos).”; “Conforme dados objetivos extraídos do sistema de negociação, a Acusada executou esse padrão de operação milhares de vezes com 97,27% de taxa de cancelamento integral da oferta expressiva após intervalo de permanência de 4s, em média, no livro de ofertas dos contratos”. Cf. PAS CVM nº 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Machado, j. em 13.03.2018. 45 Ao julgar o precedente de Layering A, o Presidente Marcelo Barbosa afirma que “Não se trata, aqui, vale destacar, de uma espécie de inversão do ônus da prova”. Contudo, na sequência, afirma: “O Acusado, por sua vez, não trouxe argumentos ou elementos probatórios suficientes para refutar os critérios utilizados pela SMI [...] tampouco demonstrou que as operações indicadas pela Acusação como ilícitas eram, na verdade, legítimas. Assim, [H. D.] não conseguiu afastar a carga acusatória que lhe foi devidamente imposta pela área técnica”. Entendemos que, a despeito da primeira afirmação, o julgador exigiu do acusado exatamente a impugnação das alegações da acusação, como se os filtros de detecção representassem uma presunção relativa, a qual, se não afastada, resulta em condenação. 46 “Evidentemente, a inserção de 4 ofertas no intervalo de 10 minutos não é, por si só, uma irregularidade, tampouco o cancelamento de ordens em um curto espaço de tempo ou mesmo a realização de negócios em ambos os lados do livro. No entanto, ao serem considerados em conjunto, estes movimentos orquestrados para, de um lado, criar camadas artificiais de liquidez e, de outro lado, executar o negócio verdadeiramente pretendido (e em condições mais vantajosas do que aquelas inicialmente possíveis), indicam a existência de uma estratégia irregular (e não de uma “disputa pelo melhor preço”, como alega o Acusado em alguns momentos) – especialmente quando realizados de forma reiterada”. Apesar dessa afirmação, o Relator asseverou que “não se deve afastar a possibilidade de a defesa demonstrar que os critérios utilizados para identificar as práticas de layering e spoofing não seriam adequados para comprovar a efetiva alteração da cotação dos ativos. Por isso, a meu ver, insurgir-se contra estes critérios pode ser uma estratégia de defesa válida para demonstrar que não estariam presentes todos os elementos do tipo administrativo, vulnerando a acusação”. Cf. PAS CVM nº 19957.006019/2018-26, Rel. Pres. Marcelo Barbosa, j. em 01 out. 2019.
  • 29. 29 auferiu vantagem econômica. Diante dessa exigência, seria necessário comprovar que as cotações eram artificiais e o nexo de causalidade entre o artifício e o resultado pretendido. Na ocasião, o Colegiado da CVM concluiu que seria "perfeitamente plausível concluir que a inserção e o cancelamento de ofertas, por si só, produzem efeitos sobre o processo de formação de preços" e que "tais efeitos tornam-se artificiais na medida em que as ordens não são inseridas no livro de ofertas de boa-fé". Assim, ao que tudo indica, a CVM entende que a necessária demonstração do o nexo de causalidade entre o artifício e o resultado pretendido decorre da comprovação do dolo da manipulação. Por fim, o Diretor Gustavo Gonzalez afirmou, em todos os precedentes de sua relatoria, que as informações presentes nos autos seriam suficientes não apenas para demonstrar a sistemática do ilícito e permitir um juízo sobre a materialidade da infração, mas também para que o acusado exercesse seu direito de defesa de forma plena. 5.6. Inviabilidade de manipulação em ativos muito líquidos e irrelevância dos volumes negociados em face do mercado Em alguns casos, os acusados alegaram que as quantidades negociadas seriam irrelevantes em face da quantidade das demais ofertas presentes no livro ou dos negócios realizados ao longo do dia. Para a CVM, consoante os precedentes analisados, a manipulação de preços mediante e spoofing e layering pode ocorrer independente da liquidez do ativo, desde que, pelo menos, os parâmetros de detecção permitam a identificação de ciclos de inserção de ofertas artificiais, execução de ofertas-alvo e cancelamento subsequente. No precedente de Spoofing A, a maior parte das estratégias foi realizada em mercados de minicontratos do segmento BMF, extremamente líquidos. Para o Diretor Henrique Machado, o fato de a manipulação ocorrer em curtíssima janela temporal faz com que não seja possível considerar as ofertas e negócios realizados ao longo de todo o pregão. No mesmo sentido, o Diretor Gustavo Gonzalez afirmou no precedente de Layering C que “a tendência de alta (ou de baixa) na cotação de determinado ativo não impede que sejam utilizadas estratégias de manipulação de curtíssimo prazo (segundos ou minutos)”. Entendemos que há uma correlação inversa entre a duração do ciclo de manipulação e a liquidez do ativo para fins de caracterização da manipulação. Quanto mais líquido o ativo, menor deve ser a janela temporal a ser considerada a ponto de afastar a possibilidade de outras
