Este documento descreve a evolução histórica da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil desde o período colonial até a atualidade. Apresenta as diferentes representações sociais da infância ao longo do tempo e as mudanças na legislação, como o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, que consagrou a doutrina da proteção integral baseada nos direitos humanos.
2. Evolução Histórica
• O Brasil Colônia e a Descoberta da Infância:
•Até o Século XVII a Infância não havia sido descoberta
• Incapacidade social de não ter, não ser, não poder
•Infância do latim Infans = quem não fala, não tem voz
• Início do Século XVIII: frustrada tentativa de
dominação, civilização e controle das crianças indígenas
• Proliferação da escravidão negra
• Primeiros indícios de crianças abandonadas
3. Representações Sociais da Infância
• Infância enquanto construção confeccionada a partir
de uma dada estrutura social;
• Adultos em miniatura – mera fase de transição
• Condição de acordo com a classe social pertencente
• Históricamente nas relações sociais a criança aparece
sempre com postura passiva perante uma figura
geralmente masculina
• Adultocentrismo => machismo => homofobismo =>
racismo => valores éticos da elite burguesa
• Intervenção do Estado = Educação pelo medo
4. Representações Sociais da Infância
• Criança e adolescente como Objeto de Proteção
social => sobrevivência infantil => política do
abandono
• Criança e adolescente com objeto de controle e
Disciplinamento Social => higienista
• Criança e adolescente como Objetos de Repressão
Social => tem como objeto principal adolescentes não
absorvidos pelo mercado de trabalho, nem pelo sistema
educacional formal, geralmente pobres, que culminam
em práticas de infrações penais => Doutrina da
Situação Irregular.
• Criança e adolescente como Sujeitos de Direito =>
Doutrina da Proteção Integral
5. Rodas dos Expostos, Caridade e
Filantropia
• Elevado índice de mortalidade infantil
• 1693 – Câmaras Municipais tinham a responsabilidade
de assistir às crianças enjeitadas
• 1726 – Santa Casa de Misericórdia de Salvador BA: 1ª
Roda dos Expostos
• Crianças acolhidas e criadas/exploradas por outras
famílias
6. • Iniciativas de orientação à população pobre a fim de
domesticar a criança e o adolescente visando afastá-los
do perigo da vadiagem e da prostituição,
transformando-os em classe trabalhadora
• Salvaguarda dos padrões de moral pública e familiar
da época
• Negócio lucrativo aos burladores do sistema
Lei dos Municípios de 1828
•Retira o poder das Municipalidades e comunidade local
• Coloca as Rodas à serviço do Estado
• Exime as Câmaras de suas responsabilidades
• Incentiva particulares a assumir a responsabilidade
7. Responsabilidade Penal e
Correção/Repressão
• Crescente presença de meninos e meninas nas ruas
• Deixam de inspirar piedade e passam a ser incômodo
a sensibilidade das elites
• Criação de Instituições de Internação
• Novo sistema de controle jurídico, correcional,
repressivo, higienista e asilar em nome da proteção da
sociedade
• “Menores Vagabundos” = “Criminosos em embrião”
8. Código Criminal de 1830
• Mendicância e vadiagem passam a figurar como
crime
• Recolhimento a casa de correção para adolescentes
dos 14 aos 17 anos
•É conferido ao Juiz poder soberano para definir quem
era ou não criminoso e quem estava sujeito as penas
• Estratégia de controle para camadas livres pobres
• Intervenção do Estado para a formação de
trabalhadores dóceis
• Abolição da escravidão: medidas para forçar pobres
e libertos ao trabalho agrícola
9. Surgimento do “Menor”
• O “menor” atinge bens ou interesses jurídicos
tutelados
• Ingresso do “menor” no direito através de suas
condutas danosas
• Castigo como idéia inicial e depois “proteção”
• Diferença entre as Categorias Criança e “Menor”
10. Assistência Estatal, Vigilância e
Controle
• Fins do Século XIX: Abolição da Escravidão,
Proclamação da República 1889
• Insuficiência e ineficiência, além da velada
exploração das assistências caritativas e filantrópicas
• Transformações sócio-políticas e econômicas no
país: surge a necessidade de uma legislação social
oficial que regulamentasse a prestação de assistência
aos “menores”, concebendo-a como sócio-jurídica
11. • Responsabilização do Estado
• Tentativa de estabelecer uma “nova ordem social”