  • 30. 30 ofertas e negócios – em maior quantidade em ativos mais líquidos – interferirem no movimento das cotações. Para ativos menos líquidos, no entanto, pensamos que esta janela temporal pode ser maior, ainda que a permanência de ofertas por longo período descaracterize a intenção de que tenha sido inserida para não ser executada. Entendemos que esta preocupação foi endereçada pela CVM e pela BSM ao aprimorar os filtros de detecção no precedente de Spoofing B, ao indicar que o tempo de cancelamento da oferta artificial deve ser menor do que a média de intervalo entre cada negócio do ativo no pregão anterior, estabelecendo, portanto, tal duração em função de um parâmetro de liquidez do ativo e não um valor geral para todos os ativos (menos de dez segundos), como no precedente de Spoofing A. 5.7. Outros argumentos de defesa No precedente de Spoofing A, os acusados sustentaram que havia interesse de permanecer com os contratos negociados. Em outros casos, foram aduzidos argumentos de defesa no sentido de que a prática, além de ser usual no mercado, seria legítima, aproximando- se da atuação de um market maker voluntário. Apesar de não ter havido discussão aprofundada sobre os fundamentos econômicos das ofertas e negócios dos acusados, seria possível, em teoria, alegar que as operações foram decorrentes de estratégias legítimas, tais como arbitragem para explorar ineficiências efêmeras nos preços, negociação conjunta e simultânea com outros ativos e tipicidade da forma de atuação por parte do acusado. No entanto, entendemos que, para serem acolhidas, tais alegações devem ser devidamente comprovadas, devendo ser apresentados os dados relativos às ofertas e negócios contemporâneos e ao racional econômico da atuação. No caso de atuação por meio de algoritmos, seria possível considerar até mesmo a possibilidade do exame do código-fonte para demonstrar que não houve programação intencional de inserção de ofertas para que fossem canceladas antes de sua execução. Nos precedentes de Layering B, D e E, o Diretor Gustavo Gonzalez indicou a existência de “falsos positivos”, isto é, de estratégias para houve dúvida sobre seu caráter manipulador, particularmente em função do elevado tempo de permanência das ofertas tidas como artificiais no livro, as quais poderiam ser agredidas pelos demais investidores. Um questionamento relevante que decorre deste entendimento é a possibilidade de alegação, por parte de um acusado que tenha sido condenado, de que uma mudança nos filtros de detecção faria com que parte ou a totalidade de sua atuação deixasse de ser considerada
  • 31. 31 irregular, isto é, se fossem aplicados os novos filtros aos dados da época, suas ofertas e operações sequer teriam passado pela primeira etapa da análise acerca da ilicitude. Assim, haveria espaço para uma retroatividade benéfica na hipótese de alteração superveniente dos parâmetros de detecção. Sobre o possível acolhimento deste argumento pela própria CVM ou pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, temos como ponto de partida a manifestação de voto do Presidente Marcelo Barbosa nos precedentes de Layering B, D e E: “as possíveis melhorias nos filtros utilizados pela área técnica para identificar operações de layering, como aquelas apontadas no voto do Diretor Relator, não afastam, a princípio, a legitimidade dos parâmetros utilizados em outros casos julgados ou ainda sob análise nesta Autarquia”. 