através do policiamento de tudo que fosse causador
de “desordem física e moral”
• Conceito de infância abandonada “moralmente”
como potencialmente perigosa para a sociedade
• Proposta de um novo sistema de “reeducação e
tratamento”
• Idéia de disciplinar a caridade para exercer uma
ação útil e produtiva fundamentado na ciência,
preponderante até 1964, quando começa a fase do
Estado de Bem-estar do Menor
• Caridade x Filantropia= disputa política e econômica
12. Juízo de Menores e Assistência
Jurídico-Sócio-Educativa
• Centralidade dos Poderes no Juízo Privativo de
Menores (1923)
• Estado obrigado a invadir a esfera da família sempre
que julgar necessário para promover a segurança da
criança e do adolescente
• Juiz de Menores: compunha o processo e julgava
sem a intervenção de advogado
• Criação dos Abrigos de Menores e do Conselho de
Assistência e Proteção aos Menores
13. Código de Menores de 1927
(Código Mello Matos)
• Afasta-se a responsabilidade penal dos menores de
18 anos, “substituindo” a repressão pela “reeducação
através do isolamento” que deve ser um espaço de
“reflexão, reforma e submissão total”
• Fracasso e ineficiência da política e das instituições
de atendimento
• Em 1941 surge o Serviço de Assistência ao
Menor / SAM, sem fugir das práticas autoritárias e
correcional-repressiva como forma de “proteção”
14. • O SAM funcionou como o equivalente ao Sistema
Penitênciário para a população “menor” até 1945
• Com o fracasso, corrupção, promiscuidade e
violência do SAM, durante a ditadura militar - em que
a pobreza e a participação social da população
oferecem risco a Segurança Nacional -, a infância
adquire o status de “Problema Social” e a Assistência
assume o caráter de política nacional a ser formulada,
implantada e executada pela Fundação do Bem Estar
do Menor (FUNABEM) a partir de 1964
15. Fundação do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM)
• Nasce no bojo da Escola Superior de Guerra e
sucede o SAM no controle do indivíduos
• Deve agir como uma “casa de educação dos
menores” fundamentada nas diretrizes e princípios
da Declaração Universal dos Direitos da Criança de
1959, entretanto não perde o seu caráter
correcional-repressivo, assim como suas congêneres
Estaduais, as chamadas FEBEMs
16. Doutrina da Situação Irregular
• Afirmada desde o Código de Menores de 1927,
prevê situações de irregularidade: vadiagem,
mendicância, delinqüência, etc
• Criança e Adolescente compreendidos e “tratados”
como objetos, passiveis da aplicação de medidas
jurídicas e sociais impostas verticalmente pelo juiz de
menores
• A situação do “menor” era vista como condição
natural da orfandade ou vista como incompetência
das famílias pobres de cuidar de seus filhos
• Ausência, pobreza e desestrutura familiar como
responsáveis pela existência do “menor”
17. Código de Menores de 1979
• Reafirma a Doutrina da Situação Irregular
• Discussões pela constituinte da Infância em todo o
mundo sobre o projeto Polonês que deu origem a
Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança
(1989).
• O movimento social pela proteção dos direitos da
criança e do adolescente é recente no palco das lutas
sociais no Brasil, sem espaço para atuar dentro da
Ditadura Militar. Mesmo assim pressiona o Poder
Público a não atuar mais sozinho
• Participação social limitada à cooperação e execução
do atendimento
18. Constituição Federal (1988) e
Garantismo de Direitos
• Define o Brasil como Estado Democrático de Direito,
com fundamento na cidadania, na dignidade da
pessoal humana, no poder emanado do povo (art. 1º)
e objetivos fundamentais na construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, na erradicação da
pobreza e redução das desigualdades sociais e na
promoção do bem estar de todos, sem preconceitos
ou discriminação (art. 3º)
• Inaugura uma nova fase de proteção sócio-jurídica
da criança e do adolescente ao compreendê-los como
sujeitos de direitos e credores de todos os direitos
fundamentais e da proteção integral e especial
19. Doutrina da Proteção Integral
• A Constituição Federal estabelecendo a Doutrina da
Proteção Integral (garantista), estabelece a co-responsabilidade
entre Família, Estado e Sociedade
pela garantia e defesa dos direitos de todas as
Crianças e Adolescentes (art. 227), com absoluta
prioridade.
• Prevê as diretrizes da Descentralização Político-
Administrativa e da Participação Popular, por meio de
organizações representativas, na formulação e no
controle das ações nos diversos níveis de governo
(art. 227, § 7 c/c art. 204, I e II
20. Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos
da Criança e do Adolescente
• A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança consagra a doutrina da Proteção Integral à
infância
• Sua importância reside na revogação da antiga
concepção tutelar, trazendo a criança e o adolescente
para uma condição de sujeito de direito, de
protagonista da própria história, possuidor de direitos
e obrigações, e dando um novo funcionamento à
Justiça da Infância e da Juventude.
21. Principais características da Doutrina da
Proteção Integral:
• É dever da família, da sociedade, da comunidade e do
Estado restabelecer o exercício do direito da criança que é
ameaçado ou violado;
• Determina a situação de irregularidade do Estado, da
sociedade ou da família, e não mais da própria criança, em
caso de violação ou ameaça do seu direito;
• A política pública em benefício da criança deve ser
descentralizada e focalizada no município (municipalização
do atendimento);
22. Principais características da Doutrina da
Proteção Integral:
• As crianças já não são mais pessoas incompletas,
mas sim pessoas completas que possuem a
particularidade de encontrarem-se em
desenvolvimento.
• Apoio institucional à família: condição mínima a ser
estabelecida por políticas públicas sérias e
permanentes ao pleno exercício do direito
fundamental à convivência familiar e comunitária –
art. 19, do Estatuto –,
• Incorporada no texto constitucional, integra o
Estatuto da Criança e do Adolescente;
23. Principais características da Doutrina da
Proteção Integral:
• Como o Estatuto baseia-se no princípio de que
todas as crianças e adolescentes desfrutam dos
mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações
compatíveis com a peculiar condição de
desenvolvimento, rompe-se definitivamente com a
idéia de que os Juizados de Menores seriam uma
justiça para os pobres.
24. Estatuto da Criança e do
Adolescente
• Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990
• Define os direitos da Criança e do Adolescente
• Prevê métodos e instrumentos de exeqüibilidade
aos novos princípios constitucionais
• Cria os Conselhos e os Fundos dos Direitos da
Criança e do Adolescente (art. 88, II e IV) e o
Conselho Tutelar (art. 131), órgãos obrigatórios em
todos os municípios (arts. 132 e 261, parágrafo
único)
25. Estatuto da Criança e do
Adolescente
• Livro I, Parte Geral: afirmação de todos os direitos
da Criança e do Adolescente, divididos em cinco
capítulos, sendo:
- I Vida e saúde (arts. 7º a 14); II Liberdade, respeito
e dignidade (arts. 15 a 18); III Convivência familiar e
comunitária (arts.19 a 52); IV Educação, cultura,
esporte e lazer (arts. 53 a 59); V Profissionalização e
proteção no trabalho (arts. 60 a 69)
26. Estatuto da Criança e do
Adolescente
• Já em seu Livro II – Parte especial, trata da política
de atendimento (arts. 86 a 97); das medidas de
proteção (arts. 98 a 102), medidas aos pais ou
responsável (arts. 129 e 130); do Ato Infracional
(arts.103 a 128); do Conselho Tutelar (arts. 131 a
140); do acesso à justiça (arts. 141 a 224) e dos
crimes e infrações administrativas (arts. 225 a 258).
27. Conselho dos Direitos da Criança e
do Adolescente
• Órgão deliberativo e controlador das ações nos
níveis municipal, Estadual e Nacional, “assegurada a
participação popular paritária por meio de
organizações representativas (art. 88)
• Seus membros exercem função considerada de
interesse público relevante e não são remunerados
• Além de seu papel formulador e deliberador da
política de atendimento dos direitos da Criança e do
Adolescente, cabe ao Conselho gerir os recursos do
Fundo a ele vinculado, fixando os critérios de
utilização das receitas (art. 260, § 2º)
28. Conselho dos Direitos da Criança e
do Adolescente
• Cabe também ao Conselho o registro das
entidades não-governamentais de atendimento (art.