6. Síntese A informação é o principal bem jurídico tutelado pela regulação do mercado, a qual busca mitigar assimetrias de informação. As informações do livro de ofertas são matéria-prima para decisões de investimento e, por isso, o processo de formação de preços não deve sofrer interferências indevidas que gerem sinais equivocados para os agentes econômicos. Investidores levam em conta as informações do livro de oferta, provendo liquidez, gerenciando a execução de ofertas para seus clientes e auxiliando na formação de preços têm sua atuação legítima prejudicada pela presença de blefes, que elevam o custo das operações. Portanto, o blefe é proibido, sendo considerado forma de manipulação de mercado. Ofertas de quantidade expressiva podem fazer com que os demais investidores tentem se antecipar a um movimento no curtíssimo prazo, melhorando suas ofertas (alterando as existentes ou inserindo novas ofertas), o que pode resultar no próprio movimento de preços que se previu – uma profecia autorrealizável. Tais ofertas, isoladamente, não podem ser consideradas ilegítimas, assim como seu cancelamento ou a presença de ofertas do mesmo investidor em ambos os lados do livro. Entretanto, o blefe no livro de ofertas pode ser identificado com algum grau de probabilidade, pela conjugação desses fatores, especialmente de forma sistemática e reiterada. Este padrão de atuação é um indício de que não se desejava executar a oferta expressiva, mas apenas induzir os demais investidores a melhorar seus preços de modo a executar uma oferta- alvo. Na manipulação mediante spoofing, insere-se uma oferta expressiva com o intuito de induzir os agentes de mercado a melhorarem os preços de suas ofertas e, com isso, movimentar os preços até que uma ou mais ofertas-alvo na ponta oposta do livro sejam atingidas e, então,
  • 32. 32 ocorra o cancelamento da oferta de quantidade expressiva. A manipulação mediante layering é uma conduta congênere, cuja única diferença reside no fato de que a quantidade expressiva decorre de múltiplas ofertas do mesmo investidor em diferentes níveis de preço, todos próximos ou iguais aos melhores níveis de preço de compra (bid) ou de venda (ask). A caracterização do padrão de atuação se dá pelo estabelecimento de parâmetros quantitativos (e objetivos) em filtros de detecção, envolvendo o tamanho da oferta expressiva em relação às demais ofertas presentes no livro, aos níveis de preço nos quais são inseridas as ofertas tidas como artificiais e seu tempo de permanência no livro, sendo relevante o período entre a execução da oferta-alvo e o cancelamento da oferta artificial, pois a manipulação se concretiza em uma janela temporal reduzida. De acordo com os precedentes analisados, tais parâmetros devem ser amplamente divulgados ao mercado e, ainda, a identificação de estratégias de negociação que satisfazem os filtros de detecção não são suficientes para um juízo sobre sua ilicitude, o qual deve decorrer do preenchimento dos requisitos contidos na definição normativa de manipulação de mercado. Devem ser considerados, assim, indícios adicionais para comprovar o dolo da manipulação, possibilitando a distinção entre uma atuação legítima de uma atuação irregular. Como vimos, a CVM afastou inúmeros argumentos de defesa, de modo que o entendimento da autarquia pode ser sintetizado como: (a) as práticas de layering e spoofing são formas de manipulação de mercado proibidas pela legislação vigente e não é cabível o argumento de erro de proibição; (b) é preciso demonstrar que houve fundamento econômico legítimo para a inserção de ofertas expressivas e seu cancelamento; (c) quanto maior o tempo em que uma oferta permanece no livro, menor é a probabilidade de que seja artificial; (d) é válido calcular o benefício econômico auferido em teoria com base no deslocamento do spread e quantidade executada, ainda que este ganho não tenha sido efetivamente realizado; (e) layering e spoofing podem ser praticados manualmente por seres humanos ou por meio de algoritmos; (f) não é necessário fornecer todas as informações sobre o livro de ofertas durante o ciclo identificado pelos filtros de detecção e o nexo de causalidade entre o artifício e o resultado decorre da comprovação do dolo de manipulação; e (g) é viável a manipulação mediante layering e spoofing mesmo em ativos líquidos e é irrelevante a comparação entre os volumes negociados nos ciclos de manipulação e os volumes agregados do ativo ao longo de uma janela temporal maior. Esperamos, assim, ter contribuído para a compreensão do entendimento atual da CVM sobre layering e spoofing e para futuras pesquisas sobre o tema a partir de próximos casos que venham a ser apreciados pela autarquia.
  • 33. 33