91) e as inscrições e alterações dos programas e
regimes de atendimento das entidades
governamentais e não-governamentais (art. 90)
29. Fundo dos Direitos da Criança e do
Adolescente
• O Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente,
previsto também nos níveis estadual e nacional é
uma concentração de recursos, proveniente de
várias fontes, que se destina à promoção e defesa
dos direitos de crianças e adolescentes, conforme
dispuser a lei municipal
• Cabe ao Conselho de Direitos elaborar os planos
de ação e aplicação dos recursos do Fundo para
integrarem o orçamento do município. Existem
também outras formas de receita como doações,
multas e transferências dos Fundos Estadual e
Nacional
30. Conselho Tutelar
• O Conselho Tutelar é órgão colegiado não
jurisdicional, composto de cinco membros escolhidos
pela comunidade local para mandato de três anos,
encarregados pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da Criança e do
Adolescente definidos no Estatuto
• Da concretude à diretriz constitucional da
Democracia Participativa, uma vez que assegura a
participação da população na administração das
questões públicas
• Funciona com recursos previstos na Lei
Orçamentária Municipal, vinculado à administração
pública Municipal
31. Conselho Tutelar
• É autônomo - sem hierarquia ou subordinações -,
para atender crianças, adolescentes e suas famílias,
aplicar medidas de proteção aos pais ou
responsável, requisitar serviços públicos,
encaminhar notícias ao Ministério Público e casos de
competência da Autoridade Judiciária e representar
a esses orgâos (art. 136, I a XI)
• Deve também colocar a salvo de toda ameaça,
risco pessoal e/ou social toda Criança e Adolescente,
contribuindo para a “construção de uma sociedade
livre , justa e solidária, na erradicação e na redução
das desigualdades sociais, e na promoção do bem
de todos, sem preconceitos ou discriminação
32. Conselho Tutelar
• Cabe ao Conselho Tutelar exercer ações de
proteção coletiva e difusa que envolvam toda
criança e adolescente, tais como:
- Participar de Fóruns;
- Divulgar a Doutrina da Proteção Integral e o
Estatuto;
- Conscientizar e mobilizar a sociedade em geral;
- Pressionar as estruturas políticas, econômicas e
sociais;
- Cobrar para que haja atendimento prioritário as
Direitos de crianças e Adolescentes
33. Conselho Tutelar
• Cabe ao Conselho Tutelar exercer ações de
proteção coletiva e difusa que envolvam toda
criança e adolescente, tais como:
- Assessorar o Poder Executivo na elaboração de
proposta orçamentária para planos e programas de
atendimento;
- Indicar aos Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente as carências de políticas
públicas e as necessidades de investimento;
- Fiscalizar as entidades de atendimento.
34. Conclusão I
• Podemos observar que a política para a
infância pobre se articula ao processo de
desenvolvimento capitalista, inserindo-se na
heterogeneidade econômica das várias
formas de produção, mantendo a divisão
social de classes, a desigualdade e a política
de disponibilidade de mão-de-obra, com
exploração sistemática da mão-de-obra
infanto-juvenil.
35. Conclusão II
• o reconhecimento da criança e do
adolescente como cidadãos mudou o marco
de referência legal, mas foi a ampla
mobilização da sociedade pelos direitos
infanto-juvenis que propiciou a elaboração
de novas políticas vinculadas à Criança e ao
Adolescente.
36. Conclusão III
• As organizações de crianças e
adolescentes podem constituir-se em
verdadeiros movimentos sociais, tais
movimentos sociais têm assim o desafio de
se firmarem enquanto organizações de
crianças e adolescentes, e não somente de
adultos que lutam pelos direitos da infância.
Isso implica em uma mudança profunda das
relações entre infância e adultos,
tradicionalmente marcadas pelo
autoritarismo.
37. Participar é preciso !!!
“O ato de participar conduz o indivíduo a
desenvolver uma consciência de si mesmo, de
seus direitos e de pertencer a um grupo ou
comunidade. A participação tem a ver com a
possibilidade de tomar decisões com
liberdade e não somente com o ato de
contrair responsabilidades econômicas ou de
qualquer outro tipo. A dignidade e a
autodeterminação são características da
participação”.
MORFIN, Stoopen; CORONA, Yolanda Caraveo. Participación
infantil y juvenil. UNICEF: México, 2001, p. 